| D.E. Publicado em 20/06/2017 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005674-24.2016.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELANTE | : | LUIZ BENVEGNU |
ADVOGADO | : | Mauricio Ferron |
: | Rafael Plentz Gonçalves | |
APELADO | : | (Os mesmos) |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. COMPROVAÇÃO. RECONHECIMENTO. CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. INDENIZAÇÃO.
. É possível o aproveitamento do tempo de serviço rural até 31-10-1991 independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias, exceto para efeito de carência.
. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal.
. A indenização de períodos sem recolhimento é pressuposto para o aproveitamento do tempo reconhecido em regime próprio.
. Havendo o feito tramitado perante a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, o INSS está isento do pagamento de custas, consoante o disposto no art. 11 da Lei Estadual n. 8.121/85, na redação dada pela Lei n. 13.471, de 23 de junho de 2010.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora e dar parcial provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de junho de 2017.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8993231v5 e, se solicitado, do código CRC 2C6C86B0. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
| Data e Hora: | 13/06/2017 18:32 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005674-24.2016.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELANTE | : | LUIZ BENVEGNU |
ADVOGADO | : | Mauricio Ferron |
: | Rafael Plentz Gonçalves | |
APELADO | : | (Os mesmos) |
RELATÓRIO
Trata-se de apelações de sentença em que foi julgado procedente o pedido, para reconhecer o exercício de atividade rural pelo autor, em regime de economia familiar, em dispositivo transcrito a seguir:
Diante do exposto, com fulcro no artigo 269, inciso I do CPC, julgo PROCEDENTE, a ação ajuizada por LUIZ BENVEGNU contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, para efeito de RECONHECER o período de atividade agrícola exercida pela autora no período de 01/06/1969 a 15/08/1982 e de 27/11/1982 a 31/10/1991 e, como consequência, DETERMINAR que o réu proceda na averbação do período reconhecido, independente de contribuições.
Sucumbente, condeno a autarquia demanda ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador do autor, que fixo em R$ 500,00 (quinhentos reais), em atenção ao disposto no art. 20, §§ 3° e 4°, do CPC.
Condeno o INSS ao pagamento das custas processuais, as quais são devidas por metade, em face do artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121, de 30 de dezembro de 1985, bem como da Súmula 2 do extinto TARGS1. Justifico a não aplicação das disposições contidas da Lei n.º 13.471/2010, diante da declaração de inconstitucionalidade daquele diploma legal pelo Órgão Especial quando do julgamento do Incidente de Inconstitucionalidade n.º 70041334053.
Sentença não sujeita ao reexame necessário.
Alega a entidade previdenciária que a parte autora não logrou comprovar o exercício de atividade rural mediante apresentação de prova material, sendo vedado o reconhecimento de tal atividade somente com base em depoimentos testemunhais. Aduz que para fins de contagem recíproca, é imprescindível a indenização das contribuições previdenciárias relativas ao tempo rural eventualmente admitido. Pede, por fim, a isenção das custas processuais.
A parte autora, por sua vez, pede a elevação da verba advocatícia.
Apresentadas as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças/acórdãos publicado(a)s a contar do dia 18/03/2016.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
Dessa forma, deverão ter preferência de julgamento em relação àqueles processos que estão conclusos há mais tempo, aqueles feitos em que esteja litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei n. 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei n. 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Observado que o caso presente se enquadra em uma das hipóteses referidas, a saber, metas do CNJ, justifica-se seja proferido julgamento fora da ordem cronológica de conclusão.
Da remessa oficial
O Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ), seguindo a sistemática dos recursos repetitivos, regulada pelo art. 543-C, do CPC, decidiu que é obrigatório o reexame de sentença ilíquida proferida contra a União, Estados, Distrito Federal e Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público. (REsp 1101727/PR, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/11/2009, DJe 03/12/2009).
Assim, o reexame necessário, previsto no art. 475 do CPC, é regra, admitindo-se o seu afastamento somente nos casos em que o valor da condenação seja certo e não exceda a sessenta salários mínimos.
Como o caso dos autos não se insere nas causas de dispensa do reexame, conheço da remessa oficial.
Do tempo de serviço rural
O aproveitamento do tempo de atividade rural exercido até 31 de outubro de 1991 - independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência - está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, inc. V, do Decreto n.º 3.048/99. Quando exercido em regime de economia familiar, aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da lei previdenciária (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003).
Pode o exercício do labor rural ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do disposto no art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91, e na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).
Cabe salientar que, embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo; ademais, não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas um documento que, juntamente com a prova oral, criando um liame com a circunstância fática que se quer demonstrar, possibilite um juízo de valor seguro.
Também não é necessário que o início de prova material seja contemporâneo à época dos fatos que se pretende comprovar, conforme se vê do § 3º, do art. 55 da Lei 8.213. Tal exigência implicaria introdução indevida em limites não estabelecidos pelo legislador, e que devem ser de pronto afastados.
Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016) que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Observa-se que as certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora, nos termos na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 980.065/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 20-11-2007, DJU, Seção 1, de 17-12-2007, p. 340, e REsp n.º 637.437/PB, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 17-08-2004, DJU, Seção 1, de 13-09-2004, p. 287, REsp n.º 1.321.493-PR, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamim, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.).
De outro lado, nada impede que sejam considerados os documentos emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Em relação aos boias-frias, cujo trabalho rural é caracterizado por sua notória informalidade, comprometendo a prova da atividade e, por conseguinte, a obtenção do benefício previdenciário, a jurisprudência pacificada por esta Corte era no sentido de abrandar a exigência relativa ao início de prova material, admitindo, até mesmo, em situações extremas, a comprovação da atividade exclusivamente por meio de prova testemunhal. Todavia, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, em 10-10-2012, do REsp nº 1.321.493/PR, representativo de controvérsia, firmou o entendimento de que se aplica também aos trabalhadores boias-frias a Súmula 149 daquela Corte.
No regime de economia familiar (§1º do art. 11 da Lei de Benefícios) em que os membros da família trabalham "em condições de mútua dependência e colaboração", os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII da Lei 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural . Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" para descaracterizar automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
No tocante ao trabalho do segurado especial em regime de economia familiar a partir dos 12 anos de idade, a Terceira Seção desta Corte ao apreciar os Embargos Infringentes em AC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, na sessão de 12-03-2003, firmou entendimento no sentido da possibilidade de seu cômputo, na esteira de iterativa jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o AI n.º 529.694/RS, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, com decisão publicada no DJU de 11-03-2005, reconhecido o tempo de serviço agrícola ao menor de quatorze anos, não merecendo a questão maiores digressões.
Para a comprovação do trabalho rural no período de 01/06/1969 a 15/08/1982 e de 27/11/1982 a 31/10/1991, foram apresentados os seguintes documentos:
- certificado de isenção do serviço militar, expedido pelo Ministério do Exército em 1975, em que o autor consta como agricultor;
- titulo eleitoral, emitido em 03/10/1975, em que o requerente está qualificado como agricultor;
- comprovante de pagamento do imposto sobre a propriedade territorial rural dos anos de 1974, 1976, 1977, 1978, 1979, 1980, 1981;
- nota de venda de produtos rural em nome do seu genitor dos anos de 1980;
- cédulas de crédito rural datadas de 1979, 1982, 1983, 1984,
- matrícula de imóvel rural onde consta que o genitor do autor foi proprietário de imóvel rural até o ano de 2004;
- notas de produtor rural que indicam a comercialização de produtos agrícolas em nome do seu genitor referente aos anos de 1981,1982, 1983, 1984, 1986, 1987, 1989, 1990, 1991 ;
- registro de venda de animais para a empresa Frigorífico Nova Araçá;
- recebido de quitação da mensalidade do Sindicato dos Trabalhadores Rurais referente aos anos de 1985 e 1986 em nome do autor;
- CTPS do autor que demonstra que ele trabalhou durante um pequeno período em atividade urbana entre as datas de 16/08/1982 a 26/11/1982;
A prova testemunhal, realizada em âmbito de justificação administrativa, corrobora a pretensão exposta na inicial, uma vez que as testemunhas foram uníssonas em confirmar que a parte autora trabalhava nas lides rurais, junto com os pais e os sete irmãos, em área de terras equivalente a meia colônia, localizada na zona rural de São Domingos do Sul, sem ajuda de empregados ou de maquinário, desde a infância até o ano de 1997, quando, concomitantemente com a agricultura, passou a trabalhar como professor. Afirmaram que a família plantava fumo e sempre mantiveram culturas agropecuárias variadas destinadas ao sustento próprio e manutenção da propriedade, comercializando o que excedesse ao consumo. Enquanto residiu com sua família no interior, estudou até completar o segundo grau: até a quarta série em uma escola próxima de sua casa, e o restante na escola da cidade de São Domingos do Sul.
Da análise do conjunto probatório, conclui-se que os documentos juntados constituem início de prova material, para o que, reitere-se, consideradas as peculiaridades do trabalho na agricultura, não se pode exigir que sejam apenas por si mesmos conclusivos ou suficientes para a formação de juízo de convicção. É aceitável que a prova contenha ao menos uma indicação segura de que o fato alegado efetivamente ocorreu, vindo daí a necessidade de sua complementação pela prova oral, a qual, como se viu, confirmou de modo coerente e preciso o trabalho rural da parte autora.
Conclusão: Fica mantida a sentença quanto ao reconhecimento dos seguintes lapsos de tempo de serviço rural: de 01/06/1969 a 15/08/1982 e de 27/11/1982 a 31/10/1991 que devem ser averbados pelo INSS de imediato, sem necessidade de recolhimento das contribuições respectivas, exceto para fins de aproveitamento em regime próprio previdenciário, conforme exposto a seguir.
Especificamente quanto à exigência da indenização, em caso de aproveitamento do tempo de serviço para fins de contagem recíproca, nos termos do artigo 96, IV, da LB, passo a examinar o tema.
A MP 1.523/96, diversas vezes reeditada, pretendeu dar nova redação ao artigo 55, § 2º, da Lei 8.213/91, e desta forma condicionar o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior a 1991 ao recolhimento das contribuições respectivas.
Na ADIN 1.664-4-DF, relator o Ministro Octavio Gallotti, todavia, o Supremo Tribunal Federal deferiu o pedido de cautelar, suspendendo a execução do § 2º, do artigo 55 da Lei de Benefícios (com a redação que lhe deu a MP 1.523), bem como afastando a aplicação do artigo 96, inciso IV, no que toca ao tempo de serviço do trabalhador rural, quando estava ele desobrigado de contribuir.
A MP 1.523 (depois MP 1586) restou convertida na Lei 9.528, de 10.12.97. Na conversão, o § 2º do artigo 55 da Lei de Benefícios teve sua redação original mantida, talvez até em razão da decisão do STF. O inciso IV do artigo 96 da LB foi alterado, nos termos da MP 1.523 (isso todavia não influiu na questão, pois as alterações promovidas pela MP no artigo 96, IV, diziam respeito apenas a juros e multa).
A literal redação do artigo § 2º do artigo 55 da LB, atualmente, destarte, estatui:
"....
§ 2º . O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento".
Já a redação atual do inciso IV do artigo 96 da LB é a que segue:
"Art. 96. ....
IV - o tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à Previdência Social só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo, com acréscimo de juros moratórios de um por cento ao mês e multa de dez por cento".
O Regulamento da Previdência Social (Decreto 3.048/99), por outro lado, assim dispõe sobre a matéria em seus artigos 123 e 125:
"Art. 123. Para fins de concessão dos benefícios deste Regulamento, o tempo de serviço prestado pelo trabalhador rural anteriormente à competência novembro de 1991 será reconhecido, desde que devidamente comprovado.
Parágrafo único. Para fins de contagem recíproca, o tempo de serviço a que se refere o caput somente será reconhecido mediante a indenização de que trata o § 13 do art. 216, observado o disposto no § 8º do 239.
...
Art. 125. Para efeito de contagem recíproca, hipótese em que os diferentes sistemas de previdência social compensar-se-ão financeiramente, é assegurado:
I - para fins dos benefícios previstos no Regime Geral de Previdência Social, o cômputo do tempo de contribuição na administração pública; e
II - para fins de emissão de certidão de tempo de contribuição, pelo Instituto Nacional do Seguro Social, para utilização no serviço público, o cômputo do tempo de contribuição na atividade privada, rural e urbana, observado o disposto no parágrafo único do art. 123, no § 13 do art. 216 e no § 8º do art. 239.
Para compreensão do tema, não podemos perder de vista que o artigo 55 da Lei 8.213/91 trata de regra ligada ao regime geral de previdência, uma vez que está inserto na Subseção III da Seção V do Capítulo II do Título III da Lei 8.213/91. Com efeito, a referida Subseção III trata Da Aposentadoria por Tempo de Serviço. Trata-se, portanto, de norma atinente apenas ao regime geral de previdência.
Já o artigo 96 da Lei 8.213/91, a despeito de estar inserido neste Diploma, não versa sobre o regime geral de previdência. É uma norma geral de Seguridade Social, pois trata de contagem recíproca. Mais do que isso, tem incidência específica sobre a hipótese de contagem recíproca. Assim, no que toca aos servidores públicos civis (rectius= estatutários), constitui norma que integra seu regime jurídico próprio. Note-se, com efeito, que o artigo 96 está na Seção VIII do Capítulo II do Título III da LB. Referida Seção trata Da Contagem Recíproca de Tempo de Serviço.
À evidência, existindo norma específica para disciplinar a forma de contagem recíproca de tempo de serviço, não se pode privilegiar interpretação que pretenda extrair do artigo 55, § 2º, entendimento no sentido de que mesmo para contagem recíproca mostra-se desnecessária a indenização no que toca ao tempo de serviço rural anterior à obrigatoriedade de contribuição.
Note-se que a exigência do artigo 96, inciso IV da LB não representa cobrança indireta de tributo caduco, de modo a ofender o Código Tributário Nacional. Ocorre que à época do exercício da atividade rural a contribuição não era exigida. Logo não é ela que está sendo cobrada agora. Trata-se a exigência de indenização, assim, de imposição determinada pelo regime estatutário ao qual passou a ser vinculado o trabalhador e, como já afirmado, não há direito adquirido a regime jurídico.
Como visto, a lei autoriza a cobrança da indenização e não há direito adquirido no sentido de não fazê-lo. Se assim é, somente não seria devida a indenização se ela se mostrasse inconstitucional. Isso não ocorre todavia.
Com efeito, a Constituição Federal, em sua redação original, já estabelecia em seu artigo 202, § 2º:
Art. 202...
§ 2º - Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos sistemas de previdência social se compensarão financeiramente segundo critérios estabelecidos em lei
Com a Emenda Constitucional 20/98 a situação não se alterou. A regra antes transcrita foi repetida no § 9º do artigo 201:
Art. 201 ...
§ 9º Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.
Na ordem constitucional implantada com a atual Carta Política, sempre houve previsão para a compensação entre os regimes. A exigência de indenização, assim, antes de ofender a Constituição, vai ao encontro das diretrizes nela estabelecidas, pois a compensação de regimes obviamente pressupõe contribuição do empregador e do trabalhador.
Ademais, o caput do artigo 201 da Constituição Federal, seja na redação original, seja após a EC 20/98, sempre preceituou que a previdência tem caráter contributivo, como podemos ver:
Redação original: "Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a: ..."
Redação atual: "A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: ..."
Não fosse isso, como demonstra a transcrição supra da atual redação do artigo 201 da CF, a previdência deve observar equilíbrio financeiro e atuarial. Isso evidentemente somente pode ser alcançado com o pagamento de contribuições.
Pelo que se vê, a exigência de indenização era possível antes da Emenda 20/98 e passou a ter esteio ainda mais claro a partir de seu advento, pelo que não se pode cogitar de inconstitucionalidade.
Quanto ao artigo 4º da Emenda Constitucional nº 20/98, penso que em nada altera a situação. Com efeito, estabelece referido dispositivo:
Art. 4º - Observado o disposto no art. 40, § 10, da Constituição Federal, o tempo de serviço considerado pela legislação vigente para efeito de aposentadoria, cumprido até que a lei discipline a matéria, será contado como tempo de contribuição. (grifei)
Ora, quando do advento da EC 20/98, a legislação vigente (Lei 8.213/91, alterada pela MP 1.523/96, depois convertida na Lei 9.528/97), já exigia a indenização das contribuições para a contagem recíproca de tempo de serviço. Ou seja, a contagem recíproca de tempo de serviço, aproveitando-se tempo rural anterior à Lei 8.213/91, quando do advento da EC já era validamente condicionada ao pagamento de indenização.
Descarta-se, outrossim, interpretação no sentido de que o inciso V da Lei 8.213/91 não teria sido revogado pela Lei 9.528/97. Esta tese muitas vezes argüida decorre de leitura apenas do artigo 15 da Lei 9.528/97. Ocorre que o artigo 2º da Lei 9.528/97 deu nova redação ao artigo 96 da Lei 8.213/91, e nesta nova redação indubitavelmente o inciso V foi excluído. Inviável a invocação a tal dispositivo, destarte.
É nesse sentido o entendimento da 3ª Seção desta Corte, conforme se vê dos acórdãos a seguir transcritos:
PREVIDENCIÁRIO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. PROFESSOR AUTÔNOMO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. NECESSIDADE DE INDENIZAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES. Para que o segurado autônomo (hoje enquadrado, pela legislação vigente, como contribuinte individual) faça jus à averbação do tempo de serviço prestado nesta condição, deverá comprová-lo por meio de início de prova documental, devidamente corroborado por prova testemunhal, sendo necessário, além disso, o recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias, visto ser ele próprio o responsável por tal providência (artigo 30, II, da Lei 8.212/91). A contagem recíproca de tempo de serviço dá-se mediante a compensação financeira entre os regimes previdenciários envolvidos, consoante os arts. 201, § 9º, da CF/1988, e 94 da Lei n.º 8.213/1991. É necessário o pagamento de indenização por parte do autor, para fins de expedição de certidão de tempo de serviço a ser aproveitado em outro regime previdenciário. (TRF4, AC 5053358-60.2012.404.7100, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto, juntado aos autos em 20/03/2014)
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE TRABALHO RURAL. AVERBAÇÃO.
1. O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea.
2. O tempo de serviço rural anterior à vigência da Lei nº 8.213/91 pode ser computado para a aposentadoria por tempo de serviço no RGPS, sem recolhimento de contribuições, por expressa ressalva do § 2º do art. 55 da referida lei, salvo para carência.
3. A indenização de períodos sem recolhimento não é pressuposto para a averbação de tempo de serviço, porquanto somente se faz necessária ao deferimento de benefícios específicos, quando estes exigirem carência contributiva, ou no caso de expedição de certidão para fins de aproveitamento em regime próprio, mediante contagem recíproca. (TRF4, AC 0009403-63.2013.404.9999, Quinta Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 24/09/2013)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. DECADÊNCIA. CONTAGEM RECÍPROCA. CANCELAMENTO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. PERÍODO DE LABOR RURAL. EXIGÊNCIA DE RECOLHIMENTO DE INDENIZAÇÃO. MANUTENÇÃO DA APOSENTADORIA EM REGIME PRÓPRIO. 1. A Administração, em atenção ao princípio da legalidade, tem o poder-dever de anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais (Súmulas 346 e 473 do STF). 2. Os benefícios previdenciários concedidos antes do advento da Lei n.º 9.784/99, têm, como termo inicial do prazo decadencial, a data de vigência da norma que o estabeleceu, ou seja, 01.02.1999. Já para os benefícios concedidos sob a égide da referida legislação, o termo inicial do prazo decadencial a ser considerado é a data do respectivo ato. Em qualquer hipótese, o prazo decadencial é de dez anos. Precedente do Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial Repetitivo n.º 1.114.938/AL). 3. Na hipótese de utilização do tempo de serviço rural para obtenção de benefício em regime previdenciário distinto, deve haver o recolhimento das contribuições relativas ao tempo rural reconhecido, mesmo sendo anterior à vigência da Lei n. 8.213/91, uma vez que a dispensa da exigência da indenização somente se dá quando o tempo de serviço rural for utilizado para fins de concessão de benefício no próprio Regime Geral de Previdência Social, nos termos do §2º do art. 55 da Lei de Benefícios. 4. Já tendo sido concedida a aposentadoria estatutária com base em certidão de tempo de serviço expedida sem a ressalva da necessidade do recolhimento de contribuições, a discussão acerca da necessidade de indenização das contribuições do tempo de labor rural para fins de contagem recíproca, deve ser travada em ação própria, com o que resta prejudicado o recurso do INSS, neste ponto. 5. Nos casos em que já houve concessão de aposentadoria estatutária com base em certidão de tempo de serviço expedida sem a ressalva da necessidade do recolhimento de contribuições, esta Corte vem entendendo que a suspensão dos efeitos da certidão que reconhece tempo de serviço rural não é o meio adequado para o INSS vindicar valores devidos a título de indenização ao Regime Geral da Previdência Social. (TRF4, AC 5008006-16.2011.404.7100, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão João Batista Pinto Silveira, juntado aos autos em 21/06/2013)
Configurado, pois, ser lícita a exigência da indenização, caso haja intenção de aproveitamento do tempo de serviço para fins de contagem recíproca, nos termos do artigo 96, IV, da LB.
Por fim, tendo em vista que o juízo "a quo" determinou averbação do tempo rural com a ressalva do recolhimento respectivo para aproveitamento junto ao serviço público, conforme a conveniência da parte interessada, mantenho a sentença nos termos em que lançada.
Das custas
Havendo o feito tramitado perante a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, o INSS está isento do pagamento de custas, mas obrigado ao pagamento de eventuais despesas processuais, consoante o disposto no art. 11 da Lei Estadual n. 8.121/85, na redação dada pela Lei n. 13.471, de 23 de junho de 2010.
Dos honorários advocatícios
Os honorários advocatícios são devidos pelo INSS no percentual de 10% sobre o valor da causa, conforme requerido pela parte autora em seu recurso.
Conclusão
A sentença resta parcialmente reformada para o fim de majorar a verba honorária devida pelo INSS e para haver o INSS por isento do pagamento das custas processuais.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora e para dar parcial provimento à apelação do INSS e à remessa oficial.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 13/06/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005674-24.2016.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00057482420138210090
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Sérgio Cruz Arenhart |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELANTE | : | LUIZ BENVEGNU |
ADVOGADO | : | Mauricio Ferron |
: | Rafael Plentz Gonçalves | |
APELADO | : | (Os mesmos) |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 13/06/2017, na seqüência 380, disponibilizada no DE de 29/05/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E PARA DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E À REMESSA OFICIAL.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9044963v1 e, se solicitado, do código CRC 7B72DE97. | |
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