
D.E. Publicado em 08/02/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, cassando a tutela antecipada deferida anteriormente, sem necessidade de devolução de valores, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0041024-03.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de ação pelo rito ordinário proposta por VANESSA APARECIDA DA SILVA OLIVEIRA, incapaz, em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, em que se objetiva a concessão do benefício assistencial previsto no artigo 203 da Constituição Federal e artigo 20 da Lei 8.742/1993 (Loas).
Contestação às fls. 26/33.
Perícia às fls. 64/69.
Fichas de Atendimento e Relatório Psicológico da autora na APAE de Pirassununga às fls. 74/277.
Estudo Social às fls. 278/283.
O pedido foi julgado procedente, condenando-se o INSS a conceder o benefício assistencial a partir da data do requerimento administrativo, corrigido monetariamente, bem como a arcar com honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação até a data da sentença. Sem condenação em custas processuais. Foi concedida a tutela antecipada (fls. 297/300).
Sentença não submetida ao reexame necessário.
A autarquia interpôs apelação, alegando não estar preenchido o requisito da miserabilidade. Aduz, ainda, que o pai da autora, com 47 anos, em plena capacidade laborativa, não pode se utilizar de seu desemprego - condição temporária - para justificar a miserabilidade do núcleo familiar (fls. 303/306).
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
O Ministério Público Federal opinou, preliminarmente, pela regularização da representação processual, tendo em vista a incapacidade para os atos da vida civil da parte autora. No mérito, opina pelo provimento da apelação. Fundamenta que o pai da autora recebe pensão por morte decorrente do óbito da esposa, mãe da autora, sendo que a mesma tem direito a sua cota-parte, por ser maior inválida à época do óbito. Ademais, traz aos autos informação de que a companheira do pai da autora recebe benefício de aposentadoria por invalidez, razão pela qual os rendimentos do núcleo familiar são suficientes a sua manutenção (fls. 318/332).
Tendo em vista a incapacidade para os atos da vida civil da parte autora foi nomeado como curador especial nesta ação seu pai, determinando-se sua regularização processual (fl. 335), o que ocorreu às fls. 336/341.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): O benefício assistencial de prestação continuada (ou amparo social) deve ser prestado a quem dele necessitar, independentemente do prévio recolhimento de contribuições.
Encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família:
Até a regulamentação do citado dispositivo constitucional, ocorrida com a edição da Lei 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), a proteção ao deficiente e ao idoso hipossuficientes era objeto da Lei 6.179/1974, a qual instituiu o benefício denominado "amparo previdenciário" destinado a pessoas maiores de 70 (setenta) anos ou inválidas, consistente no pagamento mensal de renda vitalícia equivalente à metade do salário mínimo vigente no país. A partir do advento da Constituição de 1988, o valor do benefício foi elevado para 1 (um) salário mínimo, à vista do disposto no art. 139, § 2º, da Lei 8.213/1991.
Atualmente, a disciplina legal do instituto encontra-se formatada pelas Leis 9.720/1998 12.435/2011, 12.470/2011 e 13.146/2015, as quais promoveram alterações substanciais nos arts. 20 e 21 da Lei Orgânica da Assistência Social.
No tocante aos beneficiários, dispõe o art. 20 da Lei 8.742/1993:
Em relação ao idoso, cumpre registrar que, originariamente, a idade mínima para a concessão do benefício era de 70 (setenta) anos, sendo depois estabelecida uma regra de transição (art. 38 do mesmo estatuto lega)l, pela qual o critério etário deveria ser reduzido gradativamente, passando a 67 (sessenta e sete) anos após 24 (vinte e quatro) meses e 65 (sessenta e cinco) anos após 48 (quarenta e oito) meses, respectivamente. Contudo, a Lei 9.720/1998, objeto de conversão da Medida Provisória 1599-51/1998, fixou a idade limite em 67 (sessenta e sete) anos a partir de 1º de janeiro de 1998.
Com o advento do Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003), acabou-se por fixar a idade de 65 (sessenta e cinco) anos como critério etário mínimo para a percepção do benefício assistencial:
Finalmente, a Lei 12.435/2011 promoveu a atualização do art. 20 da Lei 8.742/1993, prevendo a idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos, e, de outro lado, revogou o art. 38, na redação dada pela Lei 9.720/1998.
Assim, a pessoa maior de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, a partir do início da vigência do Estatuto do Idoso, desde que exposta à situação de hipossuficiência material, pode ser amparada pela Seguridade Social por meio do benefício assistencial de prestação continuada.
No que concerne à pessoa com deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social evidenciam tendência evolutiva na consideração da sua conceituação legal. Originariamente, a deficiência encontrava-se relacionada à incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Posteriormente, a Lei 12.435/2011 incluiu no dispositivo em análise a definição contida no art. 1º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 30.03.2007, incorporada ao ordenamento jurídico interno pelo Decreto n. 6.949/2009, de acordo com a qual:
Entretanto, ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. Note-se que a jurisprudência já vinha suavizando a interpretação sobre o alcance da aludida incapacidade, como se extrai da seguinte decisão:
A propósito do tema, confira-se ainda o teor da Súmula n. 29 da Turma Nacional de Uniformização - TNU dos Juizados Especiais:
Em compasso com a evolução interpretativa promovida pela jurisprudência, a Lei 12.470/2011 abandonou o parâmetro consubstanciado na incapacidade para a vida independente e para o trabalho, preservando a definição consagrada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a qual explicitou a definição legal de pessoa com deficiência:
Ademais, cumpre assinalar que o § 10, do mesmo dispositivo, incluído pela Lei 12.470/2011, considera de longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
No tocante à situação socioeconômica do beneficiário, consta do § 3º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, com a redação dada pela Lei 12.435/2001:
Inicialmente, o dispositivo em referência teve a constitucionalidade afirmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado na ADIn nº 1.232-1 (Rel. Min. Ilmar Galvão, por redistribuição, DJU, 26 maio 1995, p. 15154). Entretanto, a pretexto da ocorrência de processo de inconstitucionalização oriundo de alterações de ordem fática (políticas, econômicas e sociais) e jurídica (estabelecimento de novos patamares normativos para concessão de benefícios assistenciais em geral), o Supremo Tribunal Federal reviu o anterior posicionamento, declarando a inconstitucionalidade parcial do dispositivo, sem pronúncia de nulidade, em julgado assim ementado:
Consequentemente, foi rechaçada a aferição da miserabilidade unicamente pelo critério objetivo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, passando-se a admitir o exame das reais condições sociais e econômicas do postulante ao benefício, como denota a seguinte decisão:
É importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça já admitia outros meios de prova para aferir a hipossuficiência do postulante ao amparo assistencial, além do montante da renda per capita, reputando a fração estabelecida no § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 como parâmetro abaixo do qual a miserabilidade deve ser presumida de forma absoluta. Nesse sentido, a seguinte decisão prolatada em sede de recurso especial representativo de controvérsia:
No mesmo sentido tem se orientado a jurisprudência desta Corte:
Atualmente encontra-se superada a discussão em torno da renda per capita familiar como único parâmetro de medida do critério socioeconômico, pois, com a inclusão, pela Lei 13.146/2015, do § 11 no art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, passou a existir previsão legal expressa autorizando a utilização de outros elementos probatórios para a verificação da miserabilidade e do contexto de vulnerabilidade do grupo familiar exigidos para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada.
Cumpre, então, examinar o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício pleiteado no caso vertente.
Não houve apelação quanto à incapacidade, razão pela qual deixo de analisá-la.
No tocante à demonstração da miserabilidade, o "Estudo Social" produzido indica que o núcleo familiar era integrado pela requerente, seu pai, a companheira do pai e o irmão da autora, menor de idade. À época (05/2016) foi informado que a renda mensal consistia em um salário mínimo proveniente da pensão por morte recebida pelo pai, desempregado. Consta, ainda, que o imóvel é próprio.
Em consulta ao CNIS/PLENUS, na data de hoje, verifica-se que, como alegado pela d. Procuradora Regional da República, a companheira do pai da autora recebia, no período de 01.09.2014 a 02.03.2015 auxílio doença, sendo que em 01/2015 recebeu o valor de R$ 867,38 e, aposentadoria por invalidez desde 20.10.2015, com início do pagamento em 04.05.2016. Assim, na data do Estudo Social (05/2010) a Sra. Liliane recebeu R$ 1.060,65 e, atualmente (11/2017), recebe o valor de R$ 1.130,44, descontado o valor do 13º salário.
Ademais, não obstante a alegação do pai da autora de que se encontrava desempregado quando do Estudo Social, após o termino do último vínculo empregatício, em 30.10.2014, constam recolhimentos previdenciários, sobre um salário mínimo, no período de 01.02.2015 até a data atual. Em contrapartida, na documentação encaminhada pela APAE, constam atendimentos psicológicos com o pai da autora em 21.10.2014 afirmando estar desempregado (fl. 243) e, em 04.02.2016, afirmação do mesmo que havia se tornado autônomo para ajudar a esposa em casa (fl. 271).
Assim, conquanto a economia doméstica não seja de fartura, a renda auferida durante todo o período se mostrava adequada ao suprimento das necessidades essenciais do núcleo familiar.
Por outro lado, como também destacado pelo Ministério Público Federal, de fato, tendo em vista o diagnóstico médico da autora, tem ela a possibilidade de requerer sua cota-parte da pensão por morte decorrente do óbito da mãe.
Tem-se, portanto, que o benefício assistencial tem caráter subsidiário à proteção previdenciária e a outros meios de subsistência. Existindo renda - ou a sua possibilidade -, seja por meio de ajuda familiar ou de recebimento de benefício previdenciário, há que se afastar a concessão do benefício em comento.
Anote-se que o direito ao benefício assistencial de prestação continuada está atrelado à situação de sensível carência material enfrentada pelo postulante, não bastando para a sua concessão a alegação de meras dificuldades financeiras, sob pena de desnaturar o objetivo almejado pelo Constituinte, isto é, dar amparo ao deficiente e ao idoso inseridos em contextos de manifesta privação de recursos, e banalizar a utilização do instituto, sobrecarregando, desse modo, o combalido orçamento da Seguridade Social.
Assim, no caso em apreço, não restaram satisfeitos todos os requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada contemplado no art. 203, V, do Texto Constitucional, e art. 20, caput, da Lei 8.742/1993.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO, cassando a tutela antecipada deferida anteriormente.
Observo que, apesar do julgamento do recurso representativo de controvérsia REsp nº 1.401.560/MT, entendo que, enquanto mantido o posicionamento firmado pelo e. STF no ARE 734242 AgR, este deve continuar a ser aplicado nestes casos, afastando-se a necessidade de devolução de valores recebidos de boa fé, em razão de sua natureza alimentar.
Honorários advocatícios pela parte autora, fixados em 10% sobre o valor da causa, observada a condição de beneficiário da assistência judiciária gratuita, se o caso (Lei 1.060/50 e Lei 13.105/15).
É o voto.
NELSON PORFIRIO
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 30/01/2018 19:04:43 |