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PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR À LEI Nº 8. 213. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. ALUNO-APRENDIZ. AUSÊNCIA DE PROVA DOCUMENTAL DA RETRIBUIÇÃO PECU...

Data da publicação: 01/01/2021, 11:34:10

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR À LEI Nº 8.213. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. ALUNO-APRENDIZ. AUSÊNCIA DE PROVA DOCUMENTAL DA RETRIBUIÇÃO PECUNIÁRIA. 1. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de vigência da Lei nº 8.213, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. 2. Os documentos fiscais relativos à entrega da produção rural à cooperativa agrícola consistem em provas hábeis para a comprovação do exercício de atividade rural, quando complementados por robusta prova testemunhal. 3. O cômputo do tempo de serviço como aluno-aprendiz exige a demonstração da efetiva execução do ofício, mediante encomendas de terceiros, não bastando a percepção de vantagem indireta (alimentação, alojamento, material escolar, uniformes) - Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 4. A comprovação do tempo de serviço como aluno-aprendiz não pode ser afirmada exclusivamente na prova testemunhal. (TRF4, AC 5071737-09.2017.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 24/12/2020)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5071737-09.2017.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELANTE: CESAR RENATO GHISLENI

ADVOGADO: RODRIGO RAMOS (OAB RS087266)

ADVOGADO: LUCIANA ELY CHECHI (OAB RS058988)

ADVOGADO: LUCIANA ELY CHECHI

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

A sentença proferida na ação ajuizada por César Roberto Ghisleni contra o INSS julgou parcialmente procedentes os pedidos, para o fim de declarar a condição de segurado especial do autor, como trabalhador rural em regime de economia familiar, no período de 01-01-1987 a 31-10-1991, e determinar que o réu proceda à averbação do tempo de serviço. Ambas as partes foram condenadas ao pagamento de honorários advocatícios, cabendo ao autor arcar com o valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) e o INSS com o valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais). As custas processuais foram divididas na proporção de 60% para o autor e de 20% para o INSS (custas por metade). Foi determinada a suspensão da exigibilidade das verbas de sucumbência devidas pelo autor.

Ambas as partes interpuseram apelação.

O autor aduziu que juntou documentos comprovando o recebimento, ainda que de forma indireta, de remuneração durante o período de estudo em escola técnica, especialmente a certidão fornecida pela instituição de ensino e a sentença proferida nos autos do processo nº 2010.72.65.001768-5, que reconheceu o tempo de aluno-aprendiz na mesma instituição, em período posterior, com base na mesma prova documental. Referiu que a sentença afirmou que "os alunos daquela instituição de ensino trabalhavam na prática agrícola. Toda a produção da escola era conseqüência do trabalho dos alunos e dos professores e parte do excedente era comercializada. A escola fornecida alimentação, alojamento e material escolar. Os alunos trabalham na produção de hortaliças, leite, carne e ovos e em contrapartida também recebiam desconto nas mensalidades". Alegou que, mesmo que a certidão da instituição de ensino e a sentença não sirvam como prova do recebimento de remuneração, ainda que de forma indireta, é perfeitamente viável a realização de prova testemtmhal, a fim de confirmar a alegação. Pediu o reconhecimento do tempo de contribuição no período de 01-01-1975 a 31-06-1978, na condição de aluno-aprendiz, e a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição desde a data do requerimento administrativo (29-03-2016). Subsidiariamente, caso se entenda que a prova não é suficiente, pediu a reabertura das instrução probatória, para que seja realizada audiência para a oitiva de testemunhas que confirmarão as alegações.

O INSS insurgiu-se contra o reconhecimento do exercício de atividade rural. Sustentou que o trabalho em regime de economia familiar exige a comprovação por notas fiscais de venda de produtos agrícolas, contratos de arrendamento ou outros documentos que, de fato, demonstrem a permanência do grupo familiar na terra e a atividade econômica desempenhada. Destacou que, isoladamente, o título de propriedade de terras e as certidões e outros documentos que qualificam a parte autora ou seus genitores como agricultores não comprovam a condição de segurado especial. Apontou que, no caso dos autos, a prova material é constituída por escassos documentos referentes à cooperativa rural, que sequer permitem aferir o início e o fim da atividade rural. Aduziu que é inadmissível o reconhecimento da qualidade de segurado especial com base unicamente na prova testemunhal.

O autor ofereceu contrarrazões.

A sentença foi publicada em 30 de agosto de 2017.

VOTO

Tempo de serviço como aluno-aprendiz

O Superior Tribunal de Justiça entende que o período em que o estudante frequentou escola industrial ou técnica federal, escolas equiparadas (industrial/técnica mantida e administrada pelos Estados ou Distrito Federal, autorizada pelo Governo Federal) ou escolas reconhecidas (industrial/técnica mantida e administrada pelos Municípios ou pela iniciativa privada, autorizada pelo Governo Federal), na condição de aluno-aprendiz, pode ser computado para fins previdenciários após o período de vigência do Decreto-Lei nº 4.073/1942, desde que seja possível a contagem recíproca, haja retribuição pecuniária à conta dos cofres públicos, ainda que de forma indireta, e o exercício da atividade seja voltado à formação profissional do estudante (REsp 1676809/CE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 26/09/2017, DJe 10/10/2017; AgRg no REsp 1213358/RS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 24/05/2016, DJe 02/06/2016; AgRg no REsp 931763/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 01/03/2011, DJe 16/03/2011).

Dessa forma, a averbação como tempo de contribuição do período em que o segurado foi aluno-aprendiz, em princípio, deve observar a Súmula nº 96 do Tribunal de Contas da União:

Conta-se para todos os efeitos, como tempo de serviço público, o período de trabalho prestado, na qualidade de aluno-aprendiz, em Escola Pública Profissional, desde que comprovada a retribuição pecuniária à conta do Orçamento, admitindo-se, como tal, o recebimento de alimentação, fardamento, material escolar e parcela de renda auferida com a execução de encomendas para terceiros.

Conforme a inteligência dada pela Súmula nº 96 do TCU, o Decreto-Lei nº 4.073/1942 (Lei Orgânica do Ensino Industrial) permite a contagem do período de aprendizado profissional como tempo de serviço nessas situações:

a) frequência em escolas técnicas ou industriais mantidas por empresas de iniciativa privada, desde que reconhecidas e dirigidas a seus empregados aprendizes, bem como o realizado com base no Decreto nº 31.546, de 6 de outubro de 1952, em curso do Serviço Nacional da Indústria ou Serviço Nacional do Comércio ou instituições por eles reconhecidas, para formação profissional metódica de ofício ou ocupação do trabalhador menor;

b) frequência em cursos de aprendizagem ministrados pelos empregadores a seus empregados em escolas próprias para essa finalidade ou em qualquer outro estabelecimento de ensino industrial;

c) frequência em escolas industriais ou técnicas da rede de ensino federal, escolas equiparadas ou reconhecidas, desde que tenha havido retribuição pecuniária à conta do orçamento respectivo do Ente Federativo, ainda que fornecida de maneira indireta ao aluno.

O Supremo Tribunal Federal, contudo, já decidiu que, para o reconhecimento do tempo de serviço como aluno-aprendiz, não basta a percepção de vantagem direta ou indireta, sendo necessário comprovar a efetiva execução do ofício para o qual o aluno recebia instrução, mediante encomendas de terceiros. Nesse sentido:

CONTRADITÓRIO – PRESSUPOSTOS – LITÍGIO – ACUSAÇÃO. O contraditório, base maior do devido processo legal, requer, a teor do disposto no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal, litígio ou acusação, não alcançando os atos sequenciais alusivos ao registro de aposentadoria. PROVENTOS DA APOSENTADORIA – TEMPO DE SERVIÇO – ALUNO-APRENDIZ – COMPROVAÇÃO. O cômputo do tempo de serviço como aluno-aprendiz exige a demonstração da efetiva execução do ofício para o qual recebia instrução, mediante encomendas de terceiros. (MS 31518, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 07/02/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-202 DIVULG 05-09-2017 PUBLIC 06-09-2017)

Agravo regimental no mandado de segurança. 2. Tribunal de Contas da União. 3. Aposentadoria. 4. Cômputo do tempo laborado na condição de aluno-aprendiz. Princípio da segurança jurídica. 5. Impossibilidade da aplicação da nova interpretação da Súmula 96 do TCU, firmada no Acórdão 2.024/2005, às aposentadorias concedidas anteriormente. Precedentes do STF. 6. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 7. Agravo regimental a que se nega provimento. (MS 28965 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 10/11/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-239 DIVULG 25-11-2015 PUBLIC 26-11-2015)

No caso presente, para comprovar o tempo de serviço na condição de aluno-aprendiz, o autor juntou os seguintes documentos : a) histórico escolar relativo ao período de frequência no Curso Técnico em Agropecuária, no Colégio Presidente Getúlio Vargas, mantido pela Sociedade Educacional Três de Maio; b) certificado de conclusão de curso e atestado de conclusão de estágio profissionalizante; c) atestado expedido pela Sociedade Educacional Três de Maio, declarando que o autor frequentou o Curso Técnico em Agropecuária, reconhecido pela Portaria nº 1987, de 14 de fevereiro de 1975, nos anos de 1975, 1976 e 1977, com 180 dias letivos cada, e de 1978, com 90 dias letivos (estágio) (evento 3, anexospet4, p. 16-24).

O atestado da SETREM informa que as aulas regulares aconteciam no turno da manhã e as aulas práticas no turno da tarde; os alunos desenvolviam atividades práticas nos setores de agricultura, horticultura e criações; o autor frequentou as aulas em regime de externato e pagava as mensalidades integralmente.

Os documentos existentes nos autos não respaldam a pretensão do autor.

Não consta, na documentação expedida pelo Colégio Presidente Getúlio Vargas, que a escola técnica tenha sido autorizada pelo Governo Federal, nos termos do art. 60 do Decreto-Lei nº 4.073/1942. No caso de escolas técnicas mantidas e administradas por pessoa jurídica de direito privado, consideram-se reconhecidas somente as que foram autorizadas pelo Governo Federal.

A prova documental não demonstra a contraprestação, ainda que de forma indireta, por conta do orçamento público, de alojamento, alimentação, uniforme, material escolar ou qualquer tipo de ajuda de custo, inclusive porque as mensalidades eram custeadas integralmente pelo próprio autor.

Também os documentos não evidenciam a retribuição pecuniária direta ou mesmo indireta pela participação nas aulas práticas, a execução de encomendas de terceiros e o recebimento de parcela da renda dessa produção pelos alunos. A realização de estágio de habilitação profissional não se amolda aos requisitos legais, pois integra o currículo obrigatório do curso técnico.

Tampouco a sentença proferida no processo nº 2010.72.65.001768-5 corrobora as alegações do autor, visto que ficou comprovado, naquela demanda, o recebimento de alimentação, instrução e hospedagem. O autor estudou em regime de externato e pagava integralmente a sua mensalidade; logo, não se trata da mesma situação fática.

Por fim, ainda que fosse determinada a produção de prova testemunhal, o entendimento sobre a questão não seria modificado. A comprovação do tempo de serviço não pode se embasar exclusivamente na prova testemunhal, conforme determina o art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991:

§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.

Dessa forma, mesmo que, porventura, as testemunhas afirmassem que o autor executava encomendas de terceiros e recebia parte do produto da venda, não poderia ser reconhecido o tempo de serviço, diante da vedação posta no art. 55, §3º, da Lei nº 8.213/1991.

Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213/1991

Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Ainda que o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213/1991, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31 de outubro de 1991.

O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213/1991, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do artigo 194, parágrafo único, inciso II, da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213/1991, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11/1971. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.

Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991 abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.

A idade mínima de dezesseis anos referida no art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios considera a redação do art. 7º, inciso XXXIII, da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213/1991, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ampara esse entendimento:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADORA RURAL. MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. CONCESSÃO DE SALÁRIO-MATERNIDADE. ART. 7º, XXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA PROTETIVA QUE NÃO PODE PRIVAR DIREITOS. PRECEDENTES. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7º, XXXIII, da Constituição “não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos” (RE 537.040, Rel. Min. Dias Toffoli). Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 600616 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 26/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-175 DIVULG 09-09-2014 PUBLIC 10-09-2014)

Para a comprovação do tempo de atividade rural, o art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991, exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do STJ, consoante a Súmula nº 149: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário". Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema nº 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).

Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo art. 55, § 3º, da Lei de Benefícios dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo caráter é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.

Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do trabalho rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rurícola, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A jurisprudência vem relativizando o requisito de contemporaneidade, admitindo a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, tanto de forma retrospectiva como prospectiva, com base em firme prova testemunhal. Assim, não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que as lacunas na prova documental sejam supridas pela prova testemunhal. Nesse sentido, estabelece o Tema nº 638 do STJ:

Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório. (REsp 1348633 SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/08/2013, DJe 05/12/2014)

Os documentos em nome de terceiros, integrantes do mesmo grupo familiar, sobretudo pais ou cônjuge, são aceitos como início de prova material. O art. 11, § 1º, da Lei de Benefícios, define o regime de economia familiar como aquele em que os membros da família exercem em condições de mútua dependência e colaboração. Na sociedade rural, geralmente os atos negociais são formalizados em nome do chefe de família, função exercida pelo genitor ou cônjuge masculino. Na Súmula nº 73, este Tribunal preceitua: Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.

O membro de grupo familiar que exerça outra atividade enquadrada no regime geral de previdência social ou em outro regime, mesmo que continue trabalhando nas lides rurais, perde a qualidade de segurado especial, conforme dispõe o art. 11, § 9º, da Lei nº 8.213/1991, incluído pela Lei nº 11.718/2008.

O exercício de atividade urbana por um dos integrantes da família repercute em dois aspectos: a caracterização do regime de economia familiar e a comprovação do exercício da atividade rural pelos demais membros do grupo familiar.

Entende-se que, se ficar comprovado que a remuneração proveniente da atividade urbana de um dos membros da família é apenas complementar e a principal fonte de subsistência do grupo familiar continua sendo a atividade rural, não se descaracteriza a condição de segurado especial do outro cônjuge ou dos demais integrantes da família. Contudo, se as provas materiais do labor rural estão em nome do membro do grupo familiar que não ostenta a qualidade de segurado especial, por possuir fonte de renda derivada de atividade urbana, não é possível aproveitar o início de prova material para os demais membros da família.

A matéria já foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça, em recurso representativo da controvérsia (REsp 1304479/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012), e resultou nas seguintes teses:

Tema nº 532: O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).

Tema nº 533: Em exceção à regra geral (...), a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.

Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213/1991 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Dessa forma, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.

Caso concreto

A controvérsia diz respeito ao exercício de atividade rural pelo autor no período de 01-01-1987 a 31-10-1991.

A título de início de prova material, foram juntados os seguintes documentos, todos em nome do autor (evento 3, anexospet4):

a) pedido de inscrição na Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, na condição de produtor rural, com exercício da atividade na localidade de São João Mirim, no Município de Joia/RS, como arrendatário, no ano de 1986;

b) documentos fiscais relativos à entrega da produção rural à Cooperativa Regional Tritícola Serrana, emitidos nos anos de 1988, 1989, 1990, 1991;

c) extrato da comercialização de produtos rurais na Cooperativa Agrícola Tupanciretã, relativo ao ano de 1992.

Foi realizada justificação administrativa por determinação do juízo, com a oitivas das testemunhas Valdir Ronzani Sarturi, Eloisa Teresinha Bremm e Dani Antônio Della Flora, cujos depoimentos convergiram quanto aos fatos principais. As testemunhas relataram que conhecem o autor desde criança; ele trabalhou primeiramente nas terras do avô e depois que saiu do Bradesco, passou a exercer a atividade rural nas terras de Vilmar Hernandes e João Custódio; o autor sobrevivia somente da renda proveniente da agricultura; plantava trigo, soja, milho e feijão, sem a ajuda de empregados; residia no meio rural, não possuindo casa na cidade. As testemunhas presenciaram o autor trabalhando nas lidas rurícolas e esclareceram que o período de atividade rural vai desde quando ele era criança até 1991 ou 1992, sendo que trabalhou nesse intervalo uns cinco ou seis anos no Bradesco e após voltou ao meio rural, na localidade de São João Mirim.

A apelação do INSS não merece provimento.

Qualquer meio material idôneo que evidencie a ocorrência de um fato relacionado ao exercício da atividade rural e propicie a formação de convencimento do julgador constitui prova documental. O próprio INSS admite a aptidão probatória dos documentos nos quais conste a profissão ou qualquer outro dado que evidencie o exercício da atividade rurícola e seja contemporâneo ao fato nele declarado, tais como a inscrição como produtor rural, entre outros arrolados no art. 54 da Instrução Normativa INSS/PRES nº 77/2015.

Além disso, os documentos fiscais relativos à entrega da produção rural à cooperativa agrícola consistem em provas hábeis para a comprovação do exercício de atividade rural, conforme a previsão expressa do art. 106 da Lei nº 8.213/1991.

O início de prova material existente nos autos conforma o lastro probatório exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural e atende o requisito da contemporaneidade. As provas documentais abrangem todo o período requerido e foram confirmadas pelas testemunhas, que relataram, de modo firme e coerente, que o autor, após trabalhar no Banco Bradesco, retornou ao labor rurícola, exercendo a atividade rural em terras arrendadas.

Constata-se, assim, que o conjunto probatório está alicerçado em razoável início de prova material, complementado por robusta prova testemunhal, hábil a produzir o convencimento quanto ao efetivo exercício do labor rural pelo autor no período de 01-01-1987 a 31-10-1991.

Requisitos para a aposentadoria por tempo de contribuição

O INSS, na data do requerimento administrativo (29-03-2016), contou o tempo de contribuição de 26 anos e 18 dias e a carência de 317 meses.

O tempo de atividade rural corresponde a 4 anos e 10 meses (01-01-1987 a 31-10-1991.

A soma do tempo de contribuição resulta em 30 anos, 10 meses e 18 dias.

Dessa forma, o autor não preencheu os requisitos para a aposentadoria integral por tempo de contribuição, com base no art. 201, §7º, da Constituição Federal, porque o tempo de contribuição é inferior a 35 anos.

Quanto à aposentadoria proporcional por tempo de contribuição, com base na regra de transição do art. 9º, §1º, da Emenda Constitucional nº 20/1998, os requisitos são mais gravosos, porque a soma do tempo mínimo exigido (30 anos) mais pedágio (5 anos, 2 meses e 4 dias) é superior ao tempo requerido para a aposentadoria integral.

Conclusão

Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação do INSS e à apelação da parte autora.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002230728v39 e do código CRC 9b28c790.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 24/12/2020, às 17:11:7


5071737-09.2017.4.04.9999
40002230728.V39


Conferência de autenticidade emitida em 01/01/2021 08:34:10.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5071737-09.2017.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELANTE: CESAR RENATO GHISLENI

ADVOGADO: RODRIGO RAMOS (OAB RS087266)

ADVOGADO: LUCIANA ELY CHECHI (OAB RS058988)

ADVOGADO: LUCIANA ELY CHECHI

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

previdenciário. tempo de serviço rural anterior à lei nº 8.213. início de prova material. aluno-aprendiz. ausência de prova documental da retribuição pecuniária.

1. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de vigência da Lei nº 8.213, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.

2. Os documentos fiscais relativos à entrega da produção rural à cooperativa agrícola consistem em provas hábeis para a comprovação do exercício de atividade rural, quando complementados por robusta prova testemunhal.

3. O cômputo do tempo de serviço como aluno-aprendiz exige a demonstração da efetiva execução do ofício, mediante encomendas de terceiros, não bastando a percepção de vantagem indireta (alimentação, alojamento, material escolar, uniformes) - Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

4. A comprovação do tempo de serviço como aluno-aprendiz não pode ser afirmada exclusivamente na prova testemunhal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 17 de dezembro de 2020.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002230729v5 e do código CRC 0fd0c3ea.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 24/12/2020, às 17:11:7


5071737-09.2017.4.04.9999
40002230729 .V5


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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 10/12/2020 A 17/12/2020

Apelação Cível Nº 5071737-09.2017.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PROCURADOR(A): EDUARDO KURTZ LORENZONI

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELANTE: CESAR RENATO GHISLENI

ADVOGADO: RODRIGO RAMOS (OAB RS087266)

ADVOGADO: LUCIANA ELY CHECHI (OAB RS058988)

ADVOGADO: LUCIANA ELY CHECHI

APELADO: OS MESMOS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/12/2020, às 00:00, a 17/12/2020, às 14:00, na sequência 168, disponibilizada no DE de 30/11/2020.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



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