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SERVIDORES PÚBLICOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS PORTADORES DE DOENÇAS INCAPACITANTES. CONTRIBUIÇÃO À SEGURIDADE SOCIAL. REDUÇÃO DO LIMITE DE ISENÇÃO. §21 DO...

Data da publicação: 26/04/2022, 11:01:06

EMENTA: SERVIDORES PÚBLICOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS PORTADORES DE DOENÇAS INCAPACITANTES. CONTRIBUIÇÃO À SEGURIDADE SOCIAL. REDUÇÃO DO LIMITE DE ISENÇÃO. §21 DO ARTIGO 40 DA CONSTITUIÇÃO. REVOGAÇÃO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 103, DE 2019. LEGITIMIDADE. EXAME DO CASO INCLUSIVE PELO PONTO DE VISTA DO DEVER CONSTITUCIONAL DE SOLIDARIEDADE. IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APLICAÇÃO AO CASO DO §3º DO ARTIGO 85 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. (TRF4, AC 5007677-77.2020.4.04.7200, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 18/04/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5007677-77.2020.4.04.7200/SC

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5007677-77.2020.4.04.7200/SC

RELATOR: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI

APELANTE: SINTRAJUSC-SIND DOS TRABALHADORES NO PODER JUDICIARIO FEDERAL NO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

ADVOGADO: PEDRO MAURICIO PITA DA SILVA MACHADO (OAB RS024372)

APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

O juiz da causa assim relatou a controvérsia entre as partes e os eventos ocorridos até o julgamento do feito:

Vistos etc. SINTRAJUSC - SINDICATO DOS TRABALHADORES NO PODER JUDICIARIO FEDERAL NO ESTADO DE SANTA CATARINA, na qualidade de substituto processual extraorrdinário, ajuizou, em prol dos servidores-substituídos de sua categoria sindical, demanda em face da UNIÃO, colimando, em síntese, verbis:

a) liminarmente, independentemente da oitiva da parte contrária, a concessão de tutela de urgência na forma do art. 300 do NCPC, para o efeito de – relativamente aos servidores inativos e pensionistas portadores de doenças incapacitantes da Justiça do Trabalho, Justiça Federal e Justiça Eleitoral de Santa Catarina atingidos pela majoração da contribuição previdenciária determinada pela Emenda Constitucional nº 103 de 2019 - – sustar os efeitos da revogação do §21 do art. 40 da Constituição Federal, com redação dada pela EC 47/2005, determinado pelo art. 35, I, “a”, da EC 103/2019, mantendo-se, relativamente aos mesmos, a cobrança da previdência de acordo com a legislação até então vigente, ou seja, apenas sobre as parcelas de proventos de aposentadoria e de pensão que superem o dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social (observando-se, portanto, o duplo teto de imunidade parcial previdenciária), para que vigore, a liminar, até o julgamento definitivo da presente, por sentença;

d) ao final, após a produção de prova pelos meios em direito admitidos, ouvido o representante do Ministério Público, seja julgada procedente a demanda, confirmando-se e tornando-se definitiva a tutela de urgência, para (d.1) afastar a majoração das contribuições previdenciárias dos substituídos processuais, inativos e pensionistas portadores de doenças incapacitantes, pertencentes aos três ramos do Poder Judiciário da União no Estado de Santa Catarina, decorrente da revogação do §21 do art. 40 da CF88, mantendo-se, relativamente aos mesmos, a cobrança da previdência de acordo com a legislação até então vigente, ou seja, apenas sobre as parcelas de proventos de aposentadoria e de pensão que superem o dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social (observando-se, portanto, o duplo teto de imunidade parcial previdenciária), e (d.2) condenar a ré a restituir aos substituídos processuais os valores eventualmente já descontados de seus contracheques a título de contribuição previdenciária majorada pelo art. 35, I, “a”, da EC 103/2019, monetariamente corrigidos e acrescidos de juros de mora;

Nos dizeres da inicial do SINTRAJUSC-SIND DOS TRABALHADORES NO PODER JUDICIARIO FEDERAL NO ESTADO DE SC:

"2.1. Os substituídos processuais são servidores públicos civis federais inativos e pensionistas portadores de doenças incapacitantes, dos três ramos do Poder Judiciário da União no Estado de Santa Catarina (Justiça Federal, do Trabalho e Eleitoral), que, por força de inconstitucional atuação do poder constituinte derivado, encontram-se ameaçados de sofrer importantes perdas de seus proventos ou pensões, haja vista a revogação do §21 do art. 40 da Constituição Federal pela EC nº 103/2019.

2.2. Com efeito, em 12.11.2019, houve a edição da Emenda Constitucional 103, através da qual o Governo Federal busca, entre outros aspectos, revogar o benefício de isenção parcial da contribuição previdenciária aos servidores inativos e pensionistas detentores de doenças incapacitantes, instituído pela EC 47/05. Segundo o já citado §21 do art. 40 da CF88, a contribuição previdenciária sobre proventos e pensões de beneficiários que sejam portadores de doença incapacitante incide apenas sobre os valores que superem o dobro do teto estabelecido para os benefícios do RGPS.

2.3. Todavia, o art. 35 da EC nº 103, de 13.11.2019, prevê a revogação desse benefício, valendo transcrever: “Art. 35. Revogam-se: I - os seguintes dispositivos da Constituição Federal: a) o § 21 do art. 40;” (grifou-se) Diante disso, os servidores inativos e pensionistas portadores de doenças incapacitantes passam a ser tributados da mesma forma que os demais inativos e pensionistas, sendo que o desconto previdenciário passa a incidir a partir das parcelas de proventos e pensões que ultrapassem o teto do RGPS, nos termos do art. 40, §18, da CF, in verbis: Art. 40. [...] §18. Incidirá contribuição sobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidas pelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos.

2.4. A fim de ilustrar o aumento da contribuição previdenciária imposto aos substituídos processuais, imagine-se servidor inativo que detenha o cargo de Técnico Judiciário, Classe C, Padrão 133 , e perceba R$ 11.398,40 (onze mil, trezentos e noventa e oito reais e quarenta centavos) de proventos de aposentadoria. Com a vigência da EC 103/2019, a alíquota incidente variará de 14,5% a 16,5% sobre o valor que exceder o teto do RGPS, e representará um desconto de R$ 787,12 (setecentos e oitenta e sete reais e doze centavos), contra a situação anterior, que era de isenção.

Em vista disso, tal servidor passa da condição de ISENTO, para a de contribuinte, de elevados R$ 787,12 por mês, ou de R$ 10.492,31 por ano:

Situação atual (11% sobre o que ultrapassar R$ 12.202,12) isenção

Alíquotas progressivas + isenção de apenas 1 teto RGPS 787,12 Acréscimo anual (x 13,33) 10.492,31  Faixa 6 – de R$ 10.000,01 a R$ 20.000,00.

2.5. Tal providência legislativa, todavia, é de todo inconstitucional. A EC 103/2019, ao impor a revogação do §21 do art. 40 da CF88 aos servidores inativos e pensionistas detentores de doenças incapacitantes importa em violação a direitos e garantias individuais tidas como cláusulas pétreas, que não podem ser alteradas nem mesmo por emenda constitucional, conforme art. 60, §4º, IV, da Constituição Federal.

2.6. Cumpre referir que o Sindicato-autor já ajuizou ação anterior, questionando apenas a data a partir da qual o TRT da 12ª Região passou a aplicar a revogação da “dobra previdenciária”, haja vista que não observou a anterioridade nonagesimal. Esta ação tramita perante a 4ª Vara Federal de Florianópolis, sob o nº 5000155-96.2020.4.04.7200, e teve concedida a liminar pleiteada por decisão do Exmo. Sr. Des. Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES, nos autos do AI nº 5000881-39.2020.4.04.0000. O objeto das ações, pois, é diverso, sendo a presente abrange o próprio mérito – a inconstitucionalidade material – da revogação do §21 do art. 40 da CF88." Deduziu fundamentos jurídicos e juntou documentos.

Liminar indeferida (Ev4).

Citada, UNIÃO contestou (Ev11). Em preliminares, arguiu: a) Delimitação subjetiva da lide; b) Necessidade de observância do disposto no art. 2º-A, caput, e p.u., da Lei 9.494/97. No mérito, disse: a) Da contextualização das modificações trazidas pela EC 103 e da relevância da política pública constitucional para o RPPS; b) Da inexistência de violação à Constituição Federal e da possibilidade de revogação por emenda constitucional de benefício fiscal; c) Da ausência de violação ao princípio da vedação da utilização de tributo com efeito de confisco e breves comentários sobre o princípio da solidariedade e referibilidade. Concluiu pela improcedência da demanda.

Réplica da parte autora rechaçando teor da peça contestatória (Ev14).

Instadas, as partes não requereram produção probatória e manifestaram pelo julgamento antecipado da lide.

Regularmente processado o feito, sobreveio sentença que rejeitou a demanda, in verbis:

Ante o exposto: 01. Rejeito as preliminares arguidas pela parte ré e, no mérito, julgo improcedente a demanda extinguindo o feito forte no art. 487, I, do CPC. 02. Sucumbente, deixo de condenar o Sindicato-autor em honorários por simetria com a ACP por não vislumbrar má-fé no ajuizamento. 03. Decisão não sujeita a reexame necessário. Interposta apelação, a Secretaria receba-a, colha contrarrazões e a remeta ao E. TRF4. 04. A Secretaria oportunamente arquive. 05. P.R.I.

Apelou o demandante, impugnando a sentença mediante argumentos e alegações desdobrados nos seguintes tópicos:

– Limitações materiais ao poder constituinte reformador.

- Inviabilidade da revogação do §21 do art. 40 da CF 88 por emenda constitucional. Direito adquirido. Poder constituinte 'versus' poder de reforma constitucional.

– Equilíbrio atuarial.

– Proibição de confisco.

– Equidade na Partição do Custeio.

– Isonomia.

– Irredutibilidade de vencimentos e benefícios.

– Proibição do retrocesso social.

Também apelou a União, limitando o seu recurso ao capítulo dos honorários advocatícios, in verbis:

(...)

Indiscutivelmente, merece reforma a parte dispositiva da sentença que deixou de condenar o sindicato autor ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, apesar de reconhecidamente sucumbente, sob a justificativa de uma
suposta “simetria” com a ação civil pública (simetria esta inexistente, como visto acima) e da não visualização de má-fé, que se mostra irrelevante para a incidência do artigo 85, do CPC

(...)

Destarte, expendidos os fundamentos, requer-se seja recebido e provido o presente recurso de apelação, para o fim de que o Sindicato autor/apelado, em razão da sucumbência, seja condenado ao pagamento de honorários sucumbenciais, conforme preceitua o artigo 85, do CPC, e nos patamares estabelecidos no respectivo § 3°, reformando-se a sentença no ponto indicado.

Com contrarrazões, vieram os autos a este tribunal.

É o relatório.

VOTO

A sentença recorrida está assim fundamentada:

Controverte-se acerca da "dobra previdenciária" (CF, art. 40 § 21 revogado pelo art. 35 da EC 103/2019).

(...)

Mérito

Da legislação de regência da dobra previdenciária

O § 21 do art. 40 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 47 , tinha o seguinte teor:

"Art. 40. ...................................................................................

...........................................................................................................

§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:

I portadores de deficiência;

II que exerçam atividades de risco;

III cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

...........................................................................................................

§ 21. A contribuição prevista no § 18 deste artigo incidirá apenas sobre as parcelas de proventos de aposentadoria e de pensão que superem o dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 desta Constituição, quando o beneficiário, na forma da lei, for portador de doença incapacitante." (NR)

Por sua vez, o art. 186 da Lei 8.112, de 1990, assim estabelece:

Art. 186. O servidor será aposentado: (Vide art. 40 da Constituição)

I - por invalidez permanente, sendo os proventos integrais quando decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei, e proporcionais nos demais casos;

(...)

§ 1o Consideram-se doenças graves, contagiosas ou incuráveis, a que se refere o inciso I deste artigo, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira posterior ao ingresso no serviço público, hanseníase, cardiopatia grave, doença de Parkinson, paralisia irreversível e incapacitante, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados do mal de Paget (osteíte deformante), Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - AIDS, e outras que a lei indicar, com base na medicina especializada.

Ocorre que o § 21 do art. 40 da CF, suso algarismado, restou revogado pelo art. 35, I, “a”, da EC 103/2019:

“Art. 35. Revogam-se: I - os seguintes dispositivos da Constituição Federal: a) o § 21 do art. 40;” (grifou-se)

Da imunidade (ou isenção parcial) da contribuição previdenciária na ótica do Supremo Tribunal Federal

A imunidade de contribuição previdenciária (PSS) sobre as parcelas dos proventos de aposentadoria que não excedessem ao dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral da Previdência Social era prevista no art. 40, §21, da Constituição Federal (revogado pela Emenda Constitucional 103, de 2019):

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

§ 21. A contribuição prevista no § 18 deste artigo incidirá apenas sobre as parcelas de proventos de aposentadoria e de pensão que superem o dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 desta Constituição, quando o beneficiário, na forma da lei, for portador de doença incapacitante. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)

Acerca da aplicabilidade da previsão constitucional, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral nos autos referentes ao Recurso Extraordinário n° 630137, Tema 317, com trânsito em julgado em 20/03/2021. Restou fixada a seguinte tese:

"O art. 40, § 21, da Constituição Federal, enquanto esteve em vigor, era norma de eficácia limitada e seus efeitos estavam condicionados à edição de lei complementar federal ou lei regulamentar específica dos entes federados no âmbito dos respectivos regimes próprios de previdência social."

A decisão do Alto Pretório restou assim ementada, com modulação do efeitos:

Direito constitucional, tributário e previdenciário. Recurso extraordinário com repercussão geral. Contribuição previdenciária. Não incidência. Portadores de doenças incapacitantes. Norma de eficácia limitada.

1. Repercussão geral reconhecida para determinação do alcance da não incidência prevista no § 21, do art. 40, da Constituição, acrescentado pela EC nº 47/2005. O referido dispositivo previa a não incidência de contribuição previdenciária sobre a parcela dos proventos de aposentadoria e pensão que não superasse o dobro do limite máximo do regime geral de previdência social, quando o beneficiário, na forma da lei, fosse portador de doença incapacitante. O presente recurso envolve a análise de dois aspectos: (i) a autoaplicabilidade do dispositivo; e (ii) se o Poder Judiciário, na ausência de lei regulamentar, pode utilizar norma que dispõe sobre situação análoga para disciplinar a matéria. No caso concreto, o Tribunal de origem considerou a norma autoaplicável e determinou a restituição dos valores retidos a partir da publicação da EC nº 47/2005.

2. Há acórdãos do Plenário desta Corte que consideram o art. 40, § 21, da Constituição Federal norma de eficácia limitada, cujos efeitos estão condicionados à edição de legislação infraconstitucional para regulamentar as doenças incapacitantes aptas a conferir ao servidor o direito à referida não incidência. Alinho-me a esses precedentes, aplicando-os ao presente caso a fim de conferir efeitos vinculantes à tese jurídica neles firmada.

3. Além disso, a jurisprudência do Tribunal é pacífica no sentido de ser inviável a extensão pelo Poder Judiciário de norma de desoneração tributária a título de isonomia. Dessa forma, incabível a utilização, por analogia, de leis que regem situação diversa da presente hipótese.

4. Recurso extraordinário provido. Modulação dos efeitos do presente acórdão, a fim de que os servidores e pensionistas que, por decisão judicial, vinham deixando de pagar as contribuições não as tenham que restituir. Nesses casos, o acórdão terá eficácia somente a partir da publicação da ata de julgamento, momento em que os entes que não tenham editado lei regulamentando o dispositivo poderão voltar a reter as contribuições previdenciárias.

5. Fixação da seguinte tese em sede de repercussão geral: “O art. 40, § 21, da Constituição Federal, enquanto esteve em vigor, era norma de eficácia limitada e seus efeitos estavam condicionados à edição de lei complementar federal ou lei regulamentar específica dos entes federados no âmbito dos respectivos regimes próprios de previdência social”.(RE 630137, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 01/03/2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-047 DIVULG 11-03-2021 PUBLIC 12-03-2021) Grifei.

Do entendimento do E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região quanto à 'dobra previdenciária"

Até o advento da EC 103, de 2019, não há razão para deixar de reconhecer o direito do servidor portador de doença grave à imunidade da contribuição previdenciária em relação aos valores que não excediam o dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral da Previdência Social (v.g. TRF4, AC 5002730-91.2017.4.04.7100, Segunda Turma, juntado aos autos em 25/04/2018; AC 5026048-40.2016.4.04.7100, Segunda Turma, juntado aos autos em 04/10/2017).

Tal imunidade, contudo, foi, como acima dito, extinta pela EC 103, de 2019, devendo, pois, ser observado o princípio da anterioridade nonagesimal, aplicável, segundo o STF, à modificação legislativa que, de maneira direta ou indireta, implique carga tributária maior (Primeira Turma, RE 1040084 AgR, Relator Min. Alexandre de Moraes, julgado em 29/05/2018; Primeira Turma, RE 983821 AgR, Relatora Min. Rosa Weber, julgado em 03/04/2018).

O E. TRF4 também já considerou aplicável o princípio da anterioridade nonagesimal à revogação da imunidade do §21 do art. 40 da CF/1988 pela EC 103, de 2019. Confira-se:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. DOBRA PREVIDENCIÁRIA RECONHECIDA AOS SERVIDORES PÚBLICOS INATIVOS PORTADORES DE DOENÇAS INCAPACITANTES. REVOGAÇÃO PELA EC 103/2019. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NONAGESIMAL. 1. Para o deferimento de antecipação da tutela recursal ou atribuição de efeito suspensivo é necessária a conjugação dos requisitos previstos no parágrafo único do art. 995 do CPC, quais sejam, a probabilidade de provimento do recurso e a possibilidade de a decisão agravada provocar lesão grave e de difícil reparação à parte, presentes no caso concreto. 2. O §21 do art. 40 da CF/1988 assegurava a chamada "dobra previdenciária" aos servidores inativos e pensionistas portadores de doença incapacitante, incidindo a contribuição previdenciária apenas sobre a parcela dos proventos e pensões que ultrapassasse duas vezes o teto do RGPS. 3. O referido dispositivo tratava, pois, de imunidade tributária, porquanto concedida constitucionalmente, estabelecendo a não incidência de contribuição previdenciária sobre os proventos abaixo do dobro do teto do regime geral de previdência. 4. Com a sua revogação pela EC nº 103, de 13/11/2019, pode-se considerar que houve significativo aumento da base de cálculo da contribuição previdenciária do servidor público aposentado por invalidez, o que acarreta o dever de observância, por parte do Fisco, ao Princípio da anterioridade nonagesimal (alínea "c", do inciso III, do artigo 150 e do artigo 195, §6º da da CF), sendo importante ressaltar, ademais, que o art. 36, I, da EC nº 103/2019 menciona a anterioridade nonagesimal quanto às majorações previstas nos arts. 11, 28 e 32 da referida emenda. 5. Deferido o pedido de antecipação da tutela recursal, para determinar que os descontos referentes à contribuição previdenciária dos substituídos processuais do agravante (servidores inativos portadores de doença incapacitante e seus pensionistas), sejam processados com obediência à regra do art. 40, §21, da CF (“dobra previdenciária”), até o transcurso da noventena estabelecida pelo art. 195, §6º da CF/1988, procedendo-se, se necessário, à retificação da folha de pagamento de janeiro de 2020 ou a expedição de folha de pagamento suplementar, para cumprimento da presente ordem judicial. (TRF4, AI nº 5000881-39.2020.4.04.0000/SC, Rel. JUIZ FEDERAL FRANCISCO DONIZETE GOMES, Primeira Turma, julgado em 04-05-2020). Grifei.

Diante disso, respeitada a anterioridade nonagesinal, os servidores inativos e pensionistas portadores de doenças incapacitantes passam a ser tributados da mesma forma que os demais inativos e pensionistas, sendo que o desconto previdenciário passa a incidir a partir das parcelas de proventos e pensões que ultrapassem o teto do RGPS, nos termos do art. 40, §18, da CF, in verbis:

Art. 40. [...] §18. Incidirá contribuição sobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidas pelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos.

Precedentes do E. TRF4:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. DOBRA PREVIDENCIÁRIA. SERVIDORA PÚBLICA INATIVA. DOENÇA GRAVE. PROVIMENTO. 1. O § 21 do artigo 40 da Constituição da República assegurava a chamada "dobra previdenciária" aos servidores inativos e pensionistas portadores de doença incapacitante, incidindo a contribuição previdenciária apenas sobre a parcela dos proventos e pensões que ultrapassasse o dobro do limite máximo previsto para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social. 2. Considerando que os valores exequendos são referentes a prestações vencidas entre 2006 e 2010, é de se reconhecer o direito da parte autora à imunidade da contribuição previdenciária em relação aos valores que não excederam o dobro do limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social. 3. Agravo de instrumento provido. (TRF4, AG 5024383-70.2021.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relator VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, juntado aos autos em 30/08/2021)

TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. PROVENTOS DE APOSENTADORIA. ART. 6º, XIV, DA LEI 7.713/88. LAUDO MÉDICO OFICIAL. DESNECESSIDADE. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA PARA O RPPS. ISENÇÃO PARCIAL. ART. 40, § 21, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REVOGAÇÃO. 1. É assegurado aos portadores de neoplasia maligna a isenção do imposto de renda sobre os proventos de aposentadoria. 2. O Superior Tribunal de Justiça, em sua Súmula nº 598, entendeu como "desnecessária a apresentação de laudo médico oficial para o reconhecimento judicial da isenção do imposto de renda, desde que o magistrado entenda suficientemente demonstrada a doença grave por outros meios de prova". 3. A isenção parcial da contribuição previdenciária para o RPPS, que era prevista no § 21 do art. 40 da Constituição Federal, foi revogada pelo art. 35, I, "a", da EC 103/19. Como não existe direito adquirido à isenção e nem a determinado regime jurídico, a contribuição previdenciária para o RPPS dos servidores da União incide normalmente, no que exceder ao teto dos proventos de aposentadoria do RGPS, ainda que o beneficiário seja portador de doença incapacitante. (TRF4, AG 5016797-79.2021.4.04.0000, SEGUNDA TURMA, Relator ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA, juntado aos autos em 26/08/2021)

A questão sub examine se situa na esfera tributária.

Sob esse aspecto, não se vislumbra, na revogação multicitada, maltrato ao princípio do não-confisco. O próprio exemplo trazido pela inicial demonstra isso. Confira-se:

"2.4. A fim de ilustrar o aumento da contribuição previdenciária imposto aos substituídos processuais, imagine-se servidor inativo que detenha o cargo de Técnico Judiciário, Classe C, Padrão 133 , e perceba R$ 11.398,40 (onze mil, trezentos e noventa e oito reais e quarenta centavos) de proventos de aposentadoria. Com a vigência da EC 103/2019, a alíquota incidente variará de 14,5% a 16,5% sobre o valor que exceder o teto do RGPS, e representará um desconto de R$ 787,12 (setecentos e oitenta e sete reais e doze centavos), contra a situação anterior, que era de isenção. Em vista disso, tal servidor passa da condição de ISENTO, para a de contribuinte, de elevados R$ 787,12 por mês, ou de R$ 10.492,31 por ano".

Ora, o exemplo bem demonstra que, para uma renda bruta de R$ 11.398,40/mês, o servidor inativo incapacitado que pagava zero valor, passa a pagar cerca de sete por cento (787,12/11.398,40) da renda, o que, nem de longe caracteriza confisco. Vale frisar, que um rendimento de onze mil reais mês isento configura maltrato isonômico com segurados do regime geral (RGPS) cujo teto em 2021 mal chega a seis mil e quinhentos reais. Corolário: o servidor com renda de R$ 11,3 mil/mês tem capacidade contributiva superior à grande maioria da população economicamente ativa e, não só pode como deve, por dever de solidariedade também contribuir para o custeio da previdência RPPS.

Por derradeiro, tratando-se de tributo, não há direito adquirido à alíquota em caso de incidência sobre proventos, bastando que a União respeite a anterioridade nonagesinal.

Como se vê, todas as questões relevantes para solução da controvérsia foram exaustivamente examinadas e adequadamente solucionadas pela sentença, a qual, por isso, merece confirmada.

De todo modo, é de se acrescentar que os argumentos do Sindicato demandante, já rebatidos pontualmente pela sentença, buscam a manutenção do 'statu quo' a pretexto de que a revogação pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019, do §21 do art. 40 da Constituição teria ofendido direitos, quando a chave da presente controvérsia está, ao invés, no reconhecimento de que a Constituição, ao lado de direitos, prevê igualmente deveres, sendo o mais conspícuo deles o da solidariedade (art. 3º), que vem explicitado e reforçado, no artigo 195, em relação ao financiamento da seguridade social.

Assim, a revogação, pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019, do §21 do artigo 40 da Constituição visou apenas colocar em termos mais realistas e equânimes o dever de solidariedade dos substituídos, equiparando, por conseguinte, os servidores públicos aposentados e seus pensionistas, portadores de doenças incapacitantes, aos demais trabalhadores aposentados e pensionistas, também portadores de moléstias incapacitantes, isentados agora todos eles de contribuir para a Previdência Social, até o limite do teto do Regime Geral de Previdência Social. Além desse limite, a isenção constituía, na verdade, um privilégio, e não exatamente um direito, sendo tal privilégio incompatível com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (Constituição, art. 3º), e, por conseguinte, passível de revogação a qualquer tempo. E a abolição de um privilégio, longe de constituir um retrocesso social, parece antes constituir um avanço republicano.

Enfim, quanto aos honorários advocatícios, deve ser reformada a sentença, uma vez que não se aplicam ao presente caso (ação ordinária coletiva) as disposições atinentes à ação civil pública. Assim, impõe-se condenar a parte vencida ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor da causa (R$ 60.000,00) atualizado, nos termos do inciso I do §3º do artigo 85 do Código de Processo Civil.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do demandante e dar provimento à apelação da União.



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5007677-77.2020.4.04.7200
40003085823.V18


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5007677-77.2020.4.04.7200/SC

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5007677-77.2020.4.04.7200/SC

RELATOR: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI

APELANTE: SINTRAJUSC-SIND DOS TRABALHADORES NO PODER JUDICIARIO FEDERAL NO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

ADVOGADO: PEDRO MAURICIO PITA DA SILVA MACHADO (OAB RS024372)

APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

SERVIDORES PÚBLICOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS PORTADORES DE DOENÇAS INCAPACITANTES. CONTRIBUIÇÃO À SEGURIDADE SOCIAL. REDUÇÃO DO LIMITE DE ISENÇÃO. §21 DO ARTIGO 40 DA cONSTITUIÇÃO. REVOGAÇÃO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 103, DE 2019. LEGITIMIDADE. EXAME DO CASO INCLUSIVE PELO PONTO DE VISTA DO DEVER CONSTITUCIONAL DE SOLIDARIEDADE. IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APLICAÇÃO AO CASO DO §3º DO ARTIGO 85 DO cÓDIGO DE pROCESSO cIVIL.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do demandante e dar provimento à apelação da União, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 12 de abril de 2022.



Documento eletrônico assinado por RÔMULO PIZZOLATTI, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003086442v3 e do código CRC 09eec196.Informações adicionais da assinatura:
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5007677-77.2020.4.04.7200
40003086442 .V3


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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO TELEPRESENCIAL DE 12/04/2022

Apelação Cível Nº 5007677-77.2020.4.04.7200/SC

RELATOR: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI

PRESIDENTE: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI

PROCURADOR(A): FLÁVIO AUGUSTO DE ANDRADE STRAPASON

APELANTE: SINTRAJUSC-SIND DOS TRABALHADORES NO PODER JUDICIARIO FEDERAL NO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

ADVOGADO: PEDRO MAURICIO PITA DA SILVA MACHADO (OAB RS024372)

APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 12/04/2022, na sequência 8, disponibilizada no DE de 01/04/2022.

Certifico que a 2ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 2ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO DEMANDANTE E DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA UNIÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI

Votante: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI

Votante: Desembargadora Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE

Votante: Juiz Federal ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA

MARIA CECÍLIA DRESCH DA SILVEIRA

Secretária



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