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PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. PADEIRO. EXPOSIÇÃO A CALOR. TRABALHADOR EM CURTUME. EXPOSIÇÃO A CROMO E UMIDADE. EMPRESAS BAIXADAS. TRF4. 5004794-68.2021.4...

Data da publicação: 29/06/2024, 11:01:29

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. PADEIRO. EXPOSIÇÃO A CALOR. TRABALHADOR EM CURTUME. EXPOSIÇÃO A CROMO E UMIDADE. EMPRESAS BAIXADAS. 1. Não há óbice à utilização de laudo de empresa similar para a demonstração das condições de trabalho em caso de empresa baixada. A demonstração da similaridade de empresa congênere, porém, é ônus da parte requerente, a quem compete comprovar o ramo de atividade, o porte das empresas, as condições ambientais e em que haja idêntica função à desempenhada pelo segurado. 2. A exposição a altas temperaturas na atividade de padeiro, comprovada por meio de laudo técnico, permite o reconhecimento de tempo especial. 3. As atividades que permitem o enquadramento por exposição a umidade são aquelas executadas em locais alagados ou encharcados, com umidade excessiva, capazes de produzir danos à saúde dos trabalhadores, serão consideradas insalubres em decorrência de laudo de inspeção realizada no local de trabalho, na forma da NR 15, aprovada pela Portaria 3.214/1978, do Ministério do Trabalho, no Anexo 10. 4. Comprovada a exposição à umidade e ao cromo nas atividades desempenhadas em curtume, possível o reconhecimento da especialidade. (TRF4, AC 5004794-68.2021.4.04.9999, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Relatora ELIANA PAGGIARIN MARINHO, juntado aos autos em 21/06/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5004794-68.2021.4.04.9999/RS

RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

APELANTE: FRANCISCO CLOTILDES FERREIRA

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto em face de sentença que julgou procedente em parte o pedido (evento 36, SENT1), nos seguintes termos:

Por tais razões, com base no art. 487, I, do CPC, julgo PROCEDENTE EM PARTE os pedidos formulados pelo autor, a fim de RECONHECER como atividades especiais, com direito à conversão em tempo comum pela aplicação do fator 1.4, os períodos de 01/06/1983 a 23/01/1984 e 01/07/1986 a 31/05/1988, na empresa José Alves da Silva; 01/02/1989 a 14/08/1989, na empresa J. F. Uchoa; e 01/02/1990 a 01/09/1994, na empresa F. Costa da Silva Padaria.

Sucumbente em maior parte, condeno a parte autora ao pagamento DE 70% das custas e dos honorários advocatícios aos procuradores do INSS no valor de 10% sobre o valor atualizado da causa, considerando o trabalho desenvolvido nos autos e o zelo profissional, na forma do art. 85, § 3º, inciso I, do CPC.

Sucumbente em menor parte, condeno a parte ré ao pagamento dos honorários advocatícios aos procuradores do autor no valor de R$1.500,00, considerando o trabalho desenvolvido nos autos e o zelo profissional, na forma do art. 85, § 3º, inciso I, do CPC.

Suspensa a exigibilidade das custas processuais e honorários em relação ao autor, pois litiga sob o pálio da gratuidade da justiça.

A parte autora recorre (evento 37, APELAÇÃO1), postulando o reconhecimento de tempo especial nos períodos de 01/10/1995 a 06/07/1998 e 22/03/1999 a 17/10/2000. Consequentemente, requer a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição mediante a reafirmação da DER para 30/09/2019 ou para o momento em que implementados os requisitos. Por fim, requer a redistribuição dos ônus de sucumbência.

Oportunizada a apresentação de contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Juízo de Admissibilidade

O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.

Mérito

Tempo de Serviço Especial

O reconhecimento da especialidade da atividade é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.

Dito isso, tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.

Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema:

a) no período de trabalho até 28/04/1995, quando vigente a Lei 3.807/1960 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei 8.213/1991, em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial, ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto quanto à exposição a ruído e calor, além do frio, em que necessária a mensuração de seus níveis, por meio de parecer técnico trazido aos autos ou simplesmente referido no formulário padrão emitido pela empresa;

b) a partir de 29/04/1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção daquelas a que se refere a Lei 5.527/1968, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13/10/1996, dia anterior à publicação da Medida Provisória 1.523, de 14/10/1996, que revogou expressamente a Lei em questão - de modo que, no interregno compreendido entre 29/04/1995 (ou 14/10/1996) e 05/03/1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei 9.032/1995 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído, calor e frio, em relação aos quais é imprescindível a perícia técnica, conforme visto acima;

c) após 06/03/1997, quando vigente o Decreto 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Lei 9.528/1997, passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.

d) a partir de 01/01/2004, passou a ser necessária a apresentação do Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, que substituiu os formulários SB-40, DSS 8030 e DIRBEN 8030, sendo este suficiente para a comprovação do tempo especial desde que devidamente preenchido com base em laudo técnico e contendo a indicação dos responsáveis técnicos legalmente habilitados, por período, pelos registros ambientais e resultados de monitoração biológica, eximindo a parte da apresentação do laudo técnico em juízo. Nesse sentido, cumpre destacar que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que, em regra, trazido aos autos o PPP, dispensável a juntada do respectivo laudo técnico ambiental, inclusive em se tratando de ruído, na medida em que o documento já é elaborado com base nos dados existentes no LTCAT. Ressalva-se, todavia, a necessidade da apresentação desse laudo quando idoneamente impugnado o conteúdo do PPP (STJ, Petição 10.262/RS, Primeira Seção, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe de 16/02/2017).

Observo, ainda, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, que devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 2ª parte), 72.771/1973 (Quadro II do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo II) até 28/04/1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 1ª parte), 72.771/1973 (Quadro I do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo I) até 05/03/1997, e, a partir de 06/03/1997, os Decretos 2.172/1997 (Anexo IV) e 3.048/1999, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto 4.882/2003. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível, também, a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP n. 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30/06/2003).

Ainda, o STJ firmou a seguinte tese no Tema 534: As normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991).

Acerca da conversão do tempo especial em comum, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial Repetitivo 1.151.363, do qual foi Relator o Ministro Jorge Mussi, pacificou o entendimento de que é possível a conversão mesmo após 28/05/1998.

Assim, considerando que o § 5.º do art. 57 da Lei 8.213/1991 não foi revogado nem expressa, nem tacitamente pela Lei 9.711/1998 e que, por disposição constitucional (art. 15 da Emenda Constitucional 20, de 15/12/1998), permanecem em vigor os artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios até que a lei complementar a que se refere o art. 201, § 1º, da Constituição Federal, seja publicada, é possível a conversão de tempo de serviço especial em comum inclusive após 28/05/1998.

Agente Nocivo Calor

Quanto ao agente calor, o Código 1.1.1 do Decreto 53.831/1964 previa que a especialidade deveria ser considerada para exposição a níveis de temperatura superiores a 28°C. O Decreto 83.080/1979, por sua vez, previa no item 1.1.1 o calor como agente nocivo apenas em se tratando de trabalhadores da indústria metalúrgica e mecânica (atividades discriminadas nos códigos 2.5.1 e 2.5.2 do Anexo II), na fabricação de vidros e cristais (atividades discriminadas no código 2.5.5 do Anexo II), bem como na alimentação de caldeiras a vapor, a carvão ou a lenha, sem referir a limites de tolerância da temperatura.

O Decreto 2.172/1997 manteve a previsão como especial para as atividades desenvolvidas sob temperaturas anormais (item 2.0.4 do Anexo IV), remetendo à NR-15, da Portaria 3.214/1978 a fixação dos limites de tolerância.

Esta, por sua vez, previa em seu Anexo 3º, o limite máximo entre 25°C, 26,7°C e 30°C para atividades com trabalho contínuo de acordo com a carga (pesada, moderada ou leve, respectivamente).

A partir da edição da Portaria SEPRT 1.359, de 09/12/2019, os critérios passam a ser estabelecidos pelo Anexo 3 da NR 09, de acordo com a taxa metabólica da atividade, conforme Quadro 2, de acordo com a forma como é desenvolvida, v.g. sentado, em pé, em movimento, com ou sem carga. Os limites de exposição ocupacional do trabalhador, assim, variam de 24,7°C [IBUTG] para atividades com taxa metabólica de 606 M[W], para trabalhos pesados, até 33,7°C [IBUTG] para atividades leves, com taxa metabólica até 100 M[W] – trabalho sentado em repouso.

Vale ressaltar que o enquadramento pela exposição ao calor somente é possível quando decorrente de fontes artificiais, não se justificando pela mera exposição solar.

Agente Nocivo Umidade

A umidade era considerada agente nocivo durante a vigência do Decreto 53.831/1964 (códigos 1.1.3 do quadro anexo). No entanto, mesmo que os atos normativos infralegais posteriores não prevejam o enquadramento da atividade como especial, se for constatado o efetivo prejuízo à saúde do trabalhador, é possível o reconhecimento da especialidade do labor desempenhado.

Conforme o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça em recurso repetitivo, à luz da interpretação sistemática, as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro (REsp 1.306.113 - Tema 534).

Nesse sentido, aliás, já dispunha a Súmula 198 do extinto TFR: Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em Regulamento.

A Norma Regulamentadora 15, aprovada pela Portaria 3.214/1978, do Ministério do Trabalho, no Anexo 10, prevê a insalubridade das atividades ou operações executadas em locais alagados ou encharcados, com umidade excessiva, capazes de produzir danos à saúde dos trabalhadores, serão consideradas insalubres em decorrência de laudo de inspeção realizada no local de trabalho.

Dessa forma, é possível o reconhecimento da especialidade em razão da exposição à umidade, ainda que o trabalho tenha sido prestado após a vigência dos Decretos 2.173/1997 e 3.048/1999. A matéria já foi apreciada por este Tribunal:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS. RUÍDO. FRIO. UMIDADE. EPI. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS IMPLEMENTADOS. CONCESSÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. 1. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições nocivas são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente exercidos, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. 2. Até 28-04-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, admitindo-se qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor); a partir de 29-04-1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, sendo necessária a comprovação da exposição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05-03-1997 e, a partir de então, através de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. 3. A exposição aos agentes nocivos frio e umidade excessiva, cuja insalubridade veio atestada por meio de laudo pericial judicial, enseja o reconhecimento da especialidade das atividades, com fundamento na Súmula n.º 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos. (...) (TRF4, APELREEX 0019290-03.2015.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, D.E. 31/07/2018)

PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. FRIO. PERICULOSIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. . Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral por ele exercida. . O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições nocivas são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente exercidos, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. . Comprovado o exercício de atividade em área de risco (Anexo 2 da NR 16) com a consequente exposição do segurado a agente perigoso - periculosidade decorrente da exposição a substâncias inflamáveis - deve ser reconhecido o respectivo tempo de serviço como especial, dado o risco de explosão desses produtos. . A exposição a frio, com temperaturas inferiores a 12ºC, enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial. A permanência, em relação ao agente físico frio, deve ser considerada em razão da constante entrada e saída do empregado da câmara fria durante a jornada de trabalho e não como a permanência do segurado na câmara frigorífica, não sendo razoável exigir que a atividade seja desempenhada integralmente em temperaturas abaixo de 12ºC. . Correção monetária desde cada vencimento, pelo IPCA-E. Juros de mora conforme o art. 5º da Lei 11.960, que deu nova redação ao art.1º-F da Lei c, sem capitalização. . Determinada a imediata implantação do benefício. (TRF4, AC 5011357-77.2014.4.04.7104, QUINTA TURMA, Relatora LUCIANE MERLIN CLÈVE KRAVETZ, juntado aos autos em 02/08/2018)

Do Caso Concreto

Os pontos controvertidos nos presentes autos dizem respeito ao reconhecimento da especialidade nos intervalos de:

a) 01/10/1995 a 06/07/1998

Empresa: F. Costa da Silva Padaria

Cargo: padeiro

O autor comprova o encerramento das atividades da empresa (evento 1, PROCADM7, p. 36) e requer a utilização de prova por similaridade, apresentando os seguintes laudos técnicos:

- Laudo técnico da empresa Herzer & Johann Ltda., elaborado em 2005, que evidencia a exposição a ruídos inferiores a 80 dB(A), bem como a calor, intermitente, de 31,6ºC, sendo considerado o limite de tolerância de 30ºC ​(evento 1, PROCADM7, p. 37).

- Laudo técnico da empresa Padaria Nova Prata, elaborado em 2012, em que foi constatada a temperatura a que exposto o padeiro de 30,3ºC, sendo considerado o limite de tolerância de 26,7ºC ​(evento 1, LAUDO8).

- Laudo pericial elaborado, em 2012, no processo 5001249.60.2012.404.7103, junto à Vara Federal de Uruguaiana, que aponta ruído de 81 dB(A) e a temperatura de 32ºC, para o limite de tolerância de 26,7ºC (evento 1, LAUDO9).

A sentença deixou de reconhecer a especialidade em razão de que os laudos periciais foram elaborados no ano de 2012, período muito distante do período de atividade exercida pelo segurado.

Contudo, a atividade de padeiro guarda grandes semelhanças em relação à forma como executada nos dias atuais e há 10 ou 20 anos, não se evidenciando alterações que possam descaracterizar as condições laborais.

Cumpre referir que a extemporaneidade do laudo técnico em relação ao período cuja especialidade o segurado pretende ver reconhecida não impede o enquadramento da atividade como especial, conforme se depreende do seguinte aresto:

PREVIDENCIÁRIO. REEXAME NECESSÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. EC 20/98. ATIVIDADE ESPECIAL. CONVERSÃO. LEI N. 9.711/98. DECRETO N. 3.048/99. LAUDO CONTEMPORÂNEO. DESNECESSIDADE. PERÍCIA POR SIMILARIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. HONORÁRIOS PERICIAIS. OMISSÃO SUPRIDA. MARCO INICIAL DO BENEFÍCIO.

(...) 5. O fato de o laudo pericial não ser contemporâneo ao exercício das atividades laborativas não é óbice ao reconhecimento do tempo de serviço especial, visto que, se em data posterior ao labor despendido, foi constatada a presença de agentes nocivos, mesmo com as inovações tecnológicas e de medicina e segurança do trabalho que advieram com o passar do tempo, reputa-se que, à época do labor, a agressão dos agentes era igual, ou até maior, dada a escassez de recursos materiais existentes para atenuar sua nocividade e a evolução dos equipamentos utilizados no desempenho das tarefas. 6 a 12. Omissis. (TRF4, AC n.º 2003.04.01057335-6, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E de 02/05/2007).

Assim, ainda que o laudo técnico tenha sido elaborado após a efetiva prestação dos serviços, não havendo prova de alteração do layout da empresa ou, como no caso, na forma como executados os serviços, não há óbice à sua utilização como prova da especialidade das atividades, uma vez que não há razão para se deduzir que as agressões ao trabalhador fossem menores ou inexistissem em época anterior, até porque a evolução tecnológica e de segurança do trabalho tendem a causar a redução e não o aumento da nocividade com o passar dos anos.

Assim, deve ser dado provimento ao recurso para reconhecer o período como tempo especial.

b) 22/03/1999 a 17/10/2000

Empresa: Estância dos Couros Importação e Exportação Ltda.

Cargo: serviços gerais

Em consulta ao site da Receita Federal, evidencia-se o encerramento das atividades da empresa.

O autor apresenta DSS8030 emitido em 18/06/2002 pela massa falida (​evento 1, PROCADM7​, p. 28) segundo o qual o autor laborava na secagem do couro por meio de molissas, em várias secagens, em varais, secagem natural e secagem vácuo a vapor. O formulário informa a exposição a ruído e calor não quantificados, bem como a umidade, referindo a operação em local alagado ou encharcado.

Foram juntados aos autos, ainda:

- Laudo técnico elaborado em 1989, com informações idênticas às do formulário, referindo a presença de ruído de 87 dB(A) na molissa (​evento 1, PROCADM7​​​​​​​​, p. 42/43)​​​​​​​​.

- Laudo similar da empresa Bonato Couros S.A., elaborado em 2012, segundo o qual, no setor de secagem, há exposição a ruído de 85 a 93 dB(A) e vibrações decorrentes do uso da molissa. Esta, porém, não quantificada. Refere, ainda, o contato com agentes químicos agregados ao processo do couro (evento 1, LAUDO13).

- Laudo pericial elaborado em 2017 no processo 5006837- 91.2016.4.04.7108, junto à 2ª Vara da Justiça Federal de Novo Hamburgo/RS, em que avaliada a empresa AMCM Leather Company, que evidencia a exposição a cromo e anilina, além de ruído de 88,4 dB(A) (evento 23, LAUDO3).

- Laudo técnico da empresa Arthur Lange S.A. Ind. e Com., sem data, que aponta o nível de ruído de 94 dB(A) na molissa (evento 23, LAUDO4).

- Laudo pericial elaborado em 2019, no processo 5015925-22.2017.4.04.7108 da 1ª Vara Federal de Novo Hamburgo/RS, em que avaliada a empresa Beneficiamento de Couros Eireli, que evidencia a presença de ruído de 86,8 dB(A), bem como a exposição a cromo e umidade ​​​​​​​(​​​​​​​evento 29, LAUDO2).

No que tange ao agente nocivo ruído, não se mostra possível a utilização de prova por similaridade diante da existência de laudo técnico da própria empregadora, devendo prevalecer a aferição constante do laudo, ainda que extemporâneo, que aponta nível inferior ao limite de tolerância de 90 dB(A) vigente à época da prestação do labor.

No entanto, diante da omissão do formulário e laudo técnico quanto ao contato com o agente químico cromo, inerente à atividade de curtimento do couro, possível a utilização de prova por similaridade, diante do encerramento das atividades da empresa.

Assim, deve ser reconhecida a especialidade da atividade pela exposição à umidade e ao cromo.

Requisitos para Aposentadoria

O INSS apurou, na DER, 28 anos, 7 meses e 17 dias de tempo de contribuição.

Considerando o tempo especial reconhecido nestes autos, tem-se que o autor implementa 33 anos, 5 meses e 12 dias de contribuição, não fazendo jus ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.

CONTAGEM DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO

TEMPO DE SERVIÇO COMUM (com conversões)

Data de Nascimento13/03/1960
SexoMasculino
DER06/03/2018

- Tempo já reconhecido pelo INSS:

Marco TemporalTempoCarência
Até a DER (06/03/2018)28 anos, 7 meses e 17 dias351 carências

- Períodos acrescidos:

Nome / AnotaçõesInícioFimFatorTempoCarência
1-01/06/198323/01/19840.40
Especial
0 anos, 7 meses e 23 dias
+ 0 anos, 4 meses e 19 dias
= 0 anos, 3 meses e 4 dias
8
2-01/07/198631/05/19880.40
Especial
1 anos, 11 meses e 0 dias
+ 1 anos, 1 meses e 24 dias
= 0 anos, 9 meses e 6 dias
23
3-01/02/198914/08/19890.40
Especial
0 anos, 6 meses e 14 dias
+ 0 anos, 3 meses e 26 dias
= 0 anos, 2 meses e 18 dias
7
4-01/02/199001/09/19940.40
Especial
4 anos, 7 meses e 1 dias
+ 2 anos, 9 meses e 0 dias
= 1 anos, 10 meses e 1 dias
56
5-01/10/199506/07/19980.40
Especial
2 anos, 9 meses e 6 dias
+ 1 anos, 7 meses e 27 dias
= 1 anos, 1 meses e 9 dias
34
6-22/03/199917/10/20000.40
Especial
1 anos, 6 meses e 26 dias
+ 0 anos, 11 meses e 9 dias
= 0 anos, 7 meses e 17 dias
20

Marco TemporalTempo de contribuiçãoCarênciaIdadePontos (Lei 13.183/2015)
Até a DER (06/03/2018)33 anos, 5 meses e 12 dias49957 anos, 11 meses e 23 dias91.4306

Não obstante, tendo em vista que a parte autora manteve-se em atividade após o requerimento administrativo, faz jus à reafirmação da DER para a 30/09/2019, como postulado.

Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão sobre a matéria, em 23/10/2019, no julgamento do Tema 995, entendendo ser possível requerer a reafirmação da DER até segunda instância, com a consideração das contribuições vertidas após o início da ação judicial até o momento em que o segurado houver implementado os requisitos para o benefício postulado.

Além disso, fixou que somente são devidos juros “[se] o INSS não efetivar a implantação do benefício, primeira obrigação oriunda de sua condenação, no prazo razoável de até quarenta e cinco dias [...] Nessa hipótese deve haver a fixação dos juros, a serem embutidos no requisitório”. Nesse sentido: TRF4, EI 5018054-77.2010.4.04.7000, Terceira Seção, Relatora Des. Fed. Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 26/11/2020.

Em síntese:

a) reafirmação da DER durante o processo administrativo: efeitos financeiros a partir da implementação dos requisitos e os juros de mora a partir da citação;

b) implementação dos requisitos entre o final do processo administrativo e o ajuizamento da ação: efeitos financeiros a partir da propositura da demanda e juros de mora a partir da citação;

c) implementados os requisitos após o ajuizamento da ação: efeitos financeiros a partir da implementação dos requisitos; juros de mora apenas se o INSS não implantar o benefício no prazo de 45 dias da intimação da respectiva decisão, contados a partir desse termo final.

Destaco, por fim, que na reafirmação da DER deve o INSS observar, além da implantação dos requisitos, a possibilidade de concessão da aposentadoria sem a incidência do fator previdenciário.

Considerando a conhecida divergência entre a tabela judicial e a da autarquia (ano comercial x ano civil), fica desde logo autorizado o ajuste da DER reafirmada na implantação do benefício, se necessário, para até 30 (trinta) dias antes ou depois da data fixada.

Correção Monetária e Juros

A atualização monetária das parcelas vencidas deve observar o INPC no que se refere ao período compreendido entre 11/08/2006 e 08/12/2021, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02/03/2018), inalterado após a conclusão do julgamento, pelo Plenário do STF, de todos os EDs opostos ao RE 870.947 (Tema 810 da repercussão geral), pois rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.

Quanto aos juros de mora, entre 29/06/2009 e 08/12/2021, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice oficial aplicado à caderneta de poupança, por força da Lei 11.960/2009, que alterou o art. 1º-F da Lei 9.494/97, conforme decidido pelo Pretório Excelso no RE 870.947 (Tema STF 810).

A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, impõe-se a observância do art. 3º da Emenda Constitucional 113/2021, segundo o qual, "nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente".

Honorários Advocatícios

Diante do fato de que o benefício foi concedido mediante reafirmação da DER, entendo se tratar da hipótese de sucumbência recíproca entre as partes.

Desse modo, condeno o INSS ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data do presente julgamento, a teor das Súmulas 111 do STJ e 76 desta Corte, conforme tese firmada pelo STJ no julgamento do Tema 1.105.

Condeno também a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, suspensa a exigibilidade em razão do benefício da gratuidade de justiça.

Assinalo ainda que, sendo caso de sentença prolatada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, é vedada a compensação, a teor do disposto no art. 85, §14.

​​​​​​​Da Tutela Específica

A tutela de urgência foi deferida para determinar ao INSS que efetue a averbação dos períodos de atividade especial reconhecidos na sentença (evento 52, DESPADEC1), sendo cumprida em 28/07/2022 ​​​​​​​(evento 65, COMP1).

De outro lado, o autor obteve, na via administrativa, a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição em 15/09/2022 (evento 72, CNIS1).

Registro que, caso a parte autora tenha utilizado os períodos reconhecidos nestes autos para concessão de benefício diretamente no âmbito administrativo, tal fato implicará a impossibilidade de execução das parcelas vencidas do benefício concedido na presente demanda.

Prequestionamento

No que concerne ao prequestionamento, tendo sido a matéria analisada, não há qualquer óbice, ao menos por esse ângulo, à interposição de recursos aos tribunais superiores.

Conclusão

- Dar provimento ao recurso da parte autora para reconhecer como tempo especial o período de 01/10/1995 a 06/07/1998 e 22/03/1999 a 17/10/2000.

- Condenar o INSS a conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição mediante a reafirmação da DER para 30/09/2019, observada a concessão de idêntico benefício na via administrativa, conforme tópico referente à tutela específica.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação do autor.



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    5004794-68.2021.4.04.9999
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    Poder Judiciário
    TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

    Apelação Cível Nº 5004794-68.2021.4.04.9999/RS

    RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

    APELANTE: FRANCISCO CLOTILDES FERREIRA

    APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

    EMENTA

    previdenciário. tempo especial. padeiro. exposição a calor. trabalhador em curtume. exposição a cromo e umidade. empresas baixadas.

    1. Não há óbice à utilização de laudo de empresa similar para a demonstração das condições de trabalho em caso de empresa baixada. A demonstração da similaridade de empresa congênere, porém, é ônus da parte requerente, a quem compete comprovar o ramo de atividade, o porte das empresas, as condições ambientais e em que haja idêntica função à desempenhada pelo segurado.

    2. A exposição a altas temperaturas na atividade de padeiro, comprovada por meio de laudo técnico, permite o reconhecimento de tempo especial.

    3. As atividades que permitem o enquadramento por exposição a umidade são aquelas executadas em locais alagados ou encharcados, com umidade excessiva, capazes de produzir danos à saúde dos trabalhadores, serão consideradas insalubres em decorrência de laudo de inspeção realizada no local de trabalho, na forma da NR 15, aprovada pela Portaria 3.214/1978, do Ministério do Trabalho, no Anexo 10.

    4. Comprovada a exposição à umidade e ao cromo nas atividades desempenhadas em curtume, possível o reconhecimento da especialidade.

    ACÓRDÃO

    Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação do autor, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

    Florianópolis, 20 de junho de 2024.



    Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004441673v4 e do código CRC c59f1022.Informações adicionais da assinatura:
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    Data e Hora: 20/6/2024, às 21:1:43


    5004794-68.2021.4.04.9999
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    Poder Judiciário
    Tribunal Regional Federal da 4ª Região

    EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 13/06/2024 A 20/06/2024

    Apelação Cível Nº 5004794-68.2021.4.04.9999/RS

    RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

    PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

    PROCURADOR(A): MARCELO VEIGA BECKHAUSEN

    APELANTE: FRANCISCO CLOTILDES FERREIRA

    ADVOGADO(A): IARA SOLANGE DA SILVA SCHNEIDER (OAB RS026135)

    APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

    Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/06/2024, às 00:00, a 20/06/2024, às 16:00, na sequência 853, disponibilizada no DE de 04/06/2024.

    Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

    A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR.

    RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

    Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

    Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

    Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

    LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA

    Secretária



    Conferência de autenticidade emitida em 29/06/2024 08:01:29.

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