Apelação Cível Nº 5054773-87.2012.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELANTE: ADEMAR FERREIRA DE LIMA (AUTOR)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Trata-se de ação ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, na qual a parte autora pleiteia: 'a) reconhecimento e averbação da especialidade dos períodos de 01/04/1982 a 21/01/1986, de 14/04/1986 a 27/06/1986, de 04/12/1986 a 13/06/1988, de 15/05/1990 a 23/02/1991, de 22/08/1991 a 22/08/1994, de 02/01/1997 a 17/06/2000 e de 01/07/2000 a 10/04/2007, os quais devem ser convertidos para comum mediante aplicação do fator 1,40, em razão da exposição a hidrocarbonetos; b) revisão da aposentadoria por tempo de contribuição de sua titularidade com majoração da renda mensal desde a entrada do requerimento administrativo (DER), em 10/04/2007; c) condenação do réu no pagamento dos valores vencidos e vincendos, corrigidos monetariamente; d) condenação do réu no pagamento de honorários de sucumbência.'
Sentenciando em 25/09/2017, o juízo a quo julgou o pedido nos seguintes termos:
Ante o exposto, julgo procedentes os pedidos, resolvendo o mérito nos termos do art. 487, I e III, a, do Código de Processo Civil, o que faço para:
a) reconhecer as condições especiais de trabalho nos períodos de 01/04/1982 a 21/01/1986, de 14/04/1986 a 27/06/1986, de 04/12/1986 a 13/06/1988, de 17/05/1990 a 23/02/1991, de 22/08/1991 a 22/08/1994, de 02/01/1997 a 17/06/2000 e de 01/07/2000 a 10/04/2007, a serem convertidos pelo fator 1,40;
b) condenar o réu a averbar os períodos aqui reconhecidos e a revisar a aposentadoria por tempo de contribuição de titularidade do autor;
c) condenar o réu no pagamento das diferenças vencidas, desde a DIB de 10/04/2007, corrigidas monetariamente, nos termos da fundamentação, respeitada a prescrição.
Condeno o INSS ao pagamento integral dos honorários sucumbência fixados no percentual mínimo de cada faixa estipulada pelo artigo 85, §3°, do Novo Código de Processo Civil, dependendo da apuração do montante em eventual cumprimento de sentença, sempre observando o §5° do artigo 85 do CPC. A base de cálculo será o valor da condenação, limitado ao valor das parcelas vencidas até a sentença (Súmula 111, STJ; Súmula 76, TRF4).
Irresignado, apela o INSS. Argui que os períodos de especialidade postulados foram reconhecidos com base em prova testemunhal e perícia técnica realizada em empresa diversa daquela onde o apelado trabalhou, vulgarmente chamada de perícia indireta. Afirma que a legislação sempre reconheceu a importância da verificação fática da existência do ruído em grau prejudicial à saúde, tendo sido sempre contrária a presunções no tocante a esse agente nocivo. Ao final, postula a reforma da sentença para afastar o reconhecimento do labor especial e de revisão do benefício.
A parte autora apela para reformar o comando sentencial para que passe a constar também na fundamentação que houve o reconhecimento como especial dos períodos de 02.01.1997 a 17.06.2000 e de 01.07.2000 a 10.04.2007, por exposição a derivados de hidrocarbonetos, de forma habitual e permanente, sem qualquer atenuação por EPI.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
MÉRITO
A controvérsia no plano recursal restringe-se:
- ao reconhecimento do exercício de atividade especial no(s) período(s) de 01/04/1982 a 21/01/1986, de 14/04/1986 a 27/06/1986, de 04/12/1986 a 13/06/1988, de 17/05/1990 a 23/02/1991, de 22/08/1991 a 22/08/1994, de 02/01/1997 a 17/06/2000 e de 01/07/2000 a 10/04/2007;
- à consequente revisão da aposentadoria por tempo de contribuição.
TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL
Inicialmente, ressalte-se que deve ser observada, para fins de reconhecimento da especialidade, a lei em vigor à época em que exercida a atividade, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador.
Assim, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o considere como especial, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova mais restritiva. Esse, inclusive, é o entendimento da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (AGREsp n. 493.458/RS, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJU de 23/06/2003; e REsp n. 491.338/RS, 6ª Turma, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 23/06/2003), a qual passou a ter previsão legislativa expressa com a edição do Decreto n.º 4.827/03, que inseriu o § 1º no art. 70 do Decreto n.º 3.048/99.
Feita essa consideração e tendo em vista a sucessão de leis que disciplinam a matéria, necessário, preliminarmente, verificar qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, que se encontrava vigente nada data em que exercida a atividade que se pretende ver reconhecida a especialidade.
Verifica-se, assim, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema:
a) até 28/04/1995, quando vigente a Lei nº 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e, posteriormente, a Lei n° 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial; ou, ainda, quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos, por qualquer meio de prova, exceto para os agentes nocivos ruído e calor, que exigem a mensuração de seus níveis por meio de perícia técnica, trazida aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, a fim de se verificar a existência ou não de nocividade (STJ, AgRg no REsp n. 941885/SP, 5ª Turma, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe de 04/08/2008; e STJ, REsp n. 639066/RJ, Quinta Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ de 07/11/2005);
b) a partir de 29/04/1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção daquelas a que se refere a Lei n° 5.527/68, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13/10/1996, dia anterior à publicação da Medida Provisória nº 1.523, de 14/10/1996, que revogou expressamente a Lei em questão - de modo que, no interregno compreendido entre 29/04/1995 (ou 14/10/1996) e 05/03/1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n° 9.032/95 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, como já salientado;
c) a partir de 06/03/1997, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Medida Provisória nº 1.523/96 (convertida na Lei nº 9.528/97), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos, por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
Saliente-se, ainda, que é admitida a conversão de tempo especial em comum após maio de 1998, consoante entendimento firmado pelo STJ, em decisão no âmbito de recurso repetitivo, (REsp n.º 1.151.363/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em 23/03/2011, DJe 05/04/2011).
Por fim, observo que, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, devem ser considerados os Decretos nº 53.831/64 (Quadro Anexo - 2ª parte), nº 72.771/73 (Quadro II do Anexo) e nº 83.080/79 (Anexo II) até 28/04/1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas.
Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos nº 53.831/64 (Quadro Anexo - 1ª parte), nº 72.771/73 (Quadro I do Anexo) e n. 83.080/79 (Anexo I) até 05/03/1997, e os Decretos n. 2.172/97 (Anexo IV) e n. 3.048/99 a partir de 06/03/1997, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto nº 4.882/03.
Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível, também, a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula nº. 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP n° 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, 6ª Turma, DJU de 30/06/2003).
FATOR DE CONVERSÃO
Registre-se que o fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é aquele previsto na legislação aplicada na data concessão do benefício e no cálculo de sua renda mensal inicial, e não o contido na legislação vigente quando o serviço foi prestado. A propósito, a questão já foi pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de Recurso Especial Repetitivo (REsp 1151363/MG, Relator Ministro Jorge Mussi, 3ª Seção, julgado em 23/03/2011, DJe 05/04/2011).
AGENTE NOCIVO RUÍDO
Especificamente quanto ao agente nocivo ruído, a comprovação da especialidade da atividade laboral pressupõe a existência de parecer técnico atestando a exposição do segurado a níveis de pressão sonora acima dos limites de tolerância.
Referidos limites foram estabelecidos, sucessivamente, no Quadro Anexo do Decreto nº 53.831, de 25/03/1964, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24/01/1979, o Anexo IV do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, e o Anexo IV do Decreto nº 3.048, de 06/05/1999, alterado pelo Decreto nº 4.882, de 18/11/2003, os quais consideram insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 80, 85 e 90 decibéis, de acordo com os Códigos 1.1.6, 1.1.5, 2.0.1 e 2.0.1.
Quanto ao período anterior a 05/03/1997, já foi pacificado pela Seção Previdenciária desta Corte (EIAC 2000.04.01.134834-3/RS, Rel. Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU, Seção 2, de 19/02/2003, p. 485) e também no âmbito do INSS na esfera administrativa (IN nº 57/2001 e posteriores), que são aplicáveis concomitantemente, para fins de enquadramento, os Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79 até 05/03/1997, data imediatamente anterior à publicação do Decreto nº 2.172/97. Desse modo, até então, é considerada nociva à saúde a atividade sujeita a ruídos superiores a 80 decibéis, conforme previsão mais benéfica do Decreto nº 53.831/64.
Com a edição do Decreto nº 2.172/97, em 06/03/1997, o nível de tolerância ao ruído, considerado salubre, passou para até 90 decibéis. Posteriormente, o Decreto nº 4.882/03, de 19/11/2003 estabeleceu o referido limite em 85 decibéis.
Em face da controvérsia existente acerca da possibilidade de aplicação retroativa do Decreto nº 4.882/03, já que mais benéfico ao segurado, em 14/05/2014, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp nº 1.398.260-PR, em sede de Recurso Especial Repetitivo, firmou entendimento sobre a matéria, nos seguintes termos:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA DO DECRETO 4.882/2003 PARA RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6/3/1997 a 18/11/2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB. De início, a legislação que rege o tempo de serviço para fins previdenciários é aquela vigente à época da prestação, matéria essa já abordada de forma genérica em dois recursos representativos de controvérsias, submetidos ao rito do art. 543-C do CPC (REsp 1.310.034-PR, Primeira Seção, DJe 19/12/2012 e REsp 1.151.363-MG, Terceira Seção, DJe 5/4/2011). Ademais, o STJ, no âmbito de incidente de uniformização de jurisprudência, também firmou compreensão pela impossibilidade de retroagirem os efeitos do Decreto 4.882/2003. (Pet 9.059-RS, Primeira Seção, DJe 9/9/2013). Precedentes citados: AgRg no REsp 1.309.696-RS, Primeira Turma, DJe 28/6/2013; e AgRg no REsp 1.352.046-RS, Segunda Turma, DJe 8/2/2013. REsp 1.398.260-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 14/5/2014.
Portanto, deve-se adotar os seguintes níveis de ruído para fins de reconhecimento do tempo de serviço especial: superior a 80 dB(A) até 05/03/1997, superior a 90 dB(A) entre 06/03/1997 a 18/11/2003 e superior a 85 dB(A) a partir de 19/11/2003.
AGENTES QUÍMICOS
Sinale-se que a exigência relativa à necessidade de explicitação da composição e concentração dos agentes químicos a que o segurado estava exposto, não encontra respaldo na legislação previdenciária, a qual reconhece a especialidade do labor quando existe contato com agentes químicos nocivos à saúde, elencados na legislação de regência. Nesse sentido: Embargos Infringentes nº 5004090-13.2012.404.7108, 3ª Seção, Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, por unanimidade, juntado aos autos em 06/12/2013.
EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL - EPI
A utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador, da atividade exercida no período anterior a 3 de dezembro de 1998, data da publicação da MP 1.729/12/1998, convertida na Lei 9.732, de 11/12/1998, que alterou o § 2º do artigo 58 da Lei 8.213/1991, determinando que o laudo técnico contenha informação sobre a existência de tecnologia de proteção individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo. Esse entendimento, inclusive, foi adotado pelo INSS na Instrução Normativa 45/2010.
A partir de dezembro de 1998, quanto à possibilidade de desconfiguração da natureza especial da atividade em decorrência de EPIs, o STF ao julgar o ARE 664.335, submetido ao regime de repercussão geral (tema 555), Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2014 e publicado em 12/02/2015, fixou duas teses:
1) "o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial"; e
2) "na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria".
Ressalte-se, por fim, que para afastar o caráter especial das atividades desenvolvidas pelo segurado é necessária uma efetiva demonstração da elisão das consequências nocivas, além de prova da fiscalização do empregador sobre o uso permanente dos dispositivos protetores da saúde do obreiro durante toda a jornada de trabalho.
INTERMITÊNCIA NA EXPOSIÇÃO AOS AGENTES NOCIVOS
A habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física, referidas no artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91, não pressupõem a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, mas sim que tal exposição deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades do trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho, e não de caráter eventual. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho. Nesse sentido vem decidindo esta Corte (EINF n.º 2007.71.00.046688-7, 3ª Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 07/11/2011; EINF nº 0004963-29.2010.4.04.9999, 3ª Seção, Relatora Vivian Josete Pantaleão Caminha, D.E. 12/03/2013; EINF n° 0031711-50.2005.4.04.7000, 3ª Seção, Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, D.E. 08/08/2013).
Ademais, conforme o tipo de atividade, a exposição ao respectivo agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade, não sendo razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (TRF4, EINF 2005.72.10.000389-1, 3ª Seção, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 18/05/2011; TRF4, EINF 2008.71.99.002246-0, 3ª Seção, Relator Luís Alberto D"Azevedo Aurvalle, D.E. 08/01/2010).
Adotando-se tal entendimento, é possível concluir-se que, em se tratando de agentes biológicos, é desnecessário que o contato se dê de forma permanente, já que o risco de contágio independe do tempo de exposição (vide TRF4, 3ª Seção, EIAC nº 2000.04.01.034170-5/SC, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU 20/10/2004).
EXAME DO TEMPO ESPECIAL NO CASO CONCRETO
Passo, então, ao exame do (s) período(s) controvertido(s) nesta ação, com base nos elementos contidos nos autos e na legislação de regência, para concluir pelo cabimento ou não do reconhecimento da natureza especial da atividade desenvolvida. Para tanto, colaciono fração do comando sentencial que bem analisou a questão, cujos fundamentos adoto como razões de decidir pois alinhados com o atual entendimento desta Corte, in verbis:
Diante das premissas supra, passo à análise dos vínculos controvertidos.
Período: de 01/04/1982 a 21/01/1986
Função: mecânico
Período: de 14/04/1986 a 27/06/1986
Função: Encarregado Setor Manutenção caixa e diferencial
Período: de 04/12/1986 a 13/06/1988
Função: Encarregado Setor de Montagens
Período: de 15/05/1990 a 23/02/1991
Função: Mecânico
Empregador: Transportadora Tapajós S/A
CTPS: fls. 3-4/CTPS6 e fl. 3/CTPS7/ev1
De início, esclareço que conforme anotações em CTPS (fl. 3/CTPS7/ev1) e do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS1/ev236), o último período supracitado teve início em 17/05/1990. Assim, reputo como erro material o pedido inicial de reconhecimento da especialidade de 15/05/1990 a 23/02/1991, passando à análise do mérito em relação ao período de 17/05/1990 a 23/02/1991.
A empresa está inativa, consoante do documento OUT2/ev43.
Por esse motivo, para descrição das atividades exercidas nos períodos foi admitida a prova testemunhal, consoante decisão do evento 45 e audiência de instrução do evento 64.
A testemunha, Sr. Juari Francisco dos Santos, disse que conheceu o autor na empresa Transportadora Tapajós; que o depoente foi admitido em 1980 como auxiliar de mecânico e no mesmo ano foi promovido a mecânico; que trabalhou nesta empresa por uns 15 anos; que o autor entrou em 1981 como mecânico; que o autor ficou uns 12 ou 13 anos nesta empresa; que a transportadora tinha 34 caminhões nos últimos tempos; que trabalhavam com Scania, Mercedes e Volvo; que eram caminhões de 25 a 30 toneladas; que Mercedes é de 15 toneladas; que a função do depoente e do autor sempre foi de mecânico de caminhão; que não mudaram de função; que faziam mecânica geral; que mexiam com motor e caixa diferencial; que trabalhavam 8 horas por dia; que sempre tinha hora extra; que faziam lavação de peças com diesel, querosene e gasolina; que não tinha equipamento de proteção; que a Transportadora Sulista era do mesmo grupo; que ficavam distante uns 50m uma da outra; que as peças eram passadas no óleo diesel, depois lavava e pulverizava com gasolina; que faziam manutenção diariamente; que havia ruído porque a lataria ficava no mesmo pátio; que o ruído era contínuo; que inalavam tinta porque faziam pintura no mesmo local.
Com isso, restou suficientemente comprovado que o autor se dedicou à função de mecânico nos períodos de trabalho junto à empresa supracitada.
Neste ponto, diga-se que, em se tratando de mecânico é lícito crer que a exposição a óleo mineral e outros derivados de petróleo (hidrocarbonetos) se dava diariamente, de forma bastante rotineira. Nestes termos, o seguinte trecho de voto proferido pelo Desembargador Federal Osni Cardoso Filho:
"... Quanto à exposição aos agentes químicos, especialmente hidrocarbonetos, o entendimento consolidado é no sentido de que os riscos ocupacionais por eles gerados não requerem a análise quantitativa de sua concentração ou intensidade máxima e mínima no ambiente de trabalho, dado que são caracterizados pela avaliação qualitativa. A exposição a radiações não ionizantes e fumos de solda enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial, de acordo com jurisprudência do Tribunal regional Federal da 4ª Região. Para a caracterização da especialidade, não se exige exposição às condições insalubres durante todos os momentos da prática laboral, sendo suficiente que o trabalhador, em cada dia de trabalho, esteja exposto a agentes nocivos em período razoável da jornada, salvo exceções (periculosidade, por exemplo). Habitualidade e permanência hábeis para os fins visados pela norma - que é protetiva - devem ser analisadas à luz do serviço cometido ao trabalhador, cujo desempenho, não descontínuo ou eventual, exponha sua saúde à prejudicialidade das condições físicas, químicas, biológicas ou associadas que degradam o meio ambiente do trabalho. Nesse sentido: EINF 2004.71.00.028482-6/RS, Relator Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. de 8/1/2010 e EIAC 2000.04.01.088061-6/RS, Relator Desembargador Federal Fernando Quadros da Silva, DJU 3/3/2004.... (TRF4, APELREEX 5061762-37.2011.404.7100, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Osni Cardoso Filho, juntado aos autos em 18/09/2015) (grifo não constante do original)
Lembre-se que a NR-15 dispensa a avaliação quantitativa para os hidrocarbonetos em relação a determinadas atividades descritas no Anexo 13 da referida norma, entre elas, a manipulação de alcatrão, breu, betume, antraceno, óleos minerais, óleo queimado, parafina ou outras substâncias cancerígenas afins.
Assim, e considerando que não houve comprovação da eliminação da agressividade do agente químico hidrocarboneto em razão do uso de equipamento eficaz, os períodos devem ser reconhecidos como especiais em razão da exposição a agentes químicos, em razão de enquadramento pelo item 1.2.11 do Decreto nº 53.831/64.
Fica deferido o pedido.
Período: de 22/08/1991 a 22/08/1994
Empregador: Transportadora Sulista S/A
CNIS: CNIS1/ev236
O formulário do evento 152 é suficiente para a comprovação de que o autor se manteve na função de mecânico por todo o período do contrato de trabalho em comento, sendo responsável pela manutenção e conserto dos veículos.
Para comprovação da especialidade foi realizada perícia judicial, cujo resultado está acostado no evento 208, por similaridade, na empresa Nichele Diesel Mecânica Ltda.
A perita informou que o setor de oficina mecânica da Transportadora Sulista possuía as mesmas características construtivas da empresa periciada: barracão industrial, fechado em alvenaria, piso de cimento alisado, telhas de fibrocimento, aberturas frontais, ventilação natural, iluminação natural e artificial, pé direito de aproximadamente seis metros, bem como que eram utilizadas as seguintes ferramentas, na época do contrato de trabalho do autor: parafusadeira, furadeira, esmeril, rebitadeira, prensa e marreta (fl. 4/LAUDO1/ev208).
Com relação ao ruído, a perita judicial aferiu nível equivalente de ruído 89,2 dB, de forma habitual e permanente, sem uso de protetor auditivo (item 5.1 do laudo pericial - fl. 11/LAUDO1/ev208).
Neste ponto, vale esclarecer que, de acordo com a decisão supra, do STF, o uso de EPI, de todo modo, não poderia ser considerado eficaz para eliminação da nocividade do ruído porque a agressão ao organismo vai além da perda da função auditiva.
Desse modo, é possível o acolhimento do pedido, com reconhecimento da especialidade em razão da comprovação da exposição a ruído acima do limite de tolerância de 80 dB, fixado por ato normativo e entendimento jurisprudencial para o referido período.
Além disso, a perícia constatou manipulação de óleos minerais e emprego de produtos contendo hidrocarbonetos, sem uso de equipamentos de proteção, o que permite também o enquadramento da atividade pelo item 1.2.11 do Decreto nº 53.831/64.
Fica deferido o pedido.
Período: de 02/01/1997 a 17/06/2000
Empregador: JB Nichele Auto Peças Ltda
Função: mecânico
Período: de 01/07/2000 a 09/10/2007
Empregador: Nichele Diesel Mecânica Ltda
Função: mecânico
CTPS: fl. 9/PPP1/ev124
De acordo com os formulários constantes das fls. 1-3/PPP1/ev124, o demandante exerceu a função mecânico nos dois períodos supra especificados, no setor oficina, executando serviços de:
- troca de lonas de sapatas de freios (rebitar) com o uso de marreta e talhadeira,
- manutenção das válvulas e cuícas através de ferramental manual prensa pequena e sacador hidráulico,
- teste as válvulas com ar comprimido,
- montagem e regulagem de motor a diesel através de ferramenta manual e talha de sustentação (girafa), executando em bancadas apropriadas,
- montagem e regulagem de caixa de câmbio e diferenciais de caminhões através de ferramental manual (girafa), cavalete hidráulico em bancadas apropriadas.
Laudo técnico parcialmente acostado nas fls. 5-8/PPP1/ev124 indicam aferição de ruído de 87,7 dB em 26/06/2014, com uso de protetor auditivo, com atenuação de 16 dB, além de exposição a graxa, querosene e óleo diesel. Em relação ao agente químico querosene, o referido documento indica como medida proposta a adoção de uso de respirador semifacial.
Lembre-se que o uso de EPI, no caso concreto, não afasta a nocividade do agente ruído em relação aos distúrbios causados na saúde do trabalhador, para além da perda da audição.
Note-se, ainda, que, quanto aos hidrocarbonetos, o laudo acostado nos autos propõe a adoção de respirador semifacial, indício de que não havia uso do EPI na época da prestação de serviço pelo autor.
Note-se que a perícia judicial constante do evento 208 foi realizada nas dependências das empresas Nichele, ou seja, na Rodovia BR-376, 3045, Campina, São José dos Pinhais - PR (fl. 9/PPP1/ev124 e fl. 3/LAUDO1/ev208).
Desse modo, possível a adoção das conclusões periciais a respeito das condições de trabalho do autor também em relação aos períodos em apreço, com consideração de exposição a ruído de 89,2 dB e a hidrocarbonetos (óleo, querosene e graxa), de forma habitual e permanente.
Assim, cabível o reconhecimento da especialidade em razão do ruído nos períodos de 02/01/1997 a 05/03/1997 e de 19/11/2003 a 10/04/2007, em virtude da exposição a ruído acima dos limites de tolerância de 80 dB e 85 dB, vigentes nos respectivos intervalos de tempo, bem como o reconhecimento da especialidade em razão da exposição a hidrocarbonetos, em relação aos quais está dispensada a avaliação quantitativa, nos termos do Anexo 13 da Norma Regulamentadora NR 15.
Nos períodos de 06/03/1997 a 17/06/2000 e de 01/07/2000 a 18/11/2003 não pode ser acolhido o pedido haja vista a ausência de comprovação de exposição a ruído superior a 90 dB.
Fica deferido o pedido.
Cumpre referir que a extemporaneidade do laudo técnico em relação ao período cuja especialidade o segurado pretende ver reconhecida não impede o enquadramento da atividade como especial, conforme se depreende do seguinte julgado:
PREVIDENCIÁRIO. REEXAME NECESSÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. EC 20/98. ATIVIDADE ESPECIAL. CONVERSÃO. LEI N. 9.711/98. DECRETO N. 3.048/99. LAUDO CONTEMPORÂNEO. DESNECESSIDADE. PERÍCIA POR SIMILARIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. HONORÁRIOS PERICIAIS. OMISSÃO SUPRIDA. MARCO INICIAL DO BENEFÍCIO.
(...)
5. O fato de o laudo pericial não ser contemporâneo ao exercício das atividades laborativas não é óbice ao reconhecimento do tempo de serviço especial, visto que, se em data posterior ao labor despendido, foi constatada a presença de agentes nocivos, mesmo com as inovações tecnológicas e de medicina e segurança do trabalho que advieram com o passar do tempo, reputa-se que, à época do labor, a agressão dos agentes era igual, ou até maior, dada a escassez de recursos materiais existentes para atenuar sua nocividade e a evolução dos equipamentos utilizados no desempenho das tarefas. 6 a 12. Omissis. (TRF4, AC n.º 2003.04.01057335-6, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E de 02.05.2007).
Portanto, por não serem contemporâneos ao exercício das atividades nas empresas, os documentos coligidos aos autos não impedem a averiguação das reais condições de trabalho que existiam na época do vínculo laboral. Se a análise foi realizada no ambiente de trabalho da parte autora e constatou a existência de agentes nocivos em data posterior ao labor, razão não há para se deduzir que as agressões ao trabalhador eram menores ou inexistiam na época da prestação do serviço, até porque a evolução tecnológica e da segurança do trabalho tende a causar a redução, e não o aumento dessa nocividade com o passar dos anos.
Quanto à possibilidade de aferição indireta das circunstâncias de trabalho, esta Corte vem entendendo pela possibilidade de realização de perícia técnica por similaridade como meio hábil a comprovar tempo de serviço prestado em condições especiais, quando impossível a coleta de dados no efetivo local de trabalho do demandante. Vejamos os seguintes precedentes:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ATIVIDADE ESPECIAL. PROVA PERICIAL. LAUDO POR SIMILARIDADE. Tendo em vista a inativação da empresa e constando nos autos a função exercida pela parte autora, possível a realização de perícia por similaridade. (TRF4, AG 5038428-89.2015.404.0000, SEXTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 29/02/2016)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ATIVIDADE ESPECIAL. COMPROVAÇÃO. PROVA PERICIAL POR SIMILARIDADE. Realizada perícia por similaridade analisando o período ora discutido, o documento é suficientemente hábil a comprovar o exercício de atividade especial, revelando-se desnecessária nova prova pericial. (TRF4, AG 5006750-56.2015.404.0000, SEXTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 29/02/2016)
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. TEMPO DE SERVIÇO URBANO. CTPS. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS HIDROCARBONETOS E RUÍDO. AGENTES QUÍMICOS. QUANTIDADE DE CONCENTRAÇÃO. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. LAUDO PERICIAL POR SIMILARIDADE. PERÍCIA EXTEMPORÂNEA AO EXERCÍCIO DO LABOR. FONTE DE CUSTEIO. EPI. ESPECIALDIADE DO PERÍODO DE GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA. NECESSÁRIA RELAÇÃO ENTRE A ATIVIDADE ESPECIAL E A DOENÇA QUE ENSEJOU A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS. (...) 8. Se a prova pericial, realizada na empresa constata a existência de agentes nocivos em data posterior ao labor, razão não há para se deduzir que as agressões ao trabalhador fossem menores ou inexistissem na época da prestação do serviço, até porque a evolução tecnológica e da segurança do trabalho tendem a causar a redução e não o aumento da nocividade com o passar dos anos. 9. Extinta a empresa em que laborou o segurado, deve ser admitida como prova perícia realizada em empresa similar, com observância das mesmas atividades desempenhadas e condições de trabalho. 10. Para a concessão de aposentadoria especial ou conversão de tempo exercido sob condições especiais em tempo de trabalho comum, previstas nos artigos 57 e 58 da Lei de benefícios, existe específica indicação legislativa de fonte de custeio: o parágrafo 6º do mesmo art. 57 supracitado, combinado com o art. 22, inc. II, da Lei n. 8.212/91. Não há óbice, ademais, que se aponte como fonte do financiamento da aposentadoria especial e da conversão de tempo especial em comum as contribuições a cargo da empresa - não apenas previdenciárias -, pois o art. 195, caput e incisos, da Constituição Federal, dispõe que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e, dentre outras ali elencadas, das contribuições sociais do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei. Incidência do princípio da solidariedade. (...) (TRF4, APELREEX 0022240-19.2014.404.9999, QUINTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, D.E. 26/02/2016)
Portanto, possível a realização de perícia em empresa similar, mormente quando as empresas onde trabalhou o autor já se encontrem desativadas, conforme precedentes deste Tribunal.
Destarte, ainda que a perícia em empresa similar não seja contemporânea e tenha sido elaborada após a efetiva prestação dos serviços, havendo coincidência de atividade e cujo layout da empresa seja similar à empresa trabalhada, não há óbice na sua utilização como prova da especialidade das atividades.
Quanto ao Recurso do autor para estabelecer o reconhecimento da especialidade nos períodos de 02/01/1997 a 17/06/2000 e de 01/07/2000 a 09/10/2007, ambos laborados na Nichele Diesel Mecânica Ltda na função de mecânico (CTPS: fl. 9/PPP1/ev124), também pela exposição aos agentes químicos (hidrocarbonetos) merece procedência, pois a sentença não foi suficientemente clara nesse aspecto. Embora o remédio processual adequado para tal finalidade tivesse sido a interposição dos competentes aclaratórios contra a sentença de mérito, possível a correção da referida omissão pela via recursal em homenagem ao caráter instrumental do processo.
Assim, mantenho os reconhecimentos da natureza especial do labor dos períodos analisados em sentença, esclarecendo que para os entretempos de 02/01/1997 a 17/06/2000 e de 01/07/2000 a 09/10/2007, o faço também pela exposição aos agentes químicos (hidrocarbonetos), devendo ser reformada a sentença neste específico ponto.
Nesse curso, dou provimento ao recurso da parte autora e nego provimento ao recurso do INSS.
CONSECTÁRIOS LEGAIS
Os critérios de correção monetária e juros de mora vinham sendo fixados por esta Turma nos termos das decisões proferidas pelo STF, no RE nº 870.947, DJE de 20/11/2017 (Tema 810), e pelo STJ, no REsp nº 1.492.221/PR, DJe de 20/03/2018 (Tema 905).
Todavia, em 24/09/2018, o Relator do RE 870.947/SE, com base no artigo 1.026, §1º, do CPC/2015, c/c o artigo 21,V, do RISTF, excepcionalmente, conferiu efeito suspensivo aos Embargos de Declaração interpostos pelos entes federativos estaduais.
Ressalte-se, no entanto, que a questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa necessária o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O art. 491 do CPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma tem como objetivo favorecer a celeridade e a economia processuais.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei nº 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo.
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente definidos por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que seja diferida a solução definitiva para a fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre essa possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo STF sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei nº 11.960/09, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei nº 11.960/09.
PREQUESTIONAMENTO
Restam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes.
CONCLUSÃO
Parcialmente provida a remessa necessária, para adequar a condenação quanto aos consectários legais, diferindo-se para a fase de cumprimento de sentença a forma respectiva de cálculo, adotando-se inicialmente o índice da Lei nº 11.960/09.
Provida a apelação da parte autora para reconhecer a especialidade do labor dos períodos de 02/01/1997 a 17/06/2000 e de 01/07/2000 a 09/10/2007 também pela exposição aos agentes químicos (hidrocarbonetos)
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS, dar parcial provimento ao reexame necessário e dar provimento à apelação da parte autora.
Documento eletrônico assinado por LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001369914v12 e do código CRC 67b8b3c5.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Data e Hora: 15/10/2019, às 22:53:42
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 03:36:08.
Apelação Cível Nº 5054773-87.2012.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELANTE: ADEMAR FERREIRA DE LIMA (AUTOR)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. PROVA DA ESPECIALIDADE. LAUDO EXTEMPORÂNEO. PERÍCIA INDIRETA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA.
1. A extemporaneidade do laudo técnico e/ou formulário em relação ao período cuja especialidade o segurado pretende ver deferida, não impede o reconhecimento da atividade como especial.
2. Tendo em vista a inativação da empresa e constando nos autos a função exercida pela parte autora, possível a realização de perícia por similaridade. (TRF4, AG 5038428-89.2015.404.0000, SEXTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 29/02/2016)
3. Extinta a empresa em que laborou o segurado, deve ser admitida como prova perícia realizada em empresa similar, com observância das mesmas atividades desempenhadas e condições de trabalho.
4. Deliberação sobre índices de correção monetária e juros de mora diferida para a fase de cumprimento de sentença, a iniciar-se com a observância dos critérios da Lei nº 11.960/09, de modo a racionalizar o andamento do processo, permitindo-se a expedição de precatório pelo valor incontroverso, enquanto pendente, no Supremo Tribunal Federal, decisão sobre o tema com caráter geral e vinculante.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, dar parcial provimento ao reexame necessário e dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 15 de outubro de 2019.
Documento eletrônico assinado por LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001369915v6 e do código CRC ac9eab5b.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Data e Hora: 15/10/2019, às 22:53:42
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 03:36:08.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual ENCERRADA EM 15/10/2019
Apelação Cível Nº 5054773-87.2012.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
PRESIDENTE: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELANTE: ADEMAR FERREIRA DE LIMA (AUTOR)
ADVOGADO: JOSE EDUARDO QUINTAS DE MELLO (OAB PR024695)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual encerrada em 15/10/2019, na sequência 131, disponibilizada no DE de 27/09/2019.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO REEXAME NECESSÁRIO E DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Juiz Federal MARCELO MALUCELLI
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 03:36:08.