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PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR À LEI Nº 8. 213. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. ATIVIDADE RURAL INTERCALADA COM URB...

Data da publicação: 09/04/2022, 07:01:05

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR À LEI Nº 8.213. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. ATIVIDADE RURAL INTERCALADA COM URBANA. CUSTAS. 1. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de vigência da Lei nº 8.213, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência e de contagem recíproca. 2. Não é necessário que o início de prova material demonstre exaustivamente os fatos por todo o período requerido, mas que exista o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural. 3. A ficha de associação em sindicato de trabalhadores rurais e os cadastros em órgãos governamentais, nos quais constem a qualificação do declarante como agricultor, possuem o mesmo valor probatório dos documentos arrolados no art. 106 da Lei nº 8.213. 4. Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório. (Tema 638 do Superior Tribunal de Justiça). 5. No caso em que existem períodos rurais intercalados com urbanos, é preciso comprovar, após cada período de atividade urbana, o efetivo exercício das lides rurícolas mediante início de prova material. 6. Viável a consideração, como início de prova material, dos documentos emitidos em nome de terceiros integrantes do núcleo familiar, após o retorno do segurado ao meio rural, quando corroborada por prova testemunhal idônea. (TRF 4ª Região, Tema 21 no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 5032883-33.2018.4.04.0000). 7. O INSS é isento do pagamento de custas processuais na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul. (TRF4, AC 5033422-72.2018.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 01/04/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5033422-72.2018.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: PEDRO MARZARO

ADVOGADO: AVELINO BELTRAME (OAB RS017141)

RELATÓRIO

A sentença proferida na ação ajuizada por Pedro Marzaro contra o INSS julgou procedente o pedido, para condenar o réu a averbar em favor da parte autora o exercício de atividade rural em regime de economia familiar nos períodos de 21/09/1971 a 18/01/1977 e de 11/03/1983 a 31/07/1990, bem como a expedir certidão de tempo de serviço, independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias. O INSS foi condenado ainda ao pagamento das custas processuais pela metade, das despesas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa.

O INSS interpôs apelação. Alegou que o tempo de serviço rural anterior a 1º de novembro de 1991 não pode ser computado como carência. Aduziu que, para a comprovação do exercício de atividade rural em regime de economia familiar, não se pode aceitar documentos que não comprovam a permanência do grupo familiar na terra e a efetiva produção visando à subsistência ou ao pequeno comércio. Destacou que, isoladamente, certidões e outros documentos que qualificam a parte autora ou seus genitores como agricultores não comprovam a condição de segurado especial, mas apenas que eles tinham alguma vinculação com a atividade agrícola, podendo até mesmo ser empregadores rurais. Defendeu que o efetivo exercício da atividade rural em regime de economia familiar deve ser comprovado por meio de notas fiscais de venda de produtos agrícolas ou de outros documentos arrolados no art. 106 da Lei nº 8.213. Argumentou que é necessário demonstrar por documentos contemporâneos dos fatos o início e o fim do período postulado. Apontou que a parte autora apresenta longo histórico de atividades urbanas intercaladas com o período em que afirmou exercer atividades agrícolas. Sustentou que a prova do retorno ao meio rural e do efetivo exercício da atividade rural deve ser robusta e estreme de dúvidas, o que não está presente no caso concreto. Preconizou a isenção do pagamento de custas, despesas judiciais e emolumentos, tendo em vista o disposto na Lei Estadual n° 13.471/2010.

O autor apresentou contrarrazões.

A sentença foi publicada em 19 de julho de 2018.

VOTO

Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213

Segundo o art. 55, §2º, da Lei nº 8.213, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Ainda que o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31 de outubro de 1991.

O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do art. 55, §2º, da Lei nº 8.213, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.

Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o art. 55, §2º, da Lei nº 8.213, abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.

A idade mínima de dezesseis anos referida no art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios considera a redação do art. 7º, inciso XXXIII, da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ampara esse entendimento:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADORA RURAL. MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. CONCESSÃO DE SALÁRIO-MATERNIDADE. ART. 7º, XXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA PROTETIVA QUE NÃO PODE PRIVAR DIREITOS. PRECEDENTES. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7º, XXXIII, da Constituição “não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos” (RE 537.040, Rel. Min. Dias Toffoli). Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 600616 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 26/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-175 DIVULG 09-09-2014 PUBLIC 10-09-2014)

Para a comprovação do tempo de atividade rural, o art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213, exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consoante a Súmula 149: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário. Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).

Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo art. 55, §3º, da Lei de Benefícios, dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213, cujo caráter é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.

Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do trabalho rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rurícola, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A jurisprudência vem relativizando o requisito de contemporaneidade, admitindo a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, tanto de forma retrospectiva como prospectiva, com base em firme prova testemunhal. Assim, não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que as lacunas na prova documental sejam supridas pela prova testemunhal. Nesse sentido, estabelece a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça em recurso repetitivo:

Tema 638 - Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório. (REsp 1348633 SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/08/2013, DJe 05/12/2014)

Os documentos em nome de terceiros, integrantes do mesmo grupo familiar, sobretudo pais ou cônjuge, são aceitos como início de prova material. O art. 11, § 1º, da Lei de Benefícios, define o regime de economia familiar como aquele em que os membros da família exercem em condições de mútua dependência e colaboração. Na sociedade rural, geralmente os atos negociais são formalizados em nome do chefe de família, função exercida pelo genitor ou cônjuge masculino. Na Súmula 73, este Tribunal preceitua: Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.

O membro de grupo familiar que exerça outra atividade enquadrada no regime geral de previdência social ou em outro regime, mesmo que continue trabalhando nas lides rurais, perde a qualidade de segurado especial, conforme dispõe o art. 11, § 9º, da Lei nº 8.213, incluído pela Lei nº 11.718.

O exercício de atividade urbana por um dos integrantes da família repercute em dois aspectos: a caracterização do regime de economia familiar e a comprovação do exercício da atividade rural pelos demais membros do grupo familiar.

Entende-se que, se ficar comprovado que a remuneração proveniente da atividade urbana de um dos membros da família é apenas complementar e a principal fonte de subsistência do grupo familiar continua sendo a atividade rural, não se descaracteriza a condição de segurado especial do outro cônjuge ou dos demais integrantes da família. Contudo, se as provas materiais do labor rural estão em nome do membro do grupo familiar que não ostenta a qualidade de segurado especial, por possuir fonte de renda derivada de atividade urbana, não é possível aproveitar o início de prova material para os demais membros da família.

A matéria já foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça, em recurso representativo da controvérsia (REsp 1304479/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012), e resultou nas seguintes teses:

Tema 532 - O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).

Tema 533 - Em exceção à regra geral (...), a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.

Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Dessa forma, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.

Caso concreto

A controvérsia diz respeito ao exercício da atividade rural nos períodos de 21/09/1971 (quando o autor completou doze anos de idade) a 18/01/1977 e de 11/03/1983 a 31/07/1990.

As provas documentais apresentadas são as seguintes (evento 3, anexospet4):

- certidão de casamento dos pais do autor, no ano de 1958, na qual o seu genitor, José Antônio Marzaro, é qualificado como agricultor;

- certidão do Registro de Imóveis da Comarca de Nova Prata, referente à escritura pública de compra e venda lavrada no ano de 1960, na qual o pai do autor consta como adquirente de imóvel rural com área de 15,1 hectares;

- histórico escolar do autor, constando que frequentou a Escola Municipal General Bento Gonçalves, no município de Nova Prata, nos anos de 1965, 1967, 1970, 1972 e 1973;

- certidão do INCRA, atestando a existência de cadastro de imóvel rural com área de 15,1 hectares, localizado no município de Nova Prata, nos anos de 1965 a 1992, em nome do pai do autor, sem contratação de assalariados;

- declaração emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nova Prata e Vista Alegre do Prata, atestando que o pai do autor foi associado da entidade no período de 04/1966 a 10/2015 e contribuiu com mensalidades nesse período;

- ficha de associado do pai do autor no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nova Prata, com informação sobre o local de domicílio na Linha Bento Gonçalves e o desempenho da profissão de agricultor;

- declaração de rendimentos de pessoa física prestada pelo pai do autor à Secretaria da Receita Federal, referente aos anos de 1971 e 1972, e , na qual consta a profissão de agricultor e a obtenção de rendimentos oriundos de exploração agrícola;

- notas fiscais de comercialização de produtos agropecuários em nome do pai do autor, emitidas nos anos de 1971, 1973, 1974, 1975, 1976, 1977, 1984, 1985, 1989 e 1991;

- certificado de depósito de trigo na Companhia Estadual de Silos e Armazéns em nome do pai do autor, emitido no ano de 1972;

- cadastro de produtor rural na Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul em nome do pai do autor, com inscrição no ano de 1976 e baixa no ano de 1996;

- certidão de casamento do autor, que ocorreu em 20 de fevereiro de 1982, na qual é qualificado como pedreito;

- declaração emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nova Prata e Vista Alegre do Prata, atestando que o autor foi associado da entidade no período de 11/1983 a 02/1996 e contribuiu com mensalidades nesse período;

- ficha de associado do autor no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nova Prata, com informação sobre o local de domicílio na Linha Bento Gonçalves e o desempenho da profissão de agricultor;

- cadastro de produtor rural na Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul em nome do autor, com inscrição no ano de 1986 e baixa no ano de 2009;

- notas fiscais de produtor rural em nome do autor, emitidas nos anos de 1986 e 1987;

- certificados de depósito de trigo na Companhia Estadual de Silos e Armazéns em nome do autor, emitidos no ano de 1987.

Em juízo, foi realizada prova oral. As testemunhas Gervásio José Petrycowski e Danilo Dormélio Langer declararam, de forma unânime, que conheceram o autor desde criança. Os seus pais eram agricultores e o autor ajudava-os nas lides rurais. O autor iniciou a trabalhar na lavoura desde antes dos doze anos de idade. A extensão da propriedade pertencente ao pai do autor era de mais ou menos meia colônia. Trabalhavam na atividade rural os pais, o autor e mais dois irmãos, sem a contratação de empregados. A família vivia somente dos rendimentos da agricultura. O autor laborou somente como agricultor até os 17 ou 18 anos de idade, depois trabalhou uns anos em outra profissão e, como não deu certo, voltou a trabalhar na agricultura, quando tinha uns 22 ou 23 anos de idade. Ficou na atividade rural até por volta dos 31 ou 32 anos de idade. No segundo período de trabalho rural, o autor já era casado, a esposa ajudava-o nas atividades rurais. Durante o tempo em que o autor não trabalhou como empregado, somente desenvolvia atividade rural na propriedade dos pais.

Qualquer meio material idôneo que evidencie a ocorrência de um fato relacionado ao exercício da atividade rural e propicie a formação de convencimento do julgador constitui prova documental. As notas fiscais de comercialização ou de entrega dos produtos agropecuários à cooperativa rural demonstram, sem dúvida, o efetivo desenvolvimento do trabalho rurícola, porém não representam o único meio de prova da atividade rural.

O próprio INSS admite a aptidão probatória da ficha de associação em sindicato de trabalhadores rurais e dos cadastros em órgãos governamentais, desde que conste no documento a profissão ou qualquer outro dado que evidencie o exercício da atividade rurícola e seja contemporâneo ao fato nele declarado, entre outros documentos arrolados no art. 54 da Instrução Normativa INSS/PRES nº 77/2015.

No caso dos autos, as provas documentais evidenciam o exercício do trabalho rural como meio de subsistência da família. Há vários documentos contemporâneos do período requerido, plenamente aceitos como início de prova material. Portanto, está presente o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural, atendendo à exigência do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213.

Por outro lado, não se exige que o início de prova material demonstre exaustivamente os fatos por todo o período requerido. É possível ampliar a eficácia probatória do início de prova material, seja quanto ao período anterior ao documentado, seja quanto ao posterior. As lacunas na prova documental podem ser supridas pela prova testemunhal, contanto que seja robusta e forneça subsídios relevantes acerca das propriedades em que houve o trabalho na lavoura, os períodos de atividade rural, as tarefas desempenhadas, etc.

No caso presente, a prova testemunhal colhida em juízo confirmou, de modo firme e coerente, o exercício de atividade rurícola pelo autor em regime de economia familiar na propriedade rural pertencente aos seus pais, desde quando era criança até por volta dos 17 ou 18 anos de idade. Após trabalhar alguns anos em empregos urbanos, o autor retornou ao meio rural e continuou desenvolvendo a lida na agricultura, juntamente com a família de origem e a esposa, até completar 31 ou 32 anos de idade.

A respeito da alegação de falta de prova do efetivo retorno ao trabalho na agricultura, é certo que o autor desempenhou somente a atividade rural desde quando era menor de idade até a data em que passou a laborar como empregado, com anotação na carteira de trabalho, nos períodos de 19/01/1977 a 22/01/1979, de 23/07/1979 a 17/12/1981 e de 08/03/1982 a 10/03/1983 (evento 3, anexospet4, p. 8).

A existência de períodos rurais intercalados com urbanos não constitui óbice, por si só, ao reconhecimento do exercício da atividade rural. Contudo, é necessário comprovar, após cada período de atividade urbana, o efetivo exercício das lides rurícolas mediante início de prova material. Tratando-se de atividade em regime de economia familiar, os documentos em nome de membros da família são aptos para a comprovação do tempo de serviço rural, desde que a prova testemunhal seja segura e convincente a respeito. Nesse sentido, a tese fixada no julgamento de incidente de demandas repetitivas por este Tribunal Regional Federal:

Tema 21 - Viável a consideração, como início de prova material, dos documentos emitidos em nome de terceiros integrantes do núcleo familiar, após o retorno do segurado ao meio rural, quando corroborada por prova testemunhal idônea. (TRF4 5032883-33.2018.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 28/08/2019)

O conjunto probatório não deixa dúvida acerca do fato de que o autor somente desempenhou o labor rurícola no período posterior ao último vínculo empregatício, em março de 1983. Com efeito, há início de prova material referente aos anos de 1983 a 1990, em nome do próprio autor, além de documentos referentes ao grupo familiar. Os depoimentos foram unânimes em afirmar que a parte voltou a laborar na atividade rural depois de um período de trabalho no meio urbano

Constata-se que o conjunto probatório está alicerçado em razoável início de prova material, complementado por firme prova testemunhal, hábil a produzir o convencimento quanto ao efetivo exercício do labor rural pelo autor nos intervalos de 21/09/1971 a 18/01/1977 e de 11/03/1983 a 31/07/1990.

A sentença, todavia, merece reparo apenas em um ponto, visto que não ressalvou a impossibilidade de contagem do tempo de serviço rural para efeito de carência e de contagem recíproca, conforme dispõem os artigos 55, §2°, e 96, inciso IV, da Lei nº 8.213.

Assim, acolhe-se parcialmente a apelação do INSS, para determinar a averbação do tempo de serviço rural, independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias, salvo para efeito de carência e de contagem recíproca.

Custas e despesas judiciais

O INSS é isento do pagamento das custas na Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (art. 5º, inciso I, da Lei Estadual nº 14.634/2014, que instituiu a Taxa Única de Serviços Judiciais desse Estado). Essa regra deve ser observada mesmo no período anterior à Lei Estadual nº 14.634/2014, tendo em vista a redação conferida pela Lei Estadual nº 13.471/2010 ao art. 11 da Lei Estadual nº 8.121/1985. Cabe frisar que, embora a norma estadual tenha dispensado as pessoas jurídicas de direito público também do pagamento das despesas processuais, a inconstitucionalidade formal do dispositivo nesse particular (ADIN estadual nº 70038755864). Desse modo, subsiste a isenção apenas em relação às custas.

Ressalve-se, contudo, que a isenção não exime a autarquia da obrigação de reembolsar eventuais despesas processuais, tais como a remuneração de peritos e assistentes técnicos e as despesas de condução de oficiais de justiça (art. 4º, I e parágrafo único, Lei nº 9.289/96; art. 2º c/c art. 5º, ambos da Lei Estadual/RS nº 14.634/14).

Honorários advocatícios

O provimento parcial da apelação do INSS não altera a sucumbência das partes considerada pelo juízo para fixar os honorários advocatícios. Mantém-se, assim, a condenação do INSS ao pagamento da verba honorária no percentual arbitrado na sentença.

Tutela específica

Considerando os termos do art. 497 do CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e o fato de que, em princípio, esta decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (TRF4, AC 2002.71.00.050349-7, Terceira Seção, Relator para Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007), o julgado deve ser cumprido imediatamente, observando-se o prazo de trinta dias úteis para a averbação do tempo de serviço rural e a expedição da certidão de tempo de serviço.

Incumbe ao representante judicial do INSS que for intimado desta decisão dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.

Conclusão

Dou parcial provimento à apelação do INSS, para determinar a averbação do tempo de serviço rural, independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias, salvo para efeito de carência e de contagem recíproca, bem como para afastar a condenação da autarquia ao pagamento de custas.

De ofício, concedo a tutela específica.

Em face do que foi dito, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação do INSS e, de ofício, conceder a tutela específica.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003091853v23 e do código CRC 1a0ba7d7.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 1/4/2022, às 19:8:10


5033422-72.2018.4.04.9999
40003091853.V23


Conferência de autenticidade emitida em 09/04/2022 04:01:04.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5033422-72.2018.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: PEDRO MARZARO

ADVOGADO: AVELINO BELTRAME (OAB RS017141)

EMENTA

previdenciário. tempo de serviço rural anterior à lei nº 8.213. regime de economia familiar. início de prova material. atividade rural intercalada com urbana. custas.

1. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de vigência da Lei nº 8.213, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência e de contagem recíproca.

2. Não é necessário que o início de prova material demonstre exaustivamente os fatos por todo o período requerido, mas que exista o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural.

3. A ficha de associação em sindicato de trabalhadores rurais e os cadastros em órgãos governamentais, nos quais constem a qualificação do declarante como agricultor, possuem o mesmo valor probatório dos documentos arrolados no art. 106 da Lei nº 8.213.

4. Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório. (Tema 638 do Superior Tribunal de Justiça).

5. No caso em que existem períodos rurais intercalados com urbanos, é preciso comprovar, após cada período de atividade urbana, o efetivo exercício das lides rurícolas mediante início de prova material.

6. Viável a consideração, como início de prova material, dos documentos emitidos em nome de terceiros integrantes do núcleo familiar, após o retorno do segurado ao meio rural, quando corroborada por prova testemunhal idônea. (TRF 4ª Região, Tema 21 no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 5032883-33.2018.4.04.0000).

7. O INSS é isento do pagamento de custas processuais na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS e, de ofício, conceder a tutela específica, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 22 de março de 2022.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003091854v5 e do código CRC 28e473b3.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 1/4/2022, às 19:8:10


5033422-72.2018.4.04.9999
40003091854 .V5


Conferência de autenticidade emitida em 09/04/2022 04:01:04.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 15/03/2022 A 22/03/2022

Apelação Cível Nº 5033422-72.2018.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PROCURADOR(A): ANDREA FALCÃO DE MORAES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: PEDRO MARZARO

ADVOGADO: AVELINO BELTRAME (OAB RS017141)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 15/03/2022, às 00:00, a 22/03/2022, às 16:00, na sequência 476, disponibilizada no DE de 04/03/2022.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E, DE OFÍCIO, CONCEDER A TUTELA ESPECÍFICA.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 09/04/2022 04:01:04.

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