APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000376-94.2016.4.04.7014/PR
RELATORA | : | Juíza Federal CLÁUDIA MARIA DADICO |
APELANTE | : | ERNESTO FREYHARDTH |
ADVOGADO | : | Willian Luis Ritzmann Stratmann |
APELADO | : | UNIÃO - FAZENDA NACIONAL |
EMENTA
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. FUNRURAL. COISA JULGADA.
1. A sentença, ao examinar os fenômenos de incidência e pronunciar juízos de certeza sobre as conseqüências jurídicas daí decorrentes, certificando, oficialmente, a existência, ou a inexistência, ou o modo de ser da relação jurídica, o faz levando em consideração as circunstâncias de fato e de direito (norma abstrata e suporte fático) que então foram apresentadas pelas partes. Por qualificar norma concreta, fazendo juízo sobre fatos já ocorridos, a sentença, em regra, opera sobre o passado, e não sobre o futuro.
2. Portanto, também quanto às relações jurídicas sucessivas, a regra é a de que as sentenças só têm força vinculante sobre as relações já efetivamente concretizadas, não atingindo as que poderão decorrer de fatos futuros, ainda que semelhantes. Elucidativa dessa linha de pensar é a Súmula 239/STF.
3. Todavia, há certas relações jurídicas sucessivas que nascem de um suporte fático complexo, formado por um fato gerador instantâneo, inserido numa relação jurídica permanente. Ora, nesses casos, pode ocorrer que a controvérsia decidida pela sentença tenha por origem não o fato gerador instantâneo, mas a situação jurídica de caráter permanente na qual ele se encontra inserido, e que também compõe o suporte desencadeador do fenômeno de incidência. Tal situação, por seu caráter duradouro, está apta a perdurar no tempo, podendo persistir quando, no futuro, houver a repetição de outros fatos geradores instantâneos, semelhantes ao examinado na sentença. Nestes casos, admite-se a eficácia vinculante da sentença também em relação aos eventos recorrentes. Isso porque o juízo de certeza desenvolvido pela sentença sobre determinada relação jurídica concreta decorreu, na verdade, de juízo de certeza sobre a situação jurídica mais ampla, de caráter duradouro, componente, ainda que mediata, do fenômeno de incidência. Essas sentenças conservarão sua eficácia vinculante enquanto se mantiverem inalterados o direito e o suporte fático sobre os quais estabeleceu o juízo de certeza.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 25 de outubro de 2016.
Juíza Federal CLÁUDIA MARIA DADICO
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal CLÁUDIA MARIA DADICO, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8640418v3 e, se solicitado, do código CRC F3AE425D. | |
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| Signatário (a): | Cláudia Maria Dadico |
| Data e Hora: | 26/10/2016 15:46 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000376-94.2016.4.04.7014/PR
RELATORA | : | Juíza Federal CLÁUDIA MARIA DADICO |
APELANTE | : | ERNESTO FREYHARDTH |
ADVOGADO | : | Willian Luis Ritzmann Stratmann |
APELADO | : | UNIÃO - FAZENDA NACIONAL |
RELATÓRIO
ERNESTO FREYHARDTH ajuizou ação ordinária, com pedido de antecipação de tutela, contra a União, pretendendo a declaração de inexigibilidade da contribuição social incidente sobre a comercialização da produção rural, exigida do produtor rural empregador pessoa física, prevista pelo art. 25 da Lei nº 8.212/91, a partir da competência/exercício 02/2016.
Atribuído à causa o valor de R$ 149.159,71.
Instruído o feito, sobreveio sentença que julgou extinto o processo, sem exame do mérito, reconhecendo a existência de coisa julgada, na forma do art. 485, inciso V, combinado com o artigo 337, § 4º, do Código de Processo Civil.
A parte autora apela, defendendo, basicamente, a não configuração da coisa julgada.
Apresentadas as contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
O feito foi assim decidido pelo juízo a quo:
Em consulta aos autos de n° 5000043-21.2011.404.7014, verifico que no evento 30 foi proferida sentença com resolução de mérito em data de 11.06.2012, que julgou improcedente o pedido da parte autora, sendo a sentença proferida nos seguintes termos:
1. Relatório
A parte autora ajuizou a presente ação contra a União (Fazenda Nacional), buscando provimento jurisdicional para o fim de desobrigá-lo da contribuição ao FUNRURAL incidente sobre a comercialização de sua produção rural. Alega, com base em precedente do STF, a inconstitucionalidade das normas em questão, requerendo ainda a repetição dos valores pagos a esse título.
Citada, a União contestou no evento 22. Preliminarmente, arguiu a falta de interesse de agir do produtor rural pessoa física e falta de documentos essenciais, indicou a ocorrência de decadência e prescrição. No mérito, defendeu: a) a constitucionalidade da incidência de contribuição social sobre a produção rural; b) a validade da alíquota destinada para financiamento das prestações acidentárias, aplicação do artigo 25, II, da Lei 8.212/91; c) que a decisão do STF no RE 363.852/MG não pode ser indiscriminadamente aplicada a qualquer caso; d) caso adotada a decisão do STF pela inconstitucionalidade da norma, deve-se reconhecer a repristinação constitucional da redação original da Lei 8.212/91, com consequente recálculo das contribuições, então incidentes sobre a folha de salários.
Vieram conclusos. É o relatório. Decido.
2. Fundamentação
2.1. Ausência de documentos indispensáveis e falta de interesse de agir do produtor rural pessoa física em razão da repristinação constitucional da redação original da Lei n.º 8.212/1991
Sustenta a ré que não foram apresentados documentos necessários à instrução do feito, de forma a comprovar o efetivo recolhimento do tributo que a parte autora objetiva repetir, e a sua condição de produtor rural e empregador.
Sem razão, contudo.
A exigência de notas fiscais e cálculo do valor a restituir tem apenas a função, no caso, de delimitar a competência entre a Vara Federal e o Juizado Especial desta Subseção. Tal determinação restou cumprida pela parte autora nos eventos 7 e 8. No caso de procedência, poderão ser juntadas notas fiscais adicionais na fase de execução da sentença.
Efetivamente, há necessidade de comprovação da ocorrência do fato gerador e do pagamento do tributo. Todavia, no caso de contribuição descontada do produtor rural pelo adquirente, é prescindível a comprovação do repasse ao Fisco pelo substituto tributário, já que serviria tão-somente para comprovar o cumprimento da obrigação tributária por parte deste.
A parte autora comprovou ser empregador por todo o período pleiteado com a juntada, na inicial, do livro de registro de empregados.
O efeito repristinador pela declaração de inconstitucionalidade as consequências disso são questões que se confundem com o mérito da demanda, e com ele serão analisadas.
2.2. Prejudicial de Mérito: prescrição
A exação discutida nos autos representa modalidade de tributo sujeito a lançamento por homologação, ou seja, o sujeito passivo ou responsável tributário se encarrega do recolhimento do tributo, conforme determina o artigo 150 do Código Tributário Nacional e o sujeito ativo tem prazo legal máximo para homologar o mencionado recolhimento (artigo 149 do Código Tributário Nacional).
O parágrafo 1.º do artigo 150 do Código Tributário Nacional estabelece que o pagamento antecipado extingue o crédito tributário, sujeitando-se, porém, à condição resolutória da ulterior homologação do lançamento. A teor do artigo 173 do Código Tributário Nacional, o prazo máximo para a homologação do lançamento é de 5 anos.
Os dispositivos legais deixam evidente que o crédito tributário só estará definitivamente extinto com a homologação do lançamento ou com o decurso do prazo de cinco anos sem manifestação do sujeito ativo, caso em que ocorrerá a homologação tácita.
Por sua vez, o artigo 168 do Código Tributário Nacional determina que o lapso prescricional para se reclamar o pagamento indevido do tributo é de cinco anos, contados da extinção do crédito tributário.
Ora, conjugando-se os dois dispositivos de lei, é imperioso reconhecer que nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação o prazo prescricional de cinco anos só começa a ser contado a partir da homologação do lançamento, seja ela expressa ou tácita, pois é só a partir deste momento que o crédito é considerado definitivamente extinto. Este era o entendimento que vinha sendo adotado pela jurisprudência pacífica.
Com a edição da Lei Complementar n.º 118/2005 (artigo 3.º) este panorama restou alterado, pois, a pretexto de interpretar o artigo 168, inciso I, do Código Tributário Nacional, determinou que o início da contagem do prazo prescricional para os tributos sujeitos a lançamento por homologação fosse a data do pagamento antecipado previsto no artigo 150, parágrafo 1.º.
A interpretação do artigo 168, inciso I do Código Tributário Nacional, atribuída pelo artigo 3.º da Lei Complementar n.º 118/2005, não se aplica a fatos geradores ocorridos anteriormente à publicação e vigência desta lei complementar. Exatamente nessa linha de orientação foi a decisão do Superior Tribunal de Justiça, que acolheu arguição de inconstitucionalidade do artigo 4.º da Lei Complementar n.º 118/05, que determina a aplicação retroativa do seu artigo 3.º para alcançar também fatos pretéritos, reduzindo o prazo prescricional (AI nos EREsp 644736/PE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 06.06.2007, DJ 27.08.2007 p. 170).
Quanto ao termo inicial de aplicação do novo prazo, como se trata de norma que reduz o prazo de prescrição, sua aplicação obrigatoriamente deve observar a regra de transição que determina que o termo inicial do novo prazo será o da data de vigência da lei que o estabelece, salvo ser a prescrição, iniciada na vigência da lei antiga, vier a se completar em menos tempo segundo a legislação antiga (RESP n.º 836.815/CE, j. 20.6.2006, DJU 30.6.2006, p. 209, Relator Ministro Teori Albino Zavascki).
As conclusões são as seguintes:
para processos ajuizados até 9/6/2006 (versando, portanto, a cerca da restituição do indébito tributário relacionado a fatos geradores anteriores a essa data), vale o prazo prescricional decenal;
para os processos ajuizados a partir de 9/6/2005, há direito ao prazo prescricional iniciado em relação ao restante do que faltar para completar os dez anos, desde que esse restante não seja maior que 5 anos contados a partir de 9/6/2005, ou seja, não ultrapasse 9/6/2010 (Turma Recursal do Paraná, autos n.º 2005.70.95.014351-0, j. 5/7/2006, relator Juíza Federal Rony Ferreira).
No caso dos autos, como o ajuizamento ocorreu em 24/01/2011, tem-se que:
- os fatos geradores anteriores a 9/6/2005, observando que o prazo máximo da prescrição decenal foi 9/6/2010, estão prescritos;
- os fatos geradores posteriores a 9/6/2005 estão sujeitos ao prazo quinquenal conforme determinação da Lei Complementar n.º 118/2005, estando prescrita a pretensão de ter restituídas as contribuições recolhidas antes de 24/01/2006.
2.3. Mérito
a) Histórico legislativo da contribuição sobre a produção rural
A primeira notícia de tal contribuição encontra-se na Lei n.º 4.214/63, que, ao dispor sobre o Estatuto do Trabalhador Rural, criou o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (FUNRURAL), sustentado pela contribuição de 1% sobre o valor comercial dos produtos agropecuários, recolhidos pelo próprio produtor. O Instituto de Previdência e Pensões dos Industriários (IAPI) ficou, provisoriamente, responsável pela arrecadação do referido Fundo, bem como encarregado de conceder benefícios previdenciários e sociais aos segurados rurais.
As principais alterações do custeio do FUNRURAL, até o advento da atual Constituição, foram introduzidas pela Lei Complementar n.º 11, de 25 de Maio de 1971. Ficou instituído o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural - PRORURAL, cuja execução foi incumbida ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural - FUNRURAL, com o intuito de prover ao trabalhador rural e seus dependentes amparo previdenciário e social. O artigo 15 do referido diploma legal estabeleceu como fontes de custeio do programa a contribuição de 2% (aumentada para 2,5% pelo Decreto n.º 83.081/79 para custear as prestações por acidentes de trabalho) a cargo do produtor sobre o valor comercial dos produtos rurais (inciso I, 'a' e 'b') e a contribuição de 2,4% sobre a folha de salários, paga por todos os empregadores (inciso II).
Com a instituição do SINPAS - Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social, pela Lei n.º 6.439/77, a administração do PRORURAL passou a competir ao INPS (artigo 5, inciso III), sendo mantidas as fontes de custeio do programa do modo como exigidas pelo FUNRURAL até então (artigo 2.º). A instituição autárquica do FUNRURAL, por sua vez, ficaria extinta a partir da implantação definitiva do SINPAS, conforme prenunciado pelo caput do artigo 27 da referida lei.
A nova ordem constitucional de 1988 recepcionou as fontes de custeio do PRORURAL como formuladas na Lei Complementar n.º 11/71, conforme se depreende do disposto nos artigos 34 e 59 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, bem como ao determinar a forma de financiamento da seguridade social. Veja-se:
Art. 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; [. . .] (redação original).
II - do trabalhador;
[. . .]
§ 8º - O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o garimpeiro e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.' (redação original).
Pouco depois, em 30 de junho de 1989, a Lei n.º 7.787, em seu artigo 3.º, estabeleceu:
Art. 3º. A contribuição das empresas em geral e das entidades ou órgãos a ela equiparados, destinada à Previdência Social, incidente sobre a folha de salários, será:
I - de 20% sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados empregados, avulsos, autônomos e administradores;
II - de 2% sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e avulsos, para o financiamento da complementação das prestações por acidente do trabalho.
§ 1º. A alíquota de que trata o inciso I abrange as contribuições para o salário-família, para o salário-maternidade, para o abono anual e para o PRORURAL, que ficam suprimidas a partir de 1º de setembro, assim como a contribuição básica para a Previdência Social. [. . .] (grifei)
Como visto, o PRORURAL, um programa de previdência rural administrado, então pela autarquia SINPAS, era mantido por duas fontes distintas de custeio: a) contribuição do produtor rural sobre a produção rural; e, b) contribuição de todos os empregadores sobre a folha de salários. A alíquota unificada de 20%, instituída pela referida lei, reuniu as várias alíquotas distintas da contribuição previdenciária a cargo da empresa - contribuição previdenciária básica (10%), contribuição à previdência rural (PRORURAL) (2,4%), salário-família (4%), décimo-terceiro salário (1,5%), salário-maternidade (0,3%), totalizando 18,2% - incidentes, repita-se, sobre a folha de salários. Portanto, a Lei n.º 7.787/89, ao disciplinar, exclusivamente, a contribuição previdenciária incidente sobre a folha de salários, não dispôs inteiramente sobre a matéria. Também não revogou expressamente a contribuição sobre a produção rural, pois ficaram suprimidas apenas as parcelas nomeadas no § 1.º supra, ou seja, aquelas antes enunciadas, incluindo-se o percentual de 2,4% destinado ao PRORURAL; tampouco era incompatível com a contribuição sobre a produção rural, pois tratou-se, tão-somente, de nova definição de alíquotas sobre fonte de custeio diversa. Desse modo, conforme dispõe o parágrafo 1.º do artigo 2.º da Lei de Introdução ao Código Civil, tais disposições da Lei n.º 7.787/89 não poderiam atingir, tacitamente, outras formas de custeio, tampouco fizeram-no expressamente.
Com isso, a contribuição social sobre o valor da comercialização dos produtos agrícolas estabelecida pelo artigo 15, I, 'a' e 'b', da Lei Complementar n.º 11/71 restou incólume e exigível, a despeito da supressão da contribuição incidente sobre a folha de salários, instituída no inciso II do mesmo dispositivo legal pela Lei n.º 7.787/89.
Observe-se que o PRORURAL, programa de previdência e assistência rural, somente foi suprimido, tacitamente, com o advento da Lei n.º 8.212/91, pois esta dispôs sobre a contribuição incidente sobre a folha de salários e sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção agropecuária, e, expressamente, pela Lei n.º 8.213/91, quando, em seu artigo 138, dispôs que ficavam extintos os regimes de Previdência Social instituídos pela Lei Complementar n.º 11, de 25 de maio de 1971.
Portanto, a contribuição ao PRORURAL, Programa de Previdência e Assistência Rural, incompatível com o sistema unificado e igualitário de proteção social instaurado com a Constituição de 1988, conforme artigo 194, parágrafo primeiro, inciso II, foi extinto pela Lei n.º 8.213/91. Por outro lado, a Lei n.º 8.212/91 instituiu, inicialmente, sistemática semelhante de custeio apenas em relação ao produtor rural em regime de economia familiar.
A legislação anterior à Constituição e a que imediatamente se lhe seguiu tratava indistintamente as diversas categorias de produtores rurais. Porém, a nova Carta iniciou a discriminação e a legislação posterior, começando com a Lei n.º 8.212/91, estabeleceu a distinção entre o produtor rural que trabalha em regime de economia familiar, o que possui empregados e o produtor rural pessoa jurídica.
b) Contribuição do Produtor Rural Pessoa Física Empregador
O produtor rural empregador detém uma situação parecida com a do produtor segurado especial, pois atua como pessoa física, porém exercendo suas atividades não com o auxílio de familiares, mas por meio da contratação de empregados. Possui, assim, também características de atividade empresarial. Essa situação diferenciada justifica o tratamento particular reservado pela legislação a essa categoria de produtor rural. Note-se, ainda, que o tratamento era mais benéfico que aquele dispensado aos demais empregadores, que também possuem faturamento, folha de salários e lucro. Para estes últimos, a contribuição incide sobre as três fontes; para o produtor rural pessoa física, incidia apenas sobre o faturamento. Se tratamento não-isonômico havia, era em benefício do produtor rural.
O legislador, por isso, determinou que o autônomo e equiparado (aqui enquadrando-se o empregador rural pessoa física por força do artigo 12, inciso V, 'a' da LOSS) deveriam ser considerados como empresa para fins de contribuição previdenciária, nos termos do parágrafo único do artigo 15 da Lei n.º 8.212/91. Em função dessa equivalência por força de dispositivo legal, bem como falando a Constituição, no artigo 195, inciso I, em 'empregador', a pessoa física que se dedicasse à atividade rural com o auxílio de empregados ficou sujeita às contribuições sociais exigidas das pessoas jurídicas, passando a contribuir, com a extinção do PRORURAL, somente sobre a folha de salários de seus empregados, já que NÃO sujeito à COFINS. A contribuição sobre a folha de salários tornou-se exigível apenas a partir de 24/10/91, em observância ao prazo nonagesimal.
No entanto, em dezembro de 1992, a Lei n.º 8.540/92 incluiu a pessoa física referida na alínea 'a' do inciso V do artigo 12 (o empregador rural pessoa física) como obrigada à contribuição do artigo 25 da LOSS, à alíquota de 2% da receita bruta decorrente da comercialização da sua produção, substituindo, assim, a contribuição sobre a folha de salários (artigo 22, parágrafo 5.º). Aqui, também aplicável a noventena constitucional. A contribuição do artigo 25 da LOSS, com a alteração introduzida pela Lei n.º 8.540/92, só passou a ser exigível do empregador rural pessoa física em 23 de março de 1993.
Com a Lei n.º 10.256/2001, já sob o pálio da Emenda Constitucional n.º 20/98, o âmbito de substituição da contribuição sobre a produção rural passou a restringir-se às contribuições sobre a folha de salários previstas nos incisos I e II do artigo 22 da Lei n.º 8.212/91, ou seja, em substituição àquela incidente sobre a remuneração dos empregados e aos trabalhadores avulsos. Desta forma, passou, como o fazem as empresas em geral, a contribuir sobre a remuneração dos contribuintes individuais que contratar.
A contribuição sobre a produção rural representa a parte da empresa no financiamento da seguridade social, complementando a contribuição dos trabalhadores empregados e avulsos. O produtor rural pessoa física, equiparado a empresa por dispositivo legal, está, assim, sujeito a tal tributação, e o faz como equiparado a pessoa jurídica, pois, como visto, há na atividade o traço empresarial. Ademais, tal enquadramento assemelha-se à situação do empregador doméstico, que contribui sobre o salários de contribuição dos empregados a seu serviço. Porém, ambos, enquanto pessoas individualmente pretendentes aos benefícios previdenciários, devem contribuir, também singularmente, para o custeio do sistema. Não há, neste mecanismo de financiamento, nenhum traço de confisco ou dupla tributação; há, isto sim, equidade na forma de participação no custeio da seguridade social, conforme princípio constitucional.
Assim, tem-se para o produtor rural pessoa física empregador que:
a) a contribuição ao PRORURAL incidente sobre a comercialização de produtos agrícolas (artigo 15, inciso I, alíneas 'a' e 'b', da Lei Complementar n.º 11/71) permaneceu incólume até a edição da Lei n.º 8.213/91, em 24/7/91, quando foi suprimida;
b) a Lei n.º 8.212/91 equiparou o empregador rural pessoa física à empresa, sujeitando-o a contribuir sobre a folha de salários, exigível a partir de 24/10/91;
c) a Lei n.º 8.540/92 o incluiu entre os obrigados a contribuir sobre a comercialização de sua produção rural, exação que passou a ser exigível em 23/3/93, em razão do princípio da anterioridade nonagesimal, e afastou a contribuição incidente sobre a folha de salários;
d) a Lei n.º 10.256/2001 fixou que a contribuição sobre a produção rural substitui apenas aquela incidente sobre a remuneração dos empregados e trabalhadores avulsos.
c) Hipótese de incidência
A Constituição previu a contribuição do produtor rural em regime de economia familiar incidente sobre o resultado da comercialização da produção (artigo 195, parágrafo 8.º). Já para os empregadores - empresas (produtores rurais pessoa jurídica) e a elas assimilados (produtor rural pessoa física empregador) -, a contribuição poderia recair sobre a folha de salários, o faturamento ou o lucro (artigo 195, inciso I). Essas fontes delimitam o âmbito das contribuições para a seguridade social, ou seja, a área fática dentro da qual o legislador infraconstitucional pode definir, por via ordinária, a hipótese de incidência do tributo. Assim, para o produtor rural em regime de economia familiar, o legislador poderia escolher como hipótese de incidência qualquer transação representativa da comercialização da produção rural; para os produtores rurais em regime empresarial ou assimilados, poderia decidir-se por uma ou mais operações com produtos rurais que implicassem faturamento (ou receita), lucro, ou a folha de salários.
Por outro lado, nem sempre o legislador é didático e explícito ao definir os aspectos abstratos que identificam o surgimento da obrigação tributária. Geraldo Ataliba observa:
8.2 Pois esta categoria ou protótipo (hipótese de incidência) se apresenta sob variados aspectos, cuja reunião lhe dá entidade. Tais aspectos não vêm necessariamente arrolados de forma explícita e integrada na lei. Pode haver - e tal é o caso mais raro - uma lei que os enumere e especifique a todos, mas, normalmente, os aspectos integrativos da hipótese de incidência estão esparsos na lei, ou em diversas leis, sendo que muitos são implícitos no sistema jurídico. Esta multiplicidade de aspectos não prejudica, como visto, o caráter unitário e indivisível da hipótese de incidência. Percebe-o o jurista, utilizando o instrumental da ciência do direito. (Hipótese de Incidência Tributária, 6.ª ed., Malheiros, p. 76)
A legislação assim especifica a contribuição:
Art. 25. A contribuição da pessoa física e do segurado especial referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta lei, destinada à Seguridade Social, é de:
I - dois por cento da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;
(art. 25 da Lei n.º 8.212/91, com a redação dada pela Lei n.º 8.540/92)
[. . .]
Art. 25. A contribuição prevista no art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, devida à seguridade social pelo empregador, pessoa jurídica, que se dedique à produção rural, passa a ser a seguinte:
I - dois e meio por cento da receita bruta proveniente da comercialização de sua produção;
(art. 25 da Lei n.º 8.870/94, redação original)
[. . .]
Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas, observado o disposto em regulamento:
[...]
III - o adquirente, o consignatário ou a cooperativa são obrigados a recolher a contribuição de que trata o art. 25, até o 5° dia útil do mês seguinte ao da operação de venda ou consignação da produção, ou no dia imediatamente anterior caso não haja expediente bancário naquele dia, na forma estabelecida em regulamento; (artigo 30 da Lei n.º 8.212/91, redação original).
Com isso pode-se concluir que a hipótese de incidência da contribuição sobre a comercialização da produção rural é a comercialização da produção rural, e ocorre com a venda ou consignação da produção rural.
Desse modo, o fato gerador ocorre com a primeira comercialização da produção, ou seja, quando o produtor rural inicia o ciclo mercantil, não importando que o adquirente seja o consumidor final, comerciante, industrial ou cooperativa, e o recolhimento (pagamento) deve se dar no prazo do inciso III do artigo 30, acima transcrito, com as alterações legais posteriores. Não há, assim, cumulatividade, pois a contribuição incide uma única vez.
Além disso, a parte autora não alega nem demonstra ter sido tributada por fato gerador diverso do acima explicitado; ao contrário, na documentação juntada verifica-se ter ocorrido venda da produção rural.
d) Base de cálculo
As fontes de receita, constitucionalmente previstas - resultado da comercialização e faturamento -, foram traduzidas pelo legislador infraconstitucional no artigo 25 da Lei n.º 8.212/91 e no artigo 25 da Lei n.º 8.870/94, acima transcritos, desde a redação original, no caso da contribuição para a seguridade social a cargo dos produtores rurais, como incidentes sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção, perfeitamente adequada ao parâmetro constitucional.
A equivalência entre os termos faturamento, inscrito na Constituição, e receita bruta, inserido na legislação ordinária, foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADC 01/95. Também no julgamento da ADIn n.º 1.103-1/96 restou tacitamente confirmada a correspondência entre tais termos, pois a inconstitucionalidade atingiu apenas a base de cálculo pretendida para a agroindústria (valor estimado da produção agrícola própria, considerado seu preço de mercado). Embora não tenha sido conhecida a ação de inconstitucionalidade quanto ao caput do artigo 25 da Lei n.º 8.870/94, por falta de pertinência temática entre os objetivos da requerente (Confederação Nacional da Indústria) e parte da matéria impugnada (contribuição do produtor rural pessoa jurídica), observa-se não haver divergência quanto ao entendimento de serem equivalentes as expressões faturamento e receita bruta, em especial o voto do eminente Ministro Ilmar Galvão, do qual transcreve-se o seguinte trecho:
Para obviar o problema, urgia uma providência, de ordem legislativa, que foi concretizada por via do art. 25, caput e parágrafos, da lei ora impugnada, mediante a substituição da folha de pagamento dos empregadores rurais pelo valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção, como base de cálculo da contribuição social por eles devida, reduzida a respectiva alíquota de 20% para 2,5%.
É fora de dúvida que, ao assim, proceder, laborou o legislador ordinário em campo que lhe era franqueado pelo art. 195, I, da Constituição, como já reconhecido por esta Corte nos precedentes invocados pelo eminente Relator, os quais foram categóricos no entendimento de que se compreende no conceito de faturamento, previsto no mencionado texto, a referência a 'receita bruta'.
Na verdade, não há falar em inconstitucionalidade do referido art. 25 da Lei nº 8.870/94, incs. I e II, por haverem mandado calcular a contribuição social devida pelo empregador rural sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção.
O problema surge, conforme acentuado pelo eminente Relator, no que concerne à produção dos empregadores rurais organizados em forma de agroindústria, em relação aos quais a lei impugnada (art. 25, § 2º) mandou calcular a contribuição, não sobre a receita bruta, posto não haver como se falar, no caso, em receita, se não há operação de venda da produção, mas 'sobre o valor estimado da produção agrícola própria, considerado seu preço de mercado'.
Dessa forma, afigura-se correta a definição da base de cálculo da exação debatida como sendo a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural.
Em decorrência, é desnecessária a instituição da exação em comento por lei complementar, porque já tem fonte de custeio constitucionalmente prevista (artigo 195, inciso I e parágrafo 8.º), somente sendo exigida a instituição de contribuição para a seguridade social por meio de tal instrumento normativo para a criação de novas fontes de financiamento, consoante o disposto no artigo 195, parágrafo 4.º. Assim, não está condicionada à observância da técnica da competência legislativa residual da União (artigo 154, inciso I).
Neste sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal:
Conforme já assentou o STF (RREE 146733 e 138284), as contribuições para a seguridade social podem ser instituídas por lei ordinária, quando compreendidas nas hipóteses do art. 195, I, CF, só se exigindo lei complementar, quando se cuida de criar novas fontes de financiamento do sistema (CF, art. 195, par. 4) (RE 150755-PE, DJ 20-08-93).
A declaração de inconstitucionalidade dos incisos I e II do artigo 25 da Lei n.º 8.870/94, por sua vez, não interfere no julgamento da presente demanda.
Primeiro, porque o dispositivo da Lei n.º 8.870/94 declarado inconstitucional refere-se à contribuição sobre a comercialização do produtor rural pessoa jurídica, enquanto o produtor rural pessoa física empregador tem a contribuição regida pelo artigo 25 da Lei n.º 8.212/92.
Segundo, conforme se verifica na fundamentação apresentada no referido incidente, a inconstitucionalidade decorreu do reconhecimento da impossibilidade de cumulação da contribuição sobre a receita bruta proveniente da comercialização rural com a COFINS, baseada numa vedação de bis in idem sobre a mesma base econômica. Todavia, o produtor rural pessoa física empregador, porque não atende aos requisitos do artigo 1.º da Lei Complementar n.º 70/91 (ser equiparado a pessoa jurídica pela legislação do Imposto de Renda), NÃO é contribuinte da COFINS. A equiparação determinada pelo parágrafo único do artigo 15 da Lei n.º 8.212/91 restringe-se ao âmbito de regulação dessa lei.
O produtor rural pessoa física, mesmo empregador, está sujeito ao imposto de renda da pessoa física, nos termos do artigo 18 da Lei n.º 9.250/95:
Art. 18. O resultado da exploração da atividade rural apurado pelas pessoas físicas, a partir do ano-calendário de 1996, será apurado mediante escrituração do Livro Caixa, que deverá abranger as receitas, as despesas de custeio, os investimentos e demais valores que integram a atividade.
A Instrução Normativa SRF n.º 83/2001, dispondo sobre a tributação dos resultados da atividade rural das pessoas físicas, prevê:
Art. 10. As despesas de custeio e os investimentos são comprovados mediante documentos idôneos, tais como nota fiscal, fatura, recibo, contrato de prestação de serviços, laudo de vistoria de órgão financiador e folha de pagamento de empregados, identificando adequadamente a destinação dos recursos.
O resultado da exploração da atividade rural é apurado, normalmente, mediante a escrituração do Livro Caixa, abrangendo as receitas, as despesas, os investimentos e demais valores que integram a atividade. Nos termos das instruções da própria Receita Federal para a apuração do 'Livro Caixa de Atividade Rural', podem ser consideradas despesas de custeio e investimentos os gastos, por exemplo, com salários, combustíveis, ferramentas, fertilizantes, aquisição de equipamentos, desde que necessários ao desenvolvimento da atividade para a expansão da produção ou melhoria da produtividade agrícola.
Dessa forma, porque amparada constitucionalmente, não se confundindo com a regência tributária da pessoa jurídica rural e não havendo, portanto, cumulação com a COFINS, legítima a exação controvertida.
e) A decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n.º 363.852/MG
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o recurso extraordinário n.º 363.852/MG, com base no voto do relator, Ministro Marco Aurélio, deu provimento ao recurso 'para desobrigar os recorrentes da retenção e recolhimento, por sub-rogação, da contribuição devida pelos empregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos'. O voto condutor do julgado deixou, a princípio, dúvidas que permitiram um interpretação ampla da decisão e foi além do caso concreto que estava em julgamento, o que ocorreu pelo fato de os dispositivos legais questionados tratarem tanto do produtor rural, pessoa natural, empregador, como do produtor rural, pessoa natural, segurado especial. A ementa do julgado dá conta da possível dubiedade:
Assim, a princípio, pareceu que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos citados abrangendo tanto o produtor rural, pessoa natural, empregador, como o produtor rural, pessoa natural, segurado especial. No julgamento dos embargos de declaração interpostos, apesar de não reconhecer a existência de qualquer vício no julgado, o Ministro Relator afastou a dúvida com o seguinte julgado:
É sintomático que a União afirme não buscar o empréstimo de efeito modificativo aos embargos declaratórios e, aludindo à pretensão de obter apenas esclarecimentos, formalize cinco indagações. Os embargos não têm o objetivo de sanar dúvidas estranhas aos limites do processo que desaguou no pronunciamento com eles impugnado. O plenário defrontou-se com processo subjetivo e, em acórdão que contém fundamentação minuciosa, acabou por acolher o pedido formulado na inicial de mandado de segurança. Assim o fez com as cautelas próprias, ou seja, assentando, após a declaração de inconstitucionalidade de preceitos, o direito da impetrante de não ser compelida à retenção do recolhimento de contribuição social ou do recolhimento por sub-rogação sobre a receita bruta proveniente da comercialização de produtos rurais de empregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate até que a legislação nova baseada na Emenda Constitucional n.º 20/98 venha a intituir a contribuição. (grifei)
Duas conclusões importantes surgem da decisão dos embargos de declaração:
a) a decisão diz respeito apenas ao produtor rural, pessoa natural, empregador;
b) e se refere ao período anterior à Emenda Constitucional n.º 20/98.
Ousa-se, porém, divergir da decisão do Supremo Tribunal Federal proferida no recurso extraordinário n.º 363.852/MG, conforme acima explanado.
Primeiro porque se afigura correta a definição da base de cálculo da exação debatida como sendo a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural, sendo desnecessária a instituição da exação por lei complementar, já que sua fonte de custeio está constitucionalmente prevista antes mesmo da Emenda Constitucional n.º 20/98 (artigo 195, inciso I e parágrafo 8.º), o que afasta a competência legislativa residual da União (artigo 154, inciso I).
Segundo, porque não há violação do princípio da isonomia, como assentado na decisão do Supremo Tribunal Federal, já que o produtor rural, pessoa natural, empregador não recolhe COFINS, porque não atende aos requisitos do artigo 1.º da Lei Complementar n.º 70/91, ficando equiparação determinada pelo parágrafo único do artigo 15 da Lei n.º 8.212/91 restringe-se ao âmbito de regulação dessa lei. Basta que se verifique que declara imposto de renda na condição de pessoa física.
Vale assentar, ainda, que se aplicado o entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal no recurso extraordinário n.º 363.852/MG, ao se declarar inconstitucional a nova base de cálculo prevista para sua contribuição para a seguridade social, restaria incólume a legislação anterior que previa o recolhimento da contribuição sobre a folha de salários (repristinação), o que exigiria o encontro de contas para se aferir a existência, ou não, de valores a repetir.
Por fim, mesmo que aceita a conclusão do Supremo Tribunal Federal, desde o advento da Lei n.º 10.256/01, foi sanado o vício apontado por aquela Corte.
Com efeito, tendo-se em conta o que foi devolvido ao Supremo no recurso extraordinário, a fundamentação apresentada pelos ministros e, especialmente, o trecho dos embargos de declaração acima transcrito, verifica-se que apenas a contribuição do produtor rural pessoa física empregador foi afastada, restando incólume a contribuição do produtor rural pessoa física sem empregados, individual ou em regime de economia familiar.
Assim, por via transversa, o que o Supremo Tribunal proferiu foi declaração de inconstitucionalidade com redução de texto para retirar do caput do artigo 25 da Lei n.º 8.212/91:
a) com a redação dada pela Lei n.º 8.540/91, APENAS a expressão 'na alínea a do inciso V';
b) com a redação dada pela Lei n.º 9.528/97, APENAS as expressões 'do empregador rural pessoa física' e 'na alínea a do inciso V'.
Com tal técnica, restou preservada a redação restante do caput e, principalmente, a redação dos incisos I e II do artigo 25 da Lei n.º 8.212/91, os quais previam as alíquotas da contribuição.
Desse modo, quando do advento da Lei n.º 10.256/01, a qual alterou apenas a redação do caput do artigo 25 para incluir o empregador rural pessoa física como sujeito passivo da contribuição sobre a produção rural, estavam vigentes as alíquotas fixadas pela Lei n.º 9.528/97 e, com isso, completa a descrição legal do tipo tributário.
f) Conclusão
Para o produtor rural pessoa física empregador, a contribuição sobre a comercialização da produção rural é indevida de 25 de julho de 1991 (extinção do PRORURAL) até 22 de março de 1993 (prazo nonagesimal da Lei n.º 8.540/92). Todavia, de 24 de outubro de 1991 até 22 de março de 1993, a contribuição incidiu sobre a folha de salários, tal qual para os demais empregadores. Desde 23/3/1993, a contribuição sobre a comercialização da produção rural é válida e exigível.
Desse modo, o montante da repetição resultaria do saldo da contribuição sobre a comercialização da produção rural efetiva e indevidamente paga em relação à contribuição sobre a folha de salários devida no período de 25/7/1991 a 22/3/1993.
Nesse sentido, observando que a demanda foi aforada em 2/6/2010, estando prescrito o direito à repetição do indébito para fatos geradores anteriores a 2/6/2000, não haveria o que se repetir à parte autora em razão da conclusão acima exposta.
Por outro lado, tendo em vista que a contribuição controvertida é reputada válida e exigível desde a redação original do artigo 195 da Constituição Federal, é irrelevante a superveniência da emenda constitucional n.º 20/1998, a qual ampliou a base econômica das contribuições da Seguridade Social, bem como inexistindo violação ao princípio da isonomia, por não estar a parte autora sujeita ao recolhimento da COFINS, nada há a repetir.
Anoto, por fim, apenas a título de argumentação secundária, mesmo que assim não fosse, reconhecido o direito à repetição, haveria de ser feita a compensação com a contribuição sobre a folha de salários exigível no lugar da declarada inconstitucional.
3. Dispositivo
Ante o exposto, nos termos do inciso I do art. 269 do CPC, resolvo o mérito, julgando IMPROCEDENTE o pedido.
Condeno o autor ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios sucumbenciais, que arbitro em 10% (dez por cento) do valor atribuído à causa, nos termos do artigo 20, parágrafos 3.º e 4.º, do Código de Processo Civil.
Considerando que a contribuição debatida é de apenas 2% sobre o valor da venda, que parte de apenas três anos de retenção representam mais de R$ 40.000,00 (PET1, evento 8), entendo que a parte autora é grande produtor rural, não tendo necessidade de assistência judiciária gratuita. Indefiro, pois, a AJG. Desse modo, deverá a parte autora recolher as custas judiciais (iniciais e, eventualmente, recursais).
Oficie-se o INSS para que faça constar, nas anotações do CNIS do autor, a qualidade de produtor rural empregador desde 01/09/1986, conforme consta do livro de registro de empregados.
Intimem-se.
1. Em havendo interposição de recursos de apelação e adesivo, desde já os recebo em seu duplo efeito. Fica ressalvada a possibilidade de reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso após a resposta, nos termos do § 2º artigo 518 do Código de Processo Civil, acrescentado pela Lei n.º 11.276, de 07 de fevereiro de 2006.
2. Após, dê-se vista ao apelado para oferecimento de contra-razões, no prazo legal.
3. Em seguida, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
A parte autora interpôs recurso de apelação, o qual foi julgado deserto (decisão do evento 37), sendo certificado o trânsito em julgado em 25/09/2012.
É o relatório. Decido.
2. Fundamentação
Como se vê da narratória do processo anterior, ante a generalidade do pedido do autor, houve análise ampla da contribuição ao FUNRURAL, inclusive com expressa menção na sentença à incidência da Lei 10.256/2001.
Os artigos 485 e 337, ambos do novos Código de Processo Civil, anteriores 267 e 301 assim dispõem :
Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:
(...)
V - reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada;(...)
§ 3º O juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado.(...)
Art. 337. Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar:
VII - coisa julgada (...)
§ 1º Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada.
§ 2º Uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.
(...)
§ 4o Há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado.
Como já visto, o pedido desta ação repete o objeto do processo nº 5000043-21.2011.4.04.7014.
Diante desse contexto, não há outra solução que não a extinção deste processo sem resolução de mérito, em razão da ocorrência da coisa julgada.
Não vislumbro nas razões recursais motivos para alterar tal entendimento, o qual se coaduna com a jurisprudência do egrégio STF, consoante se verifica do seguinte aresto:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - COISA JULGADA EM SENTIDO MATERIAL - INDISCUTIBILIDADE, IMUTABILIDADE E COERCIBILIDADE: ATRIBUTOS ESPECIAIS QUE QUALIFICAM OS EFEITOS RESULTANTES DO COMANDO SENTENCIAL - PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL QUE AMPARA E PRESERVA A AUTORIDADE DA COISA JULGADA - EXIGÊNCIA DE CERTEZA E DE SEGURANÇA JURÍDICAS - VALORES FUNDAMENTAIS INERENTES AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO - EFICÁCIA PRECLUSIVA DA "RES JUDICATA" - "TANTUM JUDICATUM QUANTUM DISPUTATUM VEL DISPUTARI DEBEBAT" - CONSEQUENTE IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO DE CONTROVÉRSIA JÁ APRECIADA EM DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO, AINDA QUE PROFERIDA EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA PREDOMINANTE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - A QUESTÃO DO ALCANCE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 741 DO CPC - MAGISTÉRIO DA DOUTRINA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal, estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade. - A superveniência de decisão do Supremo Tribunal Federal, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia "ex tunc" - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, "in abstracto", da Suprema Corte. Doutrina. Precedentes. - O significado do instituto da coisa julgada material como expressão da própria supremacia do ordenamento constitucional e como elemento inerente à existência do Estado Democrático de Direito.
(STF, AgR no RE nº 592.912/RS, 2ª Turma, rel. Min. Celso de Mello, DJe de 22-11-2012) (destaquei)
No mesmo sentido os seguintes precedentes do egrégio STJ, bem como da 2º Turma deste Regional:
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CONFIGURADA. EFICÁCIA TEMPORAL DA COISA JULGADA. MANDADO DE SEGURANÇA QUE DECLARA A INEXIGIBILIDADE DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO, COM BASE NO RECONHECIMENTO, INCIDENTER TANTUM, DA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 7.689/88. EDIÇÃO DA LEI 70/91. ALTERAÇÃO NO ESTADO DE DIREITO. CESSAÇÃO DA FORÇA VINCULATIVA DA COISA JULGADA.
1. Não viola os arts. 458 e 535 do CPC, nem importa negativa de prestação jurisdicional, o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adotou, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia posta.
2. A sentença, ao examinar os fenômenos de incidência e pronunciar juízos de certeza sobre as conseqüências jurídicas daí decorrentes, certificando, oficialmente, a existência, ou a inexistência, ou o modo de ser da relação jurídica, o faz levando em consideração as circunstâncias de fato e de direito (norma abstrata e suporte fático) que então foram apresentadas pelas partes. Por qualificar norma concreta, fazendo juízo sobre fatos já ocorridos, a sentença, em regra, opera sobre o passado, e não sobre o futuro.
3. Portanto, também quanto às relações jurídicas sucessivas, a regra é a de que as sentenças só têm força vinculante sobre as relações já efetivamente concretizadas, não atingindo as que poderão decorrer de fatos futuros, ainda que semelhantes. Elucidativa dessa linha de pensar é a Súmula 239/STF.
4. Todavia, há certas relações jurídicas sucessivas que nascem de um suporte fático complexo, formado por um fato gerador instantâneo, inserido numa relação jurídica permanente. Ora, nesses casos, pode ocorrer que a controvérsia decidida pela sentença tenha por origem não o fato gerador instantâneo, mas a situação jurídica de caráter permanente na qual ele se encontra inserido, e que também compõe o suporte desencadeador do fenômeno de incidência. Tal situação, por seu caráter duradouro, está apta a perdurar no tempo, podendo persistir quando, no futuro, houver a repetição de outros fatos geradores instantâneos, semelhantes ao examinado na sentença. Nestes casos, admite-se a eficácia vinculante da sentença também em relação aos eventos recorrentes. Isso porque o juízo de certeza desenvolvido pela sentença sobre determinada relação jurídica concreta decorreu, na verdade, de juízo de certeza sobre a situação jurídica mais ampla, de caráter duradouro, componente, ainda que mediata, do fenômeno de incidência. Essas sentenças conservarão sua eficácia vinculante enquanto se mantiverem inalterados o direito e o suporte fático sobre os quais estabeleceu o juízo de certeza.
5. No caso presente, houve sentença que, bem ou mal, fez juízo a respeito, não de uma relação tributária isolada, nascida de um específico fato gerador, mas de uma situação jurídica mais ampla, de trato sucessivo, desobrigando a impetrante de se sujeitar ao recolhimento da contribuição prevista na Lei 7.689/88, considerada inconstitucional. Todavia, o quadro normativo foi alterado pela Lei 70/91, cujas disposições não foram, nem poderiam ser, apreciadas pelo provimento anterior transitado em julgado, caracterizando alteração no quadro normativo capaz de fazer cessar sua eficácia vinculante.
6. Recurso especial a que se dá provimento.
(REsp 742.413/MG, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/11/2008, DJe 24/11/2008)
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. COISA JULGADA. 1. A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) ou outro veículo processual que lhe faça as vezes. 2. Segundo jurisprudência do egrégio STF, a superveniência de decisão do Pretório Excelso, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia "ex tunc" - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, "in abstracto", da Suprema Corte. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000330-78.2011.404.7015, 2ª TURMA, Des. Federal OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 13/05/2013)
Sendo assim, a fim de evitar tautologia, adoto como razão de decidir os fundamentos da sentença, os quais estão em sintonia com precedentes do STF, do STJ e desta Turma.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação
Juíza Federal CLÁUDIA MARIA DADICO
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 25/10/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000376-94.2016.4.04.7014/PR
ORIGEM: PR 50003769420164047014
RELATOR | : | Juíza Federal CLÁUDIA MARIA DADICO |
PRESIDENTE | : | OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA |
PROCURADOR | : | Dr. Waldir Alves |
APELANTE | : | ERNESTO FREYHARDTH |
ADVOGADO | : | Willian Luis Ritzmann Stratmann |
APELADO | : | UNIÃO - FAZENDA NACIONAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 25/10/2016, na seqüência 430, disponibilizada no DE de 11/10/2016, da qual foi intimado(a) UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 2ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal CLÁUDIA MARIA DADICO |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal CLÁUDIA MARIA DADICO |
: | Des. Federal OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA | |
: | Des. Federal RÔMULO PIZZOLATTI |
MARIA CECÍLIA DRESCH DA SILVEIRA
Secretária de Turma
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