
D.E. Publicado em 04/11/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação autárquica, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0025411-40.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação proposta em 01/04/2013 com vistas à concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
Documentos ofertados (fls. 11-22 e 37-67).
Deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 30).
Citação, em 16/10/2014 (fl. 94).
Laudo médico elaborado por perito judicial (fls. 91-93).
Estudo socioeconômico (fls. 96-102).
Parecer do Ministério Público do Estado de São Paulo (fls. 128-138).
A r. sentença, prolatada em 19/01/2016, julgou procedente o pedido, e antecipou os efeitos jurídicos da tutela. Condenado o réu ao pagamento do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, desde a data da do requerimento administrativo, 22/01/2013 (fls. 140-143).
Apelação do INSS. Aduz que não restou atendido pela parte autora o requisito concernente à hipossuficiência, previsto no art. 20 da Lei 8.741/93. Para o caso de manutenção do decisum, requer seja fixado o termo inicial do benefício na data prolação da sentença (fls. 147-151).
Com contrarrazões, subiram os autos a este Egrégio Tribunal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 169-174).
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0025411-40.2016.4.03.9999/SP
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Trata-se de recurso interposto pela parte ré contra sentença que julgou procedente pedido de benefício assistencial a pessoa portadora de deficiência.
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. Neste aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, V, da Constituição Federal, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435, de 06 de julho de 2011, e o art. 34, da Lei 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003 rezam, in verbis:
O apontado dispositivo legal, aplicável ao idoso, procedeu a uma forma de limitação do mandamento constitucional, eis que conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda inferior à 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único, do art. 34, da Lei 10.741/03.
De mais a mais, a interpretação deste dispositivo legal na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei 8.742/93.
Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto nº 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o art. 4º, inc. VI e o art. 19, caput e parágrafo único do referido decreto, in verbis:
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei 8.742/93 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada im procedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01.04.2005, p. 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
Evidencia-se que o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensáveis elementos probatórios outros.
Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante inferior a 1/4 do salário mínimo.
Não se desconhece notícia constante do Portal do Supremo Tribunal Federal, de que aquela Corte, em recente deliberação, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais em voga (Plenário, na Reclamação 4374, e Recursos Extraordinários - REs 567985 e 580963, estes com repercussão geral, em 17 e 18 de abril de 2013, reconhecendo-se superado o decidido na ADI 1.232-DF), do que não mais se poderá aplicar o critério de renda per capita de ¼ do salário mínimo para fins de aferição da miserabilidade.
Também restou consolidado no colendo Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a comprovação do requisito da renda familiar per capita não-superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não exclui outros fatores que tenham o condão de aferir a hipossuficiência econômica da parte:
Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
Quanto à alegada incapacidade, depreende-se do laudo médico pericial, relativo a perícia médica realizada em 02/09/2014 (fls. 91-93), que o expert concluiu que o demandante, na ocasião da perícia com 33 anos de idade, é portador de "Esquizofrenia. CID 10 F 20.0", e que a referida patologia o incapacita de forma total e permanente "para a vida independente, e para o trabalho.".
Por sua vez, estudo social elaborado em 22/10/2014 (fls. 96-102) revela que o núcleo familiar era constituído por três pessoas: pelo próprio autor, com 33 anos de idade, por seu genitor, João Ferreira de Souza, 57 anos de idade, divorciado, pedreiro, e pelo irmão do demandante, Geovane Carlos da Silva, 31 anos de idade, divorciado, entregador de farmácia.
A família residia em casa própria, pertencente ao irmão do autor (Geovane), construída em alvenaria, em padrão classificado como "boa", em estado regular de conservação ("trata-se de residência inacabada").
A família possui dois veículos: uma motocicleta ("não foi possível saber a marca, modelo e ano de fabricação") e um automóvel marca Volkswagen, modelo Passat, ano 1986.
A assistente social foi informada de que a renda familiar resumia-se à renda percebida pelo padrasto do autor, no valor mensal "em torno de" um salário mínimo mensal, ou seja, R$ 724,00, bem como pelo salário recebido pelo irmão do autor, que é "entregador na Farmácia Farmais", e se negou a informar a sua renda: ("... já o Sr. Geovane disse não saber onde estava sua carteira, não respondendo as perguntas e se ausentando no momento da visita.") No entanto, verifico que a autarquia federal diligenciou no sentido de verificar o piso salarial da classe trabalhadora a que pertencia o irmão do demandante, constatando que ele receberia, no mínimo, R$ 1.300,00 por mês (fl. 148). A referida alegação não restou infirmada pela parte autora em sede de contrarrazões, tornando-se prelusa a questão.
Portanto, na ocasião do estudo socioeconômico, a renda familiar totalizava aproximadamente R$ 2.000,00 por mês.
Já a despesa mensal do núcleo familiar compreendia gastos com alimentação no valor de aproximadamente R$ 800,00 por mês, montante esse superior ao salário mínimo mensal da época, o que, por si só, demonstra que a família possuía hábitos de consumo totalmente incompatíveis com os dos integrantes das classes sociais a que se destina o benefício sub judice, onde se encontram pessoas em situação de vulnerabilidade social tal que seus itens de consumo não superam aqueles que compõem a cesta básica.
Observe-se ainda que parte da renda familiar estaria sendo destinada a gastos com a manutenção (combustível, taxas e impostos) do automóvel e da motocicleta da família, despesas essas, cujos valores foram omitidos, totalmente prescindíveis em situação de penúria econômica extrema.
Sendo assim, não há, nos autos, elementos o bastante para se afirmar que se trata de família que vive em estado de miserabilidade, ao contrário: os recursos obtidos pela família da parte requerente aparentemente são ser suficientes para cobrir os gastos ordinários, bem como tratamentos médicos e cuidados especiais que lhe sejam imprescindíveis.
Neste diapasão, não comprovados pela parte autora os requisitos legais necessários, não faz ela jus à concessão do benefício assistencial, tornando imperiosa a reforma da r. sentença, na íntegra.
Por conseguinte, impõe-se a cassação da tutela jurisdicional deferida pelo r. Juízo de Primeira Instância. Determino seja remetida esta decisão por via eletrônica à autoridade administrativa, a fim de que seja cessado o pagamento do benefício ora pleiteado, após o trânsito em julgado.
Consoante entendimento firmado pela Terceira Seção desta Corte, deixo de condenar a parte autora ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, porquanto beneficiária da assistência judiciária gratuita (TRF - 3ª Seção, AR n.º 2002.03.00.014510-0/SP, Rel. Des. Fed. Marisa Santos, j. 10.05.2006, v.u., DJU 23.06.06, p. 460).
Isso posto, dou provimento à apelação autárquica.
É COMO VOTO.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 19/10/2016 16:43:18 |