Apelação Cível Nº 5045576-98.2018.4.04.7000/PR
RELATOR: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)
APELADO: ROSANGELA KRODEL RECH KOMPATSCHER (Curador) (AUTOR)
APELADO: ALZIRA CECILIA KRODEL RECH (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária objetivando o reconhecimento do direito à isenção do imposto de renda com a consequente condenação da requerida à devolução do indébito tributário desde 31.05.2011, atualizado pela SELIC. Valor da causa - R$ 78.040,42.
A sentença julgou procedentes os pedidos formulados na petição inicial e extinguiu o feito com resolução do mérito, na forma do artigo 487, I, do CPC/15, reconhecendo o direito da parte autora à isenção de Imposto de Renda sobre sua pensão desde 31.05.2011, com base no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/1988. Consequentemente, condenou a ré à restituição dos valores indevidamente recolhidos a tal título, acrescidos da Taxa Selic, que já engloba juros e atualização monetária, devendo o cálculo levar em conta eventual ajuste anual. Condenou a parte ré ao ressarcimento das custas processuais adiantadas pela parte autora e em honorários advocatícios que fixou em 10% sobre o valor da condenação.
Recorre a União, sustentando que a ação está sujeita à prescrição da repetição dos valores retidos anteriormente ao prazo de cinco anos da data do ajuizamento da ação.
Aduz que a interdição e declaração judicial da incapacidade absoluta da autora ocorreu no processo n. 0011732-32.2015.8.16.0001, em 11/09/2018, valendo a partir daí o reconhecimento da incapacidade, não tendo sido requerido, inclusive, efeitos pretéritos da declaração.
Alega que, antes de setembro de 2018, o prazo prescricional já estava fluindo.
Defende que, como a pretensão trata de valores supostamente retidos em 2011 e 2012, e a ação foi ajuizada em 10/2018, está prescrita para a restituição os valores que tenham sido recolhidos nos anos pretendidos.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
VOTO
1. Preliminares
1.1 Recursais
1.1.1 Admissibilidade
A apelação interposta se apresenta formalmente regular e tempestiva.
1.1.2 Reexame necessário
Considerando que não há condenação em valor líquido, a sentença deve ser submetida ao reexame necessário, nos termos do inciso I do art. 496 do Código de Processo Civil c/c o § 3° do mesmo artigo, conforme orientação da Súmula n° 490 do Superior Tribunal de Justiça - STJ (A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas).
1.2 Preliminar processual
1.2.1 Prescrição para os incapazes
Na decisão do evento 42, o juiz expressamente consignou:
Reconhece a parte ré o direito do autor à repetição de indébito desde o reconhecimento da doença, qual seja 31/05/2011, salvo quanto à prescrição quinquenal dos cinco anos anteriores à presente demanda.
Ocorre que o autor é incapaz civilmente desde maio de 2011 e, em tese, não ocorre a prescrição contra os incapazes.
Nesse passo, na época em que promovida a interdição, maio de 2011, a autora era considerada absolutamente incapaz, nos termos o Código Civil (art. 3º, II, do CC). E, nos termos do que dispõe o art. 198, II, do CCB, a prescrição não corre contra os incapazes.
A data da eclosão da incapacidade (31.05.2011) é que deve ser considerada como marco que impede a fluência do curso prescricional, porquanto o efeito da sentença de interdição é a constituição da curatela, sendo meramente declaratória da incapacidade pré-existente para os atos da vida civil.
Nesse sentido são os precedentes deste Tribunal: 5061298-76.2012.404.7100, Quarta Turma, Relator Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 15/09/2016; AR 0015788-22.2011.404.0000, Terceira Seção, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 12/06/2014.
Transcreveo, ainda, ementa de acórdão do STJ:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. REVISÃO DE BENEFÍCIO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. AUTOR ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. INAPLICABILIDADE. 1. O Tribunal local consignou que não corre prazo quinquenal contra o absolutamente incapaz (fl. 423, e-STJ). 2. Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, in casu, o princípio estabelecido na Súmula 83/STJ: "Não se conhece do Recurso Especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida". Precedentes: REsp 908.599/PE, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 4.12.2008, DJe 17.12.2008; AgRg no REsp 1.437.248/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 15.5.2014, DJe 20.6.2014; AgRg no AREsp 269.887/PE, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 11.3.2014, DJe 21.3.2014 e REsp 281.941/RS, Rel. Ministro Paulo Medina, Segunda Turma, julgado em 24.9.2002, DJ 16.12.2002, p. 292 3. Cumpre ressaltar que a referida orientação é aplicável também aos recursos interpostos pela alínea a do art. 105, III, da Constituição Federal de 1988. Nesse sentido: REsp 1.186.889/DF, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, DJe de 2.6.2010. 4. Agravo Regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp: 1503815 SC 2014/0309695-8, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 02/06/2015, T2 -SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/08/2015).
Por outro lado, a circunstância de o interditado ser representado por curador não autoriza concluir que, a partir da interdição, passaria a fluir o prazo de prescrição. A incapacidade subsiste mesmo com a representação do interditado pelo curador, razão por que, enquanto presente o fato da incapacidade, não flui o prazo de prescrição.
Assim, no presente caso, desde 31.05.2011 - data em que a requerida reconheceu ser a autora portadora de alienação mental - até a data em que lhe foi nomeada a curadora, isto é, em 29.05.2015 (fls. 01 do OUT 4 do evento 14) não transcorreu o prazo de prescrição. A partir da nomeação da curadora para a autora, em 29.05.2015, até a data do ajuizamento do presente feito, em 04.10.2018, também não restou configurada a prescrição.
2. Mérito
Isenção do imposto de renda
A isenção do imposto de renda sobre os proventos de aposentadoria motivada por doença grave está prevista no art. 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/88:
Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguinte rendimentos percebidos por pessoas físicas: (...)
XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma; (grifei)
No caso em comento, é incontroverso nos autos ser a autora portadora da doença isentiva, desde 31.05.2011.
O reconhecimento da moléstia constou da própria ata de inspeção de saúde do exército, datada de 19.10.2012 (LAUDO 9 do evento 1), nestes termos:
DIAGNÓSTICOS:
G30 -- Doença de Alzheimer (Modalidade Fenomênica: crônico , Estágio: irreversível (Alienação Mental) / CID-10.
É portador de doença especificada na Lei nº 7.713, de 22 DEZ88, alterada pelas Leis nº 8.541, de 23 de DEZ 92, nº 9.250, de 26 DEZ 95 e 11.052, de 29 DEZ 04.
OBSERVAÇÃO: O diagnóstico foi firmado em 31/05/2011. O (a) periciado(a) deverá ser submetido(a) à nova inspeção de saúde para revisão do benefício em 13/04/2017.
Resta claro que a alienação mental da autora é crônica desde 31.05.2011.
Nesse passo, considerando a comprovação da existência da doença desde 31.05.2011, faz jus a autora à isenção de imposto de renda prevista no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88, com a restituição dos valores indevidamente recolhidos a tal título.
A propósito, precedentes desta Corte:
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. ISENÇÃO. INTERESSE PROCESSUAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. PORTADOR DE ALIENAÇÃO MENTAL CAUSADA PELO MAL DE ALZHEIMER. 1. O exercício do direito de ação não está condicionado a prévio requerimento administrativo, bastando que se possa verificar a resistência do réu, no caso, caracterizada pela própria negativa da embargada na sua impugnação. 2. O acometimento de alienação mental, em razão do mal de Alzheimer, impõe a isenção do imposto de renda da pessoa portadora de moléstia grave, nos termos do art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88. (TRF4, AC 5062610-57.2016.4.04.7000, PRIMEIRA TURMA, Relator ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA, juntado aos autos em 24/04/2019)
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA FÍSICA. PROVENTOS DE APOSENTADORIA e PENSÃO. ISENÇÃO. ALIENAÇÃO MENTAL. MAL DE ALZHEIMER. O Mal de Alzheimer conduz a demência e alienação mental, hipótese prevista em lei como autorizadora da isenção de imposto de renda da pessoa física. Precedente. (TRF4 5050366-29.2012.4.04.7100, PRIMEIRA TURMA, Relator MARCELO DE NARDI, juntado aos autos em 30/11/2017)
3. Sucumbência recursal
Nos termos do § 11 do artigo 85 do CPC, o percentual dos honorários advocatícios será acrescido em 10%, observado o escalonamento previsto no § 5º do mesmo artigo. O percentual final será de 11% quando enquadrados no inciso I do §3º; de 8,8% quando enquadrados no inciso II, e assim sucessivamente, conforme escalonamento previsto no §5º.
4. Prequestionamento
Em arremate, consigno que o enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração para esse exclusivo fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa (art. 1.026, § 2º, do CPC).
5. Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da União e à remessa oficial.
Documento eletrônico assinado por FRANCISCO DONIZETE GOMES, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001623411v11 e do código CRC 8a22f166.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5045576-98.2018.4.04.7000/PR
RELATOR: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)
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EMENTA
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. AUTOR ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. INAPLICABILIDADE. ALIENAÇÃO MENTAL. ISENÇÃO. CABIMENTO.
1. Não corre prazo de prescrição contra o absolutamente incapaz, ainda que representado por curador.
2. Presente a moléstia incapacidade prevista na lei, surge o direito à isenção do imposto de renda sobre os proventos de pensão, assegurando-se a restituição dos valores indevidamente pagos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da União e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de maio de 2020.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 11/05/2020 A 18/05/2020
Apelação Cível Nº 5045576-98.2018.4.04.7000/PR
RELATOR: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PROCURADOR(A): CÍCERO AUGUSTO PUJOL CORRÊA
APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)
APELADO: ALZIRA CECILIA KRODEL RECH (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)
ADVOGADO: JULIANA FONTANA ALBERTI (OAB PR065609)
APELADO: ROSANGELA KRODEL RECH KOMPATSCHER (Curador) (AUTOR)
ADVOGADO: JULIANA FONTANA ALBERTI (OAB PR065609)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 11/05/2020, às 00:00, a 18/05/2020, às 16:00, na sequência 885, disponibilizada no DE de 29/04/2020.
Certifico que a 1ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 1ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA UNIÃO E À REMESSA OFICIAL.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
MARIA CECÍLIA DRESCH DA SILVEIRA
Secretária
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