
Apelação Cível Nº 5065888-47.2022.4.04.7100/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
RELATÓRIO
Trata-se de apelação contra sentença publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, com dispositivo de seguinte teor:
Ante o exposto, rejeito as preliminares eventualmente suscitadas, nos termos da fundamentação; JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos e extingo o feito com resolução do mérito, com fulcro no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para CONDENAR o Instituto Nacional do Seguro Social a conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência (NB 199.618.268-1), com DIB em 31/10/2023 e DIP no primeiro dia do mês em que efetivada a implantação, RMI a calcular, bem como a pagar as parcelas vencidas, corrigidas nos termos da fundamentação.
DER reafirmada – 28 anos, 7 meses e 6 dias.
A parte Autora deverá apresentar, quando do cumprimento do julgado, declaração sobre recebimento de benefício oriundo do regime próprio de previdência social, nos moldes do Anexo I da Portaria nº 528/PRES/INSS, de 22/04/2020.
Defiro o benefício da gratuidade da justiça.
Considerando que a parte ré atuou corretamente no indeferimento do requerimento administrativo, tento em vista o cumprimento dos requisitos concessórios apenas em momento posterior à análise administrativa, não se configurou pretensão indevida resistida, de modo que condeno a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, fixados em valor equivalente a 10% sobre o valor atualizado da condenação até a data da sentença, nos termos do art. 85, § 3º, do Código de Processo Civil, e Súmulas 76 do TRF4 e 111 do STJ. Ainda, a parte demandante deverá ressarcir valores de eventuais honorários periciais adiantados pela Seção Judiciária do Rio Grande do Sul. Entretanto, a exigibilidade de ambas as verbas fica suspensa, nos termos do disposto no art. 98, §3º, do CPC.
A parte autora fica isenta do pagamento de custas em razão da gratuidade da justiça (art. 4º, inciso II, Lei nº 9.289/96).
Remessa necessária dispensada nos termos do art. 496, §3º, do Código de Processo Civil.
Após o trânsito em julgado, requisite-se o cumprimento da presente decisão.
Intimem-se. Cumpra-se.
Apelou a parte autora arguindo, preliminarmente, o cerceamento de defesa. No mérito, sustenta ter sido comprovado o exercício de labor rural no período não reconhecido em sentença, além de se enquadrar no grau moderado de deficiência, fazendo jus ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência desde a DER. Subsidiariamente, requer a reafirmação da DER para a data em que implementados os requisitos do benefício.
Com contrarrazões, subiram os autos ao Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Do cerceamento de defesa
Não procedem as alegações da parte autora com relação ao cerceamento de defesa, em vista da não realização da prova testemunhal. Nos termos do art. 370 do Novo CPC, como já previa o CPC/1973 no art. 130, cabe ao julgador, inclusive de ofício, determinar a produção das provas necessárias ao julgamento de mérito. Portanto, se entender encontrar-se munido de suficientes elementos de convicção, é dispensável a produção de outras.
Rssalta-se, ademais, que a partir da Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019, que deu nova redação a dispositivos da Lei de Benefícios da Previdência Social, permitiu-se a comprovação do tempo de atividade rural por meio de autodeclaração, ratificada por outros elementos e consulta às bases governamentais. Tal documento foi apresentado na via administrativa (evento 1 - PROCADM9 - p. 52/57), razão pela qual não há cerceamento de defesa pela não produção da prova oral.
Mérito
Não estando o feito submetido ao reexame necessário, a controvérsia no plano recursal restringe-se:
- ao reconhecimento do exercício de atividade rural no período de 09/04/1990 a 31/10/1991;
- ao enquadramento da deficiência do segurado como leve ou moderada, para fins de concessão de aposentadoria da pessoa com deficiência;
- à consequente concessão de aposentadoria da pessoa com deficiência, a contar da DER (08/07/2021) ou da data do implemento dos requisitos;
Tempo de serviço rural
O aproveitamento do tempo de atividade rural desenvolvida até 31 de outubro de 1991, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência, está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, V, do Decreto n.º 3.048/99.
Acresce-se que o cômputo do tempo de serviço rural exercido no período anterior à Lei n.º 8.213/91, em regime de economia familiar e sem o recolhimento das contribuições, aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da lei previdenciária (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003).
Como regra geral, a comprovação do tempo de atividade rural para fins previdenciários exige, pelo menos, início de prova material (documental), complementado por prova testemunhal idônea (art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91; Recurso Especial Repetitivo n.º 1.133.863/RN, Rel. Des. convocado Celso Limongi, 3ª Seção, julgado em 13-12-2010, DJe 15-04-2011).
A partir da Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019, que deu nova redação a dispositivos da Lei de Benefícios da Previdência Social, permitiu-se a comprovação do tempo de atividade rural por meio de autodeclaração, ratificada por outros elementos e consulta às bases governamentais.
A relação de documentos referida no art. 106 da Lei n.º 8.213/1991 é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural no período controvertido, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar, em conformidade com o teor da Súmula n.º 73 deste Tribunal Regional Federal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental." (DJU, Seção 2, de 02-02-2006, p. 524).
Ainda sobre a extensão do início de prova material em nome de membro do mesmo grupo familiar, “o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar”, mas, “em exceção à regra geral (...) a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana” (Temas nº 532 e 533, respectivamente, do Superior Tribunal de Justiça, de 19-12-2012).
O início de prova material, de outro lado, não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental (STJ, AgRg no REsp 1.217.944/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 25-10-2011, DJe 11-11-2011; TRF4, EINF 0016396-93.2011.4.04.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).
No mesmo sentido, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27-06-2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Do caso concreto
A r. sentença proferida pela MM. Juíza Federal Rafaela Santos Martins da Rosa bem analisou as questões controvertidas, devendo ser mantida por seus próprios fundamentos, os quais adoto como razões de decidir, in verbis:
"(...)
De acordo com o § 3º do artigo 55 da Lei 8.213/91, exige-se um início de prova material, que, corroborado pela prova testemunhal, comprove o exercício da atividade rurícola e a condição de segurado especial. Ou seja, para efeito de obtenção do benefício previdenciário, a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade, devendo ser conjugada com outros meios probatórios.
Nesse sentido, oportuno referir entendimento sedimentado pela Turma Nacional de Uniformização, no sentido de que “basta a apresentação de um documento servível como início de prova material e que seja contemporâneo, não sendo necessária a apresentação de documentos que abranjam todo o período pretendido, dada à possibilidade de extensão no tempo da eficácia probatória da prova documental pela prova testemunhal, que pode ter eficácia retrospectiva e prospectiva se o exame da prova testemunhal o permitir (PEDILEF 50078952620114047102, JUIZ FEDERAL ANDRÉ CARVALHO MONTEIRO, DOU 31/05/2013)".
Para a comprovação do trabalho rural em regime de economia familiar durante o período de 09/04/1990 a 31/10/1991, a parte autora trouxe aos autos os seguintes documentos:
- Ficha STR Iraí - genitor - mensalidades pagas de 1972/84 e 1997/2002
- Certidão de Batismo, Carteira de vacinação, certidão de crisma, e 1ª Eucaristia.
- Certidão de Registro de Imóvel rural - genitor - compra em 2002
- Casamento dos pais - 1970
- Nota de Produtor Rural -genitor - 1972, 83, 85 e 87
- Guia de Arrecadação Rural - genitor - 2002
- Declaração de informante (irmã da autora) - ev.82
Em relação ao pedido de reconhecimento de labor rural do intervalo de 09/04/1990 a 31/10/1991, tenho como insuficiente a prova carreada aos autos, haja vista que a escassa documentação apresentada para o lapso em destaque, por si só, não é hábil a fazer prova de trabalho campesino. Assim, não se tem documento contemporâneo e idôneo para esse intervalo de modo a evidenciar atividade rurícola em economia familiar. Há que se ressaltar que a ficha do sindicato não abrange a período requerido, as notas fiscais são de período anterior e as certidões de cunho religioso nada refere acerca localização rural da família da autora.
Ademais, mesmo que não seja necessária a apresentação de documentos para cada ano de labor, já que presumida a continuidade da atividade nos intervalos imediatamente próximos, a prova material deve, ao menos, abranger boa parcela do período que pretende reconhecimento, para que, aliado à prova testemunhal, permita uma firme convicção acerca do contexto laborativo da parte autora.
Importante enfatizar que, diante da ausência de início de prova material idônea que comprove o efetivo labor rural, há vedação legal para o reconhecimento da atividade rurícola em regime de economia familiar exclusivamente com base na prova oral (art. 55, § 3º, Lei 8.213/91 e Súmula 149, STJ). Desse modo, ainda que fosse favorável a prova testemunhal, entendo que não foi apresentado início de prova material que permita juízo de valor seguro acerca do trabalho alegado pela parte requerente.
Pelos motivos expostos, não é possível o reconhecimento de atividade rural no período referido.
(...)"
Consoante bem exposto no trecho acima transcrito, não há nos autos documentação suficiente a caracterizar início de prova material do desempenho de atividades rurais em regime de economia familiar no período postulado. Verifica-se que há um lapso de 10 anos entre os documentos apresentados, no qual o intervalo controvertido se insere, que não pode ser suplantado pela prova testemunhal.
Dessa maneira, impõe-se a manutenção da sentença no ponto.
Requisitos para concessão da aposentadoria da pessoa com deficiência
A Constituição Federal possibilitou aos segurados com deficiência a adoção de critérios de idade e de tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria, nos termos definidos em lei complementar (artigo 201, §1º, em redação dada pela EC nº 47/2005).
Em 10/11/2013, entrou em vigor a Lei Complementar n.º 142, que, em seu artigo 2º, conceitua "pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas".
A avaliação da deficiência é médica e funcional, e o grau de deficiência (leve, moderada ou grave) é atestado por perícia própria do INSS (artigos 4º e 5º da LC nº 142/2013).
Quanto aos requisitos para obtenção do benefício, assim estabeleceu o artigo 3º da referida Lei Complementar:
Art. 3o É assegurada a concessão de aposentadoria pelo RGPS ao segurado com deficiência, observadas as seguintes condições:
I - aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, e 20 (vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave;
II - aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 (vinte e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada;
III - aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 (vinte e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve; ou
IV - aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período.
Parágrafo único. Regulamento do Poder Executivo definirá as deficiências grave, moderada e leve para os fins desta Lei Complementar.
Para o segurado que, após a filiação ao RGPS, se tornar pessoa com deficiência ou tiver seu grau de deficiência alterado, procede-se à conversão do tempo por meio da tabela constante do artigo 70-E do Decreto n.º 3.048/99, de acordo com o grau de deficiência preponderante.
Nos termos do §1º do artigo 70-F do indigitado Decreto, é garantida a conversão de tempo de contribuição cumprido em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física do segurado para fins da aposentadoria da pessoa com deficiência, também de acordo com a tabela ali constante, se resultar mais favorável ao segurado.
Por outro lado, a redução do tempo de contribuição da pessoa com deficiência não poderá ser acumulada, no mesmo período contributivo, com a redução aplicada aos períodos de contribuição relativos a atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física (art. 10 da LC n.º 142/2013).
Do caso concreto
Controverte-se na presente ação o grau de deficiência da parte autora: se leve ou moderada.
Quanto ao ponto, de início, verifica-se que, na perícia dual promovida pelo INSS, foi obtida a pontuação 6.450 (evento 1 - PROCADM9 - p. 71), o que enquadrou seu quadro como de deficiência de forma leve.
A sentença proferida pelo magistrado a quo, considerando também os laudos periciais produzidos judicialmente (eventos 29, 91 e 107), analisou as questões controvertidas, igualmente enquadrando a deficiência da parte autora como leve.
Em sua apelação, a parte autora afirma que os elementos dos autos evidenciam que sua deficiência é moderada, fazendo jus ao benefício desde a DER.
No entanto, e sem pretender desqualificar, de forma alguma, as dificuldades enfrentadas pela autora em seu ambiente de trabalho, não identifico, na prova produzida, elementos que apontem para a irregularidade do enquadramento realizado nas vias administrativa e judicial. A questão é que, para dar efetividade ao direito assegurado, foi preciso estabelecer distinções relativamente objetivas entre os graus de deficiência, tendo em consideração fatores comparativos, já que são muito variadas, em intensidade e extensão as possíveis limitações vivenciadas por aqueles trabalhadores que, a despeito das dificuldades experimentadas, trabalham e contribuem para o sistema de seguridade social.
Assim, a modificação do enquadramento não pode ser feita, apenas, na perspectiva individual, mas também sistêmica, tomando-se em conta o universo de segurados e de possíveis deficiências a justificar o direito à aposentadoria em menor tempo e idade. Apenas aquele que enfrenta os desafios para se inserir no mercado de trabalho e nele permanecer, como pessoa com deficiência, será capaz de mensurar a dimensão desses desafios. Do ponto de vista social, porém, alguns elementos objetivos se farão necessários e eles estão representados nos quesitos a serem respondidos pelos médicos e assistentes sociais. No caso dos autos, não se identifica justificativa suficiente para que o entendimento da segurada deva prevalecer, diante do que acima já se estabeleceu.
Assim, mantido o enquadramento da deficiência como leve, e considerando que o tempo de contribuição na DER (08/07/2021) é 26 anos, 4 meses e 14 dias, a segurada não implementou, naquele momento, os requisitos necessários ao benefício.
Quanto à possibilidade de cômputo do tempo de contribuição posterior ao requerimento administrativo e ao próprio ajuizamento da ação, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 995, em sessão realizada em 22/10/2019, firmou a seguinte tese:
Tema 995 STJ - É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir.
Transcreve-se a ementa do respectivo julgamento:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO.
ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. REAFIRMAÇÃO DA DER (DATA DE ENTRADA DO REQUERIMENTO). CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O comando do artigo 493 do CPC/2015 autoriza a compreensão de que a autoridade judicial deve resolver a lide conforme o estado em que ela se encontra. Consiste em um dever do julgador considerar o fato superveniente que interfira na relação jurídica e que contenha um liame com a causa de pedir.
2. O fato superveniente a ser considerado pelo julgador deve guardar pertinência com a causa de pedir e pedido constantes na petição inicial, não servindo de fundamento para alterar os limites da demanda fixados após a estabilização da relação jurídico-processual.
3. A reafirmação da DER (data de entrada do requerimento administrativo), objeto do presente recurso, é um fenômeno típico do direito previdenciário e também do direito processual civil previdenciário. Ocorre quando se reconhece o benefício por fato superveniente ao requerimento, fixando-se a data de início do benefício para o momento do adimplemento dos requisitos legais do benefício previdenciário.
4. Tese representativa da controvérsia fixada nos seguintes termos: É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir.
5. No tocante aos honorários de advogado sucumbenciais, descabe sua fixação, quando o INSS reconhecer a procedência do pedido à luz do fato novo.
6. Recurso especial conhecido e provido, para anular o acórdão proferido em embargos de declaração, determinando ao Tribunal a quo um novo julgamento do recurso, admitindo-se a reafirmação da DER.
Julgamento submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos.
(REsp 1727063/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/10/2019, DJe 02/12/2019)
Obviamente que em casos tais o início do benefício não coincidirá com a data de entrada do requerimento administrativo. Adota-se, aqui, como marco inicial, a data do implemento dos requisitos, quando ainda pendente o processo administrativo, ou a data do ajuizamento, observando-se o princípio de que quando implementa os requisitos ésten o segurado quem decide o momento de seu jubilamento. Implementado o requisito após o término do processo administrativo, se o momento em que o segurado decide-se pela aposentadoria, formulando o respectivo pedido, é o da propositura da ação, este deve ser o marco inicial do benefício. Assim, inclusive, é o posicionamento da Terceira Seção desta Corte Regional (AR n. 2009.04.00.034924-3, Rel. Des. Federal Celso Kipper, julgada em 06/09/2012).
Contudo, se a implementação das condições para obtenção do benefício ocorrer em data posterior ao ajuizamento, deve coincidir o início da aposentação com a data de preenchimento dos requisitos para tanto, conforme se extrai do julgamento pelo STJ do Tema 995.
Em análise do CNIS, observa-se que a parte autora gozou do benefício de auxílio-doença de 14/09/2018 a 06/10/2023, de modo que não é possível conceder o benefício de aposentadoria em momento anterior ao término de referido benefício, de modo que a parte autora faz jus ao benefício a partir de 07/10/2023, quando implementado tempo de contribuição suficiente. A carência, igualmente, foi preenchida, pois recolhidas mais de 180 contribuições.
Dessa forma, cumprindo com os requisitos tempo de serviço e carência, a parte autora tem direito:
- à implementação do benefício de aposentadoria da pessoa com deficiência, desde a data em que implementados os requisitos para tanto (07/10/2023), mediante reafirmação da DER;
- ao pagamento das parcelas vencidas.
Consectários e provimentos finais
- Correção monetária e juros de mora
A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da Lei 8.213/91, na redação da Lei 11.430/06, precedida da MP 316, de 11/08/2006, e art. 31 da Lei10.741/03, que determina a aplicação do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso).
- INPC ou IPCA em substituição à TR, conforme se tratar, respectivamente, de débito previdenciário ou não, a partir de 30/06/2009, diante da inconstitucionalidade do uso da TR, consoante decidido pelo STF no Tema 810 e pelo STJ no tema 905.
Quanto aos juros de mora, por sua vez, o STJ, ao julgar o Tema n.º 995, determinou que apenas haveria mora do INSS, nos casos de reafirmação da DER para data posterior ao ajuizamento, em caso de não cumprimento da Autarquia da determinação de implantação do benefício, no prazo de 45 dias, incidindo juros moratórios somente a partir de então.
Até 29-06-2009, já tendo havido citação, deve-se adotar a taxa de 1% ao mês a título de juros de mora, conforme o art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo percentual aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado, no ponto, constitucional pelo STF no RE 870947, decisão com repercussão geral.
Os juros de mora devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo legal em referência determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, AgRgno AgRg no Ag 1211604/SP).
Por fim, a partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve incidir o artigo 3º da Emenda n. 113, segundo o qual, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente.
Tutela específica - implantação do benefício
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do CPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Resulta, todavia, facultada à parte autora a possibilidade de renúncia à implantação do benefício ora determinada.
TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB | |
---|---|
CUMPRIMENTO | Implantar Benefício |
NB | 1996182681 |
ESPÉCIE | Aposentadoria por Tempo de Contribuição da Pessoa com Deficiência |
DIB | 07/10/2023 |
DIP | Primeiro dia do mês da decisão que determinou a implantação/restabelecimento do benefício |
DCB | |
RMI | A apurar |
OBSERVAÇÕES |
Por fim, na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Requisite a Secretaria da 6ª Turma, à CEAB-DJ-INSS-SR3, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 20 (vinte) dias.
Conclusão
Parcialmente provida a apelação da parte autora para conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência mediante a reafirmação da DER (07/10/2023). Nos demais pontos, mantida a sentença.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora e determinar a implantação do benefício, via CEAB.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004674281v7 e do código CRC 8690e0a8.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): TAIS SCHILLING FERRAZ
Data e Hora: 23/9/2024, às 17:28:17
Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 15:54:15.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Apelação Cível Nº 5065888-47.2022.4.04.7100/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. NAÕ COMPROVAÇÃO. APOSENTADORIA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. DEFICIÊNCIA DE GRAU LEVE. REAFIRMAÇÃO DA DER. POSSIBILIDADE.
1. Não comprovado o labor rural em regime de economia familiar, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea ou autodeclaração, nos termos da Lei 13.846/2019, o segurado não faz jus ao cômputo do respectivo tempo de serviço.
2. A Constituição Federal possibilitou às pessoas com deficiência a adoção de critérios de idade e de tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria, nos termos definidos em lei complementar.
3. Foi necessário o estabelecimento de distinções relativamente objetivas entre os graus de deficiência, tendo em consideração fatores comparativos, já que são muito variadas, em intensidade e extensão as possíveis limitações vivenciadas por aqueles trabalhadores que, a despeito das dificuldades experimentadas, trabalham e contribuem para o sistema de seguridade social.
4. A modificação do enquadramento não pode ser feita, apenas, na perspectiva individual, mas também sistêmica, tomando-se em conta o universo de segurados e de possíveis deficiências a justificar o direito à aposentadoria com menor tempo de contribuição e idade. Apenas aquele que enfrenta os desafios para se inserir no mercado de trabalho e nele permanecer, como pessoa com deficiência, será capaz de mensurar a dimensão desses desafios. Do ponto de vista social, porém, alguns elementos objetivos se farão necessários e eles estão representados em quesitos específicos a serem respondidos pelos médicos e assistentes sociais.
5. Tratando-se de segurada com deficiência leve, em avaliação médica e funcional, a aposentadoria exige 28 anos de tempo de contribuição.
6. É possível a reafirmação da DER, inclusive com o cômputo de tempo de contribuição posterior ao ajuizamento da ação, para fins de concessão de benefício previdenciário ou assistencial, ainda que ausente expresso pedido na petição inicial, conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 995.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora e determinar a implantação do benefício, via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 19 de setembro de 2024.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004674282v5 e do código CRC 75a5af66.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): TAIS SCHILLING FERRAZ
Data e Hora: 23/9/2024, às 17:28:17
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 12/09/2024 A 19/09/2024
Apelação Cível Nº 5065888-47.2022.4.04.7100/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PROCURADOR(A): RODOLFO MARTINS KRIEGER
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 12/09/2024, às 00:00, a 19/09/2024, às 16:00, na sequência 436, disponibilizada no DE de 03/09/2024.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal ANA PAULA DE BORTOLI
LIDICE PENA THOMAZ
Secretária
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