Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gab. Desembargadora Federal Luciane Amaral Corrêa Münch - 5º andar - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3220
Apelação Cível Nº 5001059-65.2020.4.04.7120/RS
RELATORA: Desembargadora Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH
APELANTE: MELINA GUERRA LIMANA (IMPETRANTE)
APELADO: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (INTERESSADO)
RELATÓRIO
O feito foi assim relatado na origem:
Trata-se de mandado de segurança impetrado por Melina Guerra Limana em face do Delegado da Receita Federal do Brasil - Recife/PE, objetivando, em síntese, a concessão de segurança para que seja declarado seu direito à isenção do IPI na aquisição de veículo automotor, nos termos do disposto no artigo 1º, inciso IV, da Lei nº 8.989/1995, independentemente do recebimento de benefício de amparo social à pessoa com deficiência.
Alegou, em síntese, que a impossibilidade de cumulação de benefícios prevista no § 4º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 não se aplicaria ao pedido de isenção de IPI para aquisição de veículo, já que a referida vedação legal se refere à impossibilidade de acumulação de benefício de prestação continuada com outros benefícios previdenciários.
Deferida gratuidade da justiça, foi determinada emenda à inicial (Ev07).
Atendida a diligência, a liminar foi indeferida (Ev12).
A Fazenda Nacional manifestou interesse em ingressar no feito (Ev16).
Notificada, a autoridade impetrada prestou informações (Ev22). Esclareceu que o benefício de prestação continuada não pode ser acumulado com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, alvo assistência médica e pensão especial indenizatória.
O Ministério Público Federal opinou pela procedência (Ev25).
A sentença foi proferida nos seguintes termos:
Ante o exposto, DENEGO A SEGURANÇA, extinguindo o feito com resolução de mérito, com base no art. 487, inciso I, do CPC.
Custas pela impetrante, com exigibilidade suspensa em razão da gratuidade da justiça outrora deferida.
Sem condenação em honorários, nos termos do art. 25 da Lei n.º 12.016/09 e das Súmulas nº 105 do STJ e nº 512 do STF.
Apela a impetrante, repisando os argumentos exarados na inicial.
Com contrarrazões, vieram os autos para julgamento.
O Ministério Público Federal opina pelo desprovimento do recurso de apelação.
É o relatório.
VOTO
O pedido de isenção do imposto IPI para compra de veículo automotor foi indeferido administrativamente, nos seguintes termos (evento 4):
De acordo com o requerimento apresentado, constatou-se que o interessado não atendeu aos seguintes requisitos legais: O requerente recebe do INSS Benefício de Prestação Continuada (BPC), da espécie 87 - AMP. SOCIAL À PESSOA PORTADORA DEFICIENCIA. O BPC não pode ser acumulado com qualquer outro no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória, como exige a Lei 8.742/93, art. 20 e seu § 4°. Ressalta-se que, pelo o fato de o requerente já possuir esse tipo de benefício, qualquer tipo de documentação juntada ao pedido de isenção, inclusive o laudo de avaliação médica, é considerada não admitida. Sendo assim, conforme competência estabelecida nos arts. 6º, 7º e 8º, da IN RFB nº 1.769/2017, decido por indeferir o pedido.
A autoridade impetrada afirma em suas informações (evento 22, INF_MSEG3) que o deferimento da isenção encontra óbice no fato de a impetrante ser titular de benefício de prestação continuada - BPC, previsto no artigo 20 da Lei nº 8.742/93, o que contradiz a declaração de que dispõe de capacidade financeira para a aquisição de um veículo novo.
A sentença da lavra do Juiz Federal Substituto na Titularidade Plena Diógenes Tarcísio Marcelino Teixeira apreciou a questão com acerto por ocasião do julgamento do MS nº 5026234-15.2020.4.04.7200/SC, razão pela qual adoto suas razões para decidir, in verbis:
(...)
Leia-se o que diz a Lei n. 8.742, de 1993, acerca do BPC:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
[...]
§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
O comando do § 4º, com efeito, veda que o BPC seja acumulado com outro benefício.
Note-se contudo que, por se tratar de uma norma de direito previdenciário e assistencial, a alusão a qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime deve ser entendida exatamente na perspectiva do direito previdenciário e assistencial; vale dizer: não é possível acumular o BPC com outro benefício previdenciário do RGPS ou de outros regimes, tais como o regime próprio dos servidores públicos civis da União.
Assim, o beneficiário de BPC não pode perceber, cumulativamente, aposentadoria por idade do RGPS ou aposentadoria por tempo de contribuição do regime próprio dos servidores civis da União.
Não há, na norma em questão, vedação explícita - ou mesmo implícita - à concessão de benefício de outra natureza, tal como o benefício tributário em discussão nos presentes autos.
Portanto, este óbice deve ser afastado.
O outro óbice reside na aparente incoerência entre a disponibilidade financeira da impetrante e a própria percepção do BPC, que se destina à pessoa deficiente ou idosa que não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Tal exigência decorre do que dispõe a Lei n. 10.690, de 2003:
Art. 5º Para os fins da isenção estabelecida no art. 1o da Lei no 8.989, de 24 de fevereiro de 1995, com a nova redação dada por esta Lei, os adquirentes de automóveis de passageiros deverão comprovar a disponibilidade financeira ou patrimonial compatível com o valor do veículo a ser adquirido.
Ocorre que este óbice também deve ser afastado, por duas razões.
Primeira, porque é natural que as pessoas portadoras de deficiência severa - caso da impetrante - muito provavelmente não disponham de condições físicas e/ou mentais para exercerem atividade remunerada e para amealhar dinheiro ou patrimônio, de modo que seu sustento, em geral, é provido por familiares próximos.
Segunda, porque a própria Lei n. 8.989, de 1995, ao tratar da isenção para portadores de deficiência, permite que a aquisição do veículo seja feita diretamente ou por intermédio de seu representante legal (art. 1º, inciso IV), e, ainda, diz expressamente que, nessa hipótese, os automóveis de passageiros a que se refere o caput serão adquiridos diretamente pelas pessoas que tenham plena capacidade jurídica e, no caso dos interditos, pelos curadores (art. 1º, § 3º).
Assim, em conclusão, a condição da impetrante - pessoa portadora de deficiência e beneficiária de BPC -, ao menos em análise preliminar, não lhe subtrai o direito à isenção de IPI na aquisição de veículo automotor, tal como decidira o auditor fiscal subscritor da decisão administrativa."
Ressalvo que essa é a conclusão da Segunda Turma no julgamento realizado na sessão de 04-11-2021, pelo rito do art. 942 do CPC:
TRIBUTÁRIO. IPI. AUTOMÓVEL. ISENÇÃO. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO. DEFICIENTE FÍSICO. LEI Nº 8.989/95. CUMULAÇÃO DE BENEFÍCIOS. VEDAÇÃO. INAPLICABILIDADE À HIPÓTESE DOS AUTOS. 1. Contribuinte portador de deficiência física, com limitação das suas funções, faz jus à isenção do IPI na aquisição de veículo automotor nos termos da Lei nº 8.989/1995. 2. A Lei nº 8.989/1995 determina que o veículo a ser adquirido seja de passageiros e de fabricação nacional; não se exige que o veículo seja adaptado para a condução pelo portador da deficiência. 3. A restrição do § 4º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 refere-se a impossibilidade de cumulação de benefícios de ordem previdenciária, sendo inaplicável no caso em apreço (AC 5003681-29.2020.4.04.7117/RS, SEGUNDA TURMA, Relatora Maria de Fátima Freitas Labarrère, julgado em 04-11-2021).
Sendo assim, considero que deve ser afastado o indeferimento baseado nas presunção de conflito entre a percepção do Benefício de Prestação Continuidade e a disponibilidade financeira da impetrante.
Assim, resta parcialmente provida a apelação, para determinar que seja apreciado o pedido de isenção de IPI com a análise dos documentos juntados pela impetrante, sem que seja óbice o fato de a requerente receber benefício de prestação continuada (BPC).
Custas pela impetrada.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5001059-65.2020.4.04.7120/RS
RELATORA: Desembargadora Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH
APELANTE: MELINA GUERRA LIMANA (IMPETRANTE)
APELADO: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (INTERESSADO)
EMENTA
TRIBUTÁRIO. IPI. ISENÇÃO. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO. DEFICIENTE FÍSICO. LEI Nº 8.989/95. CUMULAÇÃO DE BENEFÍCIOS. VEDAÇÃO. INAPLICABILIDADE.
1. A restrição do § 4º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 refere-se a impossibilidade de cumulação de benefícios de ordem previdenciária e assistencial, sendo inaplicável no caso em tela.
2. A exigência disposta no art. 5º da Lei nº 10.690/2003 (disponibilidade financeira) também deve ser afastada, considerando que a Lei nº 8.989/1995, ao tratar da isenção para portadores de deficiência, permite que a aquisição do veículo seja feita diretamente ou por intermédio de seu representante legal (art. 1º, inciso IV), e, ainda, diz expressamente que, nessa hipótese, os automóveis de passageiros a que se refere o caput serão adquiridos diretamente pelas pessoas que tenham plena capacidade jurídica e, no caso dos interditos, pelos curadores (art. 1º, § 3º).
3. Apelação parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de maio de 2022.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO TELEPRESENCIAL DE 18/05/2022
Apelação Cível Nº 5001059-65.2020.4.04.7120/RS
RELATORA: Desembargadora Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH
PRESIDENTE: Desembargadora Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH
PROCURADOR(A): PAULO GILBERTO COGO LEIVAS
APELANTE: MELINA GUERRA LIMANA (IMPETRANTE)
ADVOGADO: LUCAS WITT BORBA (OAB RS100645)
ADVOGADO: EDUARDO SFOGGIA CAMPOLI (OAB RS054243)
APELADO: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 18/05/2022, na sequência 706, disponibilizada no DE de 09/05/2022.
Certifico que a 1ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 1ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH
Votante: Desembargadora Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH
Votante: Desembargador Federal LEANDRO PAULSEN
Votante: Juiz Federal MARCELO DE NARDI
MARIA CECÍLIA DRESCH DA SILVEIRA
Secretária
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