D.E. Publicado em 24/08/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003493-29.2015.4.03.6114/SP
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL TÂNIA MARANGONI: Cuida-se de pedido de cessação de desconto de valores pagos indevidamente a título de benefício assistencial e restabelecimento do amparo.
A sentença julgou improcedente o pedido, considerando que não restou demonstrada a miserabilidade da parte autora.
Inconformada apela a requerente, sustentando que preencheu os requisitos para sua concessão e, apesar disso, foi-lhe retirado o benefício.
Recebido e processado o recurso, subiram os autos a este Egrégio Tribunal.
É o relatório.
TÂNIA MARANGONI
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003493-29.2015.4.03.6114/SP
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL TÂNIA MARANGONI: A questão em debate consiste em saber se a parte autora faz jus ao benefício que pretende receber, à luz do inciso V do art. 203 da Constituição Federal, c.c. art. 139 da Lei nº 8.213/91 e art. 20 da Lei nº 8.742 de 07/12/1993. Para tanto, é necessário o preenchimento de dois requisitos estabelecidos pelo artigo 20, da Lei Orgânica da Assistência Social: I) ser pessoa portadora de deficiência que incapacite para o trabalho ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, conforme o artigo 34, do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) e II) não possuir meios de subsistência próprios ou de familiares.
Importante ressaltar que a Lei 12.435/11 alterou o conceito de família, dando nova redação ao art. 20, § 1º, da Lei nº 8.742/93, não mais remetendo ao art. 16 da Lei nº 8.213/91 para identificação dos componentes do grupo familiar.
Destaco acerca do parâmetro da renda, que por decisão do Plenário do C. STF, em 18.04.2013, por ocasião do julgamento do RE 567985 RG/MT, submetido à Repercussão Geral, de relatoria do e. Ministro Marco Aurélio e relator para o acórdão o e. Min. Gilmar Mendes, foi declarada a inconstitucionalidade por omissão parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93, que considera hipossuficiente o idoso ou portador de deficiência cuja renda mensal per capita não atinge ¼ do salário mínimo, nos seguintes termos:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
Acrescente-se, ainda que o artigo 34, da Lei nº 10.741/2003, prevê que é assegurado o pagamento de benefício assistencial ao idoso, a partir de 65 anos, desde que não possua condições de prover o próprio sustento ou tê-lo previsto por sua família. O parágrafo único do dispositivo citado estabelece que o benefício já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins da apuração da renda per capta a que se refere a LOAS.
Inicialmente, o E. Superior Tribunal de Justiça interpretou de forma restritiva o normativo, entendo que deveria ser excluído do cálculo da renda per capta tão somente o benefício assistencial recebido por outro membro do núcleo familiar.
Posteriormente, considerou que também o benefício previdenciário de valor mínimo recebido por maior de 65 anos não deveria ser computado no cálculo da renda familiar per capta.
Recentemente, o C. Superior Tribunal de Justiça assentou no julgamento do RESP n.º 1.355.052/SP que o comando normativo previsto no art. 34, parágrafo único, da Lei n.º 10.741/03 (Estatuto do Idoso) que deve ser aplicado, por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por deficiente, em condições de vulnerabilidade social, a fim de que o benefício previdenciário, no valor de um salário mínimo, recebido por idoso que integra o núcleo familiar, não seja computado no cálculo da renda per capta.
Confira-se:
Destaca-se que o E. Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 580.963/MT, julgado sob o rito da repercussão geral, negou provimento a recurso do INSS e declarou incidenter tantum, a inconstitucionalidade por omissão parcial, sem pronuncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único do Estatuto do Idoso.
A Suprema Corte assentou no referido julgado o entendimento de que não há justificativa para a discriminação dos deficientes em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários do amparo social ou de benefício previdenciário no valor mínimo.
Proposta a demanda em 01.07.2015, a autora, nascida em 211.12.1966, instrui a inicial com documentos, dentre os quais destaco: declarações emitidas por profissional médico da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP, atestando que a autora é portadora de Esclerose Lateral Amiotrófica, relata que a paciente encontra-se acamada, com impossibilidade de locomoção e completamente dependente para realização de atividades da vida diária; recibo de pagamento de salário no período de novembro de 2013 a outubro de 2014, sendo os últimos no valor de R$850,00; extratos do sistema Dataprev constando vínculos empregatícios em nome do filho da autora, de forma descontínua, de 12.01.2007 a 30.01.2009, 20.04.2010 (sem saída), 10.02.2014 (sem saída) e recolhimentos como contribuinte individual de 01.04.2014 a 31.12.2015 e que a mãe da autora recebe aposentadoria por idade, no valor de R$880,00, desde 31.07.2002; extrato do sistema Renajud constando que a autora é proprietária de um veículo VW/GOL 1.0, 2008/2009, Placa EFY9260 e um veículo VW/GOL 1983/1983, Placa CYM9508.
Veio o estudo social, realizado em 21.10.2015, informando que a requerente, com 48 anos de idade, reside sozinha. O imóvel é próprio, de alvenaria, com aproximadamente 80m², composta por dois dormitórios, sala, cozinha, um banheiro, área de serviço e garagem, em bom estado de conservação. A autora conta com ajuda de uma empregada doméstica e uma técnica de enfermagem, possui convênio médico, com cobertura para "home care", custeados com ajuda da sua genitora e de amigos.
Acerca da apuração das condições socioeconômicas em que vivem a parte autora e as pessoas de sua família, cumpre ressaltar que devem ser analisados a renda per capta e todo o conjunto probatório produzido.
Nesse sentido, já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça, conforme demonstra o julgado a seguir colacionado:
In casu, não obstante a renda familiar declarada, os elementos constantes dos autos permitem concluir pela ausência de miserabilidade da parte autora, não havendo violação ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003, que visa proteger o idoso e, por analogia, o deficiente, em situação de vulnerabilidade social e econômica.
Na trilha do entendimento espelhado na decisão recorrida, não há no conjunto probatório elementos que possam induzir à convicção de que a parte autora está entre o rol dos beneficiários, eis que não comprovou a miserabilidade, essencial à concessão do benefício assistencial.
Embora o autor não possua renda é possível concluir que é auxiliada pela família é proprietária de um imóvel, possui empregada doméstica, plano de saúde e possui automóvel em seu nome. Desse modo, a requerente não logrou comprovar a miserabilidade, requisito essencial à concessão do benefício assistencial.
Assim, não faz jus à garantia constitucional, que prevê o direito ao benefício no valor de um salário mínimo ao deficiente ou ao idoso que não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido por seus familiares (CF, art. 203, inc. V).
Dispensável a análise dos demais requisitos, já que a ausência de apenas um deles impede a concessão do benefício pretendido.
Acerca da cobrança efetuada pelo INSS, há que se ressaltar que os valores foram pagos à requerente a título de amparo social, cujos valores destinam-se à própria sobrevivência do segurado, circunstância que o reveste de nítido caráter alimentar, impedindo sua repetição.
Neste sentido, o posicionamento firmado no âmbito desta E. Corte e do C. STJ, como o demonstram os julgados a seguir colacionados:
Conquanto haja previsão legal de reembolso dos valores indevidamente pagos pelo INSS, conforme disposto no art. 115, inc. II, da Lei n.º 8.213/91, há que se considerar, no caso dos autos, além do caráter alimentar da prestação e da boa-fé do segurado, que, cessado o pagamento dos valores, não há possibilidade de descontos.
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora, apenas para reconhecer a inexigibilidade da cobrança dos valores pagos pelo INSS à requerente, a título de benefício assistencial.
É o voto.
TÂNIA MARANGONI
Desembargadora Federal
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Data e Hora: | 09/08/2016 14:40:06 |