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D.E. Publicado em 30/08/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, para reconhecer a carência superveniente do interesse processual a partir da data de início do benefício assistencial concedido administrativamente (06.08.2014) e, quanto ao período anterior, julgar improcedente o pedido de concessão do benefício, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0045128-77.2012.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de ação pelo rito ordinário proposta por FRANCISCA FERREIRA DA SILVA LULA, em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, em que se objetiva a concessão do benefício assistencial previsto no artigo 203 da Constituição Federal e artigo 20 da Lei 8.742/1993 (Loas).
Contestação às fls. 22/48.
Estudo Social às fls. 63/73.
O pedido foi julgado improcedente (fls. 88/91).
A parte autora interpôs apelação (fls. 96/101).
Sem as contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
O Ministério Público Federal opinou pela nulidade da r. sentença, haja vista a ausência de intervenção obrigatória do Ministério Público em primeira instância (fls. 110/112).
O então relator, em decisão monocrática lavrada em 18.05.2015, acolheu o parecer do MPF e anulou a r. sentença, determinando o retorno dos autos à Vara de origem para que houvesse a intervenção ministerial, restando prejudicada a apelação da parte autora (fls. 114/115).
Os autos retornaram e a i. Promotora de Justiça requereu a renovação da instrução (fl. 122).
Novo Estudo Social às fls. 136/140 e complementação às fls. 220/222.
Posteriormente, em 25.08.2017, o pedido foi julgado procedente, condenando-se o INSS a conceder o benefício assistencial a partir da data da citação, corrigido monetariamente, bem como a arcar com honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação até a data da sentença, observada a Súmula 111 do STJ (fls. 249/252).
Sentença não submetida ao reexame necessário.
O INSS interpôs apelação alegando que não foi preenchido o requisito da hipossuficiência econômica, necessário à concessão do benefício. Subsidiariamente, requer a alteração dos consectários legais (fls. 256/268).
Com as contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento da apelação (fls. 289/290).
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): O benefício assistencial de prestação continuada (ou amparo social) deve ser prestado a quem dele necessitar, independentemente do prévio recolhimento de contribuições. Encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família:
Até a regulamentação do citado dispositivo constitucional, ocorrida com a edição da Lei 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), a proteção ao deficiente e ao idoso hipossuficientes era objeto da Lei 6.179/1974, a qual instituiu o benefício denominado "amparo previdenciário" destinado a pessoas maiores de 70 (setenta) anos ou inválidas, consistente no pagamento mensal de renda vitalícia equivalente à metade do salário mínimo vigente no país. A partir do advento da Constituição de 1988, o valor do benefício foi elevado para 1 (um) salário mínimo, à vista do disposto no art. 139, § 2º, da Lei 8.213/1991.
Atualmente, a disciplina legal do instituto encontra-se formatada pelas Leis 9.720/1998 12.435/2011, 12.470/2011 e 13.146/2015, as quais promoveram alterações substanciais nos arts. 20 e 21 da Lei Orgânica da Assistência Social.
No tocante aos beneficiários, dispõe o art. 20 da Lei 8.742/1993:
Em relação ao idoso, cumpre registrar que, originariamente, a idade mínima para a concessão do benefício era de 70 (setenta) anos, sendo depois estabelecida uma regra de transição (art. 38 do mesmo estatuto lega)l, pela qual o critério etário deveria ser reduzido gradativamente, passando a 67 (sessenta e sete) anos após 24 (vinte e quatro) meses e 65 (sessenta e cinco) anos após 48 (quarenta e oito) meses, respectivamente. Contudo, a Lei 9.720/1998, objeto de conversão da Medida Provisória 1599-51/1998, fixou a idade limite em 67 (sessenta e sete) anos a partir de 1º de janeiro de 1998.
Com o advento do Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003), acabou-se por fixar a idade de 65 (sessenta e cinco) anos como critério etário mínimo para a percepção do benefício assistencial:
Finalmente, a Lei 12.435/2011 promoveu a atualização do art. 20 da Lei 8.742/1993, prevendo a idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos, e, de outro lado, revogou o art. 38, na redação dada pela Lei 9.720/1998.
Assim, a pessoa maior de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, a partir do início da vigência do Estatuto do Idoso, desde que exposta à situação de hipossuficiência material, pode ser amparada pela Seguridade Social por meio do benefício assistencial de prestação continuada.
No que concerne à pessoa com deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social evidenciam tendência evolutiva na consideração da sua conceituação legal. Originariamente, a deficiência encontrava-se relacionada à incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Posteriormente, a Lei 12.435/2011 incluiu no dispositivo em análise a definição contida no art. 1º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 30.03.2007, incorporada ao ordenamento jurídico interno pelo Decreto n. 6.949/2009, de acordo com a qual:
Entretanto, ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. Note-se que a jurisprudência já vinha suavizando a interpretação sobre o alcance da aludida incapacidade, como se extrai da seguinte decisão:
A propósito do tema, confira-se ainda o teor da Súmula n. 29 da Turma Nacional de Uniformização - TNU dos Juizados Especiais:
Em compasso com a evolução interpretativa promovida pela jurisprudência, a Lei 12.470/2011 abandonou o parâmetro consubstanciado na incapacidade para a vida independente e para o trabalho, preservando a definição consagrada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a qual explicitou a definição legal de pessoa com deficiência:
Ademais, cumpre assinalar que o § 10, do mesmo dispositivo, incluído pela Lei 12.470/2011, considera de longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
No tocante à situação socioeconômica do beneficiário, consta do § 3º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, com a redação dada pela Lei 12.435/2001:
Inicialmente, o dispositivo em referência teve a constitucionalidade afirmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado na ADIn nº 1.232-1 (Rel. Min. Ilmar Galvão, por redistribuição, DJU, 26 maio 1995, p. 15154). Entretanto, a pretexto da ocorrência de processo de inconstitucionalização oriundo de alterações de ordem fática (políticas, econômicas e sociais) e jurídica (estabelecimento de novos patamares normativos para concessão de benefícios assistenciais em geral), o Supremo Tribunal Federal reviu o anterior posicionamento, declarando a inconstitucionalidade parcial do dispositivo, sem pronúncia de nulidade, em julgado assim ementado:
Consequentemente, foi rechaçada a aferição da miserabilidade unicamente pelo critério objetivo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, passando-se a admitir o exame das reais condições sociais e econômicas do postulante ao benefício, como denota a seguinte decisão:
É importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça já admitia outros meios de prova para aferir a hipossuficiência do postulante ao amparo assistencial, além do montante da renda per capita, reputando a fração estabelecida no § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 como parâmetro abaixo do qual a miserabilidade deve ser presumida de forma absoluta. Nesse sentido, a seguinte decisão prolatada em sede de recurso especial representativo de controvérsia:
No mesmo sentido tem se orientado a jurisprudência desta Corte:
Atualmente encontra-se superada a discussão em torno da renda per capita familiar como único parâmetro de medida do critério socioeconômico, pois, com a inclusão, pela Lei 13.146/2015, do § 11 no art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, passou a existir previsão legal expressa autorizando a utilização de outros elementos probatórios para a verificação da miserabilidade e do contexto de vulnerabilidade do grupo familiar exigidos para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada.
Cumpre, então, examinar o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício pleiteado no caso vertente.
A parte autora contava com a idade de 72 anos quando do ajuizamento da ação (cf. doc. de fl. 08), preenchendo assim o requisito etário legal.
No tocante à demonstração da miserabilidade, o primeiro Estudo Social produzido indica que o núcleo familiar era integrado pela parte postulante, seu esposo, o filho Francisco e sua família - esposa e 3 filhos -, a filha Martina e sua família - companheiro e 3 filhos. Houve a indicação que no quintal moravam 3 dos 5 filhos da autora, mas, não foi feito nenhum comentário acerca de quem seria o terceiro filho e suas condições. À época (11/2011) foi informado que a renda mensal consistia em R$ 893,00, proveniente da aposentadoria por invalidez do esposo. A casa na qual residem é própria. Além da casa onde moravam a autora e seu esposo, existiam mais 3 casas no quintal, onde moravam os filhos e suas famílias. Constou que todos os netos e bisnetos ficavam o tempo todo na casa da autora e lá faziam todas as refeições, sendo a renda do esposo da autora que custeava as despesas de todos. As despesas básicas mensais totalizam o valor de R$ 805,00. As casas eram de chão vermelho e sem forro e os eletrodomésticos eram simples e precários. Foi incluída listagem de alguns itens que a Prefeitura doava às famílias residentes naquele quintal.
No segundo Estudo Social, produzido em 05/2016, foi informado que o núcleo familiar havia se alterado. Naquela ocasião residiam no mesmo quintal a autora, o esposo, o neto Laurentino e sua filha Maria Isabel, a neta Indiara e Francisco, filho da autora. Consta que o neto Willian, filho de Martina estava cumprindo pena privativa de liberdade. A filha Martina cuida dos pais e relatou que os demais irmãos em nada auxiliam, sendo que os pais ajudam financeiramente os filhos e netos. A renda consistia na aposentadoria por invalidez do esposo, no valor de R$ 1.580,00 e no benefício assistencial recebido administrativamente pela autora desde 2014. As despesas totalizavam o valor de R$ 1.545,00, acrescido de R$ 500,00, gastos bimestralmente em consulta particular do esposo da autora com cardiologista.
No entanto, cumpre observar que a autora teve o benefício assistencial concedido administrativamente com DIB e DIP em 06.08.2014 e, portanto, houve carência superveniente do interesse processual a partir desse momento, razão pela qual se deve verificar se preencheu os requisitos para a concessão do benefício apenas anteriormente a essa data.
Esclareça-se que, não obstante realização de novo Estudo Social, há que se levar em conta que o objeto desta ação é definir se a autarquia previdenciária, quando do indeferimento administrativo ocorrido em 03.02.2011, o fez de forma correta ou não. Entender o contrário seria eternizar a fase probatória. Dessa forma,
Dessa forma, o segundo Estudo Social, produzido em 2016, não pode ser utilizado para comprovar a realidade existente no período de 03.02.2011 a 05.08.2014.
Considerando que o benefício de aposentadoria por invalidez recebido pelo esposo é superior a 1 (um) salário mínimo, não pode ser excluído do cômputo da renda familiar.
Deve-se destacar, no entanto, que nos termos do art. 20, §1º, da Lei 8.742/93, na redação dada pela Lei 12.435/2011, "a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto". Assim, não obstante o rol estipulado na referida norma não seja taxativo, os filhos casados e seus respectivos cônjuge e filhos, mesmo que estejam na mesma residência, compõem núcleo familiar distinto.
De tal modo, os filhos, netos e bisnetos da parte autora, indicados no Estudo Social, pertencem a outros núcleos familiares, não podendo onerar a renda do casal, nem ser considerados na análise daquela situação.
Por outro lado, considerando que o valor recebido pelo cônjuge mantinha vários núcleos familiares, ainda que de forma precária, é possível concluir que sua renda seria suficiente para o sustento dele e da parte autora. Conquanto a economia doméstica não fosse de fartura, a renda auferida se mostrava adequada ao suprimento das necessidades essenciais de ambos.
Assim, a autora não faz jus ao recebimento do benefício na forma como pleiteado na presente ação, porquanto à época do requerimento administrativo (03.02.2011) e do ajuizamento da ação (10.02.2011), a renda familiar era suficiente - com base no salário do esposo - para afastar a presunção de sua hipossuficiência, razão pela qual o INSS havia corretamente indeferido o requerimento administrativo.
Anote-se que o direito ao benefício assistencial de prestação continuada está atrelado à situação de sensível carência material enfrentada pelo postulante, não bastando para a sua concessão a alegação de meras dificuldades financeiras, sob pena de desnaturar o objetivo almejado pelo Constituinte, isto é, dar amparo ao deficiente e ao idoso inseridos em contextos de manifesta privação de recursos, e banalizar a utilização do instituto, sobrecarregando, desse modo, o combalido orçamento da Seguridade Social.
Assim, no caso em apreço, não restaram satisfeitos todos os requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada contemplado no art. 203, V, do Texto Constitucional, e art. 20, caput, da Lei 8.742/1993.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, para reconhecer a carência superveniente do interesse processual a partir da data de início do benefício assistencial concedido administrativamente (06.08.2014) e, quanto ao período anterior, julgar improcedente o pedido de concessão do benefício, na forma acima explicitada.
Honorários advocatícios pela parte autora, fixados em 10% sobre o valor da causa, observada a condição de beneficiário da assistência judiciária gratuita, se o caso (Lei 1.060/50 e Lei 13.105/15).
É o voto.
NELSON PORFIRIO
Desembargador Federal
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Signatário (a): | NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR:10081 |
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Data e Hora: | 21/08/2018 18:38:23 |