Apelação Cível Nº 5027834-42.2018.4.04.7200/SC
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: DANIEL ZEFERINO LOPES (AUTOR)
APELADO: CAIXA SEGURADORA S/A (RÉU)
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária ajuizada contra CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF e CAIXA SEGURADORA S/A objetivando o reconhecimento da cobertura securitária em virtude de incapacidade total e permanente e a quitação do contrato de mútuo habitacional.
Processado o feito, foi proferida sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor:
Ante o exposto, rejeitadas as preliminares, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO, extinguindo o processo com resolução do mérito, na forma do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Condeno o autor ao pagamento de honorários de advogado, que fixo em 10% (dez por cento) do valor atribuído à causa, na forma do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil, ficando suspensa a exigibilidade em razão do deferimento da gratuidade judiciária, conforme previsto no § 3º do art. 98 do mesmo diploma legal.
Apela DANIEL ZEFERINO LOPES, alegando que é portador de doença renal crônica, tendo se submetido a um transplante de rim no final de 2019 e que, desde então se encontra impossibilitado de trabalhar. Afirma que o atual estado de saúde não só não comporta qualquer qualificação como apto ao trabalho, como também afasta qualquer melhora e/ou possibilidade de tratamento que leve à cura. Requer a procedência da ação para reconhecer a invalidez total e permanente do recorrente, declarando-o incapaz e, por consequência, condenar as rés para que procedam com a quitação do imóvel por meio do seguro pactuado. Caso não seja este o entendimento, seja então anulada a r. Sentença e determinada nova perícia. Ou, ainda, caso não seja entendido pelo acolhimento dos pleitos acima, seja permitida a prova pericial em segundo grau, diante das peculiaridades do caso. Para, após, julgar procedente o pleito para reconhecer a invalidez total e permanente do recorrente, declarando-o incapaz e, por consequência, condenar as rés para que procedam com a quitação do imóvel por meio do seguro pactuado.
Com contrarrazões, veio o processo para esta Corte.
É o relatório. Peço dia.
VOTO
Trata-se de processo por meio do qual a parte autora almeja ver reconhecido seu direito à cobertura de seguro atrelado a financiamento habitacional, em virtude do diagnóstico de doença grave, com a respectiva quitação do mútuo celebrado.
O autor firmou com a CEF, em 24/11/2014, Contrato por Instrumento Particular de Compra e Venda e Alienação Fiduciária - SFH (evento 22, CONTR3).
O autor foi diagnosticado com doença renal crônica em 2018, tendo se submetido a um transplante de rim no final de 2019. Atualmente, está recebendo o benefício previdenciário de auxílio doença, iniciado em 19/04/2018 e prorrogado até 13/01/2022.
Embora comprovada a incapacidade total do mutuário para exercer atividade laborativa durante o recebimento do auxílio doença, não resta demonstrada a incapacidade permanente, o que é indispensável para o deferimento da cobertura securitária.
O diagnóstico de doença grave, por si só, não é considerado sinistro coberto pela apólice se seguro. É indispensável que a doença seja causa da invalidez total e permanente.
Nos termos da sentença proferida pelo Eminente Juiz Federal DIÓGENES TARCÍSIO MARCELINO TEIXEIRA:
Assim decidiu o MM. Juiz Federal Francisco Donizete Gomes ao apreciar o pedido de tutela de urgência (evento 24):
O juiz poderá conceder a tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, desde que haja elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (art. 300 do Código de Processo Civil).
Para os efeitos da tutela de urgência pretendida, reputo comprovado o acometimento do autor pela doença referida na petição inicial, mormente à vista da documentação médica que instruiu a petição inicial.
A questão que se coloca é a possibilidade de tal fato constituir motivo hábil para obstar os efeitos do inadimplemento, tendo em vista que a doença estaria impossibilitando o autor de trabalhar e, por consequência, inviabilizando o pagamento dos encargos contratuais regulares.
A documentação trazida pelo autor demonstra que ele foi demitido sem justa causa da empresa onde trabalhava como vigilante em 26.9.2017 (evento 1, OUT12), e que a doença sobreveio já no ano de 2018, considerando que a primeira internação noticiada deu-se em 10.4.2018 (evento 1, OUT5).
Informações obtidas nesta data junto ao CNIS confirmam que a última remuneração do autor como empregado foi paga na competência 9/2017, e que, a partir de 19.4.2018, ele passou a receber auxílio-doença previdenciário, com previsão de cessação em 21.12.2019, conforme segue:
O documento juntado pela Caixa Econômica Federal no evento 22, OUT5, dá conta que o autor está pleiteando a cobertura securitária prevista no contrato de seguro firmado com Caixa Seguradora S.A., a qual formulou exigência de apresentação de documentos em data recente, 1.3.2019 (não havendo notícia sobre seu atendimento por parte do autor).
O simples acometimento por doença não constitui motivo para suspender a exigibilidade das obrigações que o autor assumiu no contrato de mútuo celebrado com a Caixa Econômica Federal, ainda que se trate de doença grave e ainda que ele se encontre em gozo de auxílio-doença previdenciário (circunstância indicativa apenas da ausência temporária de capacidade laborativa).
A cobertura securitária (pretendida à guisa de provimento final) depende da comprovação de invalidez, que, eventualmente, ocorrerá ou a partir da concessão do benefício de aposentadoria por invalidez pela Previdência Social ou a partir da constatação em prova pericial.
Por ora, ausentes estes pressupostos, é inviável o deferimento da tutela provisória pretendida, sem prejuízo de revisão deste entendimento após o exaurimento da instrução, por ocasião do julgamento por sentença.
Ante o exposto, indefiro a tutela de urgência.
Por comungar do mesmo entendimento, devem prevalecer os fundamentos da decisão liminar para julgar improcedente o pedido, com o complemento que segue.
As cláusulas gerais do contrato de seguro celebrado entre as partes prevê o seguinte conceito de invalidez permanente (evento 13, ANEXO3, p. 3): aquela para a qual não se pode esperar recuperação ou reabilitação com os recursos terapêuticos disponíveis no momento de sua constatação.
A cláusula quinta dispõe:
5.1 Acham-se cobertos por este seguro os seguintes riscos de natureza corporal:
[...]
b) Invalidez total e permanente do segurado para o exercício da sua atividade laborativa principal, entendendo-se como invalidez permanente aquela para a qual não se pode esperar recuperação ou reabilitação com os recursos terapêuticos disponíveis no momento da sua constatação, causada por acidente ou doença, exceto quando resultar, direta ou indiretamente, de acidente ocorrido ou doença adquirida antes da data da assinatura do contrato de financiamento habitacional, de conhecimento do segurado e não declarada na proposta de contratação, disponibilizada no anexo I do contrato de financiamento habitacional, ou na Declaração Pessoal de Saúde (DPS) quando for o caso, ainda que os efeitos, extensão e consolidação da doença ou acidente levem o segurado a invalidez total e permanente, no curso da vigência da apólice.
c) Nos casos em que o segurado se encontrar em gozo de benefício previdenciário de invalidez considerar-se-á coberto apenas o risco de morte.
d) Nos casos em que o segurado não exercer qualquer atividade laborativa, por desemprego ou não ser economicamente ativo, considerar-se-á coberto, além do risco de morte, o risco de invalidez permanente causada por acidente pessoal ou doença, que determine a incapacidade total e permanente para o exercício de toda e qualquer atividade laborativa.
A incapacidade que acomete o autor, ao menos até o momento, não é total e definitiva; vale dizer, não se configura a invalidez permanente exigida para a concessão da cobertura securitária pretendida.
Em consulta renovada ao CNIS nesta data, visualizo que o auxílio-doença previdenciário iniciado em 19.4.2018 (já referido na decisão acima transcrita) foi prorrogado até 13.1.2022; isso corrobora que, mesmo estando o autor acometido de doença grave, há perspectiva de seu retorno à atividade laboral, isto é, não há um diagnóstico desde logo de incapacidade e/ou invalidez.
Esta assertiva encontra respaldo nas conclusões da prova pericial, de cujo laudo lê-se (evento 57):
a) O autor é portador de insuficiência renal crônica?
Sim. O Autor teve diagnóstico de doença renal crônica com necessidade de início de terapia renal substitutiva no dia 10/04/2018, quando foi internado no Hospital Regional de São José, conforme atestado em anexo (evento 1:out5).
b) Em caso positivo, é possível afirmar a data de início da doença?
Sim. A data de diagnóstico de patologia é de 10/04/2018
[...]
d) O autor continuará necessitando de tratamento? Que espécie(s) de tratamento (procedimentos, internações, medicamentos etc.)? Em caráter temporário ou permanente?
O autor é portador de doença renal crônica terminal e terá que receber tratamento com terapia renal substitutiva até o final de sal vida, de maneira permanente. Atualmente encontra-se em tratamento com hemodiálise. Encontra-se em avaliação para realização de transplante renal, sem previsão de data para tal.
e) A doença que acomete o autor acarreta incapacidade laboral? Em caso positivo, ela é temporária ou permanente? Parcial ou total? Especifique a data aproximada de início da incapacidade.
Sim. Enquanto o autor estiver em terapia renal substitutiva com hemodiálise, o mesmo se encontra incapaz, de maneira total, para exercer atividades laborais. Tal fato decorre de que o tratamento com hemodiálise implica, ao paciente, uma limitação de três vezes por semana, ser submetido a tratamento com duração de no mínimo três a quatro horas. Além disso, as intercorrências com hipotensões intradia líticas, anemia e doença mineral óssea, acabam por dificultar em grande medida a atividade profissional desses pacientes.
Por outro lado, caso o autor seja submetido a transplante renal, em data que não se pode prever, o mesmo deverá ser submetido a nova avaliação, já que o tratamento com transplante renal possibilita aos pacientes o retorno às suas atividades laborais.
De tal modo a incapacidade atual do autor pode ser considerada temporária, a depender do autor se submeter a realização de transplante renal. Como este último não pode ter data prevista, não podemos caracterizar até quando a incapacidade temporária permanecerá.
A data da incapacidade atual coincide com a internação no HRSJ, quando inícioou tratamento com hemodiálise (10/04/2018)
f) Cogita-se no caso do autor a concessão de aposentadoria por invalidez?
Não, já que há a possibilidade de que o autor seja submetido a transplante renal.
Ao complementar o laudo, o auxiliar do juízo afirmou (evento 70):
4. As lesões/patologias que acometem o periciado causam redução da sua capacidade laborativa para a sua profissão? Caso positivo a redução da capacidade laborativa é parcial ou total?
Sim. Total.
5. Eventual limitação reduz a sua capacidade laboral para todo e qualquer trabalho ou existe a possibilidade de reabilitação para outra função? Favor considerar idade, instrução escolar e condições físicas do periciado.
Atualmente o periciado encontra-se com incapacidade laboral total para qualquer tipo de trabalho.
6. Existe a possibilidade de realização de tratamento cirúrgico ou conservador que possa extinguir ou até mesmo minorar as lesões do periciado, devolvendo assim a sua capacidade laborativa?
Sim. O transplante renal. O periciado, atualmente, encontra-se em avaliação para realização dessa terapia, sem previsão de data para tal.
7. Eventual quadro de incapacidade laboral do periciado pode ser considerado TEMPORÁRIO? Caso negativo favor justificar.
Sim. Pela possibilidade da realização de transplante renal, o que poderia lhe reconstituir de sua capacidade laboral.
[...]
12. As lesões incapacitantes do periciado são caracterizadas como parciais por atingir apenas certos membros do corpo? Caso negativo favor justificar.
A incapacidade temporária é decorrente de doença renal crônica
Muito embora esteja patente a gravidade do caso e a existência atual de incapacidade, ela certamente não é definitiva, de modo que não se caracteriza a invalidez permanente exigível para a concessão da cobertura securitária contratada entre as partes.
O autor pretende a anulação da sentença e a realização nova perícia, considerando a realização do transplante de rim. Ou, ainda, que seja permitida a prova pericial em segundo grau, diante das peculiaridades do caso.
A presente ação ajuizada em 17/12/2018 e a sentença foi proferida em 02/06/2020.
O autor realizou o transplante de rim em 20/12/2019 e deixou de informar tal fato ao juízo a quo.
Como não houve a inversão do ônus da prova, cabia ao autor demonstrar os fatos constitutivos de seu direito. Todavia, não foi assim que procedeu.
O transplante de rim não se trata de fato novo, mas de fato não informado ao juízo a quo.
A mera invocação de aplicabilidade das disposições do CDC à hipótese em tela não é suficiente para invalidação imediata das cláusulas que o demandante reputa abusivas, sendo necessária a efetiva demonstração de prática abusiva pelo agente financeiro, o que no caso concreto inocorreu.
À vista do disposto no §11 do art. 85 do CPC, majoro os honorários sucumbenciais para 12% sobre o valor da causa, suspensa a exigibilidade em razão da AJG.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso.
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Apelação Cível Nº 5027834-42.2018.4.04.7200/SC
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
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EMENTA
sfh. seguro. cdc. prescrição. invalidez total e temporária. negativa de cobertura.
1. Embora comprovada a incapacidade total do mutuário para exercer atividade laborativa durante o recebimento do auxílio doença, não resta demonstrada a incapacidade permanente, o que é indispensável para o deferimento da cobertura securitária.
2. O diagnóstico de doença grave, por si só, não é considerado sinistro coberto pela apólice se seguro. É indispensável que a doença seja causa da invalidez total e permanente.
3. Como não houve a inversão do ônus da prova, cabia ao autor demonstrar os fatos constitutivos de seu direito. Todavia, não foi assim que procedeu. O transplante de rim não se trata de fato novo, mas de fato não informado ao juízo a quo.
4. Apelação improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de agosto de 2021.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 16/08/2021 A 24/08/2021
Apelação Cível Nº 5027834-42.2018.4.04.7200/SC
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PROCURADOR(A): ALEXANDRE AMARAL GAVRONSKI
APELANTE: DANIEL ZEFERINO LOPES (AUTOR)
ADVOGADO: LUIZ MATHEUS FENZKE FAVERO (OAB SC052456)
APELADO: CAIXA SEGURADORA S/A (RÉU)
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 16/08/2021, às 00:00, a 24/08/2021, às 14:00, na sequência 166, disponibilizada no DE de 04/08/2021.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO
Secretário
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