APELAÇÃO CÍVEL Nº 5024670-54.2013.4.04.7100/RS
RELATOR | : | Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
APELANTE | : | HOSPITAL CRISTO REDENTOR S. A. |
: | UNIÃO - FAZENDA NACIONAL | |
APELADO | : | OS MESMOS |
EMENTA
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. hospital cristo redentor. grupo hospitalar conceição. socieidade de economia mista controlada pela união. natureza "sui generis".
1. O Grupo Hospitalar Conceição, integrado, também, pelo Embargante, Hospital Cristo Redentor, embora esteja constituído sob a forma jurídica de uma sociedade de economia mista, traveste, em verdade, uma situação sui generis, porquanto se trata de entidade controlada pelo Poder Público, mantida exclusivamente por recursos públicos, além de ser prestadora de serviços de saúde, exclusivamente pelo SUS, estando, outrossim, vinculada ao Ministério da Saúde.
2. Os Hospitais integrantes do referido grupo econômico foram desapropriados em razão da utilidade pública dos serviços prestados, que são inteiramente gratuitos e vinculados ao Sistema Único de Saúde. A União detém 99,99% do capital social das impetrantes, sendo que os 0,01% restantes são divididos em 6 ações, as quais são cedidas para cada um dos seis conselheiros integrantes do Conselho de Administração em caráter precário e gratuito, com a finalidade específica de garantia de gestão e pelo tempo restrito do respectivo mandato. O grupo não aufere propriamente uma renda das atividades desempenhadas, no sentido contábil ou fiscal, uma vez que presta gratuitamente a assistência à saúde pelo SUS.
3. Assim, tratando-se o demandante de entidade da União, categorizado como sociedade de economia mista controlada pelo Poder Público, resta evidente que a própria Embargada, União, arcará com os valores que consubstanciam os títulos veiculados na execução embargada, exigidos do Embargante, circunstância que opera o efeito de invalidar as certidões de dívida ativa que instrumentalizam a execução fiscal embargada.
4. Apelo do Embargante provido.
5. Apelo da União e reemessa oficial desprovidos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do Embargante, para invalidar as Certidões de Dívida Ativa que instrumentalizam a execução fiscal embargada, e negar provimento à apelação da União e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de junho de 2017.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5024670-54.2013.4.04.7100/RS
RELATOR | : | Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
APELANTE | : | HOSPITAL CRISTO REDENTOR S. A. |
: | UNIÃO - FAZENDA NACIONAL | |
APELADO | : | OS MESMOS |
RELATÓRIO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Trata-se de embargos à execução fiscal opostos por HOSPITAL CRISTO REDENTOR em face de execução fiscal que lhe move a UNIÃO, para exigência de contribuições previdenciárias e multas por descumprimento de obrigações acessórias (EF: 50324744420114047100 - CDAs: 37.031.164-7, 37.121.019-4, 37.326.406-2, 37.031.165-5, 37.121.022-4, 37.031.166-3, 37.121.023-2, 37.031.168-0, 37.326.077-6). Sustenta a Embargante, em suma, que o débito não deve ser exigido, tendo em conta que, na hipótese, há confusão entre exequente e executado.
Instruído o feito, foi entregue sentença julgando procedente o pedido inicial, nos seguintes termos:
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES, nos termos da fundamentação, os embargos opostos pelo HOSPITAL CRISTO REDENTOR S.A. à execução fiscal nº 5024670-54.2013.404.7100, movida pela UNIÃO, declarando a inexistência da relação jurídico-tributária que fundamentou a constituição dos créditos tributários inscritos nas CDAs 37.031.164-7, 37.121.019-4, 37.326.406-2, 37.031.165-5, 37.121.022-4, 37.031.166-3, 37.121.023-2, 37.031.168-0, 37.326.077-6, em virtude da imunidade da embargante à exigência de contribuições para a seguridade social (CF, art. 195, § 7º). Determino, em consequência, a desconstituição dessas CDAs e a consequente extinção da execução fiscal.
Sem custas, nos termos do art. 7º da Lei nº 9.289/96.
Condeno a UNIÃO ao pagamento de honorários advocatícios, os quais, em apreciação equitativa, considerando o grau de complexidade da ação, o trabalho exigido dos advogados, mas também o elevado valor da causa e a própria natureza da instituição embargante em R$ 10.000,00, tomando como referência o precedente análogo fixado no julgamento, pelo TRF da 4ª Região, da AC 5024306-53.2011.404.7100 (CPC, art. 20, §§ 3º e 4º). O valor dos honorários deverá ser atualizado pelo IPCA-e, tendo em vista o reconhecimento de inconstitucionalidade da previsão contida no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 (STF, ADIn 4357 e 4425, j. em 07/03/2013, Informativo nº 697).
Tendo em vista a incorporação da ora embargante, retifique-se o polo ativo para fazer nele constar Hospital Nossa Senhora Conceição.
A UNIÃO opôs embargos de declaração que foram parcialmente acolhidos para reconhecer que os valores relativos a contribuição previdenciária retidas dos empregados, mas não recolhidas, não são alcançados pela imunidade.
O HOSPITAL CRISTO REDENTOR apelou. Insiste a Apelante que se reconheça a inexigibilidade do débito com fundamento na existência de confusão entre exequente e executado.
A UNIÃO também apelou. Inicialmente, explica que nos autos da execução fiscal embargada, postulou o sobrestamento das parcelas do débito referentes a contribuições previdenciárias abrangidas pelo reconhecimento da imunidade nos autos do mandado de segurança nº 50167324220124047100 e o prosseguimento para exigência de parcelas referentes a contribuições retidas e não repassadas e multas por descumprimento de obrigações. Alega que a sentença está viciada por erro material, por estar fundamentada em causa de pedir diversa da apontada na inicial dos embargos. Defende a exigibilidade das multas por descumprimento de obrigações acessórias. Por fim, destaca que o reconhecimento da imunidade, se mantido, deve ser harmonizado com as exigências previstas no artigo 195, § 7º, da Constituição, 55 da Lei 8.212/91 e 29 da Lei 12.101/2009.
Processados ambos os apelos, vieram os autos a este Tribunal, também em razão da remessa de ofício.
É o relatório. Peço dia.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7363730v22 e, se solicitado, do código CRC A46C0ADA. | |
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VOTO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
1. Esclarecimentos iniciais - causa de pedir
O ora Embargante, Hospital Cristo Redentor S/A, e os Hospitais Fêmina e Nossa Senhora da Conceição, impetraram o mandado de segurança nº 5016732-42.2012.404.7100, buscando o reconhecimento da imunidade prevista no artigo 195, § 7º, da Constituição. O feito recebeu sentença procedente. Contra a sentença proferida naquele mandado de segurança, foram interpostos recursos voluntários, além da remessa oficial, vindo os autos conclusos a este Relator.
No julgamento dos recursos interpostos no referido mandado de segurança, nº 5016732-42.2012.404.7100, em suma, estou reconhecendo (foram pautados para a mesma sessão em que pautado o presente feito) a imunidade prevista no artigo 195, § 7º, da Constituição. Conforme lá decidi, tendo em conta as circunstâncias peculiares das demandantes, hospitais que, embora sob a forma jurídica de sociedades de economia mista, tratam-se de entidades controladas pelo Poder Público (Federal), mantidas exclusivamente com recursos públicos, além de serem prestadoras de serviços de saúde, exclusivamente pelo SUS, estando, assim, vinculada ao Ministério da Saúde, concluiu-se pelo reconhecimento da imunidade, sem a necessidade de se verificar o implemento das condições relacionadas no revogado artigo 55 da Lei 8.212/91 (ou relacionados na Lei 12.101/2009). Anoto que a imunidade reconhecida alcança as contribuições previdenciárias de caráter patronal e, relativamente às contribuições destinadas a terceiros, restou reconhecida a isenção, nos termos do artigo 3º, parágrafo 5º, da Lei 11.457/2007, a partir da data da vigência desta Lei.
A causa de pedir dos presente embargos à execução fiscal, cujo objeto é o afastamento da exigência das contribuições consubstanciadas nas Certidões de Dívida Ativa que instrumentalizam a execução embargada, não está formalmente amparada imunidade. Ancora-se o Embargante no reconhecimento da confusão entre credor e devedor, ao tempo em que, segundo sustenta, em última análise, a própria União arcaria com os valores que lhe está exigindo.
A sentença, no entanto, traz por fundamento a imunidade, para julgar parcialmente procedente o pedido do Embargante.
Contudo, verifica-se que, em verdade, o juiz decisor acolheu os fundamentos fáticos apresentados pelo Embargante, embora lhes tenha atribuído outro fundamento legal. Ou seja, foram consideradas as circunstâncias de fato apresentadas pelo Embargante (em suma, relacionadas à sua natureza de sociedade de economia mista controlada) que, na linha de sua tese, levaria ao reconhecimento da confusão entre credor e devedor. Já o magistrado, dos mesmos fatos, entendeu que o pedido poderia sera atendido, ao menos, parcialmente, com fundamento na imunidade.
Logo, a sentença não se fundou em causa de pedir diversa. Esta foi a mesma, diverso foi o fundamento legal.
Com efeito, não há falar em nulidade da sentença por suposto vício de erro quanto à causa de pedir.
De qualquer modo, conforme explicitou o magistrado ao julgar os embargos declaratórios, o fundamento da imunidade não teve o condão de livrar o Embargante de todos os débitos tratados na presente lide. Por esse motivo, o Embargante recorre, visando, com o reconhecimento da confusão entre credor e devedor, exonerar-se da totalidade dos débitos.
2. Circunstâncias peculiares ao GRUPO HOSPITALAR CONCEIÇÃO (o que inclui o Embargante, Hospital Cristo Redentor):
Para retratar a natureza do Hospital Cristo Redentor, em especial, nos aspectos que importam para a solução do presente litígio, transcrevo perícope da sentença proferida nos autos do mandado de segurança de nº 5016732-42.2012.404.7100, lembrando que nesta decisão estão contemplados os três hospitais que compõem o Grupo Hospitalar Conceição e o objeto da lide é o reconhecimento da imunidade prevista no artigo 195, § 7º, da Constituição. Contudo, aqui, como dito, aproveito os elementos fáticos referentes à natureza da demandante (operei a mesma transcrição no voto referente aos recursos interpostos naquele feito):
No caso ora sob análise, verifico que as impetrantes, desde 31/12/2003, atendem exclusivamente através do Sistema Único de Saúde (SUS), conforme documentos acostados à fl. 274. Além disso, a acionista majoritária é a União com 99,99% do capital social.
Relativamente ao preenchimento dos requisitos materiais do art. 14 do CTN e os requisitos formais do art. 55 da lei 8.212/91, vale transcrever o trecho da decisão proferida no Mandado de Segurança n. 2006.71.00.030740-9, em que o Juiz Federal Marcel Citro de Azevedo bem examinou as peculiaridades do grupo impetrante:
"No caso, os requisitos formais contidos na regra do art. 55 da Lei nº 8.212/91 devem ser afastados pelo postulado da razoabilidade, uma vez que não há uma perfeita subsunção do fato à norma referida, considerando a situação concreta do Grupo Hospitalar conceição . Os impetrantes, desapropriados por utilidade pública, são sociedades de economia mista sui generis, uma vez que são mantidas exclusivamente por recursos públicos e que prestam serviços apenas pelo Sistema Único de Saúde. Acerca da questão, a Corte Regional firmou entendimento no sentido de que as impetrantes têm sua natureza jurídica definida pela norma prevista no inciso XVII do art. 37 da CF, que dispõe acerca das sociedades controladas pelo poder público:
"De fato, a vinculação do Grupo Hospitalar conceição à União Federal teve sua gênese quando, através do Decreto 75.403/75, foram declaradas de utilidade pública as ações constitutivas do capital social das sociedades anônimas componentes de tal grupo (o Hospital Nossa Senhora da conceição S.A., o Hospital Fêmina S.A. e o Hospital Cristo Redentor S.A.), como resultado de que a direção dessas entidades, então responsáveis pelo mais amplo atendimento médico-hospitalar prestado à Previdência Social no Estado do Rio Grande do Sul, comunicara oficialmente ao Instituto Previdenciário que não mais arcaria com esse ônus. Em seguida, o Decreto 75.457/75 restringiu a desapropriação das ações às quotas correspondentes a 51% do capital social, sob o fundamento de que o controle administrativo era suficiente a assegurar a continuidade dos serviços. Essa expropriação ensejou uma situação jurídica peculiar ao referido grupo hospitalar que de certa forma se assemelha à sociedade de economia mista. Resta verificar se as figuras jurídicas efetivamente coincidem.
O Decreto-Lei 200/67, já vigente à época, definia a sociedade de economia mista da seguinte maneira em seu art. 5º (sem grifos):
III - Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta.
O que se percebe dos autos é que os nosocômios integrantes do Grupo Hospitalar conceição já preexistiam à afetação da maior parte de seu capital social à União Federal, não tendo sido, à toda evidência, criados por lei
Se assim é, o que ressai evidente é que o domínio acionário federal possibilitado pelos decretos não deu gênese às empresas, e, portanto, não cumpriu o seu requisito formal de constituição. Mas, se de sociedades de economia mista não se tratam os estabelecimentos hospitalares em apreço, em que consistem? Qual a figura jurídica que melhor reflete sua condição?
A meu ver, afastar-se o enquadramento de sociedade de economia mista a essas entidades impenderia de uma qualificação que melhor refletisse a conjuntura dessas instituições. Essa qualificação existe, e pode ser verificada na própria Constituição Federal de 1988 quando, em seu art. 37, XVII, ao lado das autarquias, fundações, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, além de suas respectivas subsidiárias, refere as sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público. Ao fazer menção a essas sociedades, o constituinte reconheceu expressamente a possibilidade de o poder público controlar determinadas sociedades que não se enquadram nos moldes tradicionais da administração pública indireta. A previsão de existência dessa nova forma de intervenção estatal no domínio privado, ademais, não escapara despercebida ao Poder Executivo, cujo Decreto 84.128/79 previa, dentre as empresas estatais, em seu art. 2º, I, o nomen juris posteriormente reproduzido na Carta de 1988.
Com isso, ao que tudo indica, cuida-se o Grupo Hospitalar conceição de sociedade controlada diretamente pelo poder público, seu acionista majoritário, não sendo passível de enquadramento nas acepções de sociedade de economia mista e tampouco de empresa pública - e muito menos como autarquia ou fundação pública -, nos termos da normativa supramencionada." (TRF4, AC 2003.04.01.019965-3, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, publicado em 03/11/2005)
Ademais, o atendimento às condições previstas no art. 14 do CTN resta comprovado nos autos. Efetivamente, vê-se dos Estatutos (fls. 43/84) que se tratam de instituições de assistência social sem fins lucrativos, que não distribuem quaisquer parcelas de seu patrimônio ou de suas rendas. Dispensável a apresentação dos certificados exigíveis pelo art. 55 da Lei 8.212/91, uma vez que se trata de empresa eminentemente beneficente e de utilidade pública, como reconhecido incidentalmente pelo próprio decreto de desapropriação.
No que tange à vedação à remuneração de diretores, destaco a posição de Ives Gandra Martins:
"... a remuneração de executivos não afeta a imunidade das entidades beneficentes sem fins lucrativos, desde que não haja benefícios ou distribuição de lucros da entidade mantida para a entidade mantenedora. Houve época, em que se entendia que nem mesmo os executivos poderiam ter qualquer remuneração, apesar de serem profissionais contratados. Hoje, a questão está superada. Encontra-se - para tais efeitos - a regulada pelos artigos 9º e 14 do CTN com as alterações da LC 104/01... Referidos dispositivos do CTN elencam, portanto, as únicas condições que as entidades que desenvolvam tais atividades devem preencher para gozar da desoneração em tela, e que representam verdadeiras balizas a que se deve ater o legislador ordinário. [...] O que a norma legal veda é a remuneração daquele que exerce atividades de diretor ou conselheiro de uma entidade imune, ou seja, proíbe remuneração por atribuições inerentes a esses cargos de estrutura diretiva das mantenedoras enquanto apenas cuidando das entidades mantidas. Não, porém, da atividade profissional exercida, no desempenho das funções de diretor executivo ou superintendentes da mantida, que exigem habilitação profissional, conhecimento específico e titulação necessária para essas finalidades, nas formas das leis que regem a profissão do administrador de empresas. E o mesmo ocorre com chefes de departamento, coordenadores, gerentes etc., que com aquele não se confundem. Desta forma, o artigo 14 do CTN é respeitado..." (Martins, Ives Gandra da Silva. imunidade de Instituições sem Fins Lucrativos Dedicadas à Previdência e Assistência Social. RDDT 94/64 e 66-67, jul/03)De tal modo, tenho por patente a imunidade das impetrantes relativamente à contribuição ao PIS, à COFINS e à CSLL.
Assim, em face das peculiaridades relativas à natureza e às finalidades institucionais do Grupo Hospitalar Conceição, entendo que este preenche os requisitos constitucionais para gozar do benefício da imunidade previsto no § 7º do art. 195 da CF relativamente às contribuições previdenciárias, excluídas, por força da regra que impede a litispendência, aquelas contribuições (PIS, COFINS e à CSLL) já objeto de exame judicial no mandado de segurança n. 2006.71.00.030740-9.
Dessa forma, o benefício da imunidade abrange, igualmente, o SAT.
Assim, na linha da decisão transcrita, restou devidamente assentada a situação sui generis dos integrantes do Grupo Hospitalar Conceição, porquanto, malgrado ostentem a forma jurídica de sociedade de economia mista, constituindo-se em pessoas jurídicas de direito privado, não há olvidar, por outro lado, que se constituem em pessoas jurídicas prestadoras de serviço público essencial, cujo dever é do Estado, além de serem controladas e mantidas pelo Poder Público, bem como vinculadas ao Ministério da Saúde. Deveras, a UNIÃO detém o controle acionário das impetrantes, possuindo 99,99% do seu capital social. A título de elucidação, vale destacar que o 0,01% restante (seis ações apenas) é repartido entre os seis conselheiros integrantes do Conselho de Administração, em caráter precário e gratuito, com a finalidade específica de garantia de gestão e pelo tempo restrito ao respectivo mandato, tendo em vista a exigência constante do art. 206, inciso I, 'd', e art. 146 da Lei n.° 6.404/76 (conforme citado nas contrarrazões - CONTRAZ182 - evento 8 - fl. 3797).
Art. 206. Dissolve-se a companhia:
I - de pleno direito:
..............................
d) pela existência de 1 (um) único acionista, verificada em assembléia-geral ordinária, se o mínimo de 2 (dois) não for reconstituído até à do ano seguinte, ressalvado o disposto no artigo 251;
............................................................
Art. 146. Poderão ser eleitos para membros dos órgãos de administração pessoas naturais, devendo os membros do conselho de administração ser acionistas e os diretores residentes no País, acionistas ou não. (Redação dada pela Lei nº 10.194, de 2001)
Não fosse isso bastante, destaco que o Supremo Tribunal Federal, em 16/12/2010, em sede de repercussão geral, assentou, no bojo do RE 580.264/RS, a incidência da imunidade recíproca (artigo 150, VI, 'a', da Constituição), às impetrantes. Confira-se a ementa do julgado:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. SERVIÇOS DE SAÚDE. 1. A saúde é direito fundamental de todos e dever do Estado (arts. 6º e 196 da Constituição Federal). Dever que é cumprido por meio de ações e serviços que, em face de sua prestação pelo Estado mesmo, se definem como de natureza pública (art. 197 da Lei das leis). 2 . A prestação de ações e serviços de saúde por sociedades de economia mista corresponde à própria atuação do Estado, desde que a empresa estatal não tenha por finalidade a obtenção de lucro. 3. As sociedades de economia mista prestadoras de ações e serviços de saúde, cujo capital social seja majoritariamente estatal, gozam da imunidade tributária prevista na alínea "a" do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. 3. Recurso extraordinário a que se dá provimento, com repercussão geral.
(RE 580264, Tribunal Pleno, rel. Min. Joaquim Barbosa, relator p/ acódão Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, j. em 16/12/2010, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-192 DIVULG 05-10-2011 PUBLIC 06-10-2011 EMENT VOL-02602-01 PP-00078)
Embora a orientação acima contemple a imunidade recíproca, referente a impostos, aplica-se, aqui, o mesmo entendimento, no sentido de que a prestação de ações e serviços de saúde por sociedades de economia mista corresponde à própria atuação do Estado, desde que a empresa estatal não tenha por finalidade a obtenção de lucro e a circunstância de o capital social ser majoritariamente estatal, o que é o caso. Pertinente, ademais, o fato de que a decisão do STF refere-se, exatamente, a uma das ora impetrantes, qual seja, o Hospital Nossa Senhora da Conceição.
3. Vinculação do Embargante com a esfera administrativa da União
Conforme já visto, o Hospital Cristo Redentor, assim como as demais entidades que integram o Grupo Hospitalar Conceição, ostentam a natureza sui generis de sociedade de economia mista controlada pela União.
Resta patente, também, a estreita vinculação entre o Embargante e a União. A solidificar essa conclusão, acolho como razões de decidir a sentença proferida nos autos dos EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL de nº 5024306-53.2011.4.04.7100, onde foi tratada a mesma tese trazida pelo ora Embargante. Anoto, antes, que, naquele feito, a Embargante era o Hospital Fêmina, que, como já repetido aqui, ostenta a mesma natureza e as mesmas dificuldades que o Hospital Cristo Redentor. Alerto, ainda, que, na referida sentença, há transcrição de laudo pericial produzido naqueles autos. Não há qualquer empecilho em lançar mão dos dados veiculados no referido laudo, tendo que conta que, no presente feito, a própria Embargada os anexou, juntamente com a impugnação (evento 9 - laudo2 e laudo3). Transcrevo:
A embargante alegou que sua própria existência confunde-se a embargada, que desapropriou seu capital social e mantém seu funcionamento junto ao SUS. Referiu ter obtido êxito nos processos nº 50167191420104047100 e 50032843620114047100.
Sobre esses aspectos foi produzida prova pericial, que trouxe as seguintes considerações:
'01.- Que espécie de atividade econômica é desenvolvida pelo Embargante?
RESPOSTA
Conforme artigo 2º do Estatuto Social (evento 1 - ATA 4),
'A Sociedade tem por objeto a manutenção e administração de estabelecimentos hospitalares, ações e serviços de atenção, ensino e pesquisa em saúde, em Porto Alegre'.
02.- Os tomadores dos serviços - pacientes - remuneram diretamente o Embargante - há contraprestação pelos serviços que recebem?
RESPOSTA
Não, os serviços disponibilizados pelo Embargante aos pacientes não são remunerados. A Resolução de Diretoria nº 09/2003 (evento 1 - OUT 6) determinou que a assistência à saúde(ambulatorial ou hospitalar das empresas que compõem o Grupo Hospitalar Conceição - GHC (Hospital Nossa Senhora da Conceição S.A., Hospital Cristo Redentor S.A. e Hospital Fêmina S.A.) fosse prestada exclusivamente para usuários do Sistema Único de Saúde - SUS, tornando o GHC, desta forma, 100% SUS.
03.- Como são auferidas as receitas para custeio de suas atividades, notadamente, quanto a sua origem? Há recebimento de subvenções públicas e repasses do SUS feitos pela própria Embargada?
RESPOSTA
Conforme Demonstrativos Financeiros (balanços) juntados aos autos (evento 1 - OUT 5), as receitas para custeio advém de duas fontes:
a.- Subvenções de custeio: repasses do Governo Federal que se destinam a custear despesas com pessoal, tais como folha de pagamento com encargos, indenizações trabalhistas e parte de despesas com manutenção.
(...)
b.- Prestação de Serviços: receita auferida do Sistema Integrado de Saúde - SUS pelos atendimentos realizados.
04.- Quem são os proprietários das 'ações' do Embargante, e, conseqüentemente, proprietários dos bens do mesmo? As pessoas que compõem os Conselhos são proprietários efetivos de ações, ou as recebem a título precário, isto é, possuindo a posse, mas mantendo a propriedade em nome da Embargada?
RESPOSTA
Nos quadros abaixo apresentamos a composição acionária do Hospital Fêmina. Como se observa os Conselheiros, quando assumiam o cargo, passavam a ser detentores de uma ação a título precário. (...)
05.- Considerando as deliberações sociais do Conselho de Administração do Embargante, há controle acionário da Embargada? Os integrantes do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal são representantes da Embargada? Especifique sua composição durante o período das competências a que dizem respeito as CDA´s executadas.
RESPOSTA
Conforme demonstrado na resposta do quesito anterior, o controle acionário é exercido pela União Federal, diretamente com 50% mais uma ação, e com participações indiretas nas demais empresas (Hospital Nossa Senhora da Conceição e BNDES Participações.
06.- Considerando que o Embargante está registrado como 'Sociedade Anônima', isto é, espécie de pessoa jurídica que teria, em tese, finalidade 'lucrativa' (apuração de distribuição de resultados); e, considerando as competências a que dizem respeito os créditos executados; informe se há distribuição de resultados nas atividades ou se as atividades são mantidas em razão de repasses e subvenções públicas? O Embargante trabalha com prejuízos acumulados há vários anos?
RESPOSTA
Os resultados são mantidos em razão de repasses e subvenções públicas. (...)
No Relatório dos Auditores (Exacto Auditoria), constante no Demonstrativo Financeiro de 31/12/2010 foi inserida a seguinte nota sob o título Enfase:
Em 31 de dezembro de 2010 o Hospital apresentava um montante de R$ 100.612 mil negativos de patrimônio líquido gerado por prejuízos. As demonstrações foram preparadas de acordo com as práticas contábeis aplicáveis às empresas em continuidade operacional normal e não incluem quaisquer ajustes às contas de passivo que poderiam ser requeridos no caso de eventual paralisação das operações, pressupondo-se o recebimento integral dos repasses oriundos do Ministério da Saúde para o custeio da folha de pagamento, encargos e investimentos.'
(evento 32, grifei)
A prova pericial foi complementada:
(...)
Analisando as atas das Assembleias Gerais de 25/04/2006, 30/04/2009, 28/04/2010 e 25/11/2010, constatamos a caracterização do art. 116, 'b', ou seja, de que o acionista controlador usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.
Entendemos que a União dirige as atividades sociais e orienta o funcionamento do Hospital Fêmina.
(...)
Assim a maioria dos integrantes do Conselho de Administração é representante da União, à exceção do representante dos acionistas minoritários e dos empregados.
(...)
(evento 49, grifei)
Portanto, a prova pericial esclareceu que a embargante realmente é longa manu da própria embargada, para a realização de serviços de atribuição constitucional desta.
Após, noticiou a embargante a incorporação do Hospital Fêmina S.A. pelo Hospital Nossa Senhora da Conceição S.A., de acordo com a deliberação deste último, comandado pela UNIÃO, e de acordo com o Decreto 7.718/2012 (evento 54). Foi anexada ata da Assembléia Geral Extraordinária do Hospital Nossa Senhora da Conceição S.A., na qual foi aprovada dita incorporação (evento 54, ata2).
O referido Decreto tem a seguinte redação:
DECRETO Nº 7.718, DE 4 DE ABRIL DE 2012
Autoriza a incorporação do Hospital Cristo Redentor S.A. e do Hospital Fêmina S.A. pelo Hospital Nossa Senhora da Conceição S.A.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso VI, alínea 'a', da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 178 do Decreto-Lei no 200, de 25 de fevereiro de 1967,
DECRETA:
Art. 1o Fica autorizada a incorporação pelo Hospital Nossa Senhora da Conceição S.A. do Hospital Cristo Redentor S.A. e do Hospital Fêmina S.A., sociedades anônimas sediadas na cidade de Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul, e controladas pela União.
Art. 2o A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e os administradores dos Hospitais de que trata o art. 1o, sob a coordenação do Hospital Nossa Senhora da Conceição S.A., adotarão as providências necessárias para a incorporação de que trata este Decreto.
De outra parte, a evidenciar que a ora embargante deve ser compreendida como integrante da Administração Pública Federal, pode-se se socorrer da bem lançada decisão liminar do processo nº 5016719-14.2010.404.7100 (havido entre o Hospital Nossa Senhora da Conceição S/A e a União - Fazenda Nacional), que examinou situação análoga àquela da inicial:
Tratam-se de novos embargos de declaração contra decisão que, em sede de embargos declaratórios, manteve despacho de indeferimento de antecipação de tutela.
Afirma que persiste o erro do juízo quanto à análise de fato e de direito litigioso, pois a imunidade do autor já foi reconhecida pelo Judiciário via mandados de segurança. Argumenta que, persistindo a exigência fiscal, instala-se confusão entre credor e devedor, consistente na constrição patrimonial de bens que são da própria ré, e que o argumento da confusão entre credor e devedor ainda não foi apreciado pelo juízo.
É o breve relato. Decido.
Razão assiste ao autor quando assevera que não foi examinado argumento apresentado já na petição inicial, ou seja, que o Grupo Hospitalar Conceição confunde-se com a ré, o que afasta a exigibilidade dos créditos tributários, pois no caso concreto a União exige crédito que ela própria custeará. Assim, cumpre suprir a omissão em que incorreram os despachos anteriores.
No afã de demonstrar sua peculiar situação societária e o quadro jurídico em que se encontra, o autor narra que a respectiva forma societária atual decorre da desapropriação de 51% das ações do Grupo Hospitalar Conceição (Decretos nº 75.403/75 e 75.457/75), conjugada com a posterior aquisição, pela União, do restante da participação acionária. A participação privada no quadro societário inexiste, circunstância que configuraria as entidades como extensões do Poder Público na prestação de serviços de saúde. Ademais, as entidades hospitalares são vinculadas ao Ministério da Saúde, nos termos dos Decretos nº 99.244/90 e 5.794/06.
Outrossim, aponta que desde 31/12/2003 passou a atender pacientes exclusivamente no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), e que sua receita provém de repasses públicos. Invoca, ainda, sua relevante função social e a inexistência de exploração econômica da atividade de prestação de serviços de saúde.
A documentação que instrui a inicial evidencia a peculiar situação jurídica do autor frente à União. Cumpre determinar se deste quadro decorrem ou não as conseqüências jurídicas por ele desejadas.
A questão não é simples, e pode refletir na conduta dos entes federados em suas escolhas relativas ao modo de prestação de serviços que julguem necessários ao bem da coletividade, o que foi reconhecido na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 580264/RS, relatado pelo Ministro Joaquim Barbosa (LEXSTF, v. 31, nº 361, 2009, pg. 243/249).
Sobre o tema, muito embora em contexto jurídico diverso, o TRF/4ª Região manifestou- se no seguinte sentido:
'PREVIDENCIÁRIO. LEI 9.528/97, COM AS MODIFICAÇÕES OPERADAS NO ART. 453 DA CLT. SUSPENSÃO DE APOSENTADORIA DE EMPREGADOS DO GRUPO HOSPITALAR CONCEIÇÃO. SOCIEDADE CONTROLADA PELO PODER PÚBLICO QUE NÃO SE CONFUNDE COM AS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA. INAPLICABILIDADE DO REGRAMENTO DE 1997. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Os hospitais integrantes do Grupo Hospitalar Conceição, vinculados à União Federal mediante destinação de 51% de seu capital social ao poder público pelo Decreto 75.457/75, não se confundem com as sociedades de economia mista e muito menos com as empresas públicas, autarquias e fundações. Dessa maneira, não há que se cogitar de aplicação do art. 11 da Lei 9.528/97 e dos ditames por ela acrescidos ao art. 453 da CLT, cuja incidência se restringe aos empregados de empresas públicas ou de sociedades de economia mista. 2. Nas ações previdenciárias, os honorários advocatícios devem ser fixados no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, assim consideradas as parcelas devidas até a prolação da sentença' (TRF4, AC 2003.04.01.019965-3, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, DJ 03/11/2005).
Do voto do relator, colho passagem essencial para o esclarecimento da personalidade jurídica do autor:
'De fato, a vinculação do Grupo Hospitalar Conceição à União Federal teve sua gênese quando, através do Decreto 75.403/75, foram declaradas de utilidade pública as ações constitutivas do capital social das sociedades anônimas componentes de tal grupo (o Hospital Nossa Senhora da Conceição S.A., o Hospital Fêmina S.A. e o Hospital Cristo Redentor S.A.), como resultado de que a direção dessas entidades, então responsáveis pelo mais amplo atendimento médico-hospitalar prestado à Previdência Social no Estado do Rio Grande do Sul, comunicara oficialmente ao Instituto Previdenciário que não mais arcaria com esse ônus. Em seguida, o Decreto 75.457/75 restringiu a desapropriação das ações às quotas correspondentes a 51% do capital social, sob o fundamento de que o controle administrativo era suficiente a assegurar a continuidade dos serviços. Essa expropriação ensejou uma situação jurídica peculiar ao referido grupo hospitalar que de certa forma se assemelha à sociedade de economia mista. Resta verificar se as figuras jurídicas efetivamente coincidem.
O Decreto-Lei 200/67, já vigente à época, definia a sociedade de economia mista da seguinte maneira em seu art. 5º (sem grifos):
III - Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta.
O que se percebe dos autos é que os nosocômios integrantes do Grupo Hospitalar Conceição já pre-existiam à afetação da maior parte de seu capital social à União Federal, não tendo sido, à toda evidência, criados por lei. Se assim é, o que ressai evidente é que o domínio acionário federal possibilitado pelos decretos não deu gênese às empresas, e, portanto, não cumpriu o seu requisito formal de constituição. Mas, se de sociedades de economia mista não se tratam os estabelecimentos hospitalares em apreço, em que consistem? Qual a figura jurídica que melhor reflete sua condição?
A meu ver, afastar-se o enquadramento de sociedade de economia mista a essas entidades impenderia de uma qualificação que melhor refletisse a conjuntura dessas instituições. Essa qualificação existe, e pode ser verificada na própria Constituição Federal de 1988 quando, em seu art. 37, XVII, ao lado das autarquias, fundações, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, além de suas respectivas subsidiárias, refere as sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público. Ao fazer menção a essas sociedades, o constituinte reconheceu expressamente a possibilidade de o poder público controlar determinadas sociedades que não se enquadram nos moldes tradicionais da administração pública indireta. A previsão de existência dessa nova forma de intervenção estatal no domínio privado, ademais, não escapara despercebida ao Poder Executivo, cujo Decreto 84.128/79 previa, dentre as empresas estatais, em seu art. 2º, I, o nomen juris posteriormente reproduzido na Carta de 1988.
Com isso, ao que tudo indica, cuida-se o Grupo Hospitalar Conceição de sociedade controlada diretamente pelo poder público, seu acionista majoritário, não sendo passível de enquadramento nas acepções de sociedade de economia mista e tampouco de empresa pública - e muito menos como autarquia ou fundação pública -, nos termos da normativa supramencionada.'
As peculiaridades relativas à natureza e às finalidades institucionais do Grupo Hospitalar Conceição também foram reconhecidas nos mandados de segurança nº 2006.71.00.030740- 9 e 2007.71.00.027997- 2, nos quais se garantiu- se a imunidade do ora autor no tocante a tributos exigidos pela Receita Federal e Receita Previdenciária, com fundamento na sua peculiar situação jurídica frente à União. Muito embora tais decisões não vinculem este juízo, e ainda estejam sujeitas a recurso, cumpre considerá- las, no intuito de conferir tratamento jurídico uniforme ao autor.
Estabelecidas tais premissas, conclui-se que o autor executa somente serviços de natureza pública da saúde, de acesso universal e gratuito, sem contraprestação dos tomadores, custeados por receitas decorrentes de tributos federais, repassadas pela própria ré, tanto para custeio quanto para investimento, quadro que evidencia o peculiar vínculo jurídico com a União. Tal quadro autoriza, ao menos em juízo delibatório, a conclusão de que o prosseguimento da exigência dos créditos fiscais acarreta confusão entre credor e devedor, tornando-os inexigíveis.
Eis a verossimilhança das alegações do autor.
O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação exsurge da exigência contida no art. 6º, I, da Lei nº 10.522/02, no sentido de que o autor não esteja inscrito no CADIN e que possua certidão de regularidade fiscal para que possa receber as receitas decorrentes do SUS, sob pena de inviabilizar-se o cumprimento de suas atividades.
Isto posto, defiro a antecipação de tutela, determinando a intimação da União para adotar as medidas pertinentes à não inclusão ou ao cancelamento da inscrição da parte autora no CADIN, bem como para a expedição de certidão positiva com efeitos de negativa das contribuições previdenciárias apontadas como causas impeditivas à emissão em relatório que instrui a petição inicial.
Intimem-se. Cite-se.
Autor beneficiário da AJG.
Porto Alegre, 22 de novembro de 2010.
Ademais, o Colendo Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do Tema 115 no âmbito da Repercussão Geral, relativo à 'aplicação da imunidade tributária recíproca às sociedades de economia mista que prestam serviços de saúde exclusivamente pelo SUS':
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. SERVIÇOS DE SAÚDE.
1. A saúde é direito fundamental de todos e dever do Estado (arts. 6º e 196 da Constituição Federal). Dever que é cumprido por meio de ações e serviços que, em face de sua prestação pelo Estado mesmo, se definem como de natureza pública (art. 197 da Lei das leis).
2 . A prestação de ações e serviços de saúde por sociedades de economia mista corresponde à própria atuação do Estado, desde que a empresa estatal não tenha por finalidade a obtenção de lucro.
3. As sociedades de economia mista prestadoras de ações e serviços de saúde, cujo capital social seja majoritariamente estatal, gozam da imunidade tributária prevista na alínea 'a' do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal.
3. Recurso extraordinário a que se dá provimento, com repercussão geral.
(RE 580264, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Relator p/ Acórdão: Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 16/12/2010, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-192 DIVULG 05-10-2011 PUBLIC 06-10-2011 EMENT VOL-02602-01 PP-00078)
Tal julgamento deu-se justamente em caso do Hospital Nossa Senhora da Conceição S/A (contra o Estado do Rio Grande do Sul).
A mesma solução se adota à embargante.
Assim, mesmo que os créditos de contribuições previdenciários exequendos não estejam ligados à imunidade tributária reconhecida pelo STF (títulos nº 36.503.386-3, 36.782.578-3 e 37.121.035-6), tratando-se, em verdade, de contribuições dos próprios segurados, há de se ver que a íntima vinculação da executada às instâncias administrativas da UNIÃO, que lhe mantém o funcionamento, leva à conclusão de que não cabe a execução - com todos os seus ônus decorrentes - para recuperar créditos que serão, em última análise, custeados por valores provenientes dos cofres fazendários federais.
Mesmo que de direito privado não se trate, o Código Civil oferece norte para decidir este caso, ao tratar da confusão: 'Art. 381. Extingue-se a obrigação, desde que na mesma pessoa se confundam as qualidades de credor e devedor.'
No caso, confundem-se a credora (exequente) e a devedora (a embargante), mantida com recursos públicos federais.
Assim, é de serem acolhidos os embargos - com relação a todos os débitos - já que a realização do objeto da execução se daria às custas da exequente.
Assim, tratando-se o Embargante de entidade da União, categorizada como sociedade de economia mista controlada pelo Poder Público, resta evidente que a própria Embargada, União, arcará com os valores que consubstanciam os títulos veiculados na execução embargada, exigidos do Embargante.
Nesse mesmo sentido, decidiu essa 1ª Turma, restando objetivado que:
(...)
A íntima vinculação da executada às instâncias administrativas da União, que lhe mantém o funcionamento, leva à conclusão de que não cabe a execução - com todos os seus ônus decorrentes - para recuperar créditos que serão, em última análise, custeados por valores provenientes dos cofres fazendários federais. 3. (...)
(TRF4, AC 5024047-92.2010.404.7100, PRIMEIRA TURMA, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos em 20/10/2016)
A 2ª Turma também chegou à mesma conclusão, ao julgar a AC 5024306-53.2011.404.7100, Relatora LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH (julgamento em 26/11/2013).
4. Apelos do Embargante e da Embargada
Tendo em conta toda a fundamentação acima, merece ser provido o apelo do Embargante para que se reconheça a invalidade de todas as Certidões de Dívida Ativa que instrumentalizam a execução fiscal embargada. Isso porque, conforme se concluiu, a própria Embargada suportará os créditos que está a exigir, tanto as contribuições previdenciárias patronais, quanto as retidas dos empregados e contribuintes individuais.
Desprovejo o apelo da União e a remessa oficial.
5. Verba honorária
No exame dos requisitos, a construção dos honorários advocatícios é de natureza eminentemente subjetiva. A cada julgador lhe corresponde o juízo próprio do seu sentimento interior. O que pouco ou muito para um pode ser muito ou pouco para outro.
Assim, considero os mesmos referenciais, artigo 20, parágrafo 3º, alíneas, e parágrafo 4º, do antigo Código de Processo Civil, e na avaliação que a seu respeito faço, arbitro a verba honorária em R$ 65.000,00 (sessenta e cinco mil reais), com atualização pelo IPCA-E, o que considero feito em justa medida (valor da causa: R$ 1.271.701,52 - maio/2013).
6. Prequestionamento
Em arremate, consigno que o enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão-somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa (artigo 538 do CPC).
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento à apelação do Embargante, para invalidar as Certidões de Dívida Ativa que instrumentalizam a execução fiscal embargada, e negar provimento à apelação da União e à remessa oficial.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 21/06/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5024670-54.2013.4.04.7100/RS
ORIGEM: RS 50246705420134047100
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
PRESIDENTE | : | JORGE ANTONIO MAURIQUE |
PROCURADOR | : | Dr JOSÉ OSMAR PUNES |
SUSTENTAÇÃO ORAL | : | Dr. Klaus Cohen Koplin representante do HOSPITAL CRISTO REDENTOR S/A e pedido de preferência pela Procuradoria da Fazenda Nacional |
APELANTE | : | HOSPITAL CRISTO REDENTOR S. A. |
: | UNIÃO - FAZENDA NACIONAL | |
APELADO | : | OS MESMOS |
Certifico que este processo foi incluído no Aditamento da Pauta do dia 21/06/2017, na seqüência 1297, disponibilizada no DE de 09/06/2017, da qual foi intimado(a) UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 1ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO EMBARGANTE, PARA INVALIDAR AS CERTIDÕES DE DÍVIDA ATIVA QUE INSTRUMENTALIZAM A EXECUÇÃO FISCAL EMBARGADA, E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA UNIÃO E À REMESSA OFICIAL.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
: | Des. Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE | |
: | Des. Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE |
LEANDRO BRATKOWSKI ALVES
Secretário de Turma
| Documento eletrônico assinado por LEANDRO BRATKOWSKI ALVES, Secretário de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9056352v1 e, se solicitado, do código CRC 12D8EB87. | |
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