D.E. Publicado em 22/08/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, de ofício, corrigir a sentença e dar parcial provimento à remessa oficial e à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0024228-78.2009.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de remessa oficial e apelação interposta pelo INSS em face da sentença proferida nos autos da ação em que se pleiteia o reconhecimento de atividade rural sem registro em carteira e a concessão de aposentadoria por tempo de serviço.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para o fim de reconhecer a atividade rural do autor no período de 02/07/1966 a 13/02/1984 e condenar o réu a conceder-lhe o benefício de aposentadoria por tempo de serviço integral a partir do ajuizamento da ação.
Apela o INSS sustentando, em síntese, que não restou comprovado o labor rural pelo período pleiteado, sendo indevido o benefício pretendido.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Aposentadoria por tempo de serviço/contribuição - requisitos
A aposentadoria por tempo de serviço, atualmente denominada aposentadoria por tempo de contribuição, admitia a forma proporcional e a integral antes do advento da Emenda Constitucional 20/98, fazendo jus à sua percepção aqueles que comprovem tempo de serviço (25 anos para a mulher e 30 anos para o homem na forma proporcional, 30 anos para a mulher e 35 anos para o homem na forma integral) desenvolvido totalmente sob a égide do ordenamento anterior, respeitando-se, assim, o direito adquirido.
Aqueles segurados que já estavam no sistema e não preencheram o requisito temporal à época da Emenda Constitucional 20 de 15 de dezembro de 1998, fazem jus à aposentadoria por tempo de serviço proporcional desde que atendam às regras de transição expressas em seu art. 9º, caso em que se conjugam o requisito etário (48 anos de idade para a mulher e 53 anos de idade para o homem) e o requisito contributivo (pedágio de 40% de contribuições faltantes para completar 25 anos, no caso da mulher e para completar 30 anos, no caso do homem).
Atualmente, são requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de acordo com os arts. 52 e 142 da Lei 8.213/91, a carência e o recolhimento de contribuições (30 anos para a mulher e 35 anos para o homem), ressaltando-se que o tempo de serviço prestado anteriormente à referida Emenda equivale a tempo de contribuição, a teor do art. 4º da Emenda Constitucional 20/98.
Tempo de serviço rural anterior e posterior à Lei de Benefícios
A aposentadoria do trabalhador rural apresenta algumas especificidades, em razão sobretudo da deficiência dos programas de seguridade voltados a essa categoria de trabalhadores no período anterior à Constituição Federal de 1988 e do descumprimento da legislação trabalhista no campo. Assim é que, no seu art. 55, §2º, a Lei 8.213/91 estabeleceu ser desnecessário o recolhimento de contribuições previdenciárias pelo segurado especial ou trabalhador rural no período anterior à vigência da Lei de Benefícios, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural, exceto para efeito de carência. Neste sentido, já decidiu esta E. Corte: SÉTIMA TURMA, APELREEX 0005026-42.2014.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 21/07/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/07/2014 e TERCEIRA SEÇÃO, AR 0037095-93.2010.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELSON BERNARDES, julgado em 28/11/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/12/2013.)
Já em relação ao tempo de serviço rural trabalhado a partir da competência de novembro de 1991 (art. 55, §2º, da Lei 8.213/91 c/c o art. 60, X, do Decreto 3.048/99), ausente o recolhimento das contribuições, somente poderá ser aproveitado pelo segurado especial para obtenção dos benefícios previstos no art. 39, I, da Lei 8.213/91.
A prova do exercício de atividade rural
Muito se discutiu acerca da previsão contida no art. 55, §3º, da Lei de Benefícios, segundo a qual a comprovação do tempo de serviço exige início de prova material. O que a Lei nº 8.213/91 exige é apenas o início de prova material e é esse igualmente o teor da Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça.
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
Exigir documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se quer reconhecer equivaleria a erigir a prova documental como a única válida na espécie, com desconsideração da prova testemunhal produzida, ultrapassando-se, em desfavor do segurado, a exigência legal. Neste sentido, o C. STJ: AgRg no AREsp 547.042/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 30/09/2014.
Tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
Idade mínima para o trabalho rural
Não se olvida que há jurisprudência no sentido de admitir-se o labor rural a partir dos 12 (doze) anos de idade, por ser realidade comum no campo, segundo as regras ordinárias de experiência, mormente se a prova testemunhal é robusta e reforçada por documentos que indicam a condição de lavradores dos pais do segurado.
O raciocínio invocado em tais decisões é o de que a norma constitucional que veda o trabalho ao menor de 16 anos visa à sua proteção, não podendo ser invocada para, ao contrário, negar-lhe direitos. (RESP 200200855336, Min. Jorge Scartezzini, STJ - Quinta Turma, DJ 02/08/2004, p. 484.).
Tal ponderação não é isenta de questionamentos. De fato, emprestar efeitos jurídicos para situação que envolve desrespeito a uma norma constitucional, ainda que para salvaguardar direitos imediatos, não nos parece a solução mais adequada à proposta do constituinte - que visava dar ampla e geral proteção às crianças e adolescentes, adotando a doutrina da proteção integral, negando a possibilidade do trabalho infantil.
Não se trata, assim, de restringir direitos ao menor que trabalha, mas sim, de evitar que se empreste efeitos jurídicos, para fins previdenciários, de trabalho realizado em desacordo com a Constituição. Considero, desta forma, o ordenamento jurídico vigente à época em que o(a) autor(a) alega ter iniciado o labor rural para admiti-lo ou não na contagem geral do tempo de serviço, para o que faço as seguintes observações:
As Constituições Brasileiras de 1824 e 1891 não se referiram expressamente à criança e adolescente tampouco ao trabalho infantil.
A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar expressamente da proteção à infância e à juventude e em seu artigo 121 consagrou, além de outros direitos mais favoráveis aos trabalhadores, a proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos; e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.
Por sua vez, a Constituição de 1937, repetiu a fórmula da proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.
A Constituição de 1946 elevou a idade mínima para a execução de trabalho noturno de 16 para 18 anos, mantendo as demais proibições de qualquer trabalho para menores de 14 anos e em indústrias insalubres para menores de 18 anos, além de proibir a diferença de salário para o mesmo trabalho por motivo de idade.
A Constituição de 1967, embora tivesse mantido a proibição para o trabalho noturno e insalubre para menores de 18 anos, reduziu de 14 para 12 anos a idade mínima para qualquer trabalho.
Por fim, a Constituição da República de 1988, proíbe o trabalho noturno, perigoso e insalubre para os menores de 18 anos; e, inicialmente, de qualquer trabalho para menores de 14 anos, como constava nas Constituições de 1934, 1937 e 1946. Todavia, com a Emenda Constitucional 20, de 1998, a idade mínima foi elevada para 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 anos.
Caso concreto - elementos probatórios
A parte autora, nascida em 21/06/1954, trouxe aos autos, para comprovar o exercício de atividade rural, os seguintes documentos nos quais é qualificado como lavrador:
- certificado de dispensa de incorporação em 1979 (fls. 10);
- certidão de casamento, contraído em 16/06/1979 (fls. 11);
- certidão de nascimento da filha, nascida em 03/03/1980 (fls. 12);
- cópia da CTPS contendo vínculos rurais e urbanos (fls. 13/15).
Observo que o certificado de dispensa de incorporação é apto a constituir o início de prova material, ainda que a qualificação do autor esteja grafada a lápis, pois se trata de procedimento definido em portaria do antigo Ministério do Exército. Nesse sentido, STJ, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, RESP Nº 1.198.539 - RS, j.07/06/2011.
As testemunhas ouvidas em audiência atestaram o labor rural desde a infância acompanhando seu pai na lavoura, prestando serviços a terceiros na zona rural de Itararé (fls. 40/41).
Como já decidido pela E. 7ª Turma, e tendo em vista o julgamento do Recurso Especial n.º 1.348.633/SP, representativo de controvérsia, pela 1ª Seção do C. Superior Tribunal de Justiça, é possível a admissão de tempo de serviço rural anterior à prova documental, desde que corroborado por prova testemunhal idônea, o que de fato ocorreu, como se verifica dos depoimentos prestados.
Desta forma, reconheço o trabalho rural desenvolvido pelo autor informalmente desde 15/03/1967 (vigência da Constituição Federal de 1967, quando já possuía mais de 12 anos) a 13/02/1984 (data anterior ao primeiro registro na CTPS).
Considerando o tempo de serviço rural declarado nos autos, bem como o tempo com registro em CTPS e constante no CNIS, verifica-se que à época do ajuizamento da ação (11/02/2008), a parte autora já havia preenchido o tempo de serviço necessário à concessão do benefício e cumprido a carência mínima exigida pelo art. 142 da Lei de Benefícios, conforme se verifica na tabela anexa.
Sendo assim, verifica-se que o autor ultrapassou os 35 anos exigidos para a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço, nos termos do art. 201, § 7º, I, da Constituição da República, motivo pelo qual o pedido deve ser julgado procedente.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data da citação (28/03/2008 - fls. 18v.), uma vez que a parte autora demonstrou que já havia preenchido os requisitos necessários à concessão do benefício desde então e inexiste nos autos comprovação do prévio requerimento administrativo.
As parcelas vencidas deverão ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora, a partir da citação, de acordo com os critérios fixados no manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. Na esteira desse entendimento, cumpre destacar decisões desta E. Sétima Turma: AgLegal/ApelReex nº 0000319-77.2007.4.03.6183/SP, Rel. Des. Fed. Fausto de Sanctis, 7ª Turma, data do julgamento 23/02/2015; AC nº 0037843-62.2014.4.03.9999/SP, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, 7ª Turma, data do julgamento 26/02/2015; AC nº 0000458-61.2013.4.03.6005/SP, Rel. Des. Fed. Denise Avelar, 7ª Turma, data do julgamento 27/02/2015.
Insta esclarecer que não desconhece este Relator o alcance e abrangência da decisão proferida nas ADIs nºs 4.357 e 4.425, nem tampouco a modulação dos seus efeitos pelo STF ou a repercussão geral reconhecida no RE 870.947 pelo E. Ministro Luiz Fux no tocante à constitucionalidade da TR como fator de correção monetária do débito fazendário no período anterior à sua inscrição em precatório.
Contudo, a adoção dos índices estabelecidos no Manual de Cálculos da Justiça Federal para a elaboração da conta de liquidação é medida de rigor, porquanto suas diretrizes são estabelecidas pelo Conselho da Justiça Federal observando estritamente os ditames legais e a jurisprudência dominante, objetivando a unificação dos critérios de cálculo a serem adotados na fase de execução de todos os processos sob a sua jurisdição.
Com relação aos honorários de advogado, estes devem ser mantidos em 10% do valor da condenação, consoante entendimento desta Turma e artigo 20, parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 1973, aplicável ao caso concreto eis que o recurso foi interposto na sua vigência, considerando as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
O INSS é isento do pagamento de custas processuais, nos termos do art. 4º, inc. I, da Lei Federal nº 9.289/96, devendo reembolsar as despesas devidamente comprovadas.
Ante o exposto, de ofício, corrijo a sentença para estabelecer os critérios de atualização do débito, dou parcial provimento à apelação do INSS para reconhecer a atividade rural do autor somente no período de 15/03/1967 a 13/02/1984, mantendo a concessão do benefício, e dou parcial provimento à remessa oficial para reformar a sentença quanto ao termo inicial do benefício, conforme a fundamentação.
É como voto.
PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 09/08/2016 14:33:24 |