Apelação Cível Nº 5008156-54.2021.4.04.7000/PR
RELATORA: Juíza Federal FLÁVIA DA SILVA XAVIER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: MATILDE ROMBACH DE ALMEIDA (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de ação de procedimento comum em que é postulada a concessão de benefício por incapacidade, desde a DER (15/08/2017), seja reconhecida a validade das contribuições vertidas como segurada facultativa de baixa renda, de 01/08/2014 a 31/08/2017, bem como a indenização por danos morais.
A sentença, que julgou procedente em parte o pedido, tem o seguinte dispositivo (evento 83 dos autos originários):
Ante o exposto, decido do seguinte modo:
(a) julgo extinto e sem resolução do mérito o pedido de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-doença, por falta de interesse de agir, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil;
(b) julgo procedente em parte o pedido, com base no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para o fim de condenar o Instituto Nacional do Seguro Social a reconhecer e averbar o período de segurado baixa renda de 17/03/2016 a 31/08/2017.
Dada a sucumbência recíproca, nos termos do artigo 86, caput, do Código de Processo Civil, condeno da seguinte maneira: a) INSS arcará com 30%, tanto de custas processuais quanto de honorários advocatícios sucumbenciais, fixados sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2°, do Código de Processo Civil; b) parte autora arcará com os outros 70%, nos precisos termos do que fora acima estipulado, cuja cobrança fica suspensa por conta do deferimento dos benefício da assistência judiciária gratuita.
O INSS apelou (evento 88). Sustenta que o período de 17/03/2016 a 31/08/2017 não pode ser computado como tempo de contribuição de segurada facultativa de baixa renda, uma vez que a inscrição no CadÚnico se deu apenas em 09/08/2018, requisito indispensável para validade das contribuições em comento. Ao final, pede seja afastada a condenação do INSS aos honorários advocatícios, que somam quase R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Com contrarrazões (evento 91), os autos vieram para julgamento.
É o relatório.
VOTO
CASO CONCRETO
A autora, nascida em 26/03/1964, atualmente com 59 anos de idade, requereu a concessão de benefício por incapacidade temporária, em 15/08/2017, indeferido em razão da perda da qualidade de segurada (evento 17).
A presente ação foi ajuizada em 26/02/2021.
A demandante se submeteu a perícia técnica simplificada, em que restou constatada a incapacidade laborativa nos períodos de 01/07/2019 a 15/07/2019, 09/10/2019 a 23/10/2019, e de 04/05/2020 a 18/05/2020.
A sentença negou a concessão do benefício, "por conta da ausência de pedidos administrativos contemporâneos às DIIs", concluindo "que não há direito à concessão de benefício por falta de interesse de agir", bem como indeferiu o pedido de indenização por danos morais (evento 83).
Ainda, reconheceu o direito à averbação do interregno de 17/03/2016 a 31/08/2017 como segurada facultativa de baixa renda.
A controvérsia recursal cinge-se à validade de tais contribuições.
SEGURADA FACULTATIVA DE BAIXA RENDA
Sobre os recolhimentos previdenciários em valor reduzido do contribuinte facultativo de baixa renda, destaco o art. 21, § 2º, II, 'b', e § 4º, da Lei n. 8.212/91:
Art. 21. A alíquota de contribuição dos segurados contribuinte individual e facultativo será de vinte por cento sobre o respectivo salário-de-contribuição.
(...)
§ 2o No caso de opção pela exclusão do direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a alíquota de contribuição incidente sobre o limite mínimo mensal do salário de contribuição será de: (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
I - 11% (onze por cento), no caso do segurado contribuinte individual, ressalvado o disposto no inciso II, que trabalhe por conta própria, sem relação de trabalho com empresa ou equiparado e do segurado facultativo, observado o disposto na alínea b do inciso II deste parágrafo; (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
II - 5% (cinco por cento): (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
a) no caso do microempreendedor individual, de que trata o art. 18-A da Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006; e (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
b) do segurado facultativo sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencente a família de baixa renda.
§ 4o Considera-se de baixa renda, para os fins do disposto na alínea b do inciso II do § 2o deste artigo, a família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico cuja renda mensal seja de até 2 (dois) salários mínimos.
Assim, para enquadramento nessa modalidade de recolhimento, é preciso que o segurado: a) não aufira renda própria, permitindo-se apenas o desempenho de atividades do lar; e b) pertença à família de baixa renda.
Em consulta ao extrato do CNIS da parte autora, constata-se que efetuou recolhimentos como segurada facultativa de baixa renda, nos períodos de 01/08/2014 a 31/08/2017, 01/10/2018 a 31/03/2021 (evento 17).
O INSS se insurge contra o reconhecimento da validade do período de 17/03/2016 a 31/08/2017.
Sem razão.
Cumpre observar que no CNIS a anotação de pendência é genérica, não detalhando tratar-se de irregularidade no enquadramento da demandante no Plano Simplificado de Previdência Social - correspondente às siglas IREC-LC123 e PREC-FBR - tampouco mencionando invalidação dos recolhimentos como segurado facultativo de baixa renda.
Por outro lado, o art. 29-A da Lei nº 8.213/1991, em seu §5º, determina que “havendo dúvida sobre a regularidade do vínculo incluído no CNIS e inexistência de informações sobre remunerações e contribuições, o INSS exigirá a apresentação dos documentos que serviram de base à anotação, sob pena de exclusão do período”.
Ocorre que o INSS não comprovou ter requerido administrativamente à parte autora os documentos para regularização dos recolhimentos, e sequer esclareceu quais irregularidades seriam estas, deixando de cumprir com seu ônus probatório (art. 373, II, CPC).
Em suma, cabe à autarquia aferir a consistência dos recolhimentos previdenciários e, no caso de eventual discrepância, solicitar ao segurado a apresentação de documentos que embasem a opção contributiva.
Contudo, no caso em tela, não há qualquer comprovação nesse sentido.
A par disso, vale destacar que a inscrição no CadÚnico trata-se de requisito meramente formal, de modo que a sua ausência ou a falta de atualização dos dados não constituem óbice à validação das contribuições recolhidas, desde que demonstrado que a família do contribuinte é efetivamente de baixa renda e que ele não possui renda própria.
Ilustram esse entendimento os seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS. QUALIDADE DE SEGURADO. SEGURADA FACULTATIVA DE BAIXA RENDA. INCAPACIDADE LABORAL. CARÊNCIA. CONSECTÁRIOS LEGAIS DA CONDENAÇÃO. PRECEDENTES DO STF (TEMA 810) E STJ (TEMA 905). 1. O segurado portador de enfermidade que o incapacita total e temporariamente tem direito à concessão do auxílio-doença desde em que constatada a incapacidade laboral. 2. O recolhimento no código 1929, no montante de 5% do salário mínimo, instituído pela Lei nº 12.470/2011, é destinado apenas aos contribuintes facultativos sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência e que pertença à família de baixa renda. 3. Conforme a jurisprudência desta Corte, a inexistência de inscrição no CadÚnico não obsta, por si só, o reconhecimento da condição de segurado facultativo de baixa renda, tendo em vista que tal inscrição constitui requisito meramente formal, de modo que, estando demonstrado que a família do segurado efetivamente é de baixa renda e que este não possui renda própria, está caracterizada a sua condição de segurado facultativo de baixa renda. 4. Critérios de correção monetária e juros de mora conforme decisão do STF no RE nº 870.947, DJE de 20-11- 2017 e do STJ no REsp nº 1.492.221/PR, DJe de 20-3-2018. (TRF4, AC 5008488-79.2020.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 26/04/2021)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. QUALIDADE DE SEGURADO DO "DE CUJUS". CONTRIBUINTE FACULTATIVO DE BAIXA RENDA. COMPROVAÇÃO. HONORÁRIOS. 1. A concessão do benefício de pensão por morte depende da ocorrência do evento morte, da demonstração da qualidade de segurado do de cujus e da condição de dependente de quem objetiva a pensão. 2. A ausência de atualização do CadÚnico constitui mera formalidade não impeditiva do aproveitamento das contribuições vertidas, quando possível a constatação judicial de manutenção da condição de segurado de baixa renda. 3. Considerando que a falecida ostentava a condição de segurada, devida a concessão de pensão por morte ao dependente. 4. Verba honorária majorada em razão do comando inserto no § 11 do art. 85 do CPC/2015. (TRF4 5023544-55.2020.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 27/04/2021)
No caso em tela, durante os exames periciais realizados em sede administrativa (evento 18) e judicial (evento 32), a autora declarou que era dona de casa.
E mesmo que assim não fosse, é possível flexibilizar o conceito de segurado de baixa renda, nos casos em que a pessoa exerça algumas atividades mínimas, como pequenos bicos, para o sustento da sua casa, tema que, inclusive constitui objeto do processo representativo de controvérsia no âmbito da TNU - PEDILEF 0179893-64.2016.4.02.5151/RJ, afetado em 06/11/2019 - tema 241: "Saber, para os fins do art. 21, § 2º, II, da Lei 8.212/91, se renda própria decorrente de atividade informal e de baixa expressão econômica impossibilita a validação dos recolhimentos efetuados na condição de segurado facultativo", ainda sem solução na TNU.
Com efeito, o contribuinte facultativo de baixa renda é o único responsável pelo recolhimento da sua contribuição, porém, a ausência de renda própria inviabiliza o recolhimento de sua contribuição, criando um paradoxo. O significado “renda própria”, portanto, deve ser compreendido como o não exercício de atividade remunerada que enseje a sua filiação obrigatória ao RGPS, a fim de não excluir aquele que possui uma renda esporádica, que muitas vezes nem chega ao valor de um ou dois salários mínimos. No mesmo sentido: PEDILEF 50045925420144047116, Rel. Juiz Federal SERGIO DE ABREU BRITO, julgado em 25/10/2017).
Diante desse quadro, resta suficientemente demonstrada a validade das contribuições que a autora recolheu a título de segurada facultativa de baixa renda, de 17/03/2016 a 31/08/2017, mantendo-se a sentença no ponto.
CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Quanto aos honorários advocatícios, razão em parte tem a autarquia, a fim de fixá-los em 10% sobre o valor da causa atualizado.
De outro lado, resta mantida a sucumbência recíproca, cabendo ao INSS o pagamento de 30%, e a parte autora com 70% dos honorários advocatícios sucumbenciais, suspensa a exigibilidade em face da gratuidade da justiça.
No tocante à sucumbência recursal, a partir da jurisprudência do STJ (em especial do AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, julgado em 09/08/2017, DJe 19/10/2017), para que haja a majoração dos honorários em decorrência da sucumbência recursal, é preciso o preenchimento dos seguintes requisitos simultaneamente: (a) sentença publicada a partir de 18/03/2016 (após a vigência do CPC/2015); (b) recurso não conhecido integralmente ou improvido; (c) existência de condenação da parte recorrente no primeiro grau; e (d) não ter ocorrido a prévia fixação dos honorários advocatícios nos limites máximos previstos nos §§2º e 3º do artigo 85 do CPC (impossibilidade de extrapolação). Acrescente-se a isso que a majoração independe da apresentação de contrarrazões.
Na espécie, diante do parcial provimento do recurso, não se mostra cabível a fixação de honorários de sucumbência recursal.
PREQUESTIONAMENTO
Objetivando possibilitar o acesso das partes às instâncias superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.
CONCLUSÃO
Apelo da do INSS provido em parte, para fixar os honorários em 10% sobre o valor da causa atualizado, mantida a sucumbência recíproca, cabendo à autarquia o pagamento de 30%, e a parte autora com 70% dos honorários advocatícios sucumbenciais, suspensa a exigibilidade em face da gratuidade da justiça.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao apelo, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por FLAVIA DA SILVA XAVIER, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004407787v7 e do código CRC c063c55b.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5008156-54.2021.4.04.7000/PR
RELATORA: Juíza Federal FLÁVIA DA SILVA XAVIER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: MATILDE ROMBACH DE ALMEIDA (AUTOR)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. segurada facultativa de baixa renda. validade das contribuições. honorários advocatícios.
1. O INSS não comprovou ter requerido administrativamente à parte autora os documentos para regularização dos recolhimentos como segurada facultativa de baixa renda, e sequer esclareceu quais irregularidades seriam estas, deixando de cumprir com seu ônus probatório (art. 373, II, CPC).
2. Para enquadramento na modalidade de recolhimento como segurado facultativo de baixa renda, é preciso que o segurado: a) não aufira renda própria, permitindo-se apenas o desempenho de atividades do lar; e b) pertença à família de baixa renda. No caso, a autora declarou se dona de casa, tanto na perícia judicial, quando na realizada em sede administrativa.
3. A inscrição no CadÚnico trata-se de requisito meramente formal, de modo que a sua ausência ou a falta de atualização dos dados não constituem óbice à validação das contribuições recolhidas, desde que demonstrado que a família do contribuinte é efetivamente de baixa renda e que ele não possui renda própria. Precedentes.
4. Suficientemente demonstrada a validade das contribuições que a autora recolheu a título de segurada facultativa de baixa renda, conforme reconhecido na sentença.
5. Quanto aos honorários advocatícios, devem ser fixados em 10% sobre o valor da causa atualizado. De outro lado, resta mantida a sucumbência recíproca, cabendo ao INSS o pagamento de 30%, e a parte autora com 70% dos honorários advocatícios sucumbenciais, suspensa a exigibilidade em face da gratuidade da justiça.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 16 de abril de 2024.
Documento eletrônico assinado por FLAVIA DA SILVA XAVIER, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004407788v4 e do código CRC 752b163c.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 09/04/2024 A 16/04/2024
Apelação Cível Nº 5008156-54.2021.4.04.7000/PR
RELATORA: Juíza Federal FLÁVIA DA SILVA XAVIER
PRESIDENTE: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
PROCURADOR(A): FÁBIO BENTO ALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: MATILDE ROMBACH DE ALMEIDA (AUTOR)
ADVOGADO(A): ALISSON DE PAULI (OAB PR061777)
ADVOGADO(A): THIAGO DE PAULI PACHECO (OAB PR044571)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 09/04/2024, às 00:00, a 16/04/2024, às 16:00, na sequência 565, disponibilizada no DE de 26/03/2024.
Certifico que a 10ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 10ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO APELO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal FLÁVIA DA SILVA XAVIER
Votante: Juíza Federal FLÁVIA DA SILVA XAVIER
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
SUZANA ROESSING
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 25/04/2024 04:17:20.