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PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR À LEI Nº 8. 213. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA POR M...

Data da publicação: 01/04/2023, 07:01:05

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR À LEI Nº 8.213. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA POR MEMBRO DO GRUPO FAMILIAR. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE E CONTAGEM COMO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de vigência da Lei nº 8.213, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. 2. Não é necessário que o início de prova material demonstre exaustivamente os fatos por todo o período requerido, mas que exista o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural. 3. A constituição de nova família não impede o aproveitamento das provas documentais em nome dos genitores para a comprovação do tempo de trabalho em regime de economia familiar. 4. O trabalho urbano de um membro da família não descaracteriza a condição de segurado especial dos demais, diante da ausência de prova segura acerca da dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar. 5. O período de recebimento de benefício por incapacidade pode ser contado como tempo de contribuição, desde que o afastamento ocorra durante o mesmo vínculo laboral ou contributivo, sem interrupção. 7. Em ações previdenciárias, aplica-se o INPC como índice de correção monetária, inclusive após a Lei nº 11.960 (Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça). (TRF4, AC 5001027-85.2022.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 24/03/2023)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5001027-85.2022.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: NELCI JOSE ANTUNES

ADVOGADO(A): JONAS ALVES PENTEADO (OAB RS068864)

RELATÓRIO

A sentença proferida na ação ajuizada por Nelci José Antunes contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS julgou procedentes os pedidos, para condenar o réu a: a) reconhecer o tempo de serviço rural no período de 25/12/1974 a 27/06/1988; b) computar o período de afastamento do autor em razão de auxílio-doença, entre 20/01/2014 a 17/11/2017, como tempo de contribuição; c) conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde a data do requerimento administrativo (18/01/2019); d) pagar as parcelas vencidas com atualização monetária pelo IPCA-E, bem como juros de mora a contar da citação à taxa de 0,5% ao mês. O INSS foi condenado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas.

O INSS interpôs apelação. Insurgiu-se contra o reconhecimento do período rural de 16/06/1986 a 27/06/1988, pois, além de não ter sido apresentado início de prova material da atividade rural alegada pelo autor, a sua esposa possui vínculo empregatício a partir de 16 de junho de 1986. Alegou que, exercendo o cônjuge ou outro membro do grupo familiar atividade urbana ou sendo titular de benefício urbano, deve ficar comprovada a indispensabilidade do trabalho rural para a subsistência da família. Sustentou que a renda auferida pela esposa do autor descaracterizou o trabalho em regime de economia fadesqualificou a qualidade de segurado especial do autor, na medida em que o regime de economia familiar restou descaracterizado. Aduziu que o período em gozo de auxílio-doença de 20/01/2014 a 17/11/2017 não é intercalado com período de atividade, não podendo ser computado para o fim de tempo de contribuição. Ponderou que tempo intercalado, conforme dispõem o art. 55, inciso II, da Lei nº 8.213, e os artigos 60, inciso III, e 61, inciso II, do Decreto nº 3.048/1999, é aquele em que o segurado se afasta para o gozo do benefício por incapacidade e, no dia seguinte após a cessação da prestação previdenciária, volta ao trabalho durante a vigência do mesmo vínculo. Requereu a aplicação do INPC como índice de correção monetária, com fundamento no Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça, e o cômputo dos juros de mora de acordo com a Lei nº 11.960, alterada pela Medida Provisória nº 567, de 3 de maio de 2012, convertida na Lei nº 12.703, que fixou a taxa variável da poupança.

A parte autora ofereceu contrarrazões.

A sentença foi publicada em 6 de outubro de 2021.

VOTO

Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213

Segundo o art. 55, §2º, da Lei nº 8.213, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Ainda que o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31 de outubro de 1991.

O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do art. 55, §2º, da Lei nº 8.213, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.

Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o art. 55, §2º, da Lei nº 8.213, abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.

A idade mínima de dezesseis anos referida no art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios considera a redação do art. 7º, inciso XXXIII, da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ampara esse entendimento:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADORA RURAL. MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. CONCESSÃO DE SALÁRIO-MATERNIDADE. ART. 7º, XXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA PROTETIVA QUE NÃO PODE PRIVAR DIREITOS. PRECEDENTES. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7º, XXXIII, da Constituição “não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos” (RE 537.040, Rel. Min. Dias Toffoli). Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 600616 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 26/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-175 DIVULG 09-09-2014 PUBLIC 10-09-2014)

Para a comprovação do tempo de atividade rural, o art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213, exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consoante a Súmula 149: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário. Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).

Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo art. 55, §3º, da Lei de Benefícios, dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213, cujo caráter é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.

Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do trabalho rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rurícola, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A jurisprudência vem relativizando o requisito de contemporaneidade, admitindo a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, tanto de forma retrospectiva como prospectiva, com base em firme prova testemunhal. Assim, não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que as lacunas na prova documental sejam supridas pela prova testemunhal. Nesse sentido, estabelece o Tema 638 do Superior Tribunal de Justiça:

Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório. (REsp 1348633 SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/08/2013, DJe 05/12/2014)

Os documentos em nome de terceiros, integrantes do mesmo grupo familiar, sobretudo pais ou cônjuge, são aceitos como início de prova material. O art. 11, § 1º, da Lei de Benefícios, define o regime de economia familiar como aquele em que os membros da família exercem em condições de mútua dependência e colaboração. Na sociedade rural, geralmente os atos negociais são formalizados em nome do chefe de família, função exercida pelo genitor ou cônjuge masculino. Na Súmula 73, este Tribunal preceitua: Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.

O membro de grupo familiar que exerça outra atividade enquadrada no regime geral de previdência social ou em outro regime, mesmo que continue trabalhando nas lides rurais, perde a qualidade de segurado especial, conforme dispõe o art. 11, § 9º, da Lei nº 8.213, incluído pela Lei nº 11.718.

O exercício de atividade urbana por um dos integrantes da família repercute em dois aspectos: a caracterização do regime de economia familiar e a comprovação do exercício da atividade rural pelos demais membros do grupo familiar.

Entende-se que, se ficar comprovado que a remuneração proveniente da atividade urbana de um dos membros da família é apenas complementar e a principal fonte de subsistência do grupo familiar continua sendo a atividade rural, não se descaracteriza a condição de segurado especial do outro cônjuge ou dos demais integrantes da família. Contudo, se as provas materiais do labor rural estão em nome do membro do grupo familiar que não ostenta a qualidade de segurado especial, por possuir fonte de renda derivada de atividade urbana, não é possível aproveitar o início de prova material para os demais membros da família.

A matéria já foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça, em recurso representativo da controvérsia (REsp 1304479/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012), e resultou nas seguintes teses:

Tema 532 - O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).

Tema 533 - Em exceção à regra geral (...), a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.

Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Dessa forma, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.

Caso concreto

A controvérsia diz respeito ao exercício de atividade rural pelo autor no período de 16/06/1986 a 27/06/1988.

A título de início de prova material, foram juntados aos autos os seguintes documentos (evento 1, comp3, nfiscal4, comp6, certcas7):

- ficha de associação no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mostardas, em nome de Otacílio Ataides Antunes, pai do autor, no ano de 1970, constando o pagamento de anuidades nos anos de 1970 a 1983;

- ficha de inscrição de produtor rural na Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul em nome do pai autor, no ano de 1976, constando o exercício da atividade em imóvel localizado em Tavares, distrito de Mostardas, para atividade de agricultura em regime de parceria;

- notas fiscais de produtor rural em nome do pai do autor, emitidas nos anos de 1983, 1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989 e 1990;

- certidão de casamento do autor, no ano de 1984, na qual consta a sua qualificação como agricultor;

- ficha de associação no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mostardas em nome do autor, no ano de 1985, constando o pagamento de anuidades nos anos de 1985 e 1986;

- carteira do INAMPS em nome do autor, com carimbo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tavares, válida até o ano de 1987;

- ficha de cadastramento na Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, em nome do pai do autor, no ano de 1992, indicando o exercício da atividade agrícola no Município de Tavares.

Em juízo, foram ouvidas duas testemunhas. Esse é o teor dos depoimentos, conforme a sentença:

Vilson Santos, relatou:

Que conhece o autor há mais de 30 anos, trabalhando na agricultura desde tenra idade, em regime de economia familiar. Que não possuíam empregados ou máquinas, o trabalho era manual, que trocavam serviços com os vizinhos. Que o mesmo começou a trabalhar com 10 anos e pegava no pesado plantando abóbora, batata, feijão e cebola. Que plantava em área pequena de aproximadamente de 01ha. Que na época a única fonte de renda do autor era a agricultura. Disse que é filho do dono das terras em que Nelci plantou. Que a distância da sua casa e da plantação era de 500 metros. Que chegou a ver o mesmo pegando no pesado”.

Leimar Pereira de Sá, por sua vez, afirmou:

'Que conheceu o autor trabalhando na roça, desde guri, em regime de economia familiar, plantando cebola, feijão, abóbora, batata e etc. Que era uma família pobre e que começou a trabalhar desde tenra idade na agricultura. Que tinham poucos animais de criação, para a subsistência da família. Que o autor plantava nas terras de seu pai e depois nas terras do próprio pai. Que a única fonte de renda na época era a agricultura”.

Qualquer meio material idôneo que evidencie a ocorrência de um fato relacionado ao exercício da atividade rural e propicie a formação de convencimento do julgador constitui prova documental.

O próprio INSS admite a aptidão probatória da ficha de inscrição em sindicato de trabalhadores rurais, desde que conste a profissão ou qualquer outro dado que evidencie o exercício da atividade rurícola e seja contemporâneo ao fato nele declarado, entre outros documentos arrolados no art. 54 da Instrução Normativa INSS/PRES nº 77/2015.

Além disso, as notas fiscais de comercialização de produtos rurais consistem em prova hábil à comprovação do tempo de atividade rural, consoante dispõe o art. 106 da Lei nº 8.213.

Uma vez que existem vários documentos contemporâneos, os quais são plenamente aceitos como início de prova material, está presente o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural, atendendo à exigência do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213.

A constituição de nova família não impede o aproveitamento das provas documentais em nome dos genitores para a comprovação do tempo de trabalho em regime de economia familiar.

No meio rural, é comum a existência de um grande grupo familiar, reunindo parentes consanguíneos e por afinidade, representantes de mais de uma geração, na mesma propriedade. A análise do conjunto probatório permite concluir que, no caso dos autos, o trabalho rural desenvolvido pelo autor não se destinava apenas à sua própria subsistência, mas também da sua família de origem. Segundo a prova testemunhal, o cultivo de produtos agrícolas na propriedade rural destinava-se a suprir as necessidades do grupo familiar.

Dessa forma, os documentos relativos ao exercício de atividade rural em nome do pai do autor são aptos para a comprovação do tempo de serviço.

A respeito da descaracterização do regime de economia familiar, a questão a ser dirimida diz respeito à comprovação da indispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, já que o enquadramento do autora na qualidade de segurado especial não é afastado, por si só, em razão do exercício de atividade urbana pela esposa.

A característica fundamental da categoria prevista no art. 11, inciso VII, da Lei nº 8.213, é o exercício da atividade rural como principal fonte de subsistência da família, quando é realizada em regime de economia familiar, ou do trabalhador, quando é desenvolvida de forma individual. Nesse sentido, dispõe o art. 11, §1º, da Lei nº 8.213:

§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes. (Redação dada pela Lei nº 11.718/2008).

No caso em que a renda obtida pelo membro do grupo familiar que exerce atividade urbana é suficiente para a manutenção da família, não se configura o regime de economia familiar. Por analogia, aplica-se a norma do art. 11, §9º, inciso I, que fixa o valor do menor benefício de prestação continuada da Previdência Social como critério para manter a qualidade de segurado especial do membro do grupo familiar que possui outra fonte de rendimento. Assim, somente se o rendimento daquele que exerce atividade urbana for superior a um salário mínimo, estaria afastado o regime de economia familiar.

Não é possível firmar convicção no sentido de que somente o salário da esposa do autor fosse suficiente para o sustento da família, assim entendido o conjunto de pessoas que sobrevivia da exploração da atividade rurícola na propriedade.

Portanto, as circunstâncias do caso concreto indicam que a principal fonte de subsistência do grupo familiar era efetivamente a atividade rural.

Constata-se, assim, que o conjunto probatório está alicerçado em razoável início de prova material, complementado por prova testemunhal firme e coerente, hábil a produzir o convencimento quanto ao efetivo exercício do labor rural em regime de economia familiar no período de 16/06/1986 a 27/06/1988.

Por esses fundamentos, nega-se provimento à apelação do INSS.

Cômputo do período de recebimento de benefício por incapacidade como tempo de contribuição

O art. 55, inciso II, da Lei nº 8.213, assegura a contagem do tempo intercalado em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez como tempo de serviço.

Os artigos 60 e 61 do Decreto nº 3.048/1999 regulamentam a matéria nos seguintes termos:

Art. 60. Até que lei específica discipline a matéria, são contados como tempo de contribuição, entre outros:

(...)

III - o período em que o segurado esteve recebendo auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, entre períodos de atividade;

Art. 61. Observado o disposto no art. 19, são contados como tempo de contribuição, para efeito do disposto nos §§ 1º e 2º do art. 56:

(...)

II - o de recebimento de benefício por incapacidade, entre períodos de atividade; e

Conforme a previsão legal, o período de recebimento de benefício por incapacidade pode ser contado como tempo de contribuição, desde que medeie períodos de atividade, ou seja, o afastamento ocorra dentro de um mesmo vínculo laboral ou contributivo.

Conforme os dados constantes no Cadastro Nacional de Informações Sociais, o último vínculo previdenciário anterior a 20 de janeiro de 2014 perdurou entre 01/04/2012 a 31/05/2012 (evento 1, cnis10). Na carteira de trabalho do autor, consta que o último contrato terminou em 16 de julho de 2011 (evento 1, ctps5).

Uma vez que o afastamento por auxílio-doença não ocorreu entre períodos de atividade, o intervalo de 20/01/2014 a 17/11/2017 não pode ser contado como tempo de contribuição.

Por esses fundamentos, dá-se provimento à apelação do INSS.

Requisitos para a aposentadoria por tempo de contribuição

O INSS, na data do requerimento administrativo (18/01/2019), contou o tempo de contribuição de 22 anos, 4 meses e 23 dias e a carência de 269 meses.

O tempo de serviço rural (25/12/1974 a 27/06/1988) corresponde a 13 anos, 6 meses e 3 dias.

A soma do tempo de contribuição resulta em 35 anos, 10 meses e 26 dias.

Assim, na data do requerimento administrativo, o autor preencheu os requisitos para a concessão do benefício de aposentadoria integral por tempo de contribuição, de acordo com o art. 201, §7º, da Constituição Federal.

O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei nº 9.876, com a incidência do fator previdenciário, uma vez que a pontuação totalizada (91,97 pontos) é inferior a 96 pontos (art. 29-C da Lei nº 8.213, incluído pela Lei nº 13.183).

Correção monetária e juros de mora

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 810, declarou a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494, com a redação dada pela Lei nº 11.960, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança. Em relação aos juros de mora, reputou constitucional a aplicação do índice de remuneração da caderneta de poupança (RE 870.947, Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2017).

Os embargos de declaração opostos no RE 870.947 foram rejeitados pelo STF, não sendo acolhido o pedido de modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

Dessa forma, devem ser observados os critérios de correção monetária e juros de mora fixados no Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.495.146/MG, REsp 1.492.221/PR, REsp 1.495.144/RS, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 22/02/2018):

3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária.

As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).

A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada parcela, conforme a variação do INPC, a partir de abril de 2006 (art. 41-A da Lei nº 8.213).

Os juros moratórios incidem a contar da citação, conforme a taxa de juros da caderneta de poupança, de forma simples (não capitalizada), observando-se que, desde a publicação da Medida Provisória nº 567, de 3 de maio de 2012, convertida na Lei nº 12.703, aplica-se a taxa de 0,5% ao mês, caso a taxa SELIC ao ano seja superior a 8,5%, e 70% da taxa SELIC ao ano, mensalizada, nos demais casos.

A partir de 9 de dezembro de 2021, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional nº 113, deve incidir, para os fins de atualização monetária e juros de mora, apenas a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulada mensalmente.

Assim, a sentença deve ser modificada em relação aos consectários legais.

Honorários advocatícios

Caracteriza-se a sucumbência mínima do autor, pois, não obstante a derrota em parte do pedido, obteve o benefício de aposentadoria pretendido.

Mantém-se, portanto, a condenação do INSS ao pagamento de honorários advocatícios.

Tutela específica

Considerando os termos do art. 497 do CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e o fato de que, em princípio, esta decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (TRF4, AC 2002.71.00.050349-7, Terceira Seção, Relator para Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007), o julgado deve ser cumprido imediatamente, observando-se o prazo de trinta dias úteis para a implantação do benefício postulado.

Conclusão

Dou parcial provimento à apelação do INSS, para: a) julgar improcedente o pedido de cômputo do período de recebimento de auxílio-doença como tempo de contribuição; b) modificar a sentença em relação aos critérios de correção monetária e juros de mora.

De ofício, concedo a tutela específica.

Em face do que foi dito, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação do INSS e, de ofício, conceder a tutela específica.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003754086v24 e do código CRC 0b3cdf3a.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 24/3/2023, às 17:4:2


5001027-85.2022.4.04.9999
40003754086.V24


Conferência de autenticidade emitida em 01/04/2023 04:01:04.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5001027-85.2022.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: NELCI JOSE ANTUNES

ADVOGADO(A): JONAS ALVES PENTEADO (OAB RS068864)

EMENTA

previdenciário. tempo de serviço rural anterior à lei nº 8.213. regime de economia familiar. início de prova material. exercício de atividade urbana por membro do grupo familiar. benefício por incapacidade e contagem como tempo de contribuição. correção monetária.

1. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de vigência da Lei nº 8.213, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.

2. Não é necessário que o início de prova material demonstre exaustivamente os fatos por todo o período requerido, mas que exista o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural.

3. A constituição de nova família não impede o aproveitamento das provas documentais em nome dos genitores para a comprovação do tempo de trabalho em regime de economia familiar.

4. O trabalho urbano de um membro da família não descaracteriza a condição de segurado especial dos demais, diante da ausência de prova segura acerca da dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar.

5. O período de recebimento de benefício por incapacidade pode ser contado como tempo de contribuição, desde que o afastamento ocorra durante o mesmo vínculo laboral ou contributivo, sem interrupção.

7. Em ações previdenciárias, aplica-se o INPC como índice de correção monetária, inclusive após a Lei nº 11.960 (Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS e, de ofício, conceder a tutela específica, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 14 de março de 2023.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003754087v5 e do código CRC 88ff6b8f.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 24/3/2023, às 17:4:2


5001027-85.2022.4.04.9999
40003754087 .V5


Conferência de autenticidade emitida em 01/04/2023 04:01:04.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 07/03/2023 A 14/03/2023

Apelação Cível Nº 5001027-85.2022.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

PROCURADOR(A): FABIO NESI VENZON

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: NELCI JOSE ANTUNES

ADVOGADO(A): JONAS ALVES PENTEADO (OAB RS068864)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 07/03/2023, às 00:00, a 14/03/2023, às 16:00, na sequência 416, disponibilizada no DE de 24/02/2023.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E, DE OFÍCIO, CONCEDER A TUTELA ESPECÍFICA.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES

Secretário



Conferência de autenticidade emitida em 01/04/2023 04:01:04.

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