Apelação Cível Nº 5002048-89.2020.4.04.7211/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: ANILDO FURTADO DOS SANTOS (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de recurso da parte ré contra sentença (e.
), prolatada em 05/05/2022, que julgou parcialmente o pedido de reconhecimento de tempo especial de 05/07/1976 a 24/06/1977, 19/09/1977 a 27/04/1981, 11/05/1981 a 02/09/1981, 25/08/1986 a 09/07/1987, 01/08/1988 a 31/07/1990, 01/02/1991 a 30/01/1993, 02/05/2001 a 31/12/2003 e 18/08/2004 a 24/10/2004, com a consequente averbação da especialidade ensses períodos, nos seguintes termos, uma vez adequada a decisão ao provimento de embargos de declaração opostos pela parte autora (e. ):"(...) Ante o exposto:
I) extingo sem resolução do mérito o pedido de emissão de guias de recolhimento previdenciário para complementação das contribuições realizadas nos termos do art. 21, § 2º, da Lei 8.212/1991;
II) julgo improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição a partir da data da entrada do requerimento administrativo (07/08/2017), ainda que reafirmada;
III) julgo procedentes os pedidos e condeno o INSS a averbar como atividade especial os períodos de 05/07/1976 a 24/06/1977, 19/09/1977 a 27/04/1981, 11/05/1981 a 02/09/1981, 25/08/1986 a 09/07/1987, 01/08/1988 a 31/07/1990, 01/02/1991 a 30/01/1993, 02/05/2001 a 31/12/2003 e 18/08/2004 a 24/10/2004.
Defiro o benefício da justiça gratuita.
O INSS é isento de custas (Lei 9.289/96, art. 4º).
Fixo os honorários sucumbenciais em 10% sobre o valor atualizado da causa, e em face da sucumbência parcial, condeno o INSS a pagar 2/3 desse valor ao procurador do autor e o autor, 1/3 do valor à procuradoria federal.
Sentença não sujeita a remessa necessária (art. 496, §3º, I, do CPC) (...)."
Em suas razões recursais (e.
), que não houve a devida qualificação dos produtos químicos a que sujeito o trabalhador, havendo menção genérica a óleos e graxas e hidrocarbonetos. Aduz, ainda, intermitência na exposição. Alega, ainda, impossibilidade de aplicação retroativa do Decreto 3.048/99 em relação a agentes cancerígenos. Refere, ainda, que houve neutralização da nocividade pelo uso de EPI eficaz.Com as contrarrazões (e.
), foram remetidos os autos a esta Corte para julgamento.É o relatório.
VOTO
Limites da controvérsia
Considerando-se que não se trata de hipótese de reexame obrigatório da sentença (art. 496, § 3º, inciso I, do CPC) e à vista dos limites da insurgência recursal, a questão controvertida nos autos cinge-se ao enquadramento como tempo especial dos períodos de 05/07/1976 a 24/06/1977, 19/09/1977 a 27/04/1981, 11/05/1981 a 02/09/1981, 25/08/1986 a 09/07/1987, 01/08/1988 a 31/07/1990, 01/02/1991 a 30/01/1993, 02/05/2001 a 31/12/2003 e 18/08/2004 a 24/10/2004, para fins de averbação administrativa da especialidade.
Exame do tempo especial no caso concreto
Em relação ao exame do conjunto probatório concernente ao enquadramento como tempo especial dos períodos cuja cognição foi devolvida recursalmente a este Colegiado, tenho que a análise efetuada pelo juízo a quo mostrou-se irretocável, havendo esgotado de forma conclusiva a controvérsia, motivo pelo qual, a fim de evitar desnecessária tautologia, peço vênia para transcrever o seguinte excerto (e.
), que adoto como razão de decidir, in verbis:"(...) a) 05/07/1976 a 24/06/1977 e 19/09/1977 a 27/04/1981
Nos períodos, o autor trabalhou como aprendiz junto à Indústria de Madeiras Marpi Ltda. (CTPS evento 1, PROCADM14, p. 1/2), sendo que a empresa teve a sua falência decretada (evento 1, OUT7).
Desse modo, é possível a utilização do laudo similar juntado pelo autor (evento 1, PROCADM13, p. 1/17), até por se tratar de laudo pericial realizado por similaridade justamente na empresa para a qual laborou, e dispõe sobre a função de servente, que pode ser equiparada a de aprendiz aposta na CTPS.
Do laudo extrai-se que a função do autor esteve exposta a ruído de 85,9 dB, de maneira habitual e permanente (evento 1, PROCADM13, p. 8).
Logo, é devido o reconhecimento das atividades exercidas pelo autor nesses períodos.
b) 11/05/1981 a 02/09/1981
No interregno o autor foi montador de calçados para a Sulca S.A. (CTPS evento 1, PROCADM14, p. 3), a qual se encontra baixada (evento 1, PROCADM12, p. 7/8).
Logo, é possível a aferição dos agentes nocivos por meio de laudo similar, elaborado por perito justamente para a função de montador de calçados junto à empresa em que o autor laborou (evento 1, PROCADM13, p. 18/28).
Mencionado laudo informa que a função do autor esteve exposta a hidrocarbonetos aromáticos, de maneira habitual e intermitente (evento 1, PROCADM13, p. 25).
Quanto ao agente nocivo hidrocarboneto, está previsto no Anexo I, Código 1.2.11 - Tóxicos Orgânicos - do Decreto 53.831/64 e no Anexo I, Código 1.2.10 - hidrocarbonetos e outros compostos de carbono - do Decreto 83.080/79, acrescentando que há previsão no Decreto nº 2.172/97, mantida pelo Decreto nº 3.048/99 (anexo IV, código 1.0.19 - outras substâncias químicas).
Trata-se de agente químico listado no grupo 1 da Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos - LINACH, constante na Portaria Interministerial MTE/MS/MPS 9/2014.
Nesse caso, o próprio INSS reconhece que a análise da especialidade das atividades é qualitativa, e não quantitativa, de maneira que não é razoável avaliar a existência de limite de tolerância ao agente nocivo, conforme se verifica no art. 284 da Instrução Normativa 77/2015:
Art. 284. Para caracterização de período especial por exposição ocupacional a agentes químicos e a poeiras minerais constantes do Anexo IV do RPS, a análise deverá ser realizada:
Parágrafo único. Para caracterização de períodos com exposição aos agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, listados na Portaria Interministerial n° 9 de 07 de outubro de 2014, Grupo 1 que possuem CAS e que estejam listados no Anexo IV do Decreto nº 3.048, de 1999, será adotado o critério qualitativo, não sendo considerados na avaliação os equipamentos de proteção coletiva e ou individual, uma vez que os mesmos não são suficientes para elidir a exposição a esses agentes, conforme parecer técnico da FUNDACENTRO, de 13 de julho de 2010 e alteração do § 4° do art. 68 do Decreto nº 3.048, de 1999.
Ademais, a jurisprudência desconsidera a eficácia do EPI e reconhece o exercício da atividade como especial, quando houver exposição a hidrocarbonetos aromáticos (óleos e graxas):
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. 1. Comprovado o exercício de atividade especial por mais de 25 anos, a parte autora faz jus à concessão da aposentadoria especial. 2. Conforme se pode extrair da leitura conjugada do art. 68, § 4º, do Decreto nº 3.048/99 e do art. 284, parágrafo único da IN 77/2015 do INSS, os riscos ocupacionais gerados pelos agentes cancerígenos constantes no Grupo I da LINHAC, estabelecida pela Portaria Interministerial n° 9, de 07 de outubro de 2014, não requerem a análise quantitativa de sua concentração ou intensidade máxima e mínima no ambiente de trabalho, dado que são caracterizados pela avaliação qualitativa, tampouco importando a adoção de EPI ou EPC, uma vez que os mesmos não são suficientes para elidir a exposição a esses agentes, conforme parecer técnico da FUNDACENTRO, de 13 de julho de 2010 e alteração do § 4° do art. 68 do Decreto nº 3.048, de 1999. (...) (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL 5001590-89.2017.4.04.7207, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, relator JOSÉ ANTONIO SAVARIS, em 08/08/2018).
Outrossim, por se tratar de período anterior a entrada em vigor da Lei 9.032/1995, não se exige a exposição permanente ao agente nocivo, mas apenas habitual e intermitente (PEDILEF 200451510619827, Juíza Federal Jaqueline Michels Bilhalva, TNU - Turma Nacional de Uniformização, 20.10.2008).
Logo, as atividades devem ser consideradas nocivas para fins previdenciários.
c) 25/08/1986 a 09/07/1987
No interregno, o autor foi servente no setor de serraria da Faquibrás Agro Industrial Ltda. e, segundo o formulário DSS-8030, esteve exposto a ruído (evento 1, PROCADM13, p. 43).
Todavia, no mesmo documento a empresa informou não possuir laudo pericial, motivo pelo qual o ruído não foi quantificado. O laudo extemporâneo, por sua vez, demonstra que a função de servente de serraria estava exposta a ruído de 92,57 dB (evento 21, LAUDO2, p. 10).
Assim, é devido o reconhecimento da especialidade das atividades, até porque conforme já fundamentado na sentença, a exposição habitual e permanente só é exigível a partir de 28/04/1995.
d) 01/08/1988 a 31/07/1990 e 01/02/1991 a 30/01/1993
Nos períodos o segurado trabalhou para Angelo Furtado dos Santos na função de servente, sendo que os formulários não descreveram as atividades ou exposição a agentes nocivos face a ausência de laudo técnico (evento 1, PROCADM13, p. 44 e 45).
A despeito da informação dos formulários, limitando-se a denominar a função do autor como sendo servente, sem qualquer descrição sobre o setor de trabalho ou até o ramo de atividade da empresa, é possível o enquadramento da categoria profissional do autor.
Isso porque sua CTPS, que detém presunção relativa de veracidade, dispõe que em ambos os períodos o autor exerceu a função de mecânico, sendo a espécie do estabelecimento oficina mecânica (evento 1, PROCADM14, p. 6).
A categoria profissional de mecânico, por sua vez, é equiparada à categoria dos trabalhadores industriais metalúrgicos e mecânicos, previstos no item 2.5.3 do Decreto 53.831/64 e 2.5.1 do Decreto 83.080/79, consoante sedimentada jurisprudência:
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. MECÂNICO. ENQUADRAMENTO PROFISSIONAL. MOTORISTA DE CAMINHÃO E DE ÔNIBUS. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE NOCIVA. TUTELA ESPECÍFICA. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. 1. A atividade do trabalhador empregado em atividade de mecânico pode ser considerada especial por enquadramento profissional até 28/04/1995, por equiparação aos trabalhadores de indústrias metalúrgicas e mecânicas, com base no Anexo do Decreto n° 53.831/64 (item 2.5.3) e Anexo do Decreto n° 83.080/79 (item 2.5.1), e, no período posterior, mediante comprovação da exposição a agentes nocivos nos termos previstos da legislação previdenciária. [...] (TRF4, AC 5067077-74.2019.4.04.7000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 09/03/2022)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS. RECONHECIMENTO. CONVERSÃO. MECÂNICO. COISA JULGADA. [...] A atividade do trabalhador empregado em atividade de mecânico pode ser considerada especial por enquadramento profissional até 28.4.1995, por equiparação aos trabalhadores de indústrias metalúrgicas e mecânicas, com base no Anexo do Decreto n° 53.831/64 (item 2.5.3) e Anexo do Decreto n° 83.080/79 (item 2.5.1), e, no período posterior, mediante comprovação da exposição a agentes nocivos nos termos previstos da legislação previdenciária. [...] (TRF4, AC 5050542-07.2018.4.04.7000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 22/02/2022)
Dessa forma, como mecânico, há especialidade das atividades do autor nesses períodos mediante enquadramento da categoria profissional.
e) 02/05/2001 a 31/12/2003
Nesse período o autor foi mecânico para Bressan Serviços Ltda., sendo que a empresa não dispunha de laudo técnico da época, segundo o formulário DSS-8030 (evento 1, PROCADM13, p. 46).
Entretanto, foi juntado aos autos laudo técnico contemporâneo (evento 26, LAUDO4 e LAUDO5), do qual se pode extrair que a função de mecânico estava exposta a graxa e óleo mineral durante todo o período laboral (evento 26, LAUDO5, p. 25).
Assim, ante a exposição habitual e permanente a hidrocarbonetos aromáticos, as atividades do autor nesse período devem ser consideradas especiais.
f) 18/08/2004 a 24/10/2004
Nesse período, o autor esteve em gozo de auxílio-doença previdenciário - NB 31/133.959.199-2 (evento 1, PROCADM14, p. 36).
Tal interregno encontra-se abarcado pelo período de 01/01/2004 a 30/04/2006, no qual o autor trabalhou junto à Bressan Serviços Ltda. e teve a sua especialidade reconhecida administrativamente (evento 1, PROCADM14, p. 48), porém não computada em sua integralidade, pois descontado justamente o período agora postulado, em que o autor esteve em gozo de benefício por incapacidade (evento 1, PROCADM14, p. 46).
A tese definida pelo Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, em sede de recursos repetitivos, o Tema 998, foi no seguinte sentido:
O Segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial.
Por conseguinte, em atenção a essa tese vinculante, esse período em que o autor esteve em gozo de benefício por incapacidade deve ser averbado e computado como especial para fins de aposentadoria (...)."
Em relação às razões de apelação do INSS, cumpre gizar que os agentes químicos a que sujeito o obreiro encontram-se descritos suficientemente nos laudos e formulários colacionados aos autos. Com efeito, constata-se que laudos técnicos colacionados aos autos informam devidamente a sujeição a "agentes químicos hidrocarbonetos aromáticos" presentes em cola, "thinner para limpeza e tintas", que o responsável técnico informa tratar-se de "um grupo de substâncias psicoativas quimicamente bastante diversificado" (e.
).Ademais, cumpre gizar que o Decreto nº 53.831/64, no código 1.2.11 do seu quadro anexo, expressamente, prevê como agente insalubre ensejador do direito à aposentadoria com 25 anos de serviço as operações executadas com carvão mineral e seus derivados, dentre as substâncias nocivas arrolados estão os hidrocarbonetos (item I), componentes dos óleos minerais e da graxa. Ainda, os Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99, nos seus códigos 1.0.7 dos Anexos IV, incluem nas suas listagem de agentes nocivos a utilização de óleos minerais, assim como o Anexo nº 13 da NR nº 15 do MTE descreve, expressamente, como agentes agressivos, o emprego de produtos contendo hidrocarbonetos aromáticos e a manipulação de óleos minerais.
De fato, a TNU, no julgamento do PEDILEF nº 2009.71.95.001828-0, representativo de controvérsia (Tema nº 53), ao analisar a questão pertinente a saber se a manipulação de óleos e graxas pode, em tese, configurar condição especial de trabalho para fins previdenciários, deixou assentada a tese de que a manipulação de óleos e graxas, desde que devidamente comprovado, configura atividade especial.
Por fim, necessário referir que, à vista da orientação sedimentada na Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, é possível, mesmo após a edição do Decreto n° 2.172/97, o reconhecimento da especialidade de atividade exercida com exposição a hidrocarbonetos aromáticos, conforme a ementa a seguir colacionada:
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE DESENVOLVIDA COM EXPOSIÇÃO A "HIDROCARBONETOS", APÓS A EDIÇÃO DO DECRETO Nº. 2.172, DE 05.03.1997. POSSIBILIDADE. É possível, mesmo após a edição do decreto n°. 2.172/97, o reconhecimento da especialidade de atividade exercida com exposição nociva a "hidrocarbonetos", desde que, no caso concreto, reste comprovada a exposição aos agentes descritos itens 1.0.3, 1.0.7 e 1.0.19 do Anexo IV do decreto n. 2.172/97, assim como Anexo IV do decreto n. 3.048/99 (benzeno e seus compostos tóxicos, carvão mineral e seus derivados e outras substâncias químicas, respectivamente). (IUJEF 0007944-64.2009.404.7251, Relatora Luísa Hickel Gamba, D.E. 15/12/2011).
Em relação aos agentes químicos, segundo o código 1.0.0 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, como regra geral, o que determina o direito ao benefício é a exposição do trabalhador ao agente nocivo presente no ambiente de trabalho e no processo produtivo, em nível de concentração superior aos limites de tolerância estabelecidos. Não obstante, conforme o art. 278, § 1º, inciso I, da IN INSS/PRES nº 77/15, mantida, neste item, pela subsequente IN nº 85/16, a avaliação continua sendo qualitativa no caso do benzeno (Anexo 13-A da NR-15) e dos agentes químicos previstos, simultaneamente, no Anexo IV do Decreto nº 3.048/99 e no Anexo 13 da NR-15, como é o caso dos hidrocarbonetos aromáticos.
De fato, relativamente aos agentes químicos constantes no Anexo 13 da NR-15, os riscos ocupacionais gerados não requerem a análise quantitativa de sua concentração ou intensidade máxima e mínima no ambiente de trabalho, dado que são caracterizados pela avaliação qualitativa. Ao contrário do que ocorre com alguns agentes agressivos, como, v.g., o ruído, calor, frio ou eletricidade, que exigem sujeição a determinados patamares para que reste configurada a nocividade do labor, no caso dos tóxicos orgânicos e inorgânicos, a exposição habitual, rotineira, a tais fatores insalutíferos é suficiente para tornar o trabalhador vulnerável a doenças ou acidentes (APELREEX nº 2002.70.05.008838-4, Relator Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior, Quinta Turma, D.E. 10/05/2010; EINF nº 5000295-67.2010.404.7108, Relator p/ Acórdão Desembargador Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, Terceira Seção, julgado em 11.12.2014).
Não se pode olvidar, ademais, que óleos de origem mineral são substâncias consideradas insalubres, por conterem Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos, cuja principal via de absorção é a pele, podendo causar, além de dermatites e dermatoses, câncer cutâneo.
Com efeito, o Ministério do Trabalho e Emprego editou a Portaria Interministerial nº 9, de 07 de outubro de 2014, publicando a Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos, sendo que arrolado no Grupo 1 - Agentes confirmados como carcinogênicos para humanos, encontram-se listados "óleos minerais (não tratados ou pouco tratados)".
O art. 68, § 4º, do Decreto 3048/99 traz a seguinte disposição:
Art. 68. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, considerados para fins de concessão de aposentadoria especial, consta do Anexo IV. (...) § 4º. A presença no ambiente de trabalho, com possibilidade de exposição a ser apurada na forma dos §§ 2º e 3º, de agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, listados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, será suficiente para a comprovação de efetiva exposição do trabalhador. (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
O art. 284, § único, da IN 77/2015 do INSS, por sua vez, prevê:
Art. 284. Para caracterização de período especial por exposição ocupacional a agentes químicos e a poeiras minerais constantes do Anexo IV do RPS, a análise deverá ser realizada: I - até 5 de março de 1997, véspera da publicação do Decreto nº 2.172, de 5 de março de 1997, de forma qualitativa em conformidade com o código 1.0.0 do quadro anexo ao Decretos nº 53.831, de 25 de março de 1964 ou Código 1.0.0 do Anexo I do Decreto nº 83.080, de 1979, por presunção de exposição; II - a partir de 6 de março de 1997, em conformidade com o Anexo IV do RBPS, aprovado pelo Decreto nº 2.172, de 5 de março de 1997, ou do RPS, aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 1999, dependendo do período, devendo ser avaliados conformes os Anexos 11, 12, 13 e 13-A da NR-15 do MTE; e III - a partir de 01 de janeiro de 2004 segundo as metodologias e os procedimentos adotados pelas NHO-02, NHO-03, NHO-04 e NHO-07 da FUNDACENTRO., sendo facultado à empresa a sua utilização a partir de 19 de novembro de 2003, data da publicação do Decreto nº 4.882, de 2003.
Parágrafo único. Para caracterização de períodos com exposição aos agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, listados na Portaria Interministerial n° 9 de 07 de outubro de 2014, Grupo 1 que possuem CAS e que estejam listados no Anexo IV do Decreto nº 3.048, de 1999, será adotado o critério qualitativo, não sendo considerados na avaliação os equipamentos de proteção coletiva e ou individual, uma vez que os mesmos não são suficientes para elidir a exposição a esses agentes, conforme parecer técnico da FUNDACENTRO, de 13 de julho de 2010 e alteração do § 4° do art. 68 do Decreto nº 3.048, de 1999.
Outrossim, cumpre reiterar que, quanto aos agentes químicos constantes no anexo 13 da NR-15, que os riscos ocupacionais gerados não requerem a análise quantitativa de sua concentração ou intensidade máxima e mínima no ambiente de trabalho, dado que são carcterizados pela avaliação qualitativa. Ao contrário do que ocorre com alguns agentes agressivos, como, v.g., o ruído, calor, frio ou eletricidade, que exigem sujeição a determinados patamares para que reste configurada a nocividade do labor, no caso dos tóxicos orgânicos e inorgânicos, a exposição habitual, rotineira, a tais fatores insalutíferos é suficiente para tornar o trabalhador vulnerável a doenças ou acidentes. (APELREEX 2002.70.05.008838-4, Quinta Turma, Relator Hermes Siedler da Conceição Júnior, D.E. 10/05/2010; EINF 5000295-67.2010.404.7108, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Luiz Carlos de Castro Lugon, 04/02/2015).
Ainda, conforme se pode extrair da leitura conjugada do art. 68, § 4º, do Decreto nº 3.048/99 e do art. 284, parágrafo único, da IN 77/2015 do INSS, os riscos ocupacionais gerados pelos agentes cancerígenos constantes no Grupo I da LINHAC, estabelecida pela Portaria Interministerial n° 9, de 07 de outubro de 2014, não requerem a análise quantitativa de sua concentração ou intensidade máxima e mínima no ambiente de trabalho, dado que são caracterizados pela avaliação qualitativa, tampouco importando a adoção de EPI ou EPC, uma vez que os mesmos não são suficientes para elidir a exposição a esses agentes, conforme parecer técnico da FUNDACENTRO, de 13 de julho de 2010 e alteração do § 4° do art. 68 do Decreto nº 3.048, de 1999.
Por fim, no que pertine à habitualidade e permanência na sujeição ao agente nocivo, cumpre gizar que esta Corte, ao julgar os EINF nº 0010314-72.2009.404.7200 (Relator Des. Federal Celso Kipper, Terceira Seção, D.E. 07/11/2011), decidiu que Para caracterização da especialidade não se reclama exposição às condições insalubres durante todos os momentos da prática laboral, sendo suficiente que o trabalhador, em cada dia de labor, esteja exposto a agentes nocivos em período razoável da jornada.
De fato, Os requisitos da habitualidade e da permanência devem ser entendidos como não-eventualidade e efetividade da função insalutífera, continuidade e não-interrupção da exposição ao agente nocivo. A intermitência refere-se ao exercício da atividade em local insalubre de modo descontínuo, ou seja, somente em determinadas ocasiões. Se o trabalhador desempenha diuturnamente suas funções em locais insalubres, mesmo que apenas em metade de sua jornada de trabalho, tem direito ao cômputo do tempo de serviço especial, porque estava exposto ao agente agressivo de modo constante, efetivo, habitual e permanente (TRF/4, AC nº 2000.04.01.073799-6/PR, 6ª Turma, Relator Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, DJU 09/05/2001).
Portanto, tem-se por devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora nos períodos controversos, conforme a legislação aplicável à espécie, com a integral confirmação da sentença no ponto.
Conclusão quanto ao direito da parte autora
Confirma-se a sentença, que enquadrou como tempo especial os períodos de 05/07/1976 a 24/06/1977, 19/09/1977 a 27/04/1981, 11/05/1981 a 02/09/1981, 25/08/1986 a 09/07/1987, 01/08/1988 a 31/07/1990, 01/02/1991 a 30/01/1993, 02/05/2001 a 31/12/2003 e 18/08/2004 a 24/10/2004, com a consequente averbação administrativa da especialidade.
Honorários advocatícios recursais
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do CPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do CPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Aplica-se, portanto, em razão da atuação do advogado da parte em sede de apelação, o comando do §11 do referido artigo, que determina a majoração dos honorários fixados anteriormente, pelo trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto no art. 85, parágrafos 2º a 6º e os limites estabelecidos nos parágrafos 2º e 3º desse dispositivo legal.
Confirmada a sentença no mérito, majoro a parcela da verba honorária a que condenado o INSS em primeira instância, fixada pelo juízo monocrático em 1/3 (um terço) de 10% do valor atualizado da causa, para 1/3 (um terço) de 12% do valor da causa, considerando as variáveis do do artigo 85 do CPC, § 2º, incisos I a IV do CPC.
Tutela específica
Reconhecido o direito da parte em relação ao enquadramento como tempo especial dos períodos reconhecidos em primeira instância, impõe-se a determinação para a imediata averbação de tais interregnos, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS averbar a especialidade dos períodos reconhecidos em até 45 dias, a contar da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Conclusão
Confirma-se a sentença, que enquadrou como tempo especial os períodos de 05/07/1976 a 24/06/1977, 19/09/1977 a 27/04/1981, 11/05/1981 a 02/09/1981, 25/08/1986 a 09/07/1987, 01/08/1988 a 31/07/1990, 01/02/1991 a 30/01/1993, 02/05/2001 a 31/12/2003 e 18/08/2004 a 24/10/2004, com a consequente averbação administrativa da especialidade.
Nega-se provimento ao recurso do INSS.
Determina-se a imediata averbação do enquadramento dos períodos controvertidos como tempo especial.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso do INSS e determinar a imediata averbação do enquadramento dos períodos controvertidos como tempo especial.
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Apelação Cível Nº 5002048-89.2020.4.04.7211/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: ANILDO FURTADO DOS SANTOS (AUTOR)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. averbação administrativa. agentes químicos. Óleos e graxas hidrocarbonetos aromáticos. intermitência. EPI. reconhecimento.
1. Uma vez exercida atividade enquadrável como especial, sob a égide da legislação que a ampara, o segurado adquire o direito ao reconhecimento como tal e ao acréscimo decorrente da sua conversão em tempo de serviço comum no âmbito do Regime Geral de Previdência Social.
2. Até 28/04/1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, aceitando-se qualquer meio de prova (exceto para ruído); a partir de 29/04/1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, devendo existir comprovação da sujeição a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05/03/1997 e, a partir de então, por meio de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
3. A manipulação de óleos e graxas, desde que devidamente comprovada, autoriza o enquadramento da atividade como insalubre. É possível, mesmo após o advento do Decreto n° 2.172/97, o reconhecimento da especialidade do labor exercido com exposição a hidrocarbonetos aromáticos. Precedentes.
4. Quanto aos agentes químicos descritos no anexo 13 da NR 15, é suficiente a avaliação qualitativa de risco, sem que se cogite de limite de tolerância, independentemente da época da prestação do serviço, se anterior ou posterior a 02/12/1998, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial.
5. Os óleos de origem mineral contêm Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos, cuja principal via de absorção é a pele, podendo causar câncer cutâneo, razão pela qual estão arroladas no Grupo 1 - Agentes confirmados como carcinogênicos para humanos, da Portaria Interministerial nº 9, de 07/10/2014, do Ministério do Trabalho e Emprego.
6. Ademais, tais substâncias contêm Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos, cuja principal via de absorção é a pele, podendo causar câncer cutâneo, razão pela qual estão arroladas no Grupo 1 - Agentes confirmados como carcinogênicos para humanos, da Portaria Interministerial nº 9, de 07/10/2014, do Ministério do Trabalho e Emprego, o que já basta para a comprovação da efetiva exposição do empregado, a teor do art. 68, § 4º, do Decreto 3048/99, não sendo suficientes para elidir a exposição a esses agentes a utilização de EPIs (art. 284, parágrafo único, da IN 77/2015 do INSS).
7. Conforme se pode extrair da leitura conjugada do art. 68, § 4º, do Decreto nº 3.048/99 e do art. 284, parágrafo único, da IN 77/2015 do INSS, os riscos ocupacionais gerados pelos agentes cancerígenos constantes no Grupo I da LINHAC, estabelecida pela Portaria Interministerial n° 9, de 07 de outubro de 2014, não requerem a análise quantitativa de sua concentração ou intensidade máxima e mínima no ambiente de trabalho, dado que são caracterizados pela avaliação qualitativa, tampouco importando a adoção de EPI ou EPC, uma vez que os mesmos não são suficientes para elidir a exposição a esses agentes, conforme parecer técnico da FUNDACENTRO, de 13 de julho de 2010 e alteração do § 4° do art. 68 do Decreto nº 3.048, de 1999.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso do INSS e determinar a imediata averbação do enquadramento dos períodos controvertidos como tempo especial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 08 de fevereiro de 2023.
Documento eletrônico assinado por JOÃO BATISTA LAZZARI, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003671878v3 e do código CRC a3c9b438.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 31/01/2023 A 08/02/2023
Apelação Cível Nº 5002048-89.2020.4.04.7211/SC
RELATOR: Juiz Federal JOÃO BATISTA LAZZARI
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: ANILDO FURTADO DOS SANTOS (AUTOR)
ADVOGADO(A): DARCISIO ANTONIO MULLER (OAB SC017504)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 31/01/2023, às 00:00, a 08/02/2023, às 16:00, na sequência 200, disponibilizada no DE de 19/12/2022.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS E DETERMINAR A IMEDIATA AVERBAÇÃO DO ENQUADRAMENTO DOS PERÍODOS CONTROVERTIDOS COMO TEMPO ESPECIAL.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JOÃO BATISTA LAZZARI
Votante: Juiz Federal JOÃO BATISTA LAZZARI
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 17/02/2023 04:33:48.