| D.E. Publicado em 10/05/2016 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003542-28.2015.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | JOSÉ ENULCE RAMOS DA SILVA |
ADVOGADO | : | Teodoro Matos Tomaz e outro |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. ATIVIDADE URBANA. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS DO TEMPO DE SERVIÇO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO / CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS NÃO IMPLEMENTADOS. AVERBAÇÃO DE TEMPO NO RGPS.
1. O tempo de serviço rural para fins previdenciários, a partir dos 12 anos, pode ser demonstrado através de início de prova material, desde que complementado por prova testemunhal idônea. 2. O reconhecimento de tempo de serviço prestado na área rural até 31-10-1991, para efeito de concessão de benefício no Regime Geral da Previdência Social, não está condicionado ao recolhimento das contribuições previdenciárias correspondentes, exceto para efeito de carência. 3. Comprovado o tempo de serviço urbano, por meio de prova material idônea, devem os períodos urbanos ser averbados previdenciariamente. 4. Nos casos em que o pedido de reconhecimento de um direito deixa de ser apreciado devido à falta de documento comprobatório, a solução mais adequada é a extinção do feito sem julgamento do mérito, nos termos do art. 314, IV, do CPC/2015, mantendo-se aberta a possibilidade de renovação do pedido na via judicial, caso disponível a documentação exigida para comprovar o direito alegado. 5. Se a parte autora deixar de implementar os requisitos necessários para a obtenção da Aposentadoria por Tempo de Serviço/Contribuição, faz jus tão somente à averbação do período reconhecido no Regime Geral de Previdência Social.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, extinguir o feito, sem julgamento do mérito, em relação aos períodos de 04/2003 a 05/2003 e de 09/2011 a 10/2011, dar parcial provimento ao recurso e determinar a averbação dos períodos reconhecidos, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 04 de maio de 2016.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8104677v4 e, se solicitado, do código CRC B73D77CF. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | João Batista Pinto Silveira |
| Data e Hora: | 05/05/2016 15:26 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003542-28.2015.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | JOSÉ ENULCE RAMOS DA SILVA |
ADVOGADO | : | Teodoro Matos Tomaz e outro |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta da sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor:
Diante do exposto, rejeito a preliminar e JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados JOSÉ ENULCE RAMOS DA SILVA, com fundamento no art. 269, inc. I, do Código de Processo Civil. Sucumbente, condeno o autor ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como aos honorários advocatícios devidos ao patrono da parte adversa, que fixo em R$ 500,00, cuja exigibilidade fica suspensa em virtude do benefício da justiça gratuita que lhe acoberta.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Tempestivamente a parte autora recorre, postulando a reforma da sentença. Alega que há início de prova material, devidamente corroborado por idônea prova testemunhal, apta a demonstrar o efetivo exercício de atividade rural no período requerido. Afirma que a necessidade de comprovação de tempo de serviço pelo trabalhador rural deve ser mitigada tendo-se em vista a informalidade que é ínsita à atividade agrícola.
Regularmente processados, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
A questão controversa nos presentes autos cinge-se à possibilidade de reconhecimento do desempenho de atividade rural pela parte autora no período de 02/05/1963 (quando completou 12 anos) a 14/12/1970 (data anterior ao início de suas atividades urbanas), bem como à possibilidade de reconhecimento dos períodos de 04/1996 a 02/1997, 11/1998 a 04/1999, 02/2003, 04/2003 a 05/2003, 02/2007 a 03/2007, 06/2007 a 07/2007, 03/2008 a 04/2008, 08/2008, 10/2008, 03/2009 a 04/2009, 12/2009, 07/2010 e 09/2011 a 10/2011, em que a parte autora alega ter vertido contribuições à Previdência Social na qualidade de contribuinte individual, com a conseqüente concessão de Aposentadoria por Tempo de Serviço/Contribuição, a contar da data do requerimento na via administrativa.
Da comprovação do tempo de atividade rural
Tratando-se de rurícola, cumpre ao julgador valorar os fatos e circunstâncias evidenciados com ênfase no artigo 5.º da Lei de introdução às normas do direito brasileiro - LIDB, e levar em conta a realidade social em que inserido o trabalhador rural, na qual predomina a informalidade na demonstração dos fatos. Vale lembrar que não se mostra razoável exigir que os documentos carreados ao processo sigam sempre a forma prescrita em lei, por isso devem ser considerados válidos quando de outra forma atingir a finalidade precípua de comprovar o exercício da atividade rural, consoante disposto no art. 244 do CPC.
O tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida, exclusivamente, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, a teor do art. 55, § 3.º, da Lei n.º 8.213/1991, Súmula n.º 149 do STJ e REsp n.º 1.321.493/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 1.ª Seção, julgado em 10-10-2012, DJe 19-12-2012 (recurso representativo da controvérsia). Cabe salientar que embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo. Outrossim, não há impedimento a que sejam considerados os documentos emitidos em período próximo ao controverso, desde que indiquem a continuidade da atividade rural.
Não se exige, por outro lado, prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período requerido, mas início de prova material (como notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do ITR ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, etc.) que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do labor rural, de acordo com a Súmula n.° 73 desta Corte, haja vista que o trabalho com base em uma única unidade produtiva tem como regra a documentação emitida em nome de uma única pessoa.
Tal orientação, agora sumulada, decorre da própria interpretação possibilitada pelo art. 11 da Lei de Benefícios, que define o regime de economia familiar como aquele em que os membros da família exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo certo, repita-se, que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome do pater familiae, que é quem representa o grupo familiar perante terceiros, função esta exercida, normalmente, pelo genitor ou cônjuge masculino (AgRg no AREsp 363462, STJ, 1.ª T, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 04/02/2014; AgRg no REsp 1226929/SC, STJ, 5.ª T, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 14/11/2012).
Assim, a qualificação de lavrador ou agricultor em atos do registro civil tem sido considerada, também, como início de prova material, se contemporânea aos fatos, podendo estender-se ao cônjuge, se caracterizado o regime de economia familiar (AgRg no AREsp 517671/PR, 2.ª T, Rel. Min. Assussete Magalhães, DJe de 21/08/2014 e AgRg no AREsp 241687/CE, STJ, 6.ª T, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 11/03/2013).
Nos casos de trabalhadores informais, especialmente em labor rural de boia-fria, a dificuldade de obtenção de documentos permite maior abrangência na admissão do requisito legal de início de prova material, valendo como tal documentos não contemporâneos ou mesmo em nome terceiros (integrantes do grupo familiar, proprietários de terras, arrendatários).
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n.º 1.321.493-PR, recebido pela Corte como recurso representativo da controvérsia, traçou as seguintes diretrizes a respeito do boia-fria:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.
6. (...) (grifo nosso)
No tocante à possibilidade do cômputo do tempo rural na qualidade de segurado especial a partir dos 12 anos de idade, a Terceira Seção desta Corte ao apreciar os Embargos Infringentes em AC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, na sessão de 12/03/2003, firmou entendimento no sentido da possibilidade do cômputo do tempo de serviço laborado em regime de economia familiar a partir dessa idade, na esteira de iterativa jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp 1043663/SP, 6.ª T, Rel. Min. Alderita Ramos de Oliveira, DJe de 01/07/2013 e AgRg no REsp 1192886/SP, 6.ª T, Rel. Min. Og Fernandes, DJe de 26/09/2012).
(Da dispensa) do recolhimento de contribuições
Sobre a matéria, dispõe a Lei n.º 8.213/91, ipsis literis:
Art. 55, §2.º - O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
Já o art. 96, que regula os critérios dentro dos quais a contagem recíproca é admitida, consigna em seu inciso IV:
Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:
(...) IV- O tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à Previdência Social só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo, com acréscimo de juros moratórios de 0,5% ao mês, capitalizados anualmente, e multa de 10%". (redação dada pela MP nº 2.022-17, de 23/05/2000, atual MP nº 2.187-13, de 24/08/2001)
O correto alcance e aplicação dos dispositivos referidos foi objeto de julgamento nos Tribunais Superiores, onde restou consignado (1) que o tempo de serviço rural anterior à vigência da Lei n.º 8.213/91 pode ser computado para a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, sem recolhimento de contribuições, por expressa ressalva do § 2.º do art. 55, acima transcrito, salvo para carência (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1465931/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 09/12/2014; AR 3902/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 07/05/2013), e (2) que não cabe indenização das exações correspondentes ao interregno de trabalho rural (constante do inciso IV do art. 96, também transcrito) nos períodos nos quais o trabalhador rural estava desobrigado de contribuir ao Regime Geral de Previdência Social, justificando-se a imposição da indenização apenas em relação à contagem recíproca de tempo de serviço público (AgRg no REsp 1413730/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, 2.ª Turma, DJe de 09/12/2013; REsp 1266143/SP, Rel. Jorge Mussi, 5.ª Turma, DJe de 09/10/2014).
No que tange ao termo inicial de eventual indenização, tratando-se o tributo para custeio do sistema de benefícios da Previdência Social como integrante da espécie contribuição social, a sua incidência deve observar o ditame do art. 195, §6.º, da Constituição Federal. Dessarte, as exações em comento, a princípio só poderiam ser exigidas após noventa dias da data da publicação da lei que as instituiu, de sorte que, tendo a normativa de regência sido publicada em 25 de julho de 1991, a data de início da cobrança das contribuições previdenciárias seria dia 22 de outubro daquele ano, à míngua da correspondente fonte de custeio de tempo de serviço rural em regime de economia familiar, posicionamento, aliás, já assentado no art. 184, inc. V, do Decreto n.º 2.172/97 e no art. 127, inc. V, do Decreto n.º 3.048/1999, o qual expressamente refere que o tempo de contribuição do segurado trabalhador rural anterior à competência de novembro de 1991 será computado. Assim, possível a extensão daquela data até 31/10/1991.
Concluindo, observamos as seguintes possibilidades: (1) o tempo de trabalho rural anterior a 31/10/1991 pode ser aproveitado para fins de aposentadoria dentro do RGPS independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias (exceto para os fins de carência); (2) o mesmo período pode ser aproveitado para aposentação em regime diverso do RGPS, mediante indenização (art. 96, IV, da Lei 8.213/91); (3) o aproveitamento de período posterior a 31/10/1991 sempre implica indenização.
Por fim, ressalte-se que o tempo de serviço rural sem o recolhimento das contribuições, em se tratando de regime de economia familiar, aproveita tanto ao arrimo de família como aos demais dependentes do grupo familiar que com ele laboram (STJ - REsp 506.959/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, j. em 07/10/2003 e REsp n.º 603.202, Rel. Min. Jorge Scartezzini, decisão de 06/05/2004).
Do caso concreto
Visando à demonstração do exercício da atividade rural no período de 02/05/1963 a 14/12/1970, a parte autora juntou aos autos os seguintes documentos:
- certificado de dispensa de incorporação, no qual consta qualificado como agricultor, emitido em 1971 (fl. 29);
- certidão de nascimento de seu irmão, ocorrido em 1957, em que seu pai consta qualificado como agricultor (fl. 271);
- certidão de nascimento de sua irmã, ocorrido em 1961, na qual seu pai consta qualificado como agricultor (fl. 272);
- atestado de frequência do autor à Escola Municipal de Ensino Fundamental Tuiuti, localizada em área rural (BR 101, Km 82, Localidade de Arroio das Pedras, interior do município de Osório/RS), nos anos de 1962 a 1965 (fl. 270).
Na audiência de instrução e julgamento foram ouvidas três testemunhas (CD de fl. 237), as quais confirmaram o exercício de atividade rurícola pela parte autora durante todo o período pretendido.
Com efeito, o senhor João Carlos Lemos declarou que conhece o autor desde a época em que eram crianças, na localidade de Arroio das Pedras; afirmou que até a idade de aproximadamente 18 anos o autor viveu nessa localidade, trabalhando na agricultura com seus pais e irmãos; afirmou ainda que a propriedade da família era pequena, de aproximadamente 5 hectares, e que o trabalho era braçal e com auxílio de junta de bois, que não havia empregados; confirmou que a família vivia apenas da agricultura. O senhor Jose Paulo Gomes afirmou que conheceu o autor desde criança, na época do colégio, tendo ambos estudado na escola Tuiuti; afirmou que a família do autor trabalhava na agricultura, sobrevivendo unicamente dessa atividade, que eram oito irmãos e uma menina e que o autor saiu da localidade com aproximadamente 18 anos. Por fim, o senhor Porfírio Marcelino Gomes alegou que conhece o autor há 60 anos; que moravam na mesma localidade. Afirmou que a família do autor era agricultora, que plantavam para subsistência, sem auxílio de empregados, e que viviam exclusivamente desta atividade. Declarou que o autor começou a laborar com cerca de 8 anos de idade.
Desse modo, a partir dos documentos acostados aos autos, os quais constituem início de prova material, corroborados pelo depoimento testemunhal, foi devidamente comprovado o trabalho agrícola desenvolvido pela parte autora, de 02/05/1963 (quando completou 12 anos) a 14/12/1970 (data anterior ao início de suas atividades urbanas, CTPS de fl. 37), totalizando 7 anos, 7 meses e 13 dias.
Do período urbano
A parte autora pretende o reconhecimento dos seguintes períodos, em que alega ter vertido contribuições à Previdência Social na qualidade de contribuinte individual: 04/1996 a 02/1997, 11/1998 a 04/1999, 02/2003, 04/2003 a 05/2003, 02/2007 a 03/2007, 06/2007 a 07/2007, 03/2008 a 04/2008, 08/2008, 10/2008, 03/2009 a 04/2009, 12/2009, 07/2010 e 09/2011 a 10/2011.
Consultando o Resumo de Documentos para Cálculo de Tempo de Contribuição (fls. 195 a 198) percebe-se que tais períodos efetivamente não foram averbados pela autarquia.
O § 3.º do art. 55 da Lei 8.213/91 dispõe que "a comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme estabelecido no regulamento".
Desse modo, a fim de comprovar os alegados pagamentos, a parte autora trouxe aos autos as cópias das Guias da Previdência Social, com a devida autenticação do pagamento bancário, referentes às seguintes competências:
04/1996 a 02/1997: GPS de fl. 96;
11/1998 a 04/1999: GPS de fl. 98;
02/2003: GPS de fl. 97;
02/2007 a 03/2007: GPS de fl. 99;
06/2007 a 07/2007: GPS de fls. 100 e 101;
03/2008 a 04/2008: GPS de fl. 102;
08/2008: GPS de fl. 103;
10/2008: GPS de fl. 104;
03/2009 a 04/2009: GPS de fls. 105 e 106;
12/2009: GPS de fl. 107;
07/2010: GPS de fl. 108.
Desse modo, uma vez que o INSS não logrou comprovar a falsidade dos documentos apresentados, é de se ter como comprovado o recolhimento das contribuições previdenciárias nos períodos acima descritos, totalizando 2 anos e 6 meses, os quais devem ser averbados pelo INSS.
Em relação aos períodos de 04/2003 a 05/2003 e de 09/2011 a 10/2011, não foram juntados aos autos os comprovantes de recolhimento das contribuições previdenciárias, de modo que torna-se impossível o seu reconhecimento.
Contudo, tendo-se em conta a natureza de direito fundamental que reveste o direito previdenciário, nesses casos em que o pedido de reconhecimento de um direito deixa de ser apreciado devido à falta de documento comprobatório, entendo que a solução mais adequada seja, a teor do art. 314, IV, do CPC/2015, a extinção do feito sem julgamento do mérito. Desse modo, mantém-se aberta a possibilidade de renovação do pedido na via judicial, desde que a segunda demanda seja instruída com a documentação exigida para comprovar o direito alegado.
Sendo assim, deve ser extinto o feito, sem julgamento do mérito, em relação aos períodos de 04/2003 a 05/2003 e de 09/2011 a 10/2011.
Dirimida a questão acerca da comprovação do tempo de serviço controvertido, cabe a análise do direito à aposentadoria pretendida.
Em razão da promulgação da Emenda Constitucional n.º 20/98, em 16/12/1998, houve alteração das regras inicialmente consagradas pela Lei n.º 8.213/91. Assim, a Aposentadoria por Tempo de Serviço foi extinta, sendo instituídas novas regras para o alcance da agora chamada Aposentadoria por Tempo de Contribuição.
Sinale-se, entretanto, que a referida Emenda, em seu art. 3.º, ressalvou o direito adquirido dos segurados que até a data de sua publicação haviam preenchidos os requisitos legais para a concessão de benefício previdenciário, bem como introduziu a Regra de Transição (art. 9.º), a qual assegura a concessão de Aposentadoria por Tempo de Contribuição proporcional ou integral ao segurado filiado ao RGPS até a data de publicação dessa emenda.
Assim, se o segurado se filiou à Previdência Social antes da vigência da EC n.º 20/98 e conta tempo de serviço posterior àquela data, poderá trazer ao caso concreto a incidência de três hipóteses:
1) das Regras Antigas, com limitação do tempo de serviço e carência em 16/12/1998, para verificar o preenchimento das condições legais para a Aposentadoria por Tempo de Serviço, seja proporcional ou integral, cujo salário de benefício deverá ser calculado nos termos da redação original do art. 29 da Lei n. 8.213/91: exige-se o implemento da carência e do tempo de serviço mínimo de 25 anos para a segurada e 30 anos para o segurado, que corresponderá a 70% do salário de benefício, acrescido de 6% (seis por cento) para cada ano de trabalho que superar aquela soma, até o máximo de 100%, que dará ensejo à inativação integral (conforme previsto nos arts. 142, 52 e 53, I e II, todos da Lei n.º 8213/91);
2) das Regras Permanentes (EC n.º 20/98), sem qualquer restrição temporal pela legislação previdenciária, apenas com limitação na DER. A Aposentadoria por Tempo de Contribuição é devida ao segurado que, cumprindo a carência exigida, prevista no art. 142 da Lei 8213/91, completar 35 anos de contribuição, se homem, e 30 anos de contribuição, se mulher e por fim,
3) das Regras de Transição - Aposentadoria por Tempo de Contribuição proporcional ou integral, com o cômputo do tempo trabalhado até 28/11/1999, dia anterior à edição da lei do fator previdenciário (Lei n.º 9876/99), cujo salário de benefício deverá ser calculado nos termos da redação original do art. 29 da Lei n.º 8.213/91. Para a inativação proporcional é preciso o implemento da carência (art. 142 da Lei n.º 8213/91) e do tempo de contribuição mínimo de 25 anos, se mulher e 30 anos, se homem e, respectivamente, a idade mínima de 48 anos e 53 anos e, se for o caso, do pedágio de 20% para a aposentadoria integral ou 40% para a proporcional que, em 16/12/1998, faltava para atingir aquele mínimo necessário à outorga da inativação (art. 9.º, § 1.º, I, "a" e "b", da EC n.º 20/98), que corresponderá a 70% do salário de benefício, acrescido de 5% (cinco por cento) para cada ano de trabalho que superar aquela soma, até o máximo de 100%, que corresponderá à inativação integral (inciso II da norma legal antes citada). Ressalte-se, porém, que não se aplica a exigência da idade e do pedágio para a aposentadoria integral, porquanto mais gravosa ao segurado, entendimento, inclusive, do próprio INSS (Instrução Normativa INSS/DC n.º 57/2001), mantido nos regramentos subsequentes.
Importante lembrar que independentemente do tempo encontrado impõe-se a realização das simulações possíveis, uma vez que os salários de contribuição poderão variar nos períodos apurados e não necessariamente de um tempo de serviço mais reduzido advirá uma RMI menor.
Da carência
A carência exigida no caso de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição é de 180 contribuições. No entanto, para os segurados inscritos na Previdência Social Urbana até 24/07/1991, bem como para os trabalhadores e empregadores rurais cobertos pela Previdência Social Rural, a carência para as aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá à tabela de acordo com o ano em que o segurado implementou as condições necessárias à obtenção do benefício (art. 142 da LB).
Da concessão do benefício
No caso, somando-se o tempo de labor rural judicialmente admitido, 7 anos, 7 meses e 13 dias, o tempo de contribuinte individual judicialmente admitido, 2 anos e 6 meses, o tempo de labor urbano reconhecido pelo INSS no curso da presente ação, 1 mês (01/02/1971 a 28/02/1971, conforme contestação de fl. 115) e o tempo de serviço já reconhecido na via administrativa, 21 anos, 9 meses e 10 dias, (documento de fl. 198), a parte autora possui, até a DER, 28/10/2011, 31 anos, 11 meses e 23 dias, não fazendo jus, portanto, à Aposentadoria por Tempo de Contribuição de acordo com as regras permanentes. Resta a análise quanto ao cabimento da aplicação ao caso das regras de transição.
A regra de transição instituída pelo artigo 9.º da Emenda Constitucional n.º 20/98 assegura a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição proporcional ou integral ao segurado que se tenha filiado ao Regime Geral de Previdência Social até 15/12/1998, mas não tenha atingido o tempo de serviço necessário para o reconhecimento do direito ao benefício proporcional ou integral exigido pela legislação de regência até 16/12/1998.
Nessa esteira, para fazer jus à aposentadoria por tempo de contribuição proporcional, o segurado deve implementar a idade de 53 anos e cumprir o tempo mínimo de 30 anos de serviço, se homem, e a idade de 48 anos e cumprir o tempo mínimo de 25 anos de serviço, se mulher, além da carência prevista no art. 142 da LB e, finalmente, o pedágio.
O tempo de serviço, conforme já mencionado acima, foi observado. A carência necessária, em face do disposto no art. 142 da Lei de Benefícios também foi devidamente cumprida (fl. 228).
O requisito etário também resta cumprido. Com efeito, nascida em 02/05/1951 (fl. 27), a parte autora contava, na DER, com 60 anos e 5 meses.
Finalmente, deve ser analisado se foi cumprido o período adicional de contribuição equivalente a 40% (quarenta por cento) do tempo que, na data da publicação da referida emenda, faltava para atingir o tempo mínimo de serviço.
Considerando que na data de 16/12/1998, a parte autora possuía 13 anos, 6 meses e 10 dias de tempo de serviço reconhecido administrativamente (fl. 190), o que, somado com o tempo rural e o tempo de contribuinte individual até esta data ora reconhecidos totaliza 22 anos, 2 meses e 9 dias, correspondentes a 7989 dias, faltavam-lhe 2811 dias para completar os 30 anos (mínimo exigido para o homem). Assim sendo, o pedágio - art. 9.º, I da EC n.º 20/98 - a ser observado equivale a 1125 dias (40% de 2811 dias), correspondentes a 3 anos, 1 mês e 15 dias, o que não restou cumprido.
Contudo, a implementação dos requisitos para recebimento do benefício após a entrada do requerimento administrativo pode ser considerada como fato superveniente, desde que ocorridas até o momento da sentença, nos termos do artigo 493 do CPC/2015:
Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão.
Parágrafo único. Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir
O mesmo procedimento está consolidado administrativamente na Instrução Normativa nº 45/2011:
Art. 623. Se por ocasião do despacho, for verificado que na DER o segurado não satisfazia as condições mínimas exigidas para a concessão do benefício pleiteado, mas que os completou em momento posterior ao pedido inicial, será dispensada nova habilitação, admitindo-se, apenas, a reafirmação da DER.
Em que pese eventual alegação de que o benefício poderia ser novamente requerido na via administrativa, por medida de economia processual e considerando os princípios norteadores do direito previdenciário, afigura-se plenamente justificável que o Judiciário se manifeste sobre o direito supervenientemente adquirido pela parte autora, desde que observado o disposto no art. 49, I, a, da Lei 8.213/91, alterada, no entanto, a DIB para a data do ajuizamento da ação.
Todavia, ainda que a DER seja reafirmada para a data do ajuizamento da ação, em 28/05/2013, nessa data o autor contava com 32 anos, 1 mês e 23 dias de tempo de contribuição (somando-se o tempo verificado até a DER e o tempo decorrente entre a DER e a data do ajuizamento da ação), tempo ainda insuficiente à concessão do benefício pleiteado, tanto na modalidade integral quanto na proporcional.
Desse modo, a parte autora não preenche os requisitos para a concessão de benefício previdenciário de aposentadoria, fazendo jus, todavia, à averbação do tempo de serviço ora reconhecido (7 anos, 7 meses e 13 dias de labor rural e 2 anos e 6 meses de tempo como contribuinte individual) para fins de futura obtenção de benefício previdenciário.
Das Custas Processuais e dos Honorários Advocatícios
Sendo hipótese de sucumbência recíproca, os honorários advocatícios dos patronos de cada parte devem ser fixados em R$ 880,00 (art. 85 e §§ do CPC/2015), vedada a compensação, nos termos do § 14 do referido artigo. Em relação à parte autora, entretanto, por litigar sob o pálio da Gratuidade de Justiça, deve ser observada a suspensão da exigibilidade do pagamento de tal verba.
Quanto às custas processuais, que devem ser suportadas por ambas as partes na proporção de metade, resta suspensa sua exigibilidade no tocante à parte autora, em virtude da concessão prefalada benesse. Já o INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4.º, I, da Lei n.º 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual n.º 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI n.º 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, p. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Frente ao exposto, voto por extinguir o feito, sem julgamento do mérito, em relação aos períodos de 04/2003 a 05/2003 e de 09/2011 a 10/2011, dar parcial provimento ao recurso e determinar a averbação dos períodos reconhecidos.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 04/05/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003542-28.2015.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00130558020138210073
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Carlos Eduardo Copetti Leite |
APELANTE | : | JOSÉ ENULCE RAMOS DA SILVA |
ADVOGADO | : | Teodoro Matos Tomaz e outro |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 04/05/2016, na seqüência 126, disponibilizada no DE de 19/04/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU EXTINGUIR O FEITO, SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, EM RELAÇÃO AOS PERÍODOS DE 04/2003 A 05/2003 E DE 09/2011 A 10/2011, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO E DETERMINAR A AVERBAÇÃO DOS PERÍODOS RECONHECIDOS.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA | |
: | Juiz Federal PAULO PAIM DA SILVA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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