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PREVIDENCIÁRIO. TEMPO RURAL. SEGURADA ESPECIAL. LAVOURA MECANIZADA. ATIVIDADE URBANA DO ESPOSO. RENDA SUPERIOR A DOIS SALÁRIOS-MÍNIMOS. DESCARACTERIZAÇÃO. ...

Data da publicação: 06/07/2024, 07:01:12

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. TEMPO RURAL. SEGURADA ESPECIAL. LAVOURA MECANIZADA. ATIVIDADE URBANA DO ESPOSO. RENDA SUPERIOR A DOIS SALÁRIOS-MÍNIMOS. DESCARACTERIZAÇÃO. 1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas. 2. A caracterização do regime de economia familiar exige produção rural em volume condizente com a capacidade produtiva do grupo familiar, que não engloba aqueles agricultores que produzem numa escala comercial/industrial. Fatores como a contratação de empregados, a utilização de maquinário agrícola e a comercialização em grande escala são elementos que podem indicar uma produção incompatível com o regime de economia familiar. 3. Hipótese em que, além do conjunto probatório indicar produção rural mecanizada e incompatível com agricultura de subsistência, o esposo da parte autora sempre exerceu atividade urbana, com remuneração superior a dois salários-mínimos, inviabilizando o reconhecimento da qualidade de segurada especial e a concessão de benefício previdenciário. (TRF4, AC 5002019-97.2019.4.04.7009, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Relatora ELIANA PAGGIARIN MARINHO, juntado aos autos em 28/06/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002019-97.2019.4.04.7009/PR

RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

APELANTE: ISOLDE SCHOVANZ SCHENKNECHT (AUTOR)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta em face de sentença de improcedência de pedido de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento de atividade rural entre 06/09/1980 e 31/12/2000 (evento 53, SENT1).

Recorre a parte autora sustentando ter apresentado início de prova material do exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, no período de 06/09/1980 a 31/12/2000, corroborada pela prova testemunhal produzida na justificação administrativa. Afirma que sempre exerceu atividade rural, inicialmente com os pais, mantendo o labor depois de seu casamento em 1990. Refere que no ano de 1984, em face ao agravamento do estado de saúde do genitor, falecido em 1985, os imóveis da família foram divididos entre os irmãos, cabendo a cada um 25 ha de terra. Menciona que o exercício de atividade urbana pelo marido não afasta a qualidade de segurada especial, uma vez que a atividade rural sempre foi indispensável para a manutenção familiar. Por fim, alega que não havia empregados e que a área cultivada era inferior 4 módulos fiscais. Pede a concessão de aposentadoria por idade rural, ante a possibilidade de períodos descontínuos de trabalho e, subsidiariamente, a averbação do tempo rural reconheciodo (​evento 61, APELAÇÃO1​).

Oportunizada a apresentação de contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Juízo de Admissibilidade

O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.

Do Tempo de Serviço Rural

Acerca do reconhecimento de tempo de serviço rural, o art. 55, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991, com a redação dada pela Lei 13.846/2019, exige a apresentação de início de prova material (documental):

Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:

[...]

§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.

§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento.

A jurisprudência a respeito da matéria encontra-se pacificada, retratada na Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, que possui o seguinte enunciado: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de benefício previdenciário.

O reconhecimento do tempo de serviço rural exercido em regime de economia familiar aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da Lei 8.213/1991 (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU 10/11/2003).

A relação de documentos referida no art. 106 da Lei 8.213/1991 para comprovação do tempo rural é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural no período controvertido, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar, em conformidade com o teor da Súmula n.º 73 deste Tribunal Regional Federal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental." (DJU, Seção 2, de 02/02/2006, p. 524).

Ainda sobre a extensão do início de prova material em nome de membro do mesmo grupo familiar, “o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar”, mas, “em exceção à regra geral (...) a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana” (Temas nº 532 e 533, respectivamente, do Superior Tribunal de Justiça, de 19/12/2012).

O início de prova material, de outro lado, não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental (STJ, AgRg no REsp 1.217.944/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 25/10/2011, DJe 11/11/2011; TRF4, EINF 0016396-93.2011.4.04.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).

No mesmo sentido, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".

Do Caso Concreto

O ponto controvertido cinge-se ao reconhecimento do exercício de atividade rural pela autora, nascida em 06/09/1068, no período de 06/09/1980 a 31/12/2000, para fins de concessão de benefício previdenciário.

A sentença não reconheceu o labor rural alegado, pelas seguintes razões (evento 53, SENT1):

Na espécie, visando atender aos reclames de prova material, foram apresentados os seguintes documentos relevantes:

(1) 1978 a 2002 - Cadastramento de imóvel rural junto ao INCRA em nome dos pais da autora (evento 1, PROCADM9, p. 22).

(2) 1984 - Escritura de venda de imóvel rural do pai da autora, qualificado como agricultor, feita a seus filhos (evento 1, PROCADM9, p. 34-43).

(3) 1985 - Certidão de óbito do pai da autora, em que consta a profissão de lavrador, e a residência em Gamelinhas, em Tenente Portela (evento 1, PROCADM9, p. 21).

(4) 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 1992, 1994, 1995, 1998 - Notas fiscais de produtor rural em nome da mãe da autora (milho, soja e trigo) (evento 1, PROCADM9, p. 48, 51, 53, 55, 57, 59, 63, 65, 67 e 73).

(5) 1990 - Certidão de casamento da autora, em que foi qualificada como do lar, e o seu marido como pastor (evento 1, PROCADM9, p. 6).

(6) 1990 a 2000 - Declaração de atividade rural do Sindicato dos Trabalhadores na Agricultura Familiar de Tenente Portela (evento 1, PROCADM9, p. 18-20).

(7) 1992, 1993, 1994, 1995, 1996 - Comprovante de pagamento de ITR em nome da autora (evento 1, PROCADM9, p. 24-27).

(8) 1992, 1998 e 2001 - Declaração de ITR referente a imóvel rural em nome da autora (evento 1, PROCADM9, p. 29, 31 e 33).

(9) 1992 e 1994 - Certidões de nascimento dos filhos da autora, em que foi qualificada como do lar, e o seu marido como pastor (evento 48, CERTNASC2).

(10) 1993 a 2010 - Conta corrente da mãe da autora junto a ECOTRIJUI Cooperativa Agropecuária & Industrial, que indicia a entrega de produção agrícola (soja, milho e trigo) (evento 47, OUT4).

(11) 1996, 1999, 2000 - Notas fiscais de produtor rural em nome da autora e de seu marido (soja) (evento 1, PROCADM9, p. 69, 75 e 77).

(12) 1997 - Notas fiscais de compras de sementes feita pela autora e seu marido (evento 1, PROCADM9, p. 70-71).

(13) 2000 - Registro de imóvel rural localizado em Gamelinhas em nome da autora e de seu marido (evento 1, PROCADM9, p. 23-24).

Da documentação coligida, afere-se a existência de início de prova material para o período em apreço, pois há documentos que evidenciam a vocação rurícola da família desde 1984, havendo prova documental que demonstra a permanência na atividade ao longo dos anos em nome da mãe da autora e, a princípio, da autora.

Oportuno ressaltar que a legislação previdenciária não exige início de prova material para cada ano que se pretende ver reconhecido como desenvolvido em atividade rural, entendimento este majoritário na jurisprudência pátria (Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais no julgamento processo nº 2006.72.95.003668-4, sob relatoria do Juiz Federal Derivaldo de Figueiredo Bezerra Filho, em outubro de 2009).

Somados aos documentos referidos, constam do conjunto probatório o depoimento pessoal da autora e os testemunhos colhidos em audiência de instrução e julgamento (evento 44).

Em seu depoimento pessoal, a autora relatou que começou a trabalhar com os pais com dez ou doze anos. Os seus pais tinham terras, em torno de 100 hectares, em Gamelinhas. Utilizavam uma parte, porque havia mata e pedreiras. Usavam 50 hectares. Tem dois irmãos e duas irmãs, e todos trabalhavam na lavoura. Plantavam mandioca, batatinha, arroz, feijão, milho e um pouco de soja. Tinham vacas de leite, umas três, e porcos para consumo. A produção era mais para consumo, o pouco que sobrava era vendida, em comércio do interior. Por ano colhiam 50 sacos de soja. Não usavam maquinário no plantio da soja, não tinham nenhum equipamento. O seu pai não tinha empregados. Antes do pai falecer, em 1985, ele fez a partilha. Só a família dava conta dos cinquenta hectares. Às vezes pediam ajuda a algum vizinho ou parente, principalmente na colheita, trocando dias. Reinoldo Hart eram um dos compradores. Normalmente levavam de carroça. Estudou em escola rural, que ficava a quinhentos metros, onde estudou até o quatro ano. Depois estudou na cidade, que dava sete quilômetros, e ía através de transporte da prefeitura. Neste período estudava à tarde, saía 12:30 e chegava às 17:30. No período da manhã, ajudava em casa, a fazer almoço, colhia batatinha, arrancava mandioca, cuidavam das vacas e das galinhas. Na lavoura trabalhava o pai e os filhos. Todos trabalhavam, arrancavam mato, carpiam e passavam arado. Estudou o ensino fundamental e médio na cidade, mas continuou morando no sítio. No ensino médio estudou à noite. É professora, se formou como docente depois de casada. Conheceu o esposo com vinte anos. Casou três anos depois. A propriedade que ficou para a declarante era cultivada antes de se casar. Depois da divisão, trabalhavam juntos. Depois de constituírem família, passaram a morar e plantar nos terrenos próprios e cuidar de cada parte. Trabalharam uns dois anos junto com a mãe, depois trabalharam sozinhos. Entre 1985 e 1990 permaneceu morando com a mãe. A lavoura era junto com a mãe. Foi a segunda a sair de casa. Construiu uma outra casa no seu terreno, próximo da mãe. O esposo é pastor, desde que se casaram. No final de semana ele praticava cultos. Continuaram morando no mesmo local. Mas ele possuía renda, ou um pouco de salário, que não dava para se manter, necessitavam produzir. Depois de casados passaram a fazer lavoura juntos, somente os dois. Produziam dez hectares. Plantavam feijão, arroz, mandioca, batata-doce e batatinha. Produziam anualmente vinte sacos de milho e cinco de feijão. O restante produzido era pouco. Não plantavam soja. Teve filhos no campo, que não chegaram a trabalhar na lavoura. Neste período em que trabalhou com o marido vendiam um pouco do milho e do feijão, em comércio do anterior. Pegaram notas em nome próprio. Decidiram vir ao Paraná em fevereiro de 2000. O seu marido recebeu uma proposta melhor aqui na região como pastor. A propriedade continua lá. Os irmãos produzem na propriedade. Arrendou para eles. Recebe uns trinta sacos de soja por ano. Havia cerealistas na região, tipo uma venda. A família na época de colheita trocava serviços com vizinhos ou parentes.

A primeira testemunha, Valdemar Breuning, relatou que conhece a autora desde que ela era criança. Morava distante quinhentos metros. A região se chamava Gamelinhas. A sua família tinha propriedade rural. A família da autora também. As terras deles tinham 100 hectares. Eles usavam 20 a 25 hectares. Eles plantavam milho, soja, trigo, mandioca e feijão. Só plantavam para o consumo. A produção dependia do tempo. O pai da autora nunca teve empregado. Os filhos ajudavam a tocar os vinte e cinco alqueires. O pai da autora teve cinco filhos, e todos trabalhavam. Só a família conseguia plantar os 25 alqueires. No começo eles não tinham maquinários. Depois eles adquiriram um trator e uma colheitadeira. O pai da autora ainda estava vivo quando eles foram adquiridos. A produção principal era soja. Vendiam para a cooperativa chamada Agrícola Ijuí. Depois de se casar a autora foi para outro lugar, não lembra para onde. Ela se mudou. Conheceu o marido da autora, não lembra se ele era pastor. Parece que ele estava fazendo estágio na ocasião, depois ele chegou a ser pastor. As mudanças de moradia foram pelo fato de o marido da autora ser pastor. Eles trabalharam juntos na lavoura depois do casamento, presenciou porque era vizinho. Depois do casamento os irmãos que plantavam. Eles é que mais produziam. Depois do casamento não recorda se a autora e marido trabalharam na lavoura.

A segunda testemunha, Sadi Breuning, relatou que era vizinho da autora, morava distante dois quilômetros. A propriedade de seu pai tinha 50 hectares, a da autora tinha 100 hectares. Eles produziam, não em toda ela, porque era dobrado, mas aproveitavam 60 a 70% da área. Eles cultivavam o necessário para a subsistência e alguma coisa de soja e milho. Eles plantavam de 30 a 40% de soja e o restante de milho, e tudo o que mais necessitavam, como mandioca e batata. Não lembra para quem vendiam. A soja era vendida para a Cooperativa de Ijuí. O milho e feijão também era vendido para a mesma cooperativa. Eles são em cinco irmãos. Toda a família trabalhava. O pai da autora não contratava ninguém. Só a família dava conta da produção. Muito cedo eles conseguiram comprar maquinário, como trator e automotriz para fazer a colheita. Não era uma colheita feita manualmente, não dependia de contratar pessoas. O que se fazia muito era troca de serviço com vizinhos. Conheceu o marido da autora, chamado Ildo. Recorda que quando se casaram, na época ela morava com a mãe e trabalhava na lavoura. Depois do casamento ela continuou na lavoura até sair de lá em 2000. Depois do casamento ela continuou morando com a mãe, não fez outra casa. O marido ajudava na lavoura, mas era pastor, não lembra se ele tinha remuneração. Não tem conhecimento se eles mudaram na região. Em 2000 o marido assumiu uma paróquia como pastor no Paraná. As terras da autora são plantadas pelos irmãos, não tem certeza. Depois de casar, não sabe se a autora tinha um acordo com os irmãos para eles plantarem. Todos trabalhavam juntos, a colheitadeira era muito cara, por isso era usada por todos. Tinha comércio como a Brauske, que comprava produtos na região.

A terceira testemunha, Noedi Duncke, relatou que conhece a autora porque foram vizinhos, em Gamelinhas, em Tenente Portela. Tem uma propriedade na região. A da sua família na época tinha 36 hectares. A da autora tinha 100 hectares. Eles produziam em 60%. Produziam soja, milho e trigo e alguma coisa para consumo próprio como mandioca, arroz e feijão. Produziam soja em 40% da área plantada. A sobra era vendida. A CoopIjuí comprava na época.. Comercial Brauske também comprava. Não lembra do pai da autora ter empregado, acha que não, nem diaristas. Eles tinham maquinários na época, como trator e colheitadeira também. O que não conseguia fazer com máquina era feito manualmente. Não sabe a quantidade de milho e trigo produzidos. A autora estudou, não sabe até que idade, ou mesmo o horário. Ela se casou nos anos noventa. Ela continuou morando perto do pais, na mesma casa. Depois do casamento eles continuaram na lavoura. O marido da autora não tinha outra atividade. Ele era pastor, não sabe se era formado na época. Mesmo como pastor ele trabalhava na lavoura. Depois do casamento eles ficaram na região até 2000. Eles foram para o Paraná. Os filhos nasceram na região. A sobrevivência vinha apenas da lavoura no início, depois do casamento.

Analisando-se o teor dos depoimentos, denota-se que a prova oral foi harmônica principalmente quanto ao desempenho de atividade rural pela autora juntamente com os seus pais, em terras próprias, na região de Gamelinhas, no Rio Grande do Sul. Depois do casamento já não houve unanimidade, especialmente pela incerteza da testemunha Valdemar Breuning.

[...]

Analisando-se os elementos dos autos, percebe-se que a autora, a despeito de comprovar que se tratava de agricultora, não comprovou que trabalhava em regime de economia familiar, a ponto de justificar a sua filiação ao RGPS independentemente de qualquer contribuição previdenciária.

Destaque-se o porte e as caraterísticas das atividades rurais que eram desenvolvidas pela autora ou por sua família, que se afastam dos caracteres de segurado especial.

Segundo a autora, eram usados 50 hectares da propriedade, e havia o cultivo de soja.

A própria autora na entrevista rural relatou que a área era ainda maior, de 150 hectares (evento, PROCADM9, p. 86), o que está condizente com o cadastro de imóvel rural junto ao INCRA em nome da mãe da autora (evento, PROCADM9, p. 22).

Conforme duas das testemunhas a produção também era ainda maior, cerca de 60 a 70% da área, sendo de 30 a 40% de soja.

As três testemunhas admitiram que a produção era negociada com cooperativa e com o comércio local, não apenas a soja, mas também o milho e o feijão, sendo possível inferir que sobrava para a comercialização.

De fato, conta corrente da mãe da autora junto à cooperativa evidencia a entrega de produção agrícola - soja, milho e trigo (evento 47, OUT4).

Com efeito, a dimensão do imóvel, aliada à área plantada, as espécies de culturas cultivadas, inclusive típica de safra de inverno, e a destinação da produção, demonstram a exploração de considerável capital, conduzindo à conclusão de que a atividade econômica explorada rendia a família certo lucro, mais do que o necessário tão-somente à subsistência do grupo familiar.

Dessa forma, o regime de exploração da terra empregado pela família da autora não pode ser reconhecido como um regime de economia familiar, pois revela verdadeiro elemento de empresa rural, característica específica dos produtores rurais.

Tanto se afastam da característica do regime de economia familiar, que a lavoura era toda mecanizada, através de maquinários como trator e colheitadeira, adquiridos desde cedo pelo pai da autora, segundo disse a testemunha Sadi Breuning.

Sobre isso, a testemunha Valdemar Breuning relatou que o trator e colheitadeira foram adquiridos quando o pai da autora ainda estava vivo, sendo que este morreu no ano de 1985.

A testemunha Noedi Duncke também confirmou que eles tinham maquinários na época, como trator e colheitadeira.

Logo, as testemunhas relataram a existência de maquinário, não só trator, mas também de colheitadeira, se não antes do período controvertido, contemporaneamente ou muito próximo de seu início.

Algumas espécies de culturas realmente exigiam uma lavoura mecanizada.

Desse modo, as características da exploração rural pela família da autora retiram qualquer tentativa de caracterizar o regime como de economia familiar. ​

A autora defende que continuou exercendo a lavoura juntamente com seu marido depois de casada, no terreno que foi partilhado por seu pai, ainda vivo, de 25 hectares, em que cultivariam 10 hectares.

Nenhum documento qualifica a autora ou o seu marido como agricultores, ao contrário, os identificam como do lar e como pastor.

A autora, aliás, não nega a profissão de seu marido desde que se casaram, nem a renda urbana, evidenciada nos recolhimentos previdenciários como autônomo desde 1988 (evento 26, CNIS1).

Não se ignora e existência, entre as notas fiscais legíveis, de documentos de produtor agrícola em nome da autora e de seu marido, de 1996, 1999 e 2000 (evento 1, PROCADM9, p. 69, 75 e 77).

Ocorre que estas notas são de soja, revelando a continuidade da lavoura mecanizada, mesmo que em uma área menor, que não é uma cultura típica da agricultura de subsistência.

De todo modo, o relato da testemunha Noedi Duncke é gerador de dúvida e de incerteza, na medida em que afirma não recordar do trabalho na lavoura pela autora e pelo seu marido depois do casamento, que era feito mais pelos irmãos da autora.

Assim, pela falta de caracterização de segurado especial ou do regime de economia familiar, seja juntamente com os pais, ou com o seu marido, não deve ser reconhecida a atividade rural da postulante como segurada especial no período de 06/09/1980 e 31/12/2000.

A sentença merece ser confirmada por seus próprios fundamentos.

​Para comprovar o exercício de atividade rural, a parte autora apresentou os documentos relacionados na sentença (evento 1, PROCADM9, p. 6, 18-27, 29, 31, 33-43, 48, 51, 53, 55, 57, 59, 63, 65, 67, 69-71, 73, 75, 77, evento 47, OUT4 e evento 48, CERTNASC2).​

A caracterização do regime de economia familiar exige produção rural em volume condizente com a capacidade produtiva do grupo familiar, que não engloba aqueles agricultores que produzem numa escala comercial/industrial. Fatores como a contratação de empregados, a utilização de maquinário agrícola e a comercialização em grande escala são elementos que podem indicar uma produção incompatível com o regime de economia familiar.

No caso, a atividade rural era exercida em terreno extenso e destinado a culturas mecanizadas, como soja, trigo e milho. Na entrevista rural a autora confirmou a utilização de trator, carreta e demais implementos, bem como se tratar de terreno rural de grande proporção ​​​​​​​(evento 1, PROCADM9, p. 86).

As notas fiscais de venda da producação rural e o extrato de associado da Cooperativa Agropecuária & Industrial, em nome da mãe (evento 47, OUT4), confirmam inexistir agricultura de subsistência.

Ainda, as testemunhas reiteraram a utilização de maquinário, inclusive antes do falecimento do pai, no ano de 1985 (evento 44, VIDEO3, evento 44, VIDEO4 e evento 44, VIDEO5).

Ademais, a autora casou-se em 1990 com Ildo Schenknecht (evento 1, CERTCAS5)​, que apresenta recolhimentos como contribuinte individual a partir de 1988.

Os registros de remunerações do esposo, em grande parte do histórico contributivo, são superiores a dois salários-mínimos (evento 12, CNIS3). Atualmente recebe aposentadoria por tempo de contribuição (NB 172.429.110-3, DIB 12/09/2016), com renda mensal no valor de R$ 6.342,14 (evento 12, INF4).

A renda urbana do marido, superior a dois salários-mínimos, por si só, descaracteriza a qualidade de segurada especial da autora, após o casamento, conforme entendimento pacífico desta Corte.

Neste sentido:

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AVERBAÇÃO. TEMPO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. VÍNCULO URBANO DO CÔNJUGE. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO SUPERIOR A DOIS SALÁRIOS MÍNIMOS. 1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas. 2. Tem direito à aposentadoria por idade rural a contar da data de entrada do requerimento administrativo, no valor de um salário mínimo, a trabalhador qualificado como segurado especial, nos termos do art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91, que implementa os requisitos: (a) idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) e (b) exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao da carência de 180 meses (arts. 39, I, 48, §§1º e 2º, e 25, II da Lei nº 8.213/91), independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias. 3. Ainda que não se exija prova material de ano a ano do labor rural, é indevido o reconhecimento de extenso lapso temporal sem a presença de qualquer evidência mais firme que comprove o desempenho de atividade rural nesse período. 4. O parâmetro adotado pela Corte para se aferir a dispensabilidade do labor rural nas hipóteses em que há renda advinda de atividades diversas, é de até dois salário mínimos, quando se admite o labor urbano por algum dos integrantes do grupo familiar, sem que macule a condição de segurado especial. 5. A remuneração obtida pelo cônjuge no período de labor urbano, assim como o benefício de aposentadoria por invalidez (DIB 24/11/2014), superam 2 salários mínimos, restando afastada a condição de segurada especial da requerente, não fazendo jus ao benefício demandado. 6. Nega-se provimento ao apelo da autora, mantendo a sentença de improcedência. (TRF4, AC 5012503-23.2022.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 11/09/2023) - sem grifos no original.

Desta forma, o conjunto probatório coligido não permite reconhecer o exercício de atividade rural, como segurada especial, no período de 06/09/1980 a 31/12/2000, inviabilizando o acolhimento da pretensão da autora.

Em consequência, não há que se falar na concessão de aposentadoria por tempo de contribuição ou mesmo de aposentadoria por idade rural.

Honorários Sucumbenciais

Considerando a manutenção da sentença de primeiro grau e tendo em conta o disposto no § 11 do art. 85 do CPC, majoro a verba honorária para 12%, mantida a suspensão por conta da justiça gratuita deferida.

Prequestionamento

No que concerne ao pedido de prequestionamento, observe-se que, tendo sido a matéria analisada, não há qualquer óbice, ao menos por esse ângulo, à interposição de recursos aos tribunais superiores.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso da autora.



    Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004491081v48 e do código CRC 9e8ccd8e.Informações adicionais da assinatura:
    Signatário (a): ELIANA PAGGIARIN MARINHO
    Data e Hora: 20/6/2024, às 21:20:5


    5002019-97.2019.4.04.7009
    40004491081.V48


    Conferência de autenticidade emitida em 06/07/2024 04:01:11.

    Poder Judiciário
    TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

    Apelação Cível Nº 5002019-97.2019.4.04.7009/PR

    RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

    APELANTE: ISOLDE SCHOVANZ SCHENKNECHT (AUTOR)

    APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

    EMENTA

    PREVIDENCIÁRIO. tempo rural. segurada especial. lavoura mecanizada. atividade urbana do esposo. RENDA SUPERIOR A DOIS SALÁRIOS-MÍNIMOS. descaracterização.

    1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas.

    2. A caracterização do regime de economia familiar exige produção rural em volume condizente com a capacidade produtiva do grupo familiar, que não engloba aqueles agricultores que produzem numa escala comercial/industrial. Fatores como a contratação de empregados, a utilização de maquinário agrícola e a comercialização em grande escala são elementos que podem indicar uma produção incompatível com o regime de economia familiar.

    3. Hipótese em que, além do conjunto probatório indicar produção rural mecanizada e incompatível com agricultura de subsistência, o esposo da parte autora sempre exerceu atividade urbana, com remuneração superior a dois salários-mínimos, inviabilizando o reconhecimento da qualidade de segurada especial e a concessão de benefício previdenciário.

    ACÓRDÃO

    Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso da autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

    Florianópolis, 28 de junho de 2024.



    Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004493692v4 e do código CRC f2eb00fa.Informações adicionais da assinatura:
    Signatário (a): ELIANA PAGGIARIN MARINHO
    Data e Hora: 28/6/2024, às 16:29:23


    5002019-97.2019.4.04.7009
    40004493692 .V4


    Conferência de autenticidade emitida em 06/07/2024 04:01:11.

    Poder Judiciário
    Tribunal Regional Federal da 4ª Região

    EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 21/06/2024 A 28/06/2024

    Apelação Cível Nº 5002019-97.2019.4.04.7009/PR

    RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

    PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

    PROCURADOR(A): SERGIO CRUZ ARENHART

    APELANTE: ISOLDE SCHOVANZ SCHENKNECHT (AUTOR)

    ADVOGADO(A): ROSEMAR ANTONIO SALA (OAB RS074819)

    ADVOGADO(A): FERNANDO DA SILVA (OAB RS111253)

    ADVOGADO(A): JONAS DE MOURA (OAB RS087834)

    APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

    Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 21/06/2024, às 00:00, a 28/06/2024, às 16:00, na sequência 803, disponibilizada no DE de 12/06/2024.

    Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

    A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DA AUTORA.

    RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

    Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

    Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

    Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

    LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA

    Secretária



    Conferência de autenticidade emitida em 06/07/2024 04:01:11.

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