D.E. Publicado em 27/04/2015 |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO - CPC, ART. 285-A - APLICABILIDADE - DESAPOSENTAÇÃO - POSSIBILIDADE - REQUISITOS PREENCHIDOS - TERMO "A QUO" - VALOR DO BENEFÍCIO - JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA - VERBAS DE SUCUMBÊNCIA - PRELIMINAR REJEITADA - APELO PROVIDO - SENTENÇA REFORMADA. |
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, por maioria, dar provimento à apelação, nos termos do voto da Desembargadora Federal Cecilia Mello, com quem votou a Desembargadora Federal Tânia Marangoni, vencida a relatora, que lhe negava provimento.
Relatora para o acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003279-93.2013.4.03.6183/SP
VOTO CONDUTOR
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO (RELATORA): Em relação à aplicação do artigo 285-A do Código de Processo Civil, acompanho o voto da Ilustre Relatora, para rejeitar a preliminar.
Quanto à desaposentação, no entanto, a par do respeito e admiração que nutro pela Ilustre Relatora, dela ouso divergir.
Pretende a parte autora, nestes autos, a renúncia da aposentadoria por tempo de contribuição, sem a devolução dos valores recebidos a esse título, e a concessão de benefício mais vantajoso, computando-se os salários de contribuição posteriores ao primeiro jubilamento.
A desaposentação não está prevista em nosso ordenamento jurídico, tendo sido admitida em nosso Direito por construção doutrinário-jurisprudencial, e consiste na renúncia a uma aposentadoria, com a posterior concessão de uma nova aposentadoria, mais vantajosa, mediante o cômputo das contribuições recolhidas após o primeiro jubilamento.
Ao aposentado que permanecia em atividade ou a ela retornava, a Lei nº 8.213/91, em seu artigo 18, parágrafo 2º, previa, em sua redação original, o direito à reabilitação profissional, ao auxílio-acidente e aos pecúlios. Não fazia jus, contudo, a outras prestações, até porque é vedada a acumulação de mais de uma aposentadoria (artigo 124, inciso II).
O pecúlio, nos termos do artigo 81, II, e 82 da Lei nº 8.213/91, correspondia às importâncias relativas às contribuições do segurado recolhidas após a aposentadoria, e era a ele devolvido quando do seu afastamento da atividade que gerou o recolhimento.
No entanto, o direito ao pecúlio foi extinto pela Lei nº 8.870/94, tendo sido incluído, pela Lei nº 9.032/95, o parágrafo 3º ao artigo 11 da Lei nº 8.213/91, dispondo que:
§ 3º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social-RGPS que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este Regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, para fins de custeio da Seguridade Social. |
Posteriormente, a Lei nº 9.528/97 deu nova redação ao parágrafo 2º do artigo 18 da Lei nº 8.213/91:
§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social-RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado. |
Assim, o segurado aposentado que permanece em atividade ou a ela retorna está obrigado ao recolhimento da contribuição, mas sem qualquer contraprestação.
Nesse aspecto, o ilustre MARCO AURÉLIO SERAU JÚNIOR, em seu livro Desaposentação: Novas perspectivas teóricas e práticas (Gen / Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2013), ressalta que "a equidade exigida e franqueada para a participação no custeio da Seguridade Social demonstra não ser correto, tampouco socialmente justo, que o segurado permaneça contribuindo para a Previdência Social e não possa dela usufruir complementarmente" (pág. 31).
Assim, nesse novo contexto, o instituto da "desaposentação" surge como uma tentativa de compensar a extinção do pecúlio e de aproveitamento das contribuições previdenciárias recolhidas pelo segurado após a sua aposentação, encontrando respaldo no "caput" do artigo 201 da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998 ("A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial").
A esse respeito, ensina o ilustre MARCO AURÉLIO SERAU JÚNIOR (Op. cit., pág. 78):
... o melhor ponto de justificativa para a pretensão da desaposentação consiste no próprio caráter contributivo da Previdência Social, previsto no art. 201, "caput", da Constituição Federal. Uma vez que o sistema é essencialmente contributivo e baseado em equilíbrio financeiro e atuarial, a existência de novas contribuições previdenciárias deve repercutir positivamente para os segurados, em termos de melhoria do nível de benefícios. |
Relativamente à possibilidade de renúncia à aposentadoria já implementada, observo que a aposentadoria é um direito fundamental, garantido no artigo 7º, inciso XXIV, da Constituição Federal, de modo que a renúncia a esse direito só pode ser admitida se implicar em uma situação mais favorável ao segurado, como ocorre no caso da desaposentação, em que a renúncia ao benefício tem como fim a imediata obtenção de um novo benefício, porém, mais vantajoso.
E a jurisprudência consagrou o entendimento de que os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis, suscetíveis de desistência pelos seus titulares.
Quanto à regra contida no artigo 181-B do Decreto nº 3.048/99, incluído pelo Decreto nº 3.265/99, segundo a qual as aposentadorias por idade, por tempo de contribuição e especial são irreversíveis e irrenunciáveis, não pode ser aplicada, por extrapolar o campo normativo a ela reservado.
Nesse sentido, cito o ilustre MARCO AURÉLIO SERAU JÚNIOR (Op.cit., pág. 26):
A admissão ou inadmissão da desaposentação passa por aprofundada discussão a respeito de diversos preceitos constitucionais e legais relativos à própria concepção do sistema previdenciário. |
Nestes termos, admitir-se que singela norma regulamentar (art. 181-B do Decreto nº 3.048/1999), possa, direta ou simplesmente, fulminar essa pretensão, é erro grave, muito custoso para a efetividade dos direitos fundamentais sociais e, de modo geral, de duvidosa constitucionalidade. De fato, se a própria Lei de Benefícios deixou de tratar o tema, não contendo previsão expressa de proibição de renúncia à aposentadoria, não poderia o Decreto nº 3.048/1999, mera norma regulamentar, fazê-lo. |
No que diz respeito à devolução dos valores recebidos a título de primeira aposentadoria, é descabida, visto que a renúncia à aposentadoria tem natureza desconstitutiva, produzindo apenas efeitos "ex nunc", de acordo com os julgados do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp nº 328.101/SC, 6ª Turma, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJ 20/10/2008; REsp nº 663.336/MG, 5ª Turma, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ 07/02/2008, pág. 1).
Ressalto, por fim, que o direito à renúncia da aposentadoria, sem a devolução dos valores recebidos a esse título, bem como ao cômputo das contribuições recolhidas após o primeiro jubilamento para obtenção de novo benefício, já foi reconhecido pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DESAPOSENTAÇÃO E REAPOSENTAÇÃO. RENÚNCIA A APOSENTADORIA. CONCESSÃO DE NOVO E POSTERIOR JUBILAMENTO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE. |
1. Trata-se de Recursos Especiais com intuito, por parte do INSS, de declarar impossibilidade de renúncia a aposentadoria e, por parte do segurado, de dispensa de devolução de valores recebidos de aposentadoria a que pretende abdicar. |
2. A pretensão do segurado consiste em renunciar à aposentadoria concedida para computar período contributivo utilizado, conjuntamente com os salários de contribuição da atividade em que permaneceu trabalhando, para a concessão de posterior e nova aposentação. |
3. Os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis e, portanto, suscetíveis de desistência pelos seus titulares, prescindindo-se da devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que o segurado deseja preterir para a concessão de novo e posterior jubilamento. Precedentes do STJ. |
4. Ressalva do entendimento pessoal do Relator quanto à necessidade de devolução dos valores para a reaposentação, conforme votos vencidos proferidos no REsp 1.298.391/RS; nos Agravos Regimentais nos REsps 1.321.667/PR, 1.305.351/RS, 1.321.667/PR, 1.323.464/RS, 1.324.193/PR, 1.324.603/RS, 1.325.300/SC, 1.305.738/RS; e no AgRg no AREsp 103.509/PE. |
5. No caso concreto, o Tribunal de origem reconheceu o direito à desaposentação, mas condicionou posterior aposentadoria ao ressarcimento dos valores recebidos do benefício anterior, razão por que deve ser afastada a imposição de devolução. |
6. Recurso Especial do INSS não provido, e Recurso Especial do segurado provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. |
(REsp nº 1334488/SC, 1ª Seção, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 14/05/2013) (grifei) |
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ART. 535 DO CPC. DESAPOSENTAÇÃO E REAPOSENTAÇÃO. CÔMPUTO DOS SALÁRIOS DE CONTRIBUIÇÃO PARA A NOVA APOSENTADORIA. ESCLARECIMENTO NECESSÁRIO. |
1. Trata-se de Embargos de Declaração contra decisão proferida em Recurso Especial submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008, que estabeleceu que "os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis e, portanto, suscetíveis de desistência pelos seus titulares, prescindindo-se da devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que o segurado deseja preterir para a concessão de novo e posterior jubilamento". |
2. Considerando a possibilidade de interpretação distoante do contexto do acórdão embargado e do próprio objeto do pedido de desaposentação, deve ficar expresso que a nova aposentadoria, a ser concedida a contar do ajuizamento da ação, há de computar os salários de contribuição subsequentes à aposentadoria a que se renunciou. |
3. Ademais, não se afiguram as demais omissões e contradições referidas pelo embargante, já que os trechos que servem de base para tais asserções se referem à ressalva do ponto de vista pessoal do Relator, e não à fundamentação da conclusão do acórdão. |
4. Embargos de Declaração acolhidos em parte. |
(EDcl no REsp nº 1.334.488/SC, 1ª Seção, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 30/09/2013) (grifei) |
Assim sendo, para realizar a desaposentação, faz-se necessário o preenchimento de alguns requisitos: (i) que o segurado esteja em gozo de uma aposentadoria; (ii) que o segurado renuncie expressamente ao seu direito a essa aposentadoria; (iii) que o segurado preencha todos os requisitos para a obtenção da nova aposentadoria, de acordo com a legislação vigente à época do seu pedido.
NO CASO DOS AUTOS, a parte autora demonstrou, através dos documentos de fls. 18/19 (carta de concessão), que lhe foi concedida aposentadoria por tempo de contribuição, com início em 19/11/99, tendo ela permanecido em atividade até 30/12/2004.
Desse modo, presentes os seus requisitos, é de se reconhecer o direito da parte autora à renúncia à aposentadoria já implementada, sem a necessidade de devolução dos valores recebidos a esse título, e à concessão de nova aposentadoria, computando-se as contribuições recolhidas após o primeiro jubilamento.
O termo inicial da nova aposentadoria deve ser fixado à data do ajuizamento da ação (24/04/2013, fl. 02), em conformidade com o entendimento adotado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo (EDcl no REsp nº 1.334.488/SC, 1ª Seção, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 30/09/2013).
O valor do benefício deve ser calculado na forma do artigo 53 da Lei nº 8.213/91, mediante o cômputo das contribuições recolhidas após o primeiro jubilamento.
Os juros de mora incidirão a partir da citação (CPC, art. 219), aplicando-se o mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança (Lei nº 11.960/2009, art. 5º), que atualmente correspondem a 0,5% ao mês, aplicados de forma simples, de acordo com o entendimento adotado por esta Egrégia Corte Regional (AR nº 0048824-29.2004.4.03.0000, 3ª Seção, Relatora Desembargadora Federal Leide Polo, DE 11/04/2011) e pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 1.272.239/PR, 1ª Turma, Relator Ministro Ari Pargendler, DJe 01/10/2013; REsp nº 1.205.946/SP, Corte Especial, Relator Ministro Benedito Gonçalves, DJe 02/02/2012; EREsp nº 1.207.197/RS, Corte Especial, Relator Ministro Castro Meira, DJe 02/08/2011).
A correção monetária das parcelas vencidas deverá observar o disposto na Súmula nº 8, desta Egrégia Corte Regional, e na Súmula nº 148 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se a variação do INPC (Lei nº 8.213/91, art. 41-B), conforme orientação do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 1.272.239/PR, 1ª Turma, Relator Ministro Ari Pargendler, DJe 01/10/2013).
É que a regra contida no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, foi declarada inconstitucional pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal na parte em que adota índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (ADI nº 4.357, Tribunal Pleno, Relator para acórdão Ministro Luiz Fux, j. 14/03/2013).
No tocante aos honorários advocatícios, são ônus do processo e devem ser suportados pelo vencido, nos termos do artigo 20 do Código de Processo Civil
Assim, considerando a simplicidade da causa e a singeleza do trabalho realizado, o INSS deve ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação, respeitada a Súmula nº 111 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, o que se harmoniza com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, nos termos do artigo 20, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil.
Ressalte-se que, nos termos da referida Súmula nº 111, "os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença", devendo ser considerado, como marco final para apuração das prestações vencidas, a decisão na qual o direito do segurado for reconhecido, em conformidade com os julgados da Egrégia Corte Superior (AgRg no REsp nº 1.179.802/SP, 6ª Turma, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe 03/05/2013; AgRg nos EDcl no AREsp nº 155.028/SP, 2ª Turma, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 24/10/2012; AgRg no REsp nº 1.267.184/PR, 5ª Turma, Relator Ministro Gilson Dipp, DJe 05/09/2012).
No que se refere às custas processuais, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto no parágrafo 1º do artigo 8º da Lei nº 8.620/93, no artigo 24-A da Lei nº 9.028/95, com redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001 e no artigo 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96.
Ressalto, contudo, que tal isenção, decorrente de lei, não exime o Instituto-réu do reembolso das custas previamente recolhidas pela parte autora (artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 9.289/96).
No caso, contudo, não há que se falar em reembolso de custas, tendo em conta a gratuidade processual que foi concedida à parte autora.
Diante do exposto, REJEITO a preliminar e, divergindo do voto da Ilustre Relatora, em relação à desaposentação, DOU PROVIMENTO ao apelo, para reconhecer o direito da parte autora à renúncia da aposentadoria por tempo de contribuição de que é titular, sem a necessidade de devolução dos valores recebidos a esse título, e à concessão de nova aposentadoria de mesma espécie, a partir do ajuizamento da ação (24/04/2013, fl. 02), calculada na forma do artigo 53 da Lei nº 8.213/91, mediante o cômputo das contribuições recolhidas após o primeiro jubilamento.
As parcelas vencidas deverão ser compensadas com os valores do benefício anteriormente concedido e pagos administrativamente pela Autarquia até a implantação do novo benefício, sem solução de continuidade, e serão acrescidas, ainda, de juros de mora e correção monetária, na forma acima explicitada.
Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, na forma do artigo 20, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil, respeitada a Súmula nº 111 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça.
É COMO VOTO.
CECILIA MELLO
Desembargadora Federal
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Signatário (a): | MARIA CECILIA PEREIRA DE MELLO:10057 |
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Data e Hora: | 10/04/2015 13:51:05 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003279-93.2013.4.03.6183/SP
RELATÓRIO
A Senhora Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (Relatora):
Apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido de renúncia de aposentadoria e concessão de benefício mais vantajoso.
Sustenta, a recorrente, preliminarmente, a inaplicabilidade do artigo 285-A do Código de Processo Civil. No mérito, pugna pela reforma integral da sentença.
Com contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
A Senhora Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (Relatora):
Repilo que se possa questionar a faculdade prevista no artigo 285-A do Código de Processo Civil.
Para o uso do dispositivo devem ser observadas as seguintes determinações legais, conforme Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, Editora Revista dos Tribunais, 10ª edição, São Paulo/2007, p. 555:
A aplicação do citado artigo, introduzido no ordenamento jurídico para garantir a economia e celeridade processual, visa às causas repetitivas, improcedentes, limitando-se, contudo, às questões de direito. No dizer de Fabio Ruiz Cerqueira e Márcio Manoel Maidame, Atualidades do Processo Civil, Coordenadores Arruda Alvim e Eduardo Arruda Alvim, vol. 1. Juruá Editora, 1ª edição, p. 354:
Conclui-se que, necessária a dilação probatória para comprovação dos fatos alegados pela parte, impossível a aplicação do referido instituto processual.
Desta forma, o que "o artigo 285- A reclama para sua incidência é que a questão jurídica, a tese jurídica, predomine sobre eventuais questões de fato. É isto que deve ser entendido como "matéria controvertida unicamente de direito". São aqueles casos que, sem qualquer hesitação, podem ser identificados pela matéria nele versada: complemento de aposentadoria, inconstitucionalidade de tributo, abusividade de uma específica cláusula de contrato de adesão, índices de correção monetária" (SCARPINELLA BUENO, Cássio. A Nova Etapa da Reforma do Código de Processo Civil, vol. 2. Editora Saraiva, 2ª edição, p. 74.
Na hipótese, o que se vê é a tese jurídica predominando sobre questões de fato, a partir do momento em que se pretende renúncia a benefício previdenciário e a concessão de outro mais vantajoso, na afirmação da parte autora.
O exame passa, pois, pela possibilidade de renúncia e possibilidade de concessão de outra aposentadoria, matéria unicamente de direito, que não embarra na comprovação de que adviria renda inicial maior, até porque, por ocasião de eventual cumprimento de decisão favorável, alterações legislativas podem ocorrer.
A Desembargadora Federal Eva Regina, por ocasião do voto proferido na Apelação Cível nº 2008.61.83.0089960-3, julgada em 6 de abril de 2009, com propriedade apreciou o ponto:
Também, com o destaque, ementa de acórdão da lavra do Desembargador Federal Sérgio Nascimento, no Agravo em Apelação Cível nº 2008.61.83.005437-6, julgado em 19 de janeiro de 2010:
Por fim resta afastada a alegação de que não houve menção ou transcrição de decisão anteriormente proferida em processo idêntico, porquanto há clara indicação de sentença sobre a questão abordada nos autos.
Com relação à alegação de eventual cerceamento de defesa, em virtude da ausência de dilação probatória, o artigo 332, do Código de Processo Civil, assegura a produção de todos os meios de prova legalmente admissíveis, bem como os moralmente legítimos. Contudo, referida norma não atribui à parte direito de produção de prova desnecessária ou incompatível com os fatos e fundamentos jurídicos expostos na inicial.
Por seu turno, o artigo 125, do mesmo diploma legal, atribui responsabilidade ao juiz para "velar pela rápida solução do litígio" e o art. 130, competência "para determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias".
Desse modo, rejeito a matéria preliminar.
Em regra, são fundamentos para a improcedência do pedido de desaposentação a ausência de previsão legal, que é ato jurídico perfeito e acabado a aposentadoria concedida e não pode ser alterado, salvo diante de ilegalidade, e o artigo 181-B do Decreto nº 3.048/99, dispondo sobre o caráter irreversível e irrenunciável das aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial.
São fundamentos, também, o fato de não se tratar de simples renúncia ao benefício, mas sim a substituição do benefício conseguido por outro mais vantajoso, que a condição de segurado choca-se com a condição de aposentado, que o pedido de aposentadoria foi opção feita, que não há a correspondente fonte de custeio para se admitir a desaposentação, que a situação não se modifica pelo fato de o segurado continuar contribuindo.
A Constituição da República destina aos brasileiros o direito social à previdência social. A aposentadoria é direito constitucional dos trabalhadores urbanos e rurais, nos termos do inciso XXIV do artigo 7º.
O artigo 194 da Constituição da República dispõe: "A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social". É financiada por toda a sociedade, em especial pela tríade Estado, empregador e trabalhador.
Aposentadoria é direito social do trabalhador representado por prestação em dinheiro a ser paga pelo Estado. Direito relativo ou pertencente à pessoa, individual, particular.
Com característica de direito pessoal, questão que se põe é saber se é a aposentadoria direito renunciável.
A concessão de aposentadoria é ato vinculado, não deixando ao Poder Público margem de discricionariedade. A bem dizer, preenchida a situação objetiva prevista em lei, feito o pedido pelo segurado, o deferimento é de rigor. Impera a vontade do segurado e não há capacidade de escolha por parte da Administração. A Administração não exerce juízo de liberdade, não decide conforme critérios de conveniência e oportunidade, esses presentes quando se trata de ato discricionário.
Daí se infere que se o Poder Público não atua discricionariamente no pedido de concessão da aposentadoria, também não deveria exercer juízo discricionário quando da renúncia.
A aposentadoria é direito renunciável. Ou seria possível supor que o titular de aposentadoria, recebendo prestação mensal do INSS, não pudesse abrir mão do benefício, acaso recompensado por herança polpuda ou por ter sido premiado em concurso de prognósticos? Direito que pertence ao beneficiário, se não quer ele mais usufruí-lo, a Administração não tem o poder de obrigá-lo a com ele permanecer.
Averbam Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior, obra de conhecimento, quando dos comentários ao artigo 96 da Lei de Benefícios: "A renúncia é o ato jurídico mediante o qual o titular de um direito dele se despoja, sem transferi-lo a outra pessoa, quando inexiste vedação legal. Trata-se de uma modalidade de extinção de direitos aplicável, basicamente, aos direitos patrimoniais, pois ninguém está obrigado a exercer direito que possui. Considerando o fato de a aposentadoria ser um benefício de prestação continuada destinada a substituir os proventos auferidos pelo trabalhador - enquanto exercia atividade laboral, assegurando-lhe o mínimo indispensável para a sua subsistência - é inquestionável que se trata de direito patrimonial e, portanto, disponível, a não ser que a lei disponha em sentido contrário".
Renunciar à aposentadoria concedida daria direito a outra, agora com renda mensal inicial maior?
Em desaposentação não se falava, porque o caso costumeiro referia-se à hipótese de renúncia à aposentadoria pelo Regime Geral da Previdência Social e aproveitamento do tempo de serviço para futuro deferimento de nova aposentadoria pelo regime estatutário. O Superior Tribunal de Justiça abonou a tese (Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 17.874-MG, relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, j. 16.12.2004, 5ª Turma, unânime; Agravo Regimental no Recurso Especial nº 600.419-RS, relator Ministro Hamilton Carvalhido, j. 29.11.2005, 6ª Turma, unânime).
O caso aqui é outro, a conhecida desaposentação.
Dispõe o artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91:
O aposentado que retornar ao trabalho não terá direito a outra aposentadoria ou, melhor dizendo, o tempo de contribuição posterior à aposentadoria não lhe confere o direito a abrir mão da aposentadoria deferida e outra obter.
Aquele que se aposentou fez a opção que entendeu correta. Requereu o benefício e, verificado o preenchimento dos requisitos previstos em lei, o INSS deferiu o pedido, produzindo-se ato jurídico perfeito e acabado, que somente é passível de alteração diante de ilegalidade.
Pois bem, duas opções possuía o segurado: aposentava-se ou permanecia na ativa, então contribuindo ao INSS para depois requerer a aposentadoria.
A partir do momento em que decidiu pela aposentadoria qualquer outra pretensão contraria o parágrafo 2º do artigo 18 da Lei nº 8.213/91, não fazendo o aposentado jus a prestação alguma da Previdência Social se permaneceu em atividade.
Era bastante a legislação.
Premido pelos inúmeros pedidos de desaposentação, incluiu-se, por meio do Decreto nº 3.265, de 1999, o artigo 181-B ao Regulamento da Previdência Social, do qual o teor é o seguinte: "As aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela previdência social, na forma deste Regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis".
Nesse ponto, o legislador, por meio de decreto, em verdade, não desbordou de sua função regulamentar, porquanto havia norma, na Lei de Benefícios, vedando que pudesse o aposentado obter nova aposentadoria acaso continuasse trabalhando.
O que ocorre, na realidade, diante da desvalorização da prestação mensal, é pedido de revisão dos proventos da aposentadoria concedida, a majoração do coeficiente de cálculo do benefício; o que é possível, mas sem que se modifiquem as características do benefício, as bases do benefício concedido.
Ora, optar é decidir por uma coisa entre duas ou mais, e importa em abandono das outras. Vale dizer, poderia o segurado escolher entre trabalhar menos, passar à inatividade e ganhar menos ou continuar trabalhando e contribuindo e receber prestação maior. São opções colidentes, escolher uma exclui a outra, ambas com suas vantagens e desvantagens.
Ainda, de modo a fixar a natureza de irreversibilidade e irrenunciabilidade da aposentadoria elegida, estabelece o parágrafo único do artigo 181-B do Decreto 3.048/99 prazo para que o segurado possa desistir de seu pedido, antes do recebimento do primeiro pagamento ou do saque do FGTS ou do PIS; não manifestada a intenção, questão superada, não mais se pode renunciar para outra pleitear.
E assim deve ser para que se dê valor à estabilidade das relações jurídicas, a partir da presença de ato jurídico perfeito. É dizer, o segurado e a Previdência Social puseram-se de acordo com a aposentadoria requerida. O ato jurídico perfeito passou a produzir efeitos, tanto de um lado quanto de outro. O segurado recebendo seus proventos, o INSS pagando à vista do requerimento.
É fato, a garantia constitucional prevista no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição da República está a serviço do segurado e não do Poder Público. Mas não é irrestrita a sentença.
A regra constitucional vale tanto para o Poder Público quanto para o trabalhador, não se concebendo admitir alteração nas condições estabelecidas para a aposentadoria, salvo ilegalidade. A hipótese é a do trabalhador que quer desfazer o ato jurídico perfeito, porquanto persegue situação que lhe é mais vantajosa. Contudo, decerto não quererá que o Poder Público revise seus proventos para menor; aí brigará pela prevalência do ato jurídico.
Com efeito, não há ilegalidade alguma na concessão da aposentadoria requerida; o que se objetiva, em verdade, é o aumento do cálculo do coeficiente do benefício, a se dar com a contagem do tempo de contribuição posteriormente efetivado.
O INSS sustenta, em geral, ausência de previsão legal para a revogação do ato de aposentadoria (assim tenho tratado a questão, evitando a expressão "desaposentação"). O segurado, de tal argumento também se louva, concluindo que, na ausência de disposição expressa proibindo a revogação, ela é admissível.
O Estado é submisso à lei, atua sobre o administrado com estrita observância do princípio da legalidade. No Estado Constitucional de Direito, o princípio da legalidade é o freio necessário ao poder da Administração. Da pena de Celso Antônio Bandeira de Mello faço extrair trecho que se ajusta ao caso concreto. Averba o professor: "Nos termos do art. 5º, II, 'ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei'. Aí não se diz 'em virtude de' decreto, regulamento, resolução, portaria ou quejandos. Diz-se 'em virtude de lei'. Logo, a Administração não poderá proibir ou impor comportamento algum a terceiro, salvo se estiver previamente embasada em determinada lei que lhe faculte proibir ou impor algo a quem quer que seja. Vale dizer, não lhe é possível expedir regulamento, instrução, portaria ou seja lá que ato for para coartar a liberdade dos administrados, salvo se, em lei, já existir delineada a contenção ou imposição que o ato administrativo venha a minudenciar".
Há, sim, lei que proíbe o segurado de ter da Previdência Social qualquer prestação em decorrência do retorno à atividade - art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91 -, tanto é que existem projetos de lei, dois em tramitação na Câmara dos Deputados, de autoria do Deputado Cleber Verde (PRB-MA), prevendo a renúncia da aposentadoria proporcional deferida e que o tempo trabalhado possa ser computado com vistas a garantir a aposentadoria integral ou aumentar o cálculo da aposentadoria.
E, não é demais ressaltar, o Presidente da República vetou integralmente o Projeto de Lei nº 7.154/2002, de autoria do Deputado Inaldo Leitão (PSDB-PB), que alterava o artigo 96 da Lei nº 8.213/91 e previa a renúncia para a aposentadoria concedida pelo Regime Geral de Previdência Social.
A propósito, uma das razões do veto presidencial: "Além disso, o projeto, ao contemplar mudanças na legislação vigente que podem resultar em aumento de despesa de caráter continuado, deveria ter observado a exigência de apresentação da estimativa de impacto orçamentário-financeiro, da previsão orçamentária e da demonstração dos recursos para o seu custeio, conforme prevêem os arts. 16 e 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal" (Mensagem nº 16, de 11 de janeiro de 2008).
A legislação previdenciária, em mais de uma oportunidade, reafirmou que o aposentado que voltasse a exercer atividade remunerada somente teria direito ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado. Também, que o aposentado adquiriria a condição de segurado obrigatório da Previdência Social, ficando sujeito a contribuições para fins de custeio da Seguridade Social (art. 11, § 3º e 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91; art. 12, § 4º, da Lei nº 8.212/91).
Deveras, com a redação original do parágrafo 2º do artigo 18 da Lei 8.213/91 a vedação já existia, apenas diferente com a atual em contemplar a prestação do auxílio-acidente.
Com a revogação dos artigos que sustentavam o pagamento do abono de permanência em serviço (Lei nº 8.870/94) e do pecúlio (Lei nº 9.032/95), outra vez mais o legislador reforçou a ideia de impedir o recebimento, pelo aposentado que voltasse à ativa, de qualquer prestação da Previdência além daquelas que elegeu.
Breves as linhas, se possível fosse a desaposentação ela somente se daria com a devolução dos valores. E aqui, os fundamentos servem também para não permitir a desaposentação.
Isabella Borges de Araújo, advogada especialista em Direito Previdenciário, no artigo "A desaposentação no direito brasileiro", Revista de Previdência Social nº 317, 04/2007, expõe o tema:
"O enfrentamento da questão, ante a sua complexidade, ainda é distante de pacificação, tendo em vista os posicionamentos conflitantes que dela decorrem. O INSS, por sua vez, argumenta que a não restituição dos proventos já recebidos causa prejuízos aos demais beneficiários do sistema, rompendo com o equilíbrio financeiro e atuarial.
Do mesmo modo é o pensar de Wladimir Novaes Martinez (1998, p. 765) que afirma ser favorável ao pleito de desaposentação, desde que com a devolução dos proventos que o segurado recebeu anteriormente ao aludido pleito. Defende o autor, que o importante é não causar prejuízo à Administração, à comunidade e ao equilíbrio do sistema.
Compartilha de posicionamento semelhante, Roberto Luís Luchi Demo, ao considerar que:
'Se o beneficiário não indenizar 'algo' ao sistema previdenciário, para fins de nova contagem do tempo de contribuição já utilizado, a equação previdenciária não fecha: a retribuição será maior que a contribuição, arrostando a relação custo-benefício sob a perspectiva do equilíbrio atuarial.' (2003, p. 24).
Perfilhando esta linha de intelecção, vem a propósito, o ensinamento de André Santos Novaes (2003, p. 8), ao considerar que a desaposentação exige, necessariamente, a devolução dos valores recebidos da Previdência Social, sob pena de se configurar enriquecimento ilícito e prejuízo para o sistema previdenciário.
Ao revés, posicionam-se os autores Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, que prelecionam:
'É defensável o entendimento de que não há a necessidade de devolução dessas parcelas, pois, não havendo irregularidade na concessão do benefício recebido, não há o que ser restituído.
Como paradigma, podemos considerar a reversão, prevista na Lei n. 8.112/90, que não prevê a devolução dos proventos percebidos.' (2005, p. 511).
Neste sentido, indica Fábio Zambitte Ibrahim (2005, p. 60), ao dispor que a desaposentação não invalida o passado, não implicando, conseqüentemente, na devolução dos proventos já auferidos, pois do contrário, o procedimento se assemelharia aos casos de ilegalidade na obtenção do benefício.
(...), o ponto nodular para o desate do problema em tela, somente se perfaz a partir do exame do princípio do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário.
O referido princípio, previsto no art. 201 da Constituição Federal, consigna que o sustento financeiro do sistema previdenciário deve ser mantido, visando-se sempre preservar sua estrutura operacional e o equilíbrio fiscal e atuarial, com a adequada proporção entre despesas e receitas. Tem por intento a obtenção de normas que atrelem o interesse público à consecução de uma Previdência ajustada à realidade.
Portanto, é imprescindível um criterioso planejamento, principalmente no que concerne às fontes de receita, já que é a União quem arca com os déficits da Previdência, sendo a responsável pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras nos regimes previdenciários, consoante destacam Luciano Martinez Carreiro e Ivan Kertzman (2006, p. 13).
No que pertine ao tema, Marina Vasques Duarte adverte que a desaposentação exige a restituição dos proventos percebidos da Previdência Social, como um meio de se evitar prejuízos a serem suportados pelo sistema previdenciário, em que vige o princípio da solidariedade social.
Merece atenção ainda, o fato de que as parcelas não devolvidas implicarão a criação de uma despesa não autorizada legalmente, violando o quanto inserto no § 5º do art. 195 da Constituição Federal, que assim preceitua: 'Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.' Tal dispositivo constitucional demonstra que, mais uma vez, o legislador constitucional preocupa-se com a efetivação do princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, que deve, pois, ser observado.
Neste passo, é equivocado tentar obstar a desaposentação apoiando-se na falta de regulação no que tange à devolução ou não das parcelas já fruídas pelo segurado, pois, o que se nota é que a doutrina e a jurisprudência cumprem o desiderato de fornecer importante contribuição para a aplicação adequada do instituto.
Assim, os antagonismos concernentes à devolução dos proventos recebidos pelo segurado anteriormente ao pleito de desaposentação, que, diga-se de passagem, é indispensável para preservação de um sistema previdenciário equilibrado, não tem o condão de obstar a sua existência e efetiva aplicação."
Até o momento, foi intencional o desuso de "desaposentação", preferindo-se o tratamento à luz do instituto da renúncia. Não que já não os tivessem diferenciado, conforme se vê do entendimento da Turma Recursal dos Juizados Especiais de Santa Catarina, Processo nº 2004.92.95.003417-4, Relator o Juiz Ivori Luis da Silva Scheffer, sessão de 05.08.2004: "Na renúncia, o segurado abdica de seu benefício e, conseqüentemente, do direito de utilizar o tempo de serviço que ensejou sua concessão, mas não precisa restituir o que já recebeu a título de aposentadoria. Ou seja, opera efeitos ex nunc. Na desaposentação, o segurado também abdica de seu direito ao benefício, mas não do direito ao aproveitamento, em outro benefício, do tempo de serviço que serviu de base para o primeiro. Para tanto faz-se necessário o desfazimento do ato de concessão, restituindo-se as partes, segurado e INSS, ao status quo ante, o que impõe ao segurado a obrigação de devolver todos os valores que recebeu em razão da aposentadoria. Logo, a desaposentação nada mais é do que uma renúncia com efeitos ex tunc".
Renunciar ao benefício não se confunde com renunciar ao benefício e requerer outro mais vantajoso.
Não deixa dúvida que a simples renúncia, vale dizer, o segurado não quer mais onerar o Estado que paga as prestações de sua aposentadoria, é possível e não implica em devolução de valores. Mas a situação é outra se a pretensão é renunciar ao benefício para conseguir outro.
Acaso deferido o pedido, aí o INSS teria razão em exigir a devolução dos valores.
Trabalhos publicados sob o tema apontam dissensão sobre o ponto. Wladimir Novaes Martinez, Roberto Luís Luchi Demo, André Santos Novaes, Marina Vasques Duarte, Isabella Borges de Araújo estão que a desaposentação somente é possível com a devolução dos valores. Carlos Alberto Pereira de Castro, João Batista Lazzari, Gisele Lemos Kravchychyn, Fábio Zambitte Ibrahim, Fernando Corrêa Alves Pimenta Lima, ao invés. A jurisprudência é, ainda, hesitante, mas propende a admitir a desaposentação sem a necessidade de devolução de valores.
O argumento principal para a devolução dos valores está em sustentar que, se assim não for, haverá nítido enriquecimento ilícito por parte do segurado e prejuízo para todo o sistema previdenciário; os opositores defendem que o ato de concessão da aposentadoria foi regular, usam o instituto da reversão como exemplo, ressaltam o caráter alimentar dos valores recebidos.
Meu juízo parte da distinção que se faz entre simples renúncia à aposentadoria e renúncia com a finalidade de obtenção de novo benefício mais vantajoso.
Sustentar que a aposentadoria deferida e que não mais se quer foi concedida regularmente, daí não se devolvendo os valores recebidos, tem o sentido de que o problema acabaria na concessão. Não, pouco importa a concessão regular do benefício, o que importa é saber quais os resultados que advirão se a desaposentação for deferida.
É evidente a incompatibilidade. Se se pretende o cômputo do tempo de contribuição posterior à concessão da aposentadoria, de modo a majorar o coeficiente do benefício que se busca em substituição, há que se invalidar, in totum, a aposentadoria primeira. Impossível manter-se válida a fruição do tempo da aposentadoria gozada, tornando-se definitivos e irrepetíveis os pagamentos dela decorrentes, correspondentes justamente ao período que se pretende utilizar para fins de cálculo do benefício mais vantajoso.
Quanto à semelhança com o instituto da reversão, para os que dizem que o servidor aposentado que retorna à atividade nada devolve aos cofres públicos, meu conceito é de que são hipóteses distintas, pelo simples fato de que a reversão se dá no interesse da Administração.
A natureza alimentar do benefício concedido não tem o caráter absoluto que se dá em outras ocasiões. Aqui, não se tem a hipótese em que o autor provoca o Judiciário, recebe decisão precária e, ao fim, sentença transitada em julgado desfavorável. Em casos tais, por se tratar de benefício previdenciário, consolidou-se o entendimento de que os valores recebidos, por força da decisão inicial, não são devolvidos.
Não é a mesma situação.
O segurado bate às portas do Judiciário e quer obter benefício mais vantajoso. Não se trata de ter decisão precária e depois definitiva adversa. O que não quer devolver está fora dos autos, não se coloca em discussão se o recebimento foi de boa-fé ou não, a natureza alimentar do benefício, sua irrepetibilidade, o caráter social da pretensão.
A desaposentação é precedida pelo desfazimento da aposentadoria, retornando a situação ao estado anterior das coisas, o que implica na devolução dos valores. É ônus que deve o segurado suportar, a consequência da desaposentação, não se podendo fazer associação ou ter apego ao argumento do caráter alimentar do benefício.
Não se cuida de causar dano infundado ao segurado nem propiciar enriquecimento sem causa para o Poder Público. A parte autora, diante de sua pretensão, experimenta consequência diretamente relacionada ao seu pedido.
Examino o prejuízo ao sistema previdenciário e, nesse ponto, os argumentos servem também para desautorizar a desaposentação.
O princípio da solidariedade é o princípio fundamental da seguridade social. Os que possuem capacidade financeira (ativos) contribuem para financiar os inativos, de modo a se ter, no tempo de cada um, benefício previdenciário a ser usufruído.
É dizer, todos contribuem, mas eu não contribuo para o meu benefício e outro contribuirá para o meu benefício; de modo que o sistema funcione entre gerações e não falte dinheiro para o pagamento do benefício que a cada um pertence.
A previdência social está organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, daí que o aposentado, retornando à atividade remunerada, não se exime do pagamento da contribuição previdenciária. É ela obrigatória e de importância mestra a explicar o princípio da solidariedade, motivo pelo qual o fato da continuidade do recolhimento de contribuições não confere o direito à não devolução dos valores. Muito menos o direito à desaposentação.
O sistema brasileiro usa a técnica da repartição, o Estado pagará seus inativos à vista de quanto possui em caixa. Por isso a busca constante do equilíbrio financeiro e atuarial, medido, segundo exemplifica Wladimir Novaes Martinez, pelos "conceitos de risco, massa protegida, tábua de mortalidade, probabilidade, expectativa de vida, etc., tendo em vista a diferença das pessoas (v.g., idade, tempo de serviço, salário e condições de trabalho)".
Ficasse o segurado com os valores que recebeu ao longo da aposentadoria e, voltando à ativa, nova aposentadoria obtivesse, aconteceria o que afirmou o juiz federal Roberto Luís Luchi Demo: "a equação previdenciária não fecha"; porque a retribuição será maior que a contribuição, em nítida violação ao princípio da igualdade.
O prejuízo para o universo previdenciário, pois, é patente, não se admitindo que o INSS tenha que conceder nova aposentadoria ao segurado, com majoração do coeficiente de cálculo do beneficio, sem que tenha a correspondente fonte de custeio.
Mas antes, que fique claro, o prejuízo também é patente se a desaposentação for deferida, bastando ver a justificativa do veto presidencial ao Projeto de Lei nº 7.154/2002. E a Administração Pública pauta-se pelo princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse particular.
Por último, registro que a 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em julgado de 7 de maio de 2009 (EI na AC nº 2000.71.00.015115-8), negou provimento a embargos infringentes do INSS, por voto de desempate. Admitiu válida a renúncia à aposentadoria e possibilidade de concessão de novo jubilamento, desde que os valores recebidos da autarquia previdenciária fossem integralmente devolvidos. Da tese vencida, e do voto do Desembargador Federal Luís Alberto d'Azevedo Aurvalle, extrai-se que não há divergência quanto a se poder renunciar à aposentadoria, porém há quanto a se permitir outra mais vantajosa.
Tomadas essas considerações, a manutenção da sentença é medida que se impõe.
Posto isso, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, nego provimento à apelação.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
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