D.E. Publicado em 25/08/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004231-31.2012.4.03.6111/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação em ação de conhecimento, com pedido de tutela antecipada, ajuizada em 23/11/2012, que tem por objeto condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
As sentenças de fls. 58/60 e 89/91 foram anuladas nos termos das decisões monocráticas de fls. 79/80 e 109/111.
Em nova decisão, o MM. Juízo a quo julgou improcedente o pedido, sob o fundamento de que a renda per capita familiar é superior a ¼ do salário mínimo, deixando de condenar as autoras nas verbas decorrentes da sucumbência, eis que beneficiárias da assistência judiciária gratuita.
Apelam as autoras, pleiteando a reforma da r. sentença para julgar procedente o pedido, com a concessão do benefício de amparo social desde a data da citação, argumentando que implementam os requisitos legais para a concessão da benesse.
Subiram os autos, sem contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer.
É o relatório.
VOTO
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in verbis:
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se as autoras implementam os requisitos legais para a concessão do benefício assistencial.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao primeiro requisito, o laudo médico pericial juntado às fls. 150/155, atesta que a autora Carina Maldonado, nascida aos 09/04/1973, é portadora de Retardo Mental Leve - CID 10 F70 e Epilepsia - CID 10 G40, concluindo o experto que em virtude desse quadro orgânico, crônico e irreversível, a pericianda encontra-se incapacitada de forma total e permanente para o trabalho e para exercer os atos da vida civil.
Por seu turno, o laudo médico pericial acostado às fls. 157/162, também atesta a incapacidade total e permanente da autora Rosangela Maldonado, nascida aos 03/01/1969, para o exercício de atividade laborativa e para os atos da vida civil, sendo portadora de Retardo Mental Leve - CID 10 F70 e Psicose Orgânica - CID 10 F06.
Impende elucidar que as autoras foram interditadas por sentença proferida em 04/09/2002, constando como curadora atual a genitora Maria José da Silva Maldonado, em conformidade com as certidões de interdição juntadas às fls. 12/13.
Por sua vez, foi comprovado que a parte autora não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Para os fins do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93, o núcleo familiar é constituído pelas autoras Rosangela Maldonado, nascida aos 03/01/1969, sua irmã Carina Maldonado, nascida aos 09/04/1973, solteiras, e a genitora/curadora Maria José da Silva Maldonado, nascida aos 01/10/1949, viúva, pensionista.
O mandado de constatação juntado às fls. 137/150, informa que a família reside em imóvel cedido pela tia materna Rosalina Maldonado, em bom estado de conservação, composto por três dormitórios, sala, cozinha e dois banheiros.
A renda familiar era proveniente do benefício de pensão por morte auferido pela genitora, no valor de R$1.050,00, sendo esta a única fonte de renda da família.
Foram declaradas despesas com alimentação, energia elétrica, água, gás de cozinha, IPTU, medicamentos e empréstimo consignado, discriminadas no auto de constatação, que não estão sendo supridas com a renda auferida.
Consta que as autoras são portadoras de problemas mentais, neurológicos e hipertensão, utilizam vários medicamentos de forma regular e que frequentam a APAE.
Os extratos do sistema DATAPREV juntados aos autos pela Autarquia, comprovam que a família não possui nenhuma outra renda, além daquela declarada.
Cabe elucidar que na data em que realizada a diligência, 19/06/2015, o salário mínimo estava fixado em R$788,00 e a renda per capita familiar não atingia a metade desse valor.
Nos termos das normas citadas e das jurisprudências colacionadas, deve ser excluído da renda familiar o valor de um salário mínimo, porquanto se destina à manutenção da genitora idosa, não sendo razoável considerar que o valor remanescente, R$262,00, seja suficiente para suprir as necessidades vitais de duas pessoas adultas, atualmente com 53 e 47 anos de idade, portadoras de deficiência mental e outras doenças, que dependem da genitora idosa para sobreviver.
Destarte, o conjunto probatório comprova que as autoras preenchem os requisitos legais para usufruir do benefício de prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, nos termos do caput, do Art. 20, da Lei 8.742/93.
O termo inicial do benefício, na ausência de prévio requerimento administrativo, deve ser fixado na data da citação da Autarquia, formalizada em 17/12/2014 (fl. 117), em conformidade com o entendimento assente no c. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Reconhecido o direito ao benefício assistencial, desde a citação, com reavaliação no prazo legal, passo a dispor sobre os consectários incidentes sobre as parcelas vencidas e a sucumbência.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e, no que couber, observando-se o decidido pelo e. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme entendimento consolidado na c. 3ª Seção desta Corte (AL em EI nº 0001940-31.2002.4.03.610). A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº 17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício concedido, na forma do Art. 124, da Lei nº 8.213/91.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
Independentemente do trânsito em julgado desta decisão, determino seja enviado e-mail ao INSS, instruído com os documentos da parte autora, em cumprimento ao Provimento Conjunto nº 69/2006, alterado pelo Provimento Conjunto nº 71/2006, ambos da Corregedoria Regional da Justiça Federal da Terceira Região e da Coordenadoria dos Juizados Especiais Federais da Terceira Região, a fim de que se adotem as providências cabíveis à imediata concessão do benefício especificado, conforme os dados do tópico síntese do julgado abaixo transcrito.
Tópico síntese do julgado:
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 16/08/2016 18:12:56 |