APELAÇÃO CÍVEL Nº 5026767-21.2017.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | LUIZA HELENA FERRONATTO MEZZOMO |
ADVOGADO | : | RAFAEL PLENTZ GONÇALVES |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. VALOR COBRADO PELO INSS. NÃO COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ PELO SEGURADO. SENTENÇA MANTIDA. CUSTAS.
1. Tendo havido pagamento indevido de valores a título de benefício previdenciário, sem que o segurado tenha concorrido com má-fé, incabível a restituição.
2. Não importa declaração de inconstitucionalidade do art. 115, da Lei 8.213/91, o reconhecimento da impossibilidade de devolução ou desconto de valores indevidamente percebidos.
3. A hipótese é de não incidência do dispositivo legal, porque não concretizado o seu suporte fático. Precedentes do STF (ARE 734199, Rel Min. Rosa Weber).
4. Havendo o feito tramitado perante a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, o INSS está isento do pagamento de custas, mas obrigado ao pagamento de eventuais despesas processuais, consoante o disposto no art. 11 da Lei Estadual n. 8.121/85, na redação dada pela Lei n. 13.471, de 23 de junho de 2010.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 08 de agosto de 2017.
ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Relator
| Documento eletrônico assinado por ALTAIR ANTONIO GREGORIO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9063227v7 e, se solicitado, do código CRC 6A65D4C2. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5026767-21.2017.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | LUIZA HELENA FERRONATTO MEZZOMO |
ADVOGADO | : | RAFAEL PLENTZ GONÇALVES |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo INSS (evento 3- APELAÇÃO32) contra a sentença (evento 3-SENT31) prolatada em 06/03/2017 que, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, julgou procedente o pedido formulado pela parte autora, confirmando a antecipação de tutela concedida, para o efeito de reconhecer a ilegalidade da cobrança de R$ 86.408,01. Condenou o INSS, ainda, ao pagamento das custas processuais, por metade, e dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa.
Em suas razões, insiste a autarquia que é devida a restituição dos valores pagos indevidamente, por conta de constatação de irregularidade na concessão. Requer a reforma do decisum para que se determine o ressarcimento dos valores com amparo no art. 115 da Lei 8.213/91, bem como isenção do pagamento das custas processuais.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade do recurso
Recebo o recurso de apelação da parte autora, visto que adequado e tempestivo.
Mérito
Na presente ação, a demandante objetiva a declaração de ilegalidade da cobrança dos valores recebidos no período de 13/07/1996 a 30/08/2011 a título de amparo previdenciário à trabalhadora rural, bem como o afastamento da necessidade de devolução dos respectivos valores.
O julgador a quo, na sentença, julgou procedente a pretensão, sob a seguinte fundamentação:
"(...)
Tendo o feito transcorrido sem que verificassem irregularidades ou nilidades, presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, e na ausência de preliminares, o feito está apto para julgamento.
Extrai-se da inicial, em suma, que a parte autora busca através da presente demanda o reconhecimento da cobrança dos valores recebidos indevidamente, bem como a desnecessidade de devolução destes. Alternativamente, a demandante requereu que fosse reconhecida a prescrição quinquenal com relação às parcelas cobradas.
A parte ré, em sede de contestação, impugnou os pedidos formulados, afirmando que é necessária a ocorrência da devolução dos valores recebidos indevidamente mesmo nos casos de boa-fé do beneficiário. Além disso, sustentou que não de opera a decadência do direito de cobrar tais valores, tendo em vista que não se trata de discussão acerca da anulação do benefício.
Fixados os pontos controvertidos da lide, passo à análise do mérito.
Inicialmente, esclareço que nos casos de concessão irregular de benefício, o ressarcimento do montante recebido indevidamente será mediante parcelas, nos termos do artigo 115 da Lei nº 8.213/91 e artigo 154 do Decreto nº 3.048/99, ressalvados os casos de má-fé.
Contudo, mesmo quando reconhecida a irregularidade na concessão do benefício, a doutrina e a jurisprudência pátrias entendem que, havendo boa-fé do segurado, os valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário não devem ser restituídos à Previdência Social, em respeito ao princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
Nesse ponto, percebe-se que o princípio da irrepetibilidade dos alimentos relativiza a aplicação do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado quando houver boa-fé do segurado.
Os alimentos, como sabido, têm como escopo a sobrevivência digna do indivíduo e deriva diretamente do princípio da dignidade da pessoa humana, que deve ser observado com prevalência em relação a outras normas jurídicas quando do conflito entre as normas.
É o caso, por exemplo, do princípio da supremacia do interesse público. Sempre que o princípio da supremacia do interesse público estiver em confronto com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Isso porque, muito embora o artigo 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91 possibilite, de fato, o desconto de pagamento de valores além dos devidos, há que se interpretar tal autorização restritivamente, dada a manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário (no caso, a aposentadoria), a evidenciar que qualquer supressão de parcela deste comprometeria a subsistência do segurado e seus dependentes, em afronta ao princípio do respeito à dignidade humana (art. 1º, III, da CEF/88).
Assim sendo, não se pode negar ao segurado condições mínimas para a sua sobrevivência, diminuídas por um erro que a ele não pode ser atribuído, cometido unicamente pela Administração Pública.
Nesse passo, a aplicação da disposição em comento restringe-se às hipóteses em que, para o pagamento a maior ou por erro feito pela Administração, tenha concorrido o beneficiário, o que não se evidencia no caso concreto.
Com efeito, dispondo o INSS de elementos que pudessem obstaculizar a pretensão da parte autora veiculada na demanda, caberia à autarquia-ré tomar as providências pertinentes à comprovação de eventual existência de fraude ou má-fé da demandante, o que não fez.
Desse modo, considerando que não houve comprovação de que a requerente agiu de má-fé, sendo que o erro sobre a quantidade de benefícios pagos foi de exclusiva responsabilidade da autarquia-ré, configura-se uma das circunstâncias excepcionais que demandam a aplicação do princípio da segurança jurídica em detrimento do princípio da legalidade, razão pela qual não são exigíveis os valores indevidamente recebidos.
Nesse sentido, é o entendimento do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
"PREVIDENCIÁRIO. VALORES RECEBIDOS EM RAZÃO DE ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE.
Confirma-se a decisão recorrida em sua integralidade, porquanto a restituição prevista no artigo 115 da Lei 8.213/91 somente se aplica nos caso de má-fé do beneficiário, consoante entendimento desta Corte, o que inocorreu no presente caso." (TRF4, AC 5012921-22.2013.404.7009, SEXTA TURMA, Relator (AUXÍLIO VÂNIA) HERMES S DA CONCEIÇÃO JR, juntado aos autos em 24/02/2017)-grifei
"PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE. BENEFÍCIO CONCEDIDO ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.528/97. CUMULAÇÃO COM APOSENTADORIA. IMPOSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE PELO SEGURADO POR ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE.
1. Conforme entendimento do STJ, o auxílio suplementar por acidente do trabalho foi incorporado pelo auxílio-acidente, com o advento da Lei nº 8.213/91, adquirindo caráter vitalício.
2. No entanto, não é possível a acumulação de auxílio-acidente/suplementar com aposentadoria, quando esta última for posterior à edição da Lei n. 9.528/97, que integrou o valor do auxílio-acidente ao salário-de-contribuição, o que é o caso dos autos.
3. Não cabe descontos, no benefício previdenciário, a título de restituição de valores pagos aos segurados por erro administrativo, cujo recebimento deu-se de boa-fé, face ao princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos. Precedentes do STJ." (TRF4, APELREEX 0024920-51.2008.404.7100, Sexta Turma, Relator Celso Kipper, D.E, 14/05/2010) -grifei
"MANDADO DE SEGURANÇA. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. DESCONTO DOS VALORES PAGOS A MAIOR. EQUÍVOCO ADMINISTRATIVO. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS.
1. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99.
2. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores determinada pela autarquia." (TRF4, APELREEX 2008.72.11.001599-4, Quinta Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 03/05/2010) - grifei
Diante disso, deve ser reconhecida a ilegalidade da cobrança efetuada pelo INSS, não havendo que se falar em devolução dos valores recebidos pela parte autora.
Em face da conclusão supra, resta prejudicada a análise do pedido alternativo de reconhecimento da prescrição quinquenal formulado na inicial, motivo pelo qual deixo de analisá-lo."
O art. 115, II, da Lei 8.213/91, segundo o qual podem ser descontados dos benefícios, o pagamento de benefício além do devido, tem de ser interpretado de acordo com a Constituição da República. Nessa perspectiva, apenas quando demonstrada a má-fé do beneficiário se afigura legítima a restituição de valores previdenciários indevidamente recebidos. Isso porque não é proporcional - e viola, portanto, o devido processo legal substancial - a determinação de devolução de valores de natureza alimentar recebidos de boa-fé.
Em interpretação conforme do art. 115, II, da Lei 8.213/91, resta assegurada a não repetição dos valores havidos de boa-fé por força de antecipação da tutela (ainda que posteriormente revogada) ou por força de erro administrativo, salvo se comprovada a má-fé.
Assim, deve ser mantida integralmente a sentença quanto ao mérito.
Custas e Despesas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS).
Conclusão
Mantida a sentença quanto ao mérito. Afastada a condenação ao pagamento das custas processuais, em provimento ao apelo do INSS.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação.
ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 08/08/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5026767-21.2017.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00011855020148210090
RELATOR | : | Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO |
PRESIDENTE | : | Luiz Carlos Canalli |
PROCURADOR | : | Dr. Jorge Luiz Gasparini da Silva |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | LUIZA HELENA FERRONATTO MEZZOMO |
ADVOGADO | : | RAFAEL PLENTZ GONÇALVES |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 08/08/2017, na seqüência 222, disponibilizada no DE de 20/07/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO |
: | Juíza Federal GISELE LEMKE | |
: | Juiz Federal LUIZ CARLOS CANALLI |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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