
D.E. Publicado em 22/01/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar arguida, e, no mérito, dar parcial provimento à apelação autárquica, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011817-85.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação proposta em 10/02/2017 com vistas à concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
Documentos acostados à exordial (fls. 09-48).
Deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 49).
Citação, em 22/02/2017 (fl. 51).
Estudo socioeconômico (fls. 59 v.-61).
Laudo médico pericial (fls. 69 v.-74).
A r. sentença, prolatada em 04/10/2017, julgou procedente o pedido. Antecipados os efeitos da tutela. Determinado o pagamento do benefício a partir da data do requerimento administrativo, 06/12/2016 (fl. 95). Condenado o réu, ainda, a pagar, de uma única vez, as prestações vencidas desta a data do início do benefício fixada na sentença, corrigidas monetariamente de conformidade com a legislação previdenciária, bem como da Resolução nº 134/2010 do Conselho da Justiça Federal, que aprovou o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, com as alterações promovidas pela Resolução nº 267/13. Os juros de mora são devidos a partir da citação, nos termos do art. 240 do CPC, e incidente à taxa de 1% (um por cento) ao mês (art. 406 do Código Civil), até 30/06/2009. A partir desta data, os juros serão calculados nos termos do art. 1º-F, da Lei 9.494/97, com a redação dada pela lei 11.960/09. Honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da condenação, excluídas as parcelas vincendas, entendidas essas como sendo as que se vencerem após a sentença (Súmula 111 do E. STJ) (fls. 82-83).
Apelação do INSS. No mérito, pugnou, em suma, pela reforma integral do julgado, com a suspensão da tutela antecipada, em razão do não atendimento do requisito relativo à miserabilidade. Para o caso de manutenção do decisum, requer que o termo inicial do benefício seja fixado na data da sentença, ou na data da juntada do estudo social; que a correção monetária e a incidência dos juros de mora sejam feitas com base nos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação que lhe fora conferida pelo art. 5º da Lei 11.960/09, e por fim, requer a redução do percentual da verba honorária, com incidência apenas até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do C. STJ (fls. 87 v.-93).
Com contrarrazões (fls. 94 V.-98), subiram os autos a este Egrégio Tribunal.
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011817-85.2018.4.03.9999/SP
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Trata-se de recurso interposto pela parte ré contra sentença que julgou procedente pedido de benefício assistencial a pessoa portadora de deficiência.
No tocante à preliminar arguida pelo réu, a doutrina não destoa, ao esclarecer a possibilidade de concessão de tutela antecipada no bojo da sentença, sendo a apelação o recurso cabível da decisão, recebida somente no efeito devolutivo:
No mesmo sentido posiciona-se a jurisprudência pátria:
Não obstante, in casu, vislumbro o preenchimento de todos os requisitos legais para a manutenção da medida, conforme razões que, a seguir, explicitarei na fundamentação desta decisão.
Superada a preliminar em questão, passo à análise do mérito da apelação da autarquia federal.
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias.
Neste aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, V, da Constituição Federal, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435, de 06 de julho de 2011, e o art. 34, da Lei 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003 rezam, in verbis:
O apontado dispositivo legal, aplicável ao idoso, procedeu a uma forma de limitação do mandamento constitucional, eis que conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda inferior à 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único, do art. 34, da Lei 10.741/2003.
De mais a mais, a interpretação deste dispositivo legal na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei 8.742/93.
Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o art. 4º, inc. VI e o art. 19, caput e parágrafo único do referido decreto, in verbis:
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei 8.742/93 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada improcedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01.04.2005, p. 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
Evidencia-se que o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensáveis elementos probatórios outros.
Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante inferior a 1/4 do salário mínimo.
Não se desconhece notícia constante do Portal do Supremo Tribunal Federal, de que aquela Corte, em recente deliberação, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais em voga (Plenário, na Reclamação 4374, e Recursos Extraordinários - REs 567985 e 580963, estes com repercussão geral, em 17 e 18 de abril de 2013, reconhecendo-se superado o decidido na ADI 1.232-DF), do que não mais se poderá aplicar o critério de renda per capita de ¼ do salário mínimo para fins de aferição da miserabilidade.
Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
In casu, a incapacidade, total e permanente, da parte autora restou devidamente comprovada por meio do laudo pericial elaborado em 18/05/2017 (fls. 69 v.-74), no qual o expert conclui que "(...) a Autora apresenta perda de movimento de braço direito e déficit de força muscular em decorrência de lesão nervosa (...) Apresenta dor e déficit motor em decorrência da lesão. Lesão essa agravada com quadro de tenossinovite de ombro. (...) Está inapta para exercer atividades anteriores. Não pode ser readaptada. Sua incapacidade NÃO poderá ser minimizada, mesmo com tratamento. (...) Ao exame médico pericial e elementos nos autos fica demonstrado que a Autora é portadora de tendinite, bursite e rediculopatica cervical. (...)". (g.n.)
Por sua vez, o estudo social elaborado em 22/03/2017 (fls. 59 v.-60), revela que o núcleo familiar era constituído pela própria autora, 57 anos de idade (D.N.:14/03/1960); por seu cônjuge, Fidelcino Corrêa, 61 anos de idade (D.N.: 06/06/1955), que "labora com vínculos frágeis no mercado informal na função de auxiliar de pedreiro", e pelo neto do casal, Felipe Vinicius Corrêa de Alcântara, nascido em 21/09/2004, estudante do 7º ano do ensino fundamental.
Cumpre observar que, não tendo a parte autora comprovado a guarda (provisória ou definitiva) do neto, ele não pode ser considerado integrante do núcleo familiar, à inteligência do disposto no § 1º do art. 20, da Lei 8.742/93, in verbis:
A família residia em casa própria, construída em alvenaria, constituído por cinco cômodos, entre eles, o banheiro; as paredes apresentavam pintura em condições regulares, o chão era revestido parcialmente com piso deteriorado; dormitórios receberam apenas cimento queimado; o telhado era feito de telhas de barro e revestido com "papelito", a fim de evitar a entrada da água da chuva. Nas proximidades do domicílio eram disponibilizados atendimentos na atenção básica à saúde, além de educação e assistência social.
A residência encontrava-se guarnecida com mobília simples, nos padrões de aquisição das famílias brasileiras de baixa renda: camas de casal e de solteiro, fogão, guarda-roupas, estante, televisores de tubo, cômoda, criado-mudo, mesa, balcão, armário, tanque de lavar roupas elétrico, centrífuga, pia, geladeira e jogo com três e dois lugares.
A assistente social foi informada de que a renda familiar era proveniente do labor do cônjuge da requerente, que exercia a atividade de ajudante de pedreiro (informalmente) três vezes por semana, a R$ 50,00 por dia trabalhado, totalizando, aproximadamente, R$ 600,00 por mês, e também advinha de "trabalho" informal exercido pela autora, cuidadora dos netos Lucas Gustavo Corrêa e Emanuelle Corrêa, de 9 e 3 anos respectivamente. Com isso, ela recebia R$ 150,00 por mês da filha, totalizando assim, a renda familiar, aproximadamente R$ 750,00 por mês. Por ocasião da perícia socioeconômica, o salário mínimo mensal estabelecido era R$ 937,00.
A família também auferia renda proveniente de programa de transferência de renda denominado "Bolsa Família", no valor de R$ 110,00 por mês, e recebia desconto no pagamento da energia elétrica.
Esclareço que, por expressa disposição legal (art. 4º, § 2º, II, do Decreto nº 6.214/07), o valor percebido pela família do autor, proveniente de programa de transferência de renda (Bolsa-Família) não pode ser considerado para fins de apuração da renda per capta.
A despesa mensal do núcleo familiar compreendia gastos com supermercado - alimentação, produtos de higiene pessoal e para a casa, e gás de cozinha (R$ 800,00), energia elétrica (R$ 40,00), e água R$ 40,00, totalizando R$ 880,00 por mês.
Verifica-se que a renda familiar não é suficiente para o pagamento sequer das despesas ordinárias do núcleo familiar.
Sendo assim, há elementos o bastante para se afirmar que se trata de pessoa que vive em estado de miserabilidade. Certamente os recursos obtidos pela parte autora são insuficientes para cobrir gastos ordinários e tratamentos que lhes sejam imprescindíveis.
Nessas condições, não é possível à parte autora ter vida digna ou, consoante assevera a Constituição Federal, permitir-lhe a necessária dignidade da pessoa humana ou o respeito à cidadania, que são, às expressas, tidos por princípios fundamentais do almejado Estado Democrático de Direito.
Portanto, é de se concluir que o autor tem direito ao amparo assistencial, devendo ser mantida, em parte, a r. sentença prolatada.
Quanto à verba honorária, reduzo o percentual arbitrado, de 15% (quinze por cento) para 10% (dez por cento), considerados a natureza, o valor e as exigências da causa, conforme art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC.
Isso posto, rejeito a preliminar arguida, e, no mérito, dou parcial provimento à apelação autárquica.
É COMO VOTO.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 10/12/2018 18:30:45 |