| D.E. Publicado em 12/06/2017 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0015372-54.2016.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | PLINIO SALAMI |
ADVOGADO | : | Claudio Casarin e outro |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE RONDA ALTA/RS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. COMPROVAÇÃO. RECONHECIMENTO. CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. INDENIZAÇÃO.
. É possível o aproveitamento do tempo de serviço rural até 31-10-1991 independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias, exceto para efeito de carência.
. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal.
. A indenização de períodos sem recolhimento é pressuposto para a emissão de certidão de tempo de contribuição para fins de aproveitamento em regime próprio, mediante contagem recíproca.
. Havendo o feito tramitado perante a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, o INSS está isento do pagamento de custas, consoante o disposto no art. 11 da Lei Estadual n. 8.121/85, na redação dada pela Lei n. 13.471, de 23 de junho de 2010.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação e dar parcial provimento à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 30 de maio de 2017.
Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8919966v5 e, se solicitado, do código CRC C1EC54FB. | |
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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0015372-54.2016.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | PLINIO SALAMI |
ADVOGADO | : | Claudio Casarin e outro |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE RONDA ALTA/RS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação e de remessa oficial em que foi julgado procedente o pedido, para reconhecer e determinar a averbação de exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, pela parte autora, bem como a expedição de Certidão de Tempo de Contribuição, em dispositivo transcrito a seguir:
POR TAIS RAZÕES, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Novo Código de Processo Civil, o pedido deduzido por PLINIO SALAMI nos autos da AÇÃO PREVIDENCIÁRIA proposta em face do INSTITUTO NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL - INSS, para o fim de determinar a averbação do período de 30/07/1972 a 31/07/1991 como laborados na agricultura em regime de economia familiar, expedindo-se a certidão respectiva.
Diante da sucumbência recíproca, condeno o autor ao pagamento de 60% das custas processuais e honorários advocatícios em favor do procurador da parte ré, que fixo em R$ 500,00 (quinhentos reais), considerando-se a natureza da causa, o trabalho desenvolvido pelo procurador e o tempo exigido para seu serviço, forte o disposto no artigo 85, §2º, incisos III e IV, e §8º, do Novo Código de Processo Civil, restando suspensa a exigibilidade em razão da AJG deferida. E, condeno a parte ré ao pagamento de 40% das custas processuais e honorários advocatícios em favor do procurador da parte autora, que fixo em R$ 400,00 (quatrocentos reais), levando-se em conta as mesmas diretrizes acima referidas. Saliento, porém que as custas e emolumentos devem ser calculadas por metade, e na íntegra as despesas processuais, na forma da Lei n. 8.121/85, observando que a Lei Estadual n. 13.471/10 restou declarada inconstitucional no Incidente de Inconstitucionalidade n. 700413340531.
Em suas razões, alega a entidade previdenciária que a sentença deve ser reformada no sentido de determinar à parte autora a indenização do tempo de serviço rural reconhecido, especialmente em se tratando de expedição da certidão de tempo contribuição, e de aproveitamento do referido tempo para contagem recíproca em regimes previdenciários distintos, de compensação obrigatória. Finaliza pedindo a isenção das custas processuais.
Apresentadas as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Do tempo de serviço rural
Neste feito, o exame recursal abrange a apelação cível e a remessa oficial, expressamente interpostas diante da sentença recorrida.
Nessas circunstâncias, havendo recurso por parte do INSS, onde suscitados os tópicos indicados no relatório, tenho que quanto aos demais fundamentos de mérito a sentença deve ser confirmada por suas próprias razões, uma vez que lançada conforme a legislação aplicável. Tanto que a autarquia previdenciária deles teve expressa ciência e resolveu não se insurgir.
Desse modo, feita a ressalva que se impunha, a fim de evitar tautologia, perfilho-me, quanto à questão de fundo, ao entendimento expresso na percuciente sentença prolatada pelo R. Juízo monocrático, adotando os fundamentos a seguir transcritos como razões de voto:
Os pressupostos processuais objetivos e subjetivos encontram-se em ordem não havendo irregularidades a serem sanadas, nem nulidades para serem supridas.
Almeja a parte autora a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, em virtude de ter laborado de 30/07/1972 a 31/07/1991 como agricultor em regime de economia familiar; de 08/12/1997 a 26/06/2014 como funcionário público municipal em regime próprio da previdência; e de 01/10/2014 a 31/10/2014 como contribuinte individual.
Inicialmente, mister registrar que no que tange ao período de 01/10/2014 a 31/10/2014 como contribuinte individual, não merece ser reconhecido, haja vista que o pedido administrativo da aposentadoria por tempo de contribuição foi realizado em administrativamente em 13/03/2014. Assim, sendo o interregno posterior a DER, carece de interesse de agir o autor, haja vista que a data do requerimento administrativo é que delimita o exame dos requisitos pela autarquia previdenciária até referida data, possibilitando ao INSS ciência do pedido do segurado e oportunidade de conhecê-lo ou contestá-lo.
Outrossim, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pelo INSS, posto que o demandante, à época do ajuizamento da ação, era servidor público estatutário (fl. 19), porque muito embora sustente que laborou para a Prefeitura Municipal de Ronda Alta somente até 26/06/2014 (fl. 04), as testemunhas ouvidas no feito, em 22/03/2016, foram unânimes ao mencionar que na data que ele continua exercendo a função de guarda municipal (fls. 142/146).
Nesse tocante, sinalo que não sendo o demandante filiado ao Regime Geral de Previdência Social quando da aposentação, não é cabível o requerimento desse benefício frente à autarquia federal, mas sim em face da municipalidade para a qual trabalha, considerando o Regime Próprio de Previdência Social a qual está filiado, conforme suprarreferido.
Exemplificativamente, colaciono precedentes do E. TRF4:
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO RURAL COMO SEGURADO ESPECIAL. TEMPO URBANO. REQUISITOS CUMPRIDOS EM PARTE. AVERBAÇÃO. 1. No caso dos autos ao requerer a aposentadoria por tempo de contribuição, o autor não se encontrava filiado ao Regime Geral de Previdência Social, evidenciando a ilegitimidade passiva do INSS em relação ao pedido de concessão de benefício. 2. Mediante início de prova material, corroborada por prova testemunhal, é de se reconhecer o labor no meio rural, para fins previdenciários. (TRF4, AC 5021194-36.2016.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 06/07/2016) [grifei]
APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. SERVIDOR ESTATUTÁRIO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. 1. O Regime Geral de Previdência Social abrange prestações relacionadas na Lei 8.213/91, dentre as quais aposentadoria àqueles segurados que elenca. Para que tenha direito ao benefício, a pessoa deve estar filiada ao RGPS. A filiação do segurado decorre automaticamente do exercício de atividade remunerada, não abrangida por regime previdenciário próprio, para os segurados obrigatórios e da inscrição formalizada para os facultativos. 2. O INSS é parte ilegítima para figurar no pólo passivo de demanda objetivando a concessão de aposentadoria de servidor público filiado a regime próprio de previdência (estatutário). (TRF4, APELREEX 0018666-27.2010.404.9999, Sexta Turma, Relator Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, D.E. 28/06/2011) [grifei]
Dito isso, passo ao exame do período que o demandante alega ter laborado na agricultura, de 30/07/1972 a 31/07/1991.
E, da análise dos documentos carreados aos autos, constato que estão presentes provas materiais indiciárias que evidenciam a atividade rural do requerente em regime familiar, desincumbindo-se, então, do seu ônus previsto no artigo 373, inciso I, do Novo Código de Processo Civil.
Assim, entendo ser suficiente como início de prova material para comprovar a atividade rural do autor, no período supramencionado, os documentos de fls. 22/84 e 86/89, haja vista que eles servem para demonstrar que o autor pertence à família que se dedica à agricultura de pequeno porte - regime familiar.
Inclusive, cumpre ressaltar que conforme julgamento proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no julgamento dos Embargos Infringentes decorrentes da AC 2001.04.01.025230-0/RS, Terceira Seção, em que foi Relator o Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, a idade em que os filhos de agricultores completam doze anos deve ser considerado o marco a partir do qual pode ser contada a atividade agrícola para fins previdenciários, ou seja, a partir de 29/07/1972 (fl. 11), data em que o autor completou doze anos de idade.
Para além disso, a prova testemunhal colhida durante a instrução do feito foi hábil em corroborar o exercício da atividade agrícola em regime de economia familiar por parte do requerente, em companhia da família, conforme declarações prestadas pelas testemunhas ENIO PETROCINI, JACI CANALLI e DARCI ZANTEDESCHI (fls. 142/146).
Frise-se que com relação ao tempo de serviço rural prestado até outubro de 1991, é possível a sua averbação sem a exigência do recolhimento de contribuições para todos os fins do Regime Geral da Previdência Social, e do posterior a novembro de 1991 apenas para os fins do artigo 39, inciso I, da Lei n. 8.213/91. Portanto, tão somente com relação ao período posterior à competência de novembro de 1991, ou seja, após 01/11/1991, o segurado especial que desejasse o cômputo do tempo de serviço rural para fins de obtenção dos benefícios garantidos na Lei nº 8.213/91, que não aqueles arrolados no inciso I do artigo 39, por exemplo, a aposentadoria por idade rural, deveria ter contribuído facultativamente para a Previdência social. Assim, tenho que cabível o reconhecimento da atividade rural relativamente aos períodos anteriores a novembro de 1991.
Logo, reconheço como atividade rural o período em que o autor trabalhou em regime familiar, qual seja, de 30/07/1972 a 31/07/1991 e determino sua averbação na via administrativa.
Alfim, pelas razões dantes elencadas, a parcial procedência do pedido é a medida que se impõe, para tão somente determinar a averbação dos períodos laborados na agricultura em regime de economia familiar, uma vez que não foram previamente reconhecidos pela Autarquia, restando prejudicada a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, pois que tal não compete ao INSS.
Conclusão: Fica mantida a sentença quanto ao reconhecimento dos seguintes lapsos de tempo de serviço rural: de 30/07/1972 a 31/07/1991, que devem ser averbados pelo INSS de imediato, sem necessidade de recolhimento das contribuições respectivas, exceto para fins de aproveitamento em regime próprio previdenciário, conforme exposto a seguir.
Da Certidão de Tempo de Contribuição de tempo de serviço rural - indenização
A expedição de certidão tempo de tempo de serviço rural envolve questão atinente ao regime previdenciário em que os períodos reconhecidos serão aproveitados para fins de aposentadoria. Especificamente quanto à exigência da indenização, em caso de aproveitamento do tempo de serviço para fins de contagem recíproca, nos termos do artigo 96, IV, da LB, passo a examinar o tema.
A MP 1.523/96, diversas vezes reeditada, pretendeu dar nova redação ao artigo 55, § 2º, da Lei 8.213/91, e desta forma condicionar o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior a 1991 ao recolhimento das contribuições respectivas.
Na ADIN 1.664-4-DF, relator o Ministro Octavio Gallotti, todavia, o Supremo Tribunal Federal deferiu o pedido de cautelar, suspendendo a execução do § 2º, do artigo 55 da Lei de Benefícios (com a redação que lhe deu a MP 1.523), bem como afastando a aplicação do artigo 96, inciso IV, no que toca ao tempo de serviço do trabalhador rural, quando estava ele desobrigado de contribuir.
A MP 1.523 (depois MP 1586) restou convertida na Lei 9.528, de 10.12.97. Na conversão, o § 2º do artigo 55 da Lei de Benefícios teve sua redação original mantida, talvez até em razão da decisão do STF. O inciso IV do artigo 96 da LB foi alterado, nos termos da MP 1.523 (isso todavia não influiu na questão, pois as alterações promovidas pela MP no artigo 96, IV, diziam respeito apenas a juros e multa).
A literal redação do artigo § 2º do artigo 55 da LB, atualmente, destarte, estatui:
"....
§ 2º . O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento".
Já a redação atual do inciso IV do artigo 96 da LB é a que segue:
"Art. 96. ....
IV - o tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à Previdência Social só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo, com acréscimo de juros moratórios de um por cento ao mês e multa de dez por cento".
O Regulamento da Previdência Social (Decreto 3.048/99), por outro lado, assim dispõe sobre a matéria em seus artigos 123 e 125:
"Art. 123. Para fins de concessão dos benefícios deste Regulamento, o tempo de serviço prestado pelo trabalhador rural anteriormente à competência novembro de 1991 será reconhecido, desde que devidamente comprovado.
Parágrafo único. Para fins de contagem recíproca, o tempo de serviço a que se refere o caput somente será reconhecido mediante a indenização de que trata o § 13 do art. 216, observado o disposto no § 8º do 239.
...
Art. 125. Para efeito de contagem recíproca, hipótese em que os diferentes sistemas de previdência social compensar-se-ão financeiramente, é assegurado:
I - para fins dos benefícios previstos no Regime Geral de Previdência Social, o cômputo do tempo de contribuição na administração pública; e
II - para fins de emissão de certidão de tempo de contribuição, pelo Instituto Nacional do Seguro Social, para utilização no serviço público, o cômputo do tempo de contribuição na atividade privada, rural e urbana, observado o disposto no parágrafo único do art. 123, no § 13 do art. 216 e no § 8º do art. 239.
Para compreensão do tema, não podemos perder de vista que o artigo 55 da Lei 8.213/91 trata de regra ligada ao regime geral de previdência, uma vez que está inserto na Subseção III da Seção V do Capítulo II do Título III da Lei 8.213/91. Com efeito, a referida Subseção III trata Da Aposentadoria por Tempo de Serviço. Trata-se, portanto, de norma atinente apenas ao regime geral de previdência.
Já o artigo 96 da Lei 8.213/91, a despeito de estar inserido neste Diploma, não versa sobre o regime geral de previdência. É uma norma geral de Seguridade Social, pois trata de contagem recíproca. Mais do que isso, tem incidência específica sobre a hipótese de contagem recíproca. Assim, no que toca aos servidores públicos civis (rectius= estatutários), constitui norma que integra seu regime jurídico próprio. Note-se, com efeito, que o artigo 96 está na Seção VIII do Capítulo II do Título III da LB. Referida Seção trata Da Contagem Recíproca de Tempo de Serviço.
À evidência, existindo norma específica para disciplinar a forma de contagem recíproca de tempo de serviço, não se pode privilegiar interpretação que pretenda extrair do artigo 55, § 2º, entendimento no sentido de que mesmo para contagem recíproca mostra-se desnecessária a indenização no que toca ao tempo de serviço rural anterior à obrigatoriedade de contribuição.
Note-se que a exigência do artigo 96, inciso IV da LB não representa cobrança indireta de tributo caduco, de modo a ofender o Código Tributário Nacional. Ocorre que à época do exercício da atividade rural a contribuição não era exigida. Logo não é ela que está sendo cobrada agora. Trata-se a exigência de indenização, assim, de imposição determinada pelo regime estatutário ao qual passou a ser vinculado o trabalhador e, como já afirmado, não há direito adquirido a regime jurídico.
Como visto, a lei autoriza a cobrança da indenização e não há direito adquirido no sentido de não fazê-lo. Se assim é, somente não seria devida a indenização se ela se mostrasse inconstitucional. Isso não ocorre todavia.
Com efeito, a Constituição Federal, em sua redação original, já estabelecia em seu artigo 202, § 2º:
Art. 202...
§ 2º - Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos sistemas de previdência social se compensarão financeiramente segundo critérios estabelecidos em lei
Com a Emenda Constitucional 20/98 a situação não se alterou. A regra antes transcrita foi repetida no § 9º do artigo 201:
Art. 201 ...
§ 9º Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.
Na ordem constitucional implantada com a atual Carta Política, sempre houve previsão para a compensação entre os regimes. A exigência de indenização, assim, antes de ofender a Constituição, vai ao encontro das diretrizes nela estabelecidas, pois a compensação de regimes obviamente pressupõe contribuição do empregador e do trabalhador.
Ademais, o caput do artigo 201 da Constituição Federal, seja na redação original, seja após a EC 20/98, sempre preceituou que a previdência tem caráter contributivo, como podemos ver:
Redação original: "Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a: ..."
Redação atual: "A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: ..."
Não fosse isso, como demonstra a transcrição supra da atual redação do artigo 201 da CF, a previdência deve observar equilíbrio financeiro e atuarial. Isso evidentemente somente pode ser alcançado com o pagamento de contribuições.
Pelo que se vê, a exigência de indenização era possível antes da Emenda 20/98 e passou a ter esteio ainda mais claro a partir de seu advento, pelo que não se pode cogitar de inconstitucionalidade.
Quanto ao artigo 4º da Emenda Constitucional nº 20/98, penso que em nada altera a situação. Com efeito, estabelece referido dispositivo:
Art. 4º - Observado o disposto no art. 40, § 10, da Constituição Federal, o tempo de serviço considerado pela legislação vigente para efeito de aposentadoria, cumprido até que a lei discipline a matéria, será contado como tempo de contribuição. (grifei)
Ora, quando do advento da EC 20/98, a legislação vigente (Lei 8.213/91, alterada pela MP 1.523/96, depois convertida na Lei 9.528/97), já exigia a indenização das contribuições para a contagem recíproca de tempo de serviço. Ou seja, a contagem recíproca de tempo de serviço, aproveitando-se tempo rural anterior à Lei 8.213/91, quando do advento da EC já era validamente condicionada ao pagamento de indenização.
Descarta-se, outrossim, interpretação no sentido de que o inciso V da Lei 8.213/91 não teria sido revogado pela Lei 9.528/97. Esta tese muitas vezes argüida decorre de leitura apenas do artigo 15 da Lei 9.528/97. Ocorre que o artigo 2º da Lei 9.528/97 deu nova redação ao artigo 96 da Lei 8.213/91, e nesta nova redação indubitavelmente o inciso V foi excluído. Inviável a invocação a tal dispositivo, destarte.
É nesse sentido o entendimento da 3ª Seção desta Corte, conforme se vê dos acórdãos a seguir transcritos:
PREVIDENCIÁRIO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. PROFESSOR AUTÔNOMO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. NECESSIDADE DE INDENIZAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES. Para que o segurado autônomo (hoje enquadrado, pela legislação vigente, como contribuinte individual) faça jus à averbação do tempo de serviço prestado nesta condição, deverá comprová-lo por meio de início de prova documental, devidamente corroborado por prova testemunhal, sendo necessário, além disso, o recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias, visto ser ele próprio o responsável por tal providência (artigo 30, II, da Lei 8.212/91). A contagem recíproca de tempo de serviço dá-se mediante a compensação financeira entre os regimes previdenciários envolvidos, consoante os arts. 201, § 9º, da CF/1988, e 94 da Lei n.º 8.213/1991. É necessário o pagamento de indenização por parte do autor, para fins de expedição de certidão de tempo de serviço a ser aproveitado em outro regime previdenciário. (TRF4, AC 5053358-60.2012.404.7100, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto, juntado aos autos em 20/03/2014)
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE TRABALHO RURAL. AVERBAÇÃO.
1. O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea.
2. O tempo de serviço rural anterior à vigência da Lei nº 8.213/91 pode ser computado para a aposentadoria por tempo de serviço no RGPS, sem recolhimento de contribuições, por expressa ressalva do § 2º do art. 55 da referida lei, salvo para carência.
3. A indenização de períodos sem recolhimento não é pressuposto para a averbação de tempo de serviço, porquanto somente se faz necessária ao deferimento de benefícios específicos, quando estes exigirem carência contributiva, ou no caso de expedição de certidão para fins de aproveitamento em regime próprio, mediante contagem recíproca. (TRF4, AC 0009403-63.2013.404.9999, Quinta Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 24/09/2013)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. DECADÊNCIA. CONTAGEM RECÍPROCA. CANCELAMENTO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. PERÍODO DE LABOR RURAL. EXIGÊNCIA DE RECOLHIMENTO DE INDENIZAÇÃO. MANUTENÇÃO DA APOSENTADORIA EM REGIME PRÓPRIO. 1. A Administração, em atenção ao princípio da legalidade, tem o poder-dever de anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais (Súmulas 346 e 473 do STF). 2. Os benefícios previdenciários concedidos antes do advento da Lei n.º 9.784/99, têm, como termo inicial do prazo decadencial, a data de vigência da norma que o estabeleceu, ou seja, 01.02.1999. Já para os benefícios concedidos sob a égide da referida legislação, o termo inicial do prazo decadencial a ser considerado é a data do respectivo ato. Em qualquer hipótese, o prazo decadencial é de dez anos. Precedente do Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial Repetitivo n.º 1.114.938/AL). 3. Na hipótese de utilização do tempo de serviço rural para obtenção de benefício em regime previdenciário distinto, deve haver o recolhimento das contribuições relativas ao tempo rural reconhecido, mesmo sendo anterior à vigência da Lei n. 8.213/91, uma vez que a dispensa da exigência da indenização somente se dá quando o tempo de serviço rural for utilizado para fins de concessão de benefício no próprio Regime Geral de Previdência Social, nos termos do §2º do art. 55 da Lei de Benefícios. 4. Já tendo sido concedida a aposentadoria estatutária com base em certidão de tempo de serviço expedida sem a ressalva da necessidade do recolhimento de contribuições, a discussão acerca da necessidade de indenização das contribuições do tempo de labor rural para fins de contagem recíproca, deve ser travada em ação própria, com o que resta prejudicado o recurso do INSS, neste ponto. 5. Nos casos em que já houve concessão de aposentadoria estatutária com base em certidão de tempo de serviço expedida sem a ressalva da necessidade do recolhimento de contribuições, esta Corte vem entendendo que a suspensão dos efeitos da certidão que reconhece tempo de serviço rural não é o meio adequado para o INSS vindicar valores devidos a título de indenização ao Regime Geral da Previdência Social. (TRF4, AC 5008006-16.2011.404.7100, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão João Batista Pinto Silveira, juntado aos autos em 21/06/2013)
Diante do exposto, à vista de ter como lícita a exigência da indenização, caso haja intenção de aproveitamento do tempo de serviço para fins de contagem recíproca, nos termos do artigo 96, IV, da LB, reformo a sentença quanto à determinação de emitir certidão de tempo de contribuição.
Das custas
Havendo o feito tramitado perante a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, o INSS está isento do pagamento de custas, mas obrigado ao pagamento de eventuais despesas processuais, consoante o disposto no art. 11 da Lei Estadual n. 8.121/85, na redação dada pela Lei n. 13.471, de 23 de junho de 2010.
Conclusão
A sentença resta parcialmente reformada para o fim de excluir do "decisum" o comando de emissão de Certidão de Tempo de Contribuição, e para haver o INSS por isento das custas.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação e dar parcial provimento à remessa oficial.
Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8919965v5 e, se solicitado, do código CRC 9B9E82AE. | |
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 30/05/2017
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0015372-54.2016.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00009333320158210148
RELATOR | : | Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Claudio Dutra Fontella |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | PLINIO SALAMI |
ADVOGADO | : | Claudio Casarin e outro |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE RONDA ALTA/RS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 30/05/2017, na seqüência 84, disponibilizada no DE de 12/05/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E DAR PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9020027v1 e, se solicitado, do código CRC 9977A07B. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Lídice Peña Thomaz |
| Data e Hora: | 31/05/2017 17:30 |
