D.E. Publicado em 07/11/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar e, no mérito, dar provimento à apelação do INSS, e julgar prejudicada a apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002652-29.2014.4.03.6127/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência ou incapacitada para o trabalho.
A sentença recorrida julgou procedente o pedido, para condenar o INSS a pagar o benefício pleiteado a partir da data da citação (07.10.2014 - fls. 37). Determinou o pagamento das parcelas em atraso atualizadas monetariamente a partir do vencimento, e acrescidos de juros de mora a partir da data da citação, de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal. Arbitrou honorários advocatícios em 10% (dez por cento) do valor das parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ
O reexame necessário foi dispensado nos termos do art. 475, §2º, do Código de Processo Civil de 1973.
Apela a parte autora requerendo a reforma da sentença no tocante ao termo inicial do benefício, que deve ser fixado na data do requerimento administrativo.
Por sua vez, o INSS requer, preliminarmente, o recebimento do recurso nos efeitos suspensivo e devolutivo, suspendendo os efeitos da tutela. No mérito, pugna pela reforma do julgado, alegando para tanto que a parte autora não logrou êxito em comprovar sua condição de deficiente e seu estado de miserabilidade. Subsidiariamente, caso mantida a procedência do pedido, pugna pela reforma da sentença no tocante ao termo inicial do benefício (data da juntada do laudo pericial) e aos juros e correção monetária.
Com a apresentação de contrarrazões da parte autora os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público opinou pelo provimento do recurso da parte autora e não provimento da apelação do INSS.
É o relatório.
VOTO
Rejeito a preliminar arguida pelo INSS.
Nos termos do artigo 273 do Código de Processo Civil/1973, vigente à época da sentença, o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que exista prova inequívoca do alegado pela parte e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
E nesse passo, concedida a tutela antecipada na sentença, a apelação é dotada apenas de efeito devolutivo, nos termos do inciso VII do artigo 520 do Código de Processo Civil /1973, vigente à época da sua interposição.
Passo ao exame do mérito.
A questão vertida nos presentes autos diz respeito à exigência de comprovação dos requisitos legais para a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Verifico que conforme cópia do documento de identidade de fls. 19, tendo a parte autora nascido em 28 de dezembro de 1947, conta atualmente com 57 anos, e assim, o pleito baseia-se em suposta deficiência ou incapacidade da postulante.
Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento"
A autora alega que é portadora de Síndrome de Down e deficiência mental moderada, condição que a torna incapaz para o trabalho.
O laudo pericial médico elaborado em 26.06.2015 (fls. 79/82) indica que a autora apresenta incapacidade laboral total e permanente para o trabalho, conforme conclusão que ora transcrevo: "Essa perícia conclui que a autora se encontra incapaz total e permanentemente de realizar atividade laboral, devido retardo mental moderado causada por trissomia do cromossomo 21."
Assim, restando atendido um dos critérios fixados no caput do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011 c/c o art. 34 da Lei nº 10.741/2003, necessário averiguar-se o preenchimento do requisito da miserabilidade, uma vez que a lei exige a concomitância de ambos para que o benefício assistencial possa ser concedido.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
Com relação ao cálculo da renda per capita, a Lei 10.741/03 assim preceitua:
"Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas. (Vide Decreto nº 6.214, de 2007)
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas."
Entretanto, a Suprema Corte, no RE 580.963/PR, sob regime de repercussão geral, declarou a inconstitucionalidade parcial, por omissão, sem pronúncia de nulidade da norma em comento, ante a inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em, relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo.
E nesse sentido, assim o Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu em sede de julgamento de recurso repetitivo: "(...) 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93." RECURSO REPETITIVO (Tema: 640) REsp 1355052 / SP RECURSO ESPECIAL 2012/0247239-5 Relator(a) Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142)Órgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento 25/02/2015, Data da Publicação/Fonte DJe 05/11/2015)
Indo mais além, a constitucionalidade do próprio § 3º, artigo 20 da Lei 8742/93, também foi questionada na ADI 1.232-1/DF, que, todavia, foi julgada improcedente.
Embora reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impede o exame de situações específicas do caso concreto, a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Ou seja, a verificação da renda per capita familiar seria uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única.
Neste sentido decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG:
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade e o entendimento firmado no julgamento da ADI 1.232-DF levou a Corte Suprema a enfrentar novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconheceu a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993. O julgado reconheceu a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
O reconhecimento da inconstitucionalidade parcial sem nulidade do § 3º, art. 20 da Lei 8742/93 indica que a norma só é inconstitucional naquilo em que não disciplinou, não tendo sido reconhecido a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência.
Cabe ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial, e suprimir a inconstitucionalidade apontada.
Dessa forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
Tecidas tais considerações, no caso concreto o estudo social realizado em 26.02.2015 (fls. 60/62) revela que a parte autora vive com seus pais, em casa própria, de alvenaria, com três quartos, sala, cozinha, banheiro, com laje, piso e pintura.
Informaram que a renda do grupo familiar advinha das aposentadorias dos pais da autora, perfazendo um total de R$ 1.568,00.
Relataram despesas no importe de R$ 1.335,00, tendo sido reportados gastos com água e energia elétrica (R$ 157,00), alimentação (R$ 700,00), farmácia (R$ 300,00), telefone (R$ 33,00) e gasolina (R$ 100,00).
Em que pese a ausência de rendimentos da requerente verifica-se que está amparada pelos pais.
O valor das despesas não supera a renda do grupo familiar, e entre os gastos elencados há despesas que não constituem gêneros de primeira necessidade.
A família vive em casa própria, e nota-se que as necessidades básicas da autora estão sendo supridas, e nesse sentido, importante ressaltar que o benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
Desta forma, diante do conjunto probatório que se apresenta nos presentes autos, verifico que não restou preenchido o requisito de miserabilidade necessário à concessão do benefício assistencial pleiteado.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado, de acordo com o §4º do artigo 20 do Código de Processo Civil/1973, considerando que o recurso foi interposto na sua vigência, não se aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Diante do exposto, REJEITO A PRELIMINAR arguida pelo INSS e, no mérito DOU PROVIMENTO à sua apelação, para julgar improcedente o pedido da parte autora, e consequentemente revogo a tutela antecipada, restando prejudicada a apelação da parte autora.
É o voto.
Desembargador Federal
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