
D.E. Publicado em 28/08/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, declarar nula, ex officio, a sentença prolatada, julgar procedente o pedido, e prejudicada a apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0024314-20.2007.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação proposta em 06/02/2004 com vistas à concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
Documentos acostados à exordial (fls. 12-56).
Deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 57).
Citação em 24/03/2004 (fl. 66).
Audiência de Conciliação, a qual restou infrutífera (fl. 72).
Laudo médico pericial (fls. 116-118).
A r. sentença, prolatada em 12/06/2006, julgou improcedente o pedido (fls.150-153).
Apelação da parte autora. Pugnou pela reforma integral do julgado (fls. 155-169).
Com contrarrazões (fls. 171-186), subiram os autos a este Egrégio Tribunal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 191-196).
Decisão proferida por esta E. Corte em 01/09/2011, anulando a r. sentença prolatada, e determinando a devolução dos autos ao Juízo de origem, para realização de perícia socioeconômica (fls. 201-202).
Baixa dos autos a Instância inferior em 06/02/2012 (fls. 206).
Estudo socioeconômico, realizado em 12/12/2012 (fls. 223-226).
Noticiado pelo réu o óbito do autor, ocorrido em 26/12/2012 (fl. 231).
Parecer do Ministério Público do Estado de São Paulo, com manifestação favorável ao pedido de habilitação formulado pelo irmão do demandante, Wilson Teodoro de Souza (fl. 257).
Sentença prolatada em 27/04/2017, que extinguiu o processo sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, incisos VI e IX do CPC/2015 (fls. 133-136).
Apelação da parte autora. Pugna pela reforma integral do julgado (fls. 280-293).
Sem contrarrazões, subiram os autos novamente a este Egrégio Tribunal em 10/01/2018 (fl. 303).
Decisão monocrática proferida por esta E. Corte em 01/02/2018, julgando habilitado o sucessor Wilson Teodoro de Souza (fls. 304-306).
Certificado o decurso de prazo para interposição de recursos pelas partes (fl. 309).
Parecer do Ministério Público Federal (fl. 313).
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0024314-20.2007.4.03.9999/SP
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Trata-se de recurso interposto pela parte autora contra sentença que julgou extinto o processo sem apreciação de mérito, no qual se pretende obter benefício assistencial a pessoa portadora de deficiência.
DA NULIDADE DA SENTENÇA CITRA PETITA
Conquanto sucessor da parte autora tenha pleiteado sua habilitação, a r. sentença prolatada extinguiu o feito sem resolução do mérito (fls. 275-276), em síntese, por não existir mais interesse processual no prosseguimento do feito.
A habilitação tempestiva de sucessor da parte autora configura o interesse no prosseguimento da ação. Caracterizada a nulidade da sentença. Contudo, entendo não ser o caso de se determinar a remessa dos autos à Vara de origem, para a prolação de nova decisão e, sim, de se passar ao exame das questões suscitadas.
A prolação de sentença nula não impede a apreciação do pedido por esta Corte. Trata-se de questão exclusivamente de direito, portanto, em condições de imediato julgamento, cujo conhecimento atende aos princípios da celeridade e da economia processual, bem como encontra respaldo na Constituição Federal (art. 5º, LXXVIII, com a redação dada pela EC 45/04) e na legislação adjetiva (art. 1.013, § 3º, inciso II, do CPC).
Nesse sentido, a jurisprudência deste Egrégio Tribunal Regional:
Passo ao mérito.
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. Neste aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, V, da Constituição Federal, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435, de 06 de julho de 2011, e o art. 34, da Lei 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003 rezam, in verbis:
O apontado dispositivo legal, aplicável ao idoso, procedeu a uma forma de limitação do mandamento constitucional, eis que conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda inferior à 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único, do art. 34, da Lei 10.741/03.
De mais a mais, a interpretação deste dispositivo legal na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei 8.742/93.
Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto nº 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o art. 4º, inc. VI e o art. 19, caput e parágrafo único do referido decreto, in verbis:
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei 8.742/93 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada im procedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01.04.2005, p. 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
Evidencia-se que o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensáveis elementos probatórios outros.
Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante inferior a 1/4 do salário mínimo.
Não se desconhece notícia constante do Portal do Supremo Tribunal Federal, de que aquela Corte, em recente deliberação, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais em voga (Plenário, na Reclamação 4374, e Recursos Extraordinários - REs 567985 e 580963, estes com repercussão geral, em 17 e 18 de abril de 2013, reconhecendo-se superado o decidido na ADI 1.232-DF), do que não mais se poderá aplicar o critério de renda per capita de ¼ do salário mínimo para fins de aferição da miserabilidade.
Também restou consolidado no colendo Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a comprovação do requisito da renda familiar per capita não-superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não exclui outros fatores que tenham o condão de aferir a hipossuficiência econômica da parte:
Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
Por sua vez, o estudo socioeconômico elaborado com base em visita realizada em 12/12/2012 (fls. 222-226) revela que o autor era solteiro e residia sozinho em casa cedida pelo irmão Wilson Teodoro de Souza, construída em alvenaria, constituída por três cômodos, forrados, com chão de "piso frio", e não apresentava boas condições de conservação. A residência encontrava-se guarnecida por móveis e eletrodomésticos simples, necessários para o uso diário.
A renda familiar resumia-se ao valor do benefício assistencial de prestação continuada (BPC) percebido requerente no valor um salário mínimo mensal, à época fixado em R$ 622,00.
Quanto às despesas, o requerente informou à assistente social que seu irmão Wilson pagava as contas de água e de energia elétrica, e que da renda auferida disponibilizava R$ 400,00 para auxiliar o irmão nas despesas mensais, e o restante utilizava para comprar itens e higiene pessoal e algum medicamento não encontrado na rede pública de saúde. Na ocasião, o falecido autor realizava tratamento quimioterápico para tumor na garganta (carcinoma espinocelular orofaringe), patologia que veio a ocasionar o óbito do demandante, conforme atestado de óbito coligido aos autos (fl. 246).
Sendo assim, há elementos o bastante para se afirmar que se trata pessoa que vive em estado de miserabilidade. Certamente os recursos obtidos pela parte autora eram insuficientes para cobrir gastos ordinários e tratamentos que lhes eram imprescindíveis.
De outro lado, na hipótese enfocada depreende-se do laudo médico-pericial (fls. (fls. 116-118), relativo à perícia realizada em 09/08/2005, que o autor, à época com 53 anos de idade, era portador, de sequela de acidente vascular cerebral (AVCI), "que pela descrição foi isquêmico, que resultou em paralisia do lado esquerdo. Houve recuperação razoável de membro inferior esquerdo, porém o membro superior esquerdo permaneceu em plegia. Além da seqüela motora, o periciando apresentou crises convulsivas, que estão controladas com uso de medicação específica. Existe nexo causal do déficit motor e das crises convulsivas com o AVCI. (g.n.). Concluiu o expert: "Existe invalidez parcial e permanente, de 70% referentes ao braço esquerdo, e de 40% referentes à perna esquerda." Por fim, em resposta ao quesito número 04 do requerido reiterou: "Periciado apresenta seqüela deAVCI, com plegia braquial e paresia crural, que determina a invalidez parcial e permanente." (g.n.).
Ressalte-se que embora a perícia médica tenha concluído que o requerente encontrava-se incapacitado de forma parcial e permanente para o exercício de atividade laboral, é cediço que o julgador não está adstrito apenas à prova pericial para a formação de seu convencimento, podendo decidir contrariamente às conclusões técnicas, com amparo em outros indicadores vislumbrados nos autos, in casu, a presença, nos autos, de cópias de atestados médicos com menção à incapacidade para o labor (fls. 41, 53 e 54), e relativos ao período controvertido.
Considerando a controvérsia existente em relação à data de início da incapacidade da parte autora, verifico que assiste razão à parte autora: o Sr. perito, em resposta ao quesito 02 do requerido, asseverou, no ano de 2005, que o autor seria portador de problemas neurológicos há mais de quatro anos (fl. 118).
Ainda, documentos emitidos em 20/06/2001 e 25/06/2001 pelo Centro de Recuperação Municipal da Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura Municipal de Araras (fls. 41 e 54), atestaram, respectivamente: "(...) José Carlos de Souza, 50 anos, está sendo acompanhado por quadro de AVCI (CID I 63-9) e epilepsia (CID 640-9) No momento apresenta quadro sequelar (hemiparesia esquerda). Está impossibilitado de trabalhar. (...)", e "José Carlos de Souza encontra-se em tratamento de fisioterapia neste Centro de Recuperação c/ HD Hemiparesia à Esquerda" (g.n.)
Verifica-se que a prova documental supracitada, bem como o período mencionado pelo Sr. Perito (mais de 4 anos antes da perícia) demonstram que a incapacidade do autor para o trabalho de fato era preexistente ao segundo pedido administrativo, protocolado em 19/08/2002. Ou seja, quando protocolizou o primeiro pedido administrativo em 23/08/2000 (fl. 13), o qual restou indeferido, o autor já se encontrava impossibilitado de trabalhar, em razão da sequela do AVC que sofrera.
Frise-se, somente após protocolado pelo autor o segundo pedido administrativo, em 19/08/2002 (fl. 47), a autarquia federal veio a conceder-lhe o benefício almejado, o qual cessou na data do óbito do beneficiário, 26/12/2012.
De rigor, portanto, o conhecimento da procedência do pedido inicial.
Merece a acolhida a pretensão da parte autora, condenando-se o réu ao pagamento do benefício sub judice relativo ao período remanescente, de 23/08/2000 (data do primeiro requerimento) até 18/08/2002 (dia anterior à concessão administrativa do benefício).
A correção monetária e os juros moratórios incidirão nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor, por ocasião da execução do julgado.
Quanto à verba honorária advocatícia, fixo-a em 10% (dez por cento), considerados a natureza, o valor e as exigências da causa, sobre as parcelas vencidas até a data deste decisum, nos termos da Súmula 111 do STJ.
Relativamente às custas processuais, é imperioso sublinhar que o art. 8º da Lei 8.620, de 05/01/1993, preceitua o seguinte:
Apesar do STJ entender que o INSS goza de isenção no recolhimento de custas processuais, perante a Justiça Federal, nos moldes do dispositivo legal supramencionado, a Colenda 5ª Turma deste Egrégio Tribunal tem decidido que, não obstante a isenção da autarquia federal, consoante o art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93, se ocorreu o prévio recolhimento das custas processuais pela parte contrária, o reembolso é devido, a teor do art. 14, § 4º, da Lei 9.289/96, salvo se esta estiver amparada pela gratuidade da Justiça.
De conseguinte, em sendo a parte autora beneficiária da justiça gratuita, deixo de condenar o INSS ao reembolso das custas processuais, porque nenhuma verba a esse título foi paga pela parte, e a autarquia federal é isenta e nada há a restituir.
Quanto às despesas processuais, são elas devidas, à observância do disposto no artigo 11 da Lei 1.060/50, combinado com o artigo 27 do Código de Processo Civil. Porém, a se considerar a hipossuficiência da parte autora e os benefícios que lhes assiste, em razão da assistência judiciária gratuita, a ausência do efetivo desembolso desonera a condenação da autarquia federal à respectiva restituição.
Diante do exposto, declaro nula , ex officio, a r. sentença prolatada, e, com fundamento no artigo 1.013, § 3º, III, do novo Código de Processo Civil, julgo procedente o pedido, nos termos da fundamentação do voto. Prejudicado o recurso de apelação interposto pela parte autora.
É COMO VOTO.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 13/08/2018 16:35:15 |