Apelação Cível Nº 5006154-50.2017.4.04.7001/PR
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
APELANTE: RUBENS FERREIRA DIAS (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto em face da sentença que julgou procedente em parte o pedido (
), nos seguintes termos:Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora, com resolução do mérito nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para:
a) reconhecer a atividade rural exercida no período de 05/10/1976 a 30/07/1980;
b) reconhecer a atividade especial exercida nos períodos de 02/03/1981 a 26/07/1983, 02/02/1984 a 05/02/1986, 08/09/1988 a 15/08/1991, 03/05/1993 a 30/09/1993, 02/06/1997 a 02/12/1998 e 02/10/2014 a 15/08/2015, considerando-se, para tanto, o fator de conversão 1,4;
c) condenar o INSS a conceder à parte autora, retroativamente à data do requerimento administrativo (14/10/2015), o benefício de aposentadoria integral por tempo de contribuição (regra permanente do art. 201, § 7º, da CF/88), cujo cálculo deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/99, com a incidência do fator previdenciário, uma vez que a pontuação totalizada é inferior a 95 pontos (Lei 8.213/91, art. 29-C, inc. I, incluído pela Lei 13.183/2015);
d) condenar o INSS a pagar as prestações vencidas e vincendas desde a data de início do benefício (DIB), com a incidência de juros e correção monetária de acordo com a fundamentação.
A parte autora recorre (
), postulando o reconhecimento de tempo rural de 02/03/1974 a 04/10/1976 e dos períodos laborados em condições especiais de 03/12/1998 a 18/03/2000 e 08/04/2000 a 12/03/2002, com a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição integral ou proporcional desde a DER em 14/10/2015. Por fim, postula a fixação dos honorários advocatícios em 20% sobre o valor das parcelas vencidas.Oportunizada a apresentação de contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de Admissibilidade
O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.
Mérito
1) Tempo de Serviço Rural
A parte autora, nascida em 02/03/1962, postula o reconhecimento de tempo rural de 02/03/1974 a 04/10/1976.
A sentença limitou o cômputo do trabalho rural ao período posterior a 05/10/1976, data a partir de quando foram apresentados guias de encaminhamento a serviços de saúde em nome do pai do autor, qualificando-o como trabalhador rural (
, p. 26 e 32).Em relação ao período controvertido, a parte autora apresentou os seguintes documentos:
a) Ficha de inscrição no Sindicato dos Trabalhadores na Lavoura de Londrina, em nome do pai do autor, com admissão em 1969, que o qualifica como diarista, trabalhando na Fazendinha Lindoia, de propriedade de Francisco Shiguero, em Água das Abóboras, Londrina;
b) Recibo de entrega da declaração de rendimentos do ano-base 1974, em nome do pai do autor, informando residência no município de Ibiporã;
c) Recibo de pagamento da mensalidade do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Londrina, datado de 1975.
Como regra geral, a comprovação do tempo de atividade rural para fins previdenciários exige, pelo menos, início de prova material (documental), complementado por prova testemunhal idônea (art. 55, § 3º, da Lei 8.213/1991; Recurso Especial Repetitivo 1.133.863/RN, Rel. Des. convocado Celso Limongi, 3ª Seção, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
A jurisprudência a respeito da matéria encontra-se pacificada, retratada na Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, que possui o seguinte enunciado: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de benefício previdenciário.
A relação de documentos referida no art. 106 da Lei 8.213/1991 é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural no período controvertido, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar, em conformidade com o teor da Súmula n.º 73 deste Tribunal Regional Federal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental." (DJU, Seção 2, de 02/02/2006, p. 524).
O início de prova material, de outro lado, não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental (STJ, AgRg no REsp 1.217.944/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 25/10/2011, DJe 11/11/2011; TRF4, EINF 0016396-93.2011.4.04.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).
No mesmo sentido, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Portanto, deve ser acolhido o recurso para reconhecer como tempo rural também o período de 02/03/1974 a 04/10/1976. Com efeito, os registros escritos acima elencados, associados àqueles que já levaram ao reconhecimento do período imediatamente posterior pela sentença, são suficientes para suprir o início de prova material reclamado em lei.
2) Tempo de Serviço Especial
O reconhecimento da especialidade da atividade é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
Dito isso, tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema:
a) no período de trabalho até 28/04/1995, quando vigente a Lei 3.807/1960 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei 8.213/1991, em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial, ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto quanto à exposição a ruído e calor, além do frio, em que necessária a mensuração de seus níveis, por meio de parecer técnico trazido aos autos ou simplesmente referido no formulário padrão emitido pela empresa;
b) a partir de 29/04/1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção daquelas a que se refere a Lei 5.527/1968, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13/10/1996, dia anterior à publicação da Medida Provisória 1.523, de 14/10/1996, que revogou expressamente a Lei em questão - de modo que, no interregno compreendido entre 29/04/1995 (ou 14/10/1996) e 05/03/1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei 9.032/1995 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído, calor e frio, em relação aos quais é imprescindível a perícia técnica, conforme visto acima;
c) após 06/03/1997, quando vigente o Decreto 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Lei 9.528/1997, passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
d) a partir de 01/01/2004, passou a ser necessária a apresentação do Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, que substituiu os formulários SB-40, DSS 8030 e DIRBEN 8030, sendo este suficiente para a comprovação do tempo especial desde que devidamente preenchido com base em laudo técnico e contendo a indicação dos responsáveis técnicos legalmente habilitados, por período, pelos registros ambientais e resultados de monitoração biológica, eximindo a parte da apresentação do laudo técnico em juízo. Nesse sentido, cumpre destacar que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que, em regra, trazido aos autos o PPP, dispensável a juntada do respectivo laudo técnico ambiental, inclusive em se tratando de ruído, na medida em que o documento já é elaborado com base nos dados existentes no LTCAT. Ressalva-se, todavia, a necessidade da apresentação desse laudo quando idoneamente impugnado o conteúdo do PPP (STJ, Petição 10.262/RS, Primeira Seção, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe de 16/02/2017).
Observo, ainda, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, que devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 2ª parte), 72.771/1973 (Quadro II do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo II) até 28/04/1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 1ª parte), 72.771/1973 (Quadro I do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo I) até 05/03/1997, e, a partir de 06/03/1997, os Decretos 2.172/1997 (Anexo IV) e 3.048/1999, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto 4.882/2003. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível, também, a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP n. 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30/06/2003).
Ainda, o STJ firmou a seguinte tese no Tema 534: As normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991).
Acerca da conversão do tempo especial em comum, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial Repetitivo 1.151.363, do qual foi Relator o Ministro Jorge Mussi, pacificou o entendimento de que é possível a conversão mesmo após 28/05/1998.
Assim, considerando que o § 5.º do art. 57 da Lei 8.213/1991 não foi revogado nem expressa, nem tacitamente pela Lei 9.711/1998 e que, por disposição constitucional (art. 15 da Emenda Constitucional 20, de 15/12/1998), permanecem em vigor os artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios até que a lei complementar a que se refere o art. 201, § 1º, da Constituição Federal, seja publicada, é possível a conversão de tempo de serviço especial em comum inclusive após 28/05/1998.
Fumos Metálicos
Os fumos metálicos eram previstos como agentes nocivos até 05/03/1997 pelo Decreto 53.831/1964 (Anexo, item 1.2.9 - "poeiras, gases, vapores, neblinas e fumos de outros metais") e no Decreto 80.030/1979 [Anexo, item 1.2.11 - (solda elétrica e a oxiacetilênico)].
Registro que os Decretos 2.172/1997 e 3.048/1999 não preveem o agente agressivo derivado fumos metálicos. Não obstante, a jurisprudência deste Tribunal tem entendimento pacificado acerca da possibilidade de enquadramento pela exposição a fumos metálicos sem limite temporal.
Assim, a exposição aos fumos metálicos sem a utilização de proteção adequada enseja o reconhecimento da especialidade do tempo de serviço, conforme a jurisprudência desta Corte, na medida em que os gases e vapores dos agentes químicos desprendidos no processo de soldagem são causadores em potencial de diversas doenças profissionais nos trabalhadores, podendo penetrar no organismo tanto pela via respiratória quanto pelo contato com a pele, ou ainda podem ser absorvidos pelo organismo por ingestão.
Já se decidiu nesta Corte que a exposição do trabalhador aos agentes tóxicos advindos da exposição a fumos de metais e gases de solda, bem como a radiações não ionizantes, caracteriza o exercício de atividade especial:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS. TEMPO DE SERVIÇO MILITAR. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS RUÍDO, FUMOS METÁLICOS E RADIAÇÕES NÃO-IONIZANTES. EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. LAUDO POR SIMILARIDADE. PERCEPÇÃO DE BENEFÍCIO CONCEDIDO ADMINISTRATIVAMENTE NO CURSO DA AÇÃO, MAIS VANTAJOSO, E EXECUÇÃO DAS PARCELAS ATRASADAS DO BENEFÍCIO DEFERIDO EM JUÍZO. POSSIBILIDADE. (...) A exposição a fumos metálicos (ferro, manganês, cádmio, zinco, chumbo e alumínio) e a radiações não-ionizantes do arco elétrico de soldagem enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial. Súmula 198 do extinto TFR. 9. Os equipamentos de proteção individual não são suficientes, por si só, para descaracterizar a especialidade da atividade desempenhada pelo segurado, devendo cada caso ser apreciado em suas particularidades. 10. Admite-se a prova técnica por similaridade (aferição indireta das circunstâncias de labor) quando impossível a realização de perícia no próprio ambiente de trabalho do segurado. Precedentes da Terceira Seção desta Corte. 11. Comprovado o tempo de serviço/contribuição suficiente e implementada a carência mínima, é devida a aposentadoria por tempo de contribuição integral, computado o tempo de serviço até a DER, a contar da data do requerimento administrativo, nos termos do art. 54 c/c art. 49, II, da Lei n. 8.213/91.12. Se, no curso da ação previdenciária, o INSS vem a conceder, administrativamente, a aposentadoria à parte autora, esta pode optar, ou não, pela sua manutenção, sem prejuízo da execução dos valores devidos em razão do benefício deferido judicialmente, no tocante às parcelas anteriores à concessão administrativa. (TRF4, APELREEX 5001757-62.2010.404.7107, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 27/09/2013)
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. DESCABIMENTO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS. RUÍDO. RADIAÇÕES NÃO IONIZANTES. RECONHECIDAMENTE CANCERÍGENOS. UTILIZAÇÃO DE LAUDO SIMILAR. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS. CONCESSÃO. CONSECTÁRIOS. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. [...] 3. É possível o reconhecimento da especialidade em decorrência exposição aos agentes agressivos radiações não ionizantes e a fumos metálicos provenientes do processo de soldagem (Códigos 1.2.9 e 2.5.3 do Decreto 53.831/64 e 1.2.11 e 2.5.3 do Decreto 83.080/79). 4. Comprovada a exposição do segurado a um dos agentes nocivos elencados como reconhecidamente cancerígenos no Anexo da Portaria Interministerial nº 09, de 07/10/2014, deve ser reconhecida a especialidade do respectivo período, sendo irrelevante o uso de EPI ou EPC. Nesse sentido: Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (Seção) nº 5054341-77.2016.4.04.0000/SC, Relator para o acórdão Des. Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE, maioria, juntado aos autos em 11/12/2017). [...] (TRF4, AC 5004557-53.2016.4.04.7107, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 28/06/2019)
Agente Nocivo Ruído
Em se tratando de agente nocivo ruído, indispensável a existência de laudo técnico pericial para comprovar a exposição permanente e habitual ao agente agressivo, acima do limite permitido, a fim de caracterizar a atividade como especial.
O código 1.1.6 do Decreto 53.831/1964 previa que a especialidade deveria ser considerada para exposição a níveis de ruído superiores a 80 dB(A). Com a edição do Decreto 2.172, de 06 de março de 1997, esse índice foi alterado para 90 dB(A) - código 2.0.1. Ainda, após 18/11/2003, o limite foi fixado em 85 dB(A), conforme dispõe o Decreto 4.882/2003.
De outro lado, ainda que a partir da Lei 9.732/1998 seja obrigatória a informação pelo empregador acerca da utilização de tecnologia de proteção individual ou coletiva para diminuição/eliminação dos agentes nocivos presentes no ambiente de trabalho, com base em laudo técnico (art. 58, §2º, da LBPS), quanto ao agente agressivo ruído o uso de EPI, ainda que elimine a insalubridade, não descaracteriza o tempo de serviço especial.
Registro que o Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida nos autos do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 664.335, em que foi relator o Min. Luiz Fux, cuja ata de julgamento foi publicada no DJE de 17/12/2014, definiu que o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial.
O Tribunal assentou, ainda, a tese de que, na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.
Com relação à variação do nível de ruído a que foi submetido o segurado, houve julgamento do acórdão paradigma do Tema 1.083 do STJ em 18/11/2021, com publicação em 25/11/2021, em que restou fixada a seguinte tese:
O reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido por meio do Nível de Exposição Normalizado (NEN). Ausente essa informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço.
Portanto, não é mais aplicável a média ponderada ou aritmética. Necessária apresentação de laudo técnico com indicação do nível equivalente de ruído e, em caso de ausência, há possibilidade de utilização do pico.
Quanto ao método de aferição do agente nocivo ruído, esta Corte Regional tem posicionamento segundo o qual a utilização de metodologia diversa da prevista na NHO-01 da FUNDACENTRO não inviabiliza o reconhecimento da especialidade, bastando que a exposição esteja embasada em estudo técnico realizado por profissional habilitado para tanto (AC 5015224-47.2015.4.04.7200, Turma Regional Suplementar de SC, Relator Paulo Afonso Brum Vaz, em 19/09/2019; AC 5001695-25.2019.4.04.7101, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, em 06/08/2020; AC 5003527-77.2017.4.04.7129, Quinta Turma, Relatora Gisele Lemke, em 08/07/2020).
Do Caso Concreto
A parte autora postula o reconhecimento de tempo especial nos períodos de 03/12/1998 a 18/03/2000 e 08/04/2000 a 12/03/2002, em que laborou junto à empresa Resilondri Indústria e Comércio de Aparelhos Eletrotérmicos Ltda.- ME, na função de soldador.
O PPP apresentado informa a exposição a ruído e calor, não quantificados, sem indicação de responsável técnico pelos registros ambientais (
, p. 39).O PPRA de 2008 (
) informa, quanto ao setor de soldagem, a presença de ruído de 78 dB(A), bem como calor (não quantificado), fumos metálicos.A sentença assim decide:
Tais documentos demonstram que também esteve exposto a fumos metálicos, especificados no PPRA como resultante de vapores de óxidos dos metais utilizados, tais como cobre, cádmio, manganês, níquel e zinco, além de gases como o acetileno ou gás MAPP, misturados ao oxigênio, constantes nos maçaricos a gás profissionais. Ademais, nos processos MIG/MAG, TIG e Eletro revestido, expôs-se a radiação ultravioleta e infravermelho. Assim, a princípio, restaria caracterizada a especialidade.
(...)
Ocorre que os mesmos documentos registram a utilização de EPI eficaz, acerca do que não houve impugnação mediante demonstração fundamentada pela parte autora, de maneira que, após 03/12/1998, tem-se o afastamento da nocividade (Súmula nº 87 da TNU).
No que diz respeito aos EPIs, o PPP silencia. O laudo técnico, por outro lado, refere o fornecimento de máscara de solda, luva de raspa de couro, protetor auricular e avental de raspa, porém não informa os respectivos Certificados de Aprovação, considerando a atividade insalubre (
).Portanto, comprovada a exposição a fumos metálicos sem a devida proteção, deve ser reconhecida a especialidade da atividade.
Requisitos para Aposentadoria
O INSS computou 31 anos e 7 meses de contribuição.
Na sentença, foram reconhecidos 39 anos, 5 meses e 16 dias de contribuição, bem como o direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde a DER, com a incidência do fator previdenciário.
Considerando o tempo rural e especial ora reconhecidos, totaliza o autor 43 anos, 4 meses e 4 dias de contribuição, fazendo jus ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde a DER.
CONTAGEM DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO
TEMPO DE SERVIÇO COMUM
Data de Nascimento | 02/03/1962 |
---|---|
Sexo | Masculino |
DER | 14/10/2015 |
- Tempo já reconhecido pelo INSS:
Marco Temporal | Tempo | Carência |
Até a DER (14/10/2015) | 39 anos, 5 meses e 16 dias | 180 carências |
- Períodos acrescidos:
Nº | Nome / Anotações | Início | Fim | Fator | Tempo | Carência |
1 | (Rural - segurado especial) | 02/03/1974 | 04/10/1976 | 1.00 | 2 anos, 7 meses e 3 dias | 0 |
2 | - | 03/12/1998 | 18/03/2000 | 0.40 Especial | 1 anos, 3 meses e 16 dias + 0 anos, 9 meses e 9 dias = 0 anos, 6 meses e 7 dias | 16 |
3 | - | 08/04/2000 | 12/03/2002 | 0.40 Especial | 1 anos, 11 meses e 5 dias + 1 anos, 1 meses e 27 dias = 0 anos, 9 meses e 8 dias | 24 |
Marco Temporal | Tempo de contribuição | Carência | Idade | Pontos (Lei 13.183/2015) |
Até a DER (14/10/2015) | 43 anos, 4 meses e 4 dias | 220 | 53 anos, 7 meses e 12 dias | 96.9611 |
O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/1999, garantido o direito a não incidência do fator previdenciário, caso mais vantajoso, uma vez que a pontuação totalizada é superior a 95 pontos e o tempo mínimo de contribuição foi observado (Lei 8.213/1991, art. 29-C, inc. I, incluído pela Lei 13.183/2015).
Correção Monetária e Juros
A atualização monetária das parcelas vencidas deve observar o INPC no que se refere ao período compreendido entre 11/08/2006 e 08/12/2021, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02/03/2018), inalterado após a conclusão do julgamento, pelo Plenário do STF, de todos os EDs opostos ao RE 870.947 (Tema 810 da repercussão geral), pois rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Quanto aos juros de mora, entre 29/06/2009 e 08/12/2021, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice oficial aplicado à caderneta de poupança, por força da Lei 11.960/2009, que alterou o art. 1º-F da Lei 9.494/97, conforme decidido pelo Pretório Excelso no RE 870.947 (Tema STF 810).
A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, impõe-se a observância do art. 3º da Emenda Constitucional 113/2021, segundo o qual, "nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente".
Honorários Advocatícios
Não há majoração dos honorários (§ 11 do art. 85 do CPC), pois ela só ocorre se o recurso for integralmente desprovido (Tema STJ 1.059).
No mais, considerando a natureza previdenciária da causa, bem como a existência de parcelas vencidas, e tendo presente que o valor da condenação não excederá 200 salários mínimos, não há razão para a fixação dos honorários de sucumbência no percentual máximo de cada uma das faixas de valor no § 3° do artigo 85, devendo ser rejeitado o recurso do autor, no ponto.
Da Tutela Específica
Deixo de determinar a imediata implantação do benefício, vez que deferido idêntico benefício na via administrativa (NB 42/204.284.506-4, DIB 19/05/2022), sendo necessária a apuração pelo INSS do melhor benefício, devendo a parte autora optar por aquele que considerar mais vantajoso.
Considerando que o ajuizamento da ação se deu antes dessa data, em 03/05/2017, incide, no caso, a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 1018, cujo trânsito em julgado ocorreu em 16/09/2022, em que foi firmada a seguinte tese:
O Segurado tem direito de opção pelo benefício mais vantajoso concedido administrativamente, no curso de ação judicial em que se reconheceu benefício menos vantajoso. Em cumprimento de sentença, o segurado possui o direito à manutenção do benefício previdenciário concedido administrativamente no curso da ação judicial e, concomitantemente, à execução das parcelas do benefício reconhecido na via judicial, limitadas à data de implantação daquele conferido na via administrativa.
Destaco que não se trata de desaposentação, mas de mera opção por benefício mais vantajoso, concedido na esfera administrativa durante o trâmite do processo judicial.
Prequestionamento
No que concerne ao prequestionamento, tendo sido a matéria analisada, não há qualquer óbice, ao menos por esse ângulo, à interposição de recursos aos tribunais superiores.
Conclusão
- Dar provimento ao recurso da parte autora para reconhecer como tempo rural o período de 02/03/1974 a 04/10/1976, e como tempo especial os intervalos de 03/12/1998 a 18/03/2000 e 08/04/2000 a 12/03/2002.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora.
Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004493508v5 e do código CRC 86ac6c85.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5006154-50.2017.4.04.7001/PR
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
APELANTE: RUBENS FERREIRA DIAS (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
previdenciário. tempo rural. início de prova material. tempo especial. fumos metálicos. epi.
1. Como regra geral, a comprovação do tempo de atividade rural para fins previdenciários exige, pelo menos, início de prova material (documental), complementado por prova testemunhal idônea. O início de prova material não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental.
2. De acordo com a Súmula 577 do Superior Tribunal de Justiça é possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.
3. A exposição a fumos metálicos sem a utilização de proteção adequada enseja o reconhecimento da especialidade do tempo de serviço, conforme a jurisprudência desta Corte, na medida em que os gases e vapores dos agentes químicos desprendidos no processo de soldagem/fundição são causadores em potencial de diversas doenças profissionais nos trabalhadores, podendo penetrar no organismo tanto pela via respiratória quanto pelo contato com a pele, ou ainda podem ser absorvidos pelo organismo por ingestão.
4. A neutralização da nocividade pelo fornecimento de EPIs somente é reconhecida quando informado o respectivo CA - Certificado de Aprovação - pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social, por meio de laudo técnico ccomprovando sua eficácia.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 28 de junho de 2024.
Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004493588v3 e do código CRC 3625dba7.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 21/06/2024 A 28/06/2024
Apelação Cível Nº 5006154-50.2017.4.04.7001/PR
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): SERGIO CRUZ ARENHART
APELANTE: RUBENS FERREIRA DIAS (AUTOR)
ADVOGADO(A): MARLY APARECIDA PEREIRA FAGUNDES (OAB PR016716)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 21/06/2024, às 00:00, a 28/06/2024, às 16:00, na sequência 774, disponibilizada no DE de 12/06/2024.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
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