D.E. Publicado em 07/12/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL, para reconhecer a carência superveniente do interesse processual a partir da data de início do benefício assistencial concedido administrativamente, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, E, DE OFÍCIO, FIXAR OS CONSECTÁRIOS LEGAIS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0005299-63.2011.4.03.6139/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de ação pelo rito ordinário proposta por JOSÉ ANASTACIO DE CARVALHO em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, em que se objetiva a concessão do benefício assistencial previsto no artigo 203 da Constituição Federal e artigo 20 da Lei 8.742/1993 (Loas).
Contestação às fls. 18/23.
Réplica à fl. 34.
Estudo Social às fls. 60/63.
À fl. 72 o INSS informou que concedeu o benefício administrativamente, mas requereu a improcedência da pretensão por não ter sido provado o preenchimento dos requisitos desde a data do primeiro requerimento administrativo (09/06/2008).
Informado o falecimento da parte autora (fls. 73/74), procedeu-se à habilitação dos herdeiros (fl. 124).
O pedido foi julgado procedente, condenando-se o INSS a conceder o benefício assistencial à parte autora a partir de 09/06/2008, data do primeiro requerimento administrativo, corrigido monetariamente, bem como, a arcar com honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor da condenação, observada a Súmula 111 do STJ (fls. 127/132).
Sentença submetida ao reexame necessário.
O INSS interpôs apelação requerendo a fixação do termo inicial do benefício na data do laudo social e a alteração dos consectários legais (fls. 135/140).
Com contrarrazões (fls. 143/145), os autos subiram a esta Corte.
O Ministério Público Federal opinou pela extinção do processo, sem julgamento do mérito, em razão de o falecimento da parte autora ter sido anterior à sentença e o benefício em questão possuir natureza personalíssima e ser intransmissível (fls. 149/150).
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Inicialmente, com relação ao parecer do Ministério Público Federal, dispõe o artigo 23 e seu parágrafo único, do Decreto nº 6.214/07:
Referida norma regulamentou o benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, sendo cristalino, portanto, o direito dos sucessores ao percebimento dos valores devidos ao beneficiário até a ocasião do seu falecimento.
Assim, em que pese o benefício assistencial seja personalíssimo e intransmissível - não conferindo aos herdeiros do beneficiário o direito à pensão por morte -, os valores devidos em vida ao falecido podem ser pagos aos seus sucessores ainda que o óbito tenha ocorrido antes do trânsito em julgado da sentença, desde que preenchidos os requisitos exigidos para tanto.
No caso dos autos, além de preenchido o requisito etário e de já ter sido produzido o estudo social com vistas a comprovar a situação de miserabilidade, o próprio INSS reconheceu o direito da parte autora ao benefício, remanescendo questionamentos apenas em relação ao termo inicial, sendo possível, portanto, a habilitação dos sucessores.
Quanto ao mérito, assinale-se que o benefício aqui postulado é de natureza assistencial e deve ser prestado a quem dele necessitar, independentemente do recolhimento de contribuições.
O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família:
Até a regulamentação do citado dispositivo constitucional, ocorrida com a edição da Lei 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), a proteção ao deficiente e ao idoso hipossuficientes era objeto da Lei 6.179/1974, a qual instituiu o benefício denominado "amparo previdenciário" destinado a pessoas maiores de 70 (setenta) anos ou inválidas, consistente no pagamento mensal de renda vitalícia equivalente à metade do salário mínimo vigente no país. A partir do advento da Constituição de 1988, o valor do benefício foi elevado para 1 (um) salário mínimo, à vista do disposto no art. 139, § 2º, da Lei 8.231/1991.
A renda mensal vitalícia em referência foi extinta pelo art. 40 da Lei 8.742/1993, sendo estabelecido em seu lugar o benefício assistencial de prestação continuada previsto no art. 20 do mesmo diploma legal.
Atualmente, a disciplina legal do instituto encontra-se formatada pelas Leis 9.720/1998 12.435/2011, 12.470/2011 e 13.146/2015, as quais promoveram alterações substanciais nos arts. 20 e 21 da Lei Orgânica da Assistência Social.
No tocante aos beneficiários, dispõe o art. 20 da Lei 8.231/1991:
Em relação ao idoso, cumpre registrar que originariamente o dispositivo em análise estabelecia a idade mínima de 70 (setenta) anos como requisito para a obtenção do benefício, sendo estabelecida, ao mesmo tempo, regra de transição no art. 38 do mesmo estatuto legal, pela qual o critério etário deveria ser reduzido gradativamente, passando a 67 (sessenta e sete) anos contados 24 (vinte e quatro) meses e 65 (sessenta e cinco) anos em 48 (quarenta e oito) meses, respectivamente. Contudo, a Lei 9.720/1998, objeto de conversão da Medida Provisória 1599-50/1998, fixou a idade limite em 67 (sessenta e sete) anos a partir de 1º de janeiro de 1998.
Com o advento do Estatuto do Idoso, mediante a edição da Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003, acabou-se por eleger a idade de 65 (sessenta e cinco) anos como critério etário para a percepção do benefício assistencial, nos seguintes termos:
Finalmente, a Lei 12.435/2011 promoveu a atualização do art. 20 da Lei 8.742/1993, prevendo a idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos, e, de outro lado, revogou o art. 38, na redação dada pela Lei 9.720/1998.
Assim, a pessoa maior de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, a partir do início da vigência do Estatuto do Idoso, desde que exposta à situação de hipossuficiência material, pode ser amparada pela Seguridade Social por meio do benefício assistencial de prestação continuada.
No que concerne à pessoa com deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social evidenciam tendência evolutiva na consideração da sua conceituação legal. Originariamente, a deficiência encontrava-se relacionada à incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Posteriormente, a Lei 12.435/2011 incluiu no dispositivo em análise a definição contida no art. 1º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 30.03.2007, incorporada ao ordenamento jurídico interno pelo Decreto n. 6.949/2009, de acordo com a qual:
Entretanto, ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Note-se que a jurisprudência já vinha suavizando a interpretação sobre o alcance da aludida incapacidade, como se extrai da seguinte decisão:
A propósito do tema, confira-se ainda o teor da Súmula n. 29 da Turma Nacional de Uniformização - TNU dos Juizados Especiais:
Em compasso com a evolução interpretativa promovida pela jurisprudência, a Lei 12.470/2011 abandonou o parâmetro consubstanciado na incapacidade para a vida independente e para o trabalho, preservando a definição consagrada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a qual explicitou a definição legal de pessoa com deficiência:
Ademais, cumpre assinalar que o § 10, do mesmo dispositivo, incluído pela Lei 12.470/2011, considera por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No tocante à situação socioeconômica do beneficiário, consta do § 3º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, com a redação dada pela Lei 12.435/2001:
Inicialmente, o dispositivo em referência teve a constitucionalidade afirmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado na ADIn nº 1.232-1 (Rel. Min. Ilmar Galvão, por redistribuição, DJU, 26 maio 1995, p. 15154). Entretanto, a pretexto da ocorrência de processo de inconstitucionalização oriundo de alterações de ordem fática (políticas, econômicas e sociais) e jurídica (estabelecimento de novos patamares normativos para concessão de benefícios assistenciais em geral), o Supremo Tribunal Federal reviu o anterior posicionamento, declarando a inconstitucionalidade parcial do dispositivo, sem pronúncia de nulidade, em julgado assim ementado:
Consequentemente, foi rechaçada a aferição da miserabilidade unicamente pelo critério objetivo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, passando-se a admitir o exame das reais condições sociais e econômicas do postulante ao benefício, como denota a seguinte decisão:
É importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça já se servia de outros meios de prova para aferir a hipossuficiência do postulante ao amparo assistencial, além do montante da renda per capita, reputando a fração estabelecida no § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 como parâmetro abaixo do qual a miserabilidade deve ser presumida de forma absoluta. Nesse sentido, a seguinte decisão prolatada em sede de recurso especial representativo de controvérsia:
No mesmo sentido tem se orientado a jurisprudência desta Corte:
Atualmente encontra-se superada a discussão em torno da renda per capita familiar como único parâmetro de medida do critério socioeconômico, pois, com a inclusão pela Lei 13.146/2015 do § 11 no art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, passou a constar previsão legal expressa autorizando a utilização de outros elementos probatórios para a verificação da miserabilidade e do contexto de vulnerabilidade do grupo familiar exigidos para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada.
Note-se que, no tocante a idoso, para fins de composição da renda familiar per capita, o parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) faz ressalva do valor oriundo de benefício já concedido a qualquer membro da família:
A propósito, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade por omissão do dispositivo, sem pronúncia de nulidade, para abranger na ressalva legal os benefícios assistenciais percebidos por deficientes e de previdenciários, no montante de até um salário mínimo, destinados a idosos.
Cumpre, então, examinar o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício pleiteado no caso vertente.
Importante observar, inicialmente, que a parte autora teve o benefício assistencial concedido administrativamente com DIB e DIP em 08.07.2010 (data do segundo requerimento administrativo) e, portanto, houve carência superveniente do interesse processual a partir desse momento, razão pela qual se deve verificar se preencheu os requisitos para a concessão do benefício apenas anteriormente a essa data, desde o primeiro requerimento administrativo (09.06.2008).
A parte autora contava com a idade de 65 anos quando do primeiro requerimento administrativo (cf. doc. de fl. 07), preenchendo assim o requisito etário legal.
No tocante à demonstração da miserabilidade, o Estudo Social produzido indica que o núcleo familiar era integrado pela parte postulante, sua esposa e seu filho. À época (01/2012) foi informado que a renda mensal constituía em R$ 622,00 (um salário mínimo) provenientes do LOAS/BPC recebido pelo filho, mais R$ 622,00 recebidos pela parte autora a título do benefício assistencial concedido administrativamente pelo INSS. As despesas declaradas somavam o valor de R$ 790,00. Consta, ainda, que o imóvel em que residem tinha sido cedido pela filha da parte autora havia 4 anos.
Em consulta ao CNIS, verifica-se que o LOAS/PBC é recebido pelo filho desde 25/04/1996, de modo que o benefício já era pago à época do primeiro requerimento administrativo. Constata-se, ainda, não existir qualquer remuneração registrada em nome da esposa.
Assim, excluindo-se o valor recebido pela parte autora - já que a análise cinge-se a período anterior à concessão administrativa -, resta apenas o valor de um salário-mínimo auferido pelo filho.
Com efeito, considerando que o benefício assistencial recebido pelo filho é equivalente a 01 (um) salário mínimo, a renda familiar deve ser considerada zero, o que enseja o reconhecimento da presunção de hipossuficiência à época, nos termos do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993.
Portanto, o benefício é devido desde a data do primeiro requerimento administrativo (09.06.2008, fl. 06) até a concessão administrativa em 08.07.2010.
A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013, do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
Com relação aos honorários advocatícios, esta Turma firmou o entendimento no sentido de que estes devem ser fixados em 15% sobre o valor das parcelas vencidas até a sentença de primeiro grau, nos termos da Súmula 111 do E. STJ. Entretanto, mantenho os honorários como fixados na sentença, em respeito ao princípio da vedação à reformatio in pejus, esclarecendo, apenas, que deverá ser observada a referida Súmula.
Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL, tão somente para reconhecer a carência superveniente do interesse processual a partir da data de início do benefício assistencial concedido administrativamente (08.07.2010), E NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, fixando, de ofício, os consectários legais na forma acima explicitada.
É COMO VOTO.
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 28/11/2017 17:53:55 |