
Apelação Cível Nº 5010930-81.2021.4.04.9999/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou procedentes os pedidos, nos seguintes termos (
):Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES, com resolução do mérito (art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil), os pedidos formulados por C. A. em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, e, em consequência, reconheço o período de labor rural exercido entre 10/12/1979 a 31/03/1986, o qual deve ser averbado pelo INSS.
Condeno a autarquia previdenciária, ainda, ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados em R$1.500,00, nos termos do art. 85, §§3º e 8º, do Código de Processo Civil. A Fazenda Pública e as respectivas autarquias e fundações são isentas das custas processuais, consoante art. 7º, I, da Lei Estadual n. 17.654/2018.
O INSS apela. Aduz, em síntese, que a sentença em análise "merece reforma eis que o pai é empregador urbano, dono de olaria, não estando, assim, configurado o regime de economia familiar". Por fim, requer a reforma da sentença e a improcedência dos pedidos (
).Oportunizada a apresentação de contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
A parte autora apresentou proposta de conciliação (
), rechaçada pelo INSS ( ).É o relatório.
VOTO
Juízo de Admissibilidade
O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.
Mérito
Do Tempo de Serviço Rural
Acerca do reconhecimento de tempo de serviço rural, o art. 55, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991, com a redação dada pela Lei 13.846/2019, exige a apresentação de início de prova material (documental):
Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
[...]
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
A jurisprudência a respeito da matéria encontra-se pacificada, retratada na Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, que possui o seguinte enunciado: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de benefício previdenciário.
O reconhecimento do tempo de serviço rural exercido em regime de economia familiar aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da Lei 8.213/1991 (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU 10/11/2003).
A relação de documentos referida no art. 106 da Lei 8.213/1991 para comprovação do tempo rural é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural no período controvertido, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar, em conformidade com o teor da Súmula n.º 73 deste Tribunal Regional Federal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental." (DJU, Seção 2, de 02/02/2006, p. 524).
Ainda sobre a extensão do início de prova material em nome de membro do mesmo grupo familiar, “o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar”, mas, “em exceção à regra geral (...) a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana” (Temas nº 532 e 533, respectivamente, do Superior Tribunal de Justiça, de 19/12/2012).
O início de prova material, de outro lado, não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental (STJ, AgRg no REsp 1.217.944/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 25/10/2011, DJe 11/11/2011; TRF4, EINF 0016396-93.2011.4.04.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).
No mesmo sentido, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
De ressaltar que a ausência de notas fiscais de comercialização de gêneros agrícolas não impede o reconhecimento de atividade rural como segurado especial, não apenas porque a exigência de comercialização dos produtos não consta da legislação de regência, mas também porque, num sistema de produção voltado para a subsistência, é normal que a venda de eventuais excedentes aconteça de maneira informal (TRF4, 3ª Seção, EIAC 199804010247674, DJU 28/01/2004, p. 220).
Do Caso Concreto
O ponto controvertido cinge-se ao reconhecimento do tempo rural no intervalo de 10/12/1979 (12 anos de idade) a 31/03/1986, anterior ao primeiro vínculo de emprego do autor, entre 01/04/1986 e 01/07/1986, na Olaria Casemiro Ambrósio, no cargo de servente de oleiro (
, p.29).O INSS alega que o pai do autor, Casemiro Ambrósio, foi segurado urbano no período controvertido, já que era dono de uma olaria desde 27/07/1976, o que descaracteriza o labor rural em regime de economia familiar, conforme documento juntado aos autos (
, p.52).Vale registrar que na ação 50141138920234049999 houve o reconhecimento do tempo rural no período de 10/12/1975 (8 anos de idade) a 10/12/1979 (12 anos), conforme averbado no CNIS do autor (
).Para comprovar o exercício de atividade rural, a parte autora apresentou documentos, dentre os quais cito:
a) Declaração de Exercício de Atividade Rural emitida pelo STR – constando que o autor laborou na agricultura, em regime de economia familiar, entre 29/03/1976 e 31/03/1986, nas terras de propriedade de seu pai, Casemiro, na localidade de Boa Vista, interior de Anita Garibaldi/SC (
, pp.8/9);b) Declaração do Trabalhador Rural – constando que o autor trabalhou de 10/12//1979 a 31/03/1986, na propriedade da família, na modalidade parceiro, plantando milho, feijão e verduras em geral para o consumo (
, pp.10/11);c) Declaração emitida pela Cooperativa Regional Agropecuária de Campos Novos – Coopercampos, declarando que o pai do autor fez parte do quadro Associativo de 24/11/1974 a 28/07/1995 (
, p. 14);d) Certidão de Inteiro Teor comprovando que em 12/09/1975, o pai do autor adquiriu um pequeno imóvel rural, com área de 11,9 hectares, na qual o comprador está qualificado como agricultor (
, p.15);e) Ficha de Matrícula em nome do autor, segundo a qual estudou na Escola Pe. Antônio Vieira entre os anos de 1977 e 1981, e na qual o seu pai está qualificado como lavrador; Histórico Escolar indicando que o autor, entre os anos de 1975 e 1976, estudou na Escola Olaria dos Ambrósios (
, pp.17/18; 21/23).Ouvidas em juízo, as testemunhas declararam, em relação à renda do pai do autor, que a Olaria Ambrósio funcionava apenas por 3, 4 meses por ano, somente no verão. A olaria era pequena. A principal fonte de renda da família era a agricultura (
).O fato de o pai do autor possuir labor urbano desde 27/07/1976 (
, p.52), por si só, não descarateriza os demais integrantes como segurados especiais.A respeito, decidiu o Superior Tribunal de Justiça no Julgamento do Tema 532 (REsp 1304479/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012):
O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
A contrario sensu, demonstrada a dispensabilidade do trabalho rural para o sustento da família, não é possível reconhecer a condição de segurado especial - categoria que é legalmente dispensada do recolhimento das contribuições previdenciárias para a concessão de benefícios, em face das dificuldades inerentes à vida do pequeno produtor rural.
Nesse sentido, é válido o parâmetro traçado pelo Desembargador Federal Celso Kipper, na fundamentação do voto que proferiu na AC 5008361-74.2012.404.7202, onde expõe estar consagrada na jurisprudência desta Casa que são aceitáveis, a título de remuneração percebida por integrante do grupo familiar do segurado especial, sem descaracterizar tal condição, valores equivalentes ou próximos a dois salários-mínimos, in verbis:
(a) reconhece-se a atividade agrícola desempenhada na condição de segurado especial quando os rendimentos do cônjuge não retiram a indispensabilidade daquela para a subsistência da família (normalmente rendimentos que não superem o valor de dois salários mínimos): Apelação Cível Nº 0007819-29.2011.404.9999, 6ª Turma, Des. Federal Celso Kipper, por unanimidade, sessão de 14-09-2011, D.E. 26-09-2011; Apelação Cível Nº 0006403-26.2011.404.9999, 6ª Turma, Juíza Federal Eliana Paggiarin Marinho, por unanimidade, sessão de 10-08-2011, D.E. 22-08-2011; AC 0000314-84.2011.404.9999, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, sessão de 08-06-2011, D.E. 16-06-2011; AC 0014562-55.2011.404.9999, Sexta Turma, Relator Luís Alberto D"azevedo Aurvalle, sessão de 09-11-2011, D.E. 21-11-2011; TRF4, AC 0008495-11.2010.404.9999, Quinta Turma, Relator Rogerio Favreto, sessão de 12-07-2011, D.E. 21/07/2011 (6ª T, julgado em 21/05/2014).
Em consulta ao extrato previdenciário do genitor do autor, observa-se que não há registro de remuneração até o ano de 1984. A partir de 01/01/1985, consta que auferia renda inferior a dois salários-mínimos (
):O mesmo segue ocorrendo após sua aposentadoria, uma vez que recebe aposentadoria por tempo de contribuição (NB 049.356.465-9, DER 01/06/1993) em valor correspodente a um salário-mínimo (
).Na hipótese, o conjunto probatório não permite concluir pela dispensabilidade da atividade rural do autor para sustento da família, considerando que não houve a superação do critério objetivo de rendimentos superiores ao correspondente a dois salários-mínimos.
Do mesmo modo, colhe-se dos depoimentos prestados em juízo, sob o crivo do contraditório, que a olaria de propriedade do pai do autor funcionava apenas no verão, corroborando a conclusão de atividade predominantemente rural para sustento do grupo familiar.
Assim, não merece acolhimento a pretensão recursal ora analisada.
Honorários Sucumbenciais
Considerando a manutenção da sentença de primeiro grau e tendo em conta o disposto no § 11 do art. 85 do CPC, majoro a verba honorária para R$ 1.800,00 (um mil e oitocentos reais).
Prequestionamento
No que concerne ao pedido de prequestionamento, observe-se que, tendo sido a matéria analisada, não há qualquer óbice, ao menos por esse ângulo, à interposição de recursos aos tribunais superiores.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5010930-81.2021.4.04.9999/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO RURAL. recolhimentos do genitor como empresário/empregador. RENDa INFERIOR A DOIS SALÁRIOS-MÍNIMOS. INDISPENSABILIDADE DO TRABALHO RURAL PARA O SUSTENTO FAMILIAR.
1. Como regra geral, a comprovação do tempo de atividade rural para fins previdenciários exige, ao menos, início de prova material/documental, complementado por prova testemunhal idônea.
2. O início de prova material não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental.
3. Hipótese em que o conjunto probatório autoriza o reconhecimento do tempo rural. A atividade urbana exercida pelo genitor não descaracteriza a condição de segurado especial, uma vez que não houve a percepção de renda superior a dois salários-mínimos no período controvertido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 26 de setembro de 2024.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 18/09/2024 A 26/09/2024
Apelação Cível Nº 5010930-81.2021.4.04.9999/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): DANIELE CARDOSO ESCOBAR
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 18/09/2024, às 00:00, a 26/09/2024, às 16:00, na sequência 895, disponibilizada no DE de 09/09/2024.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
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