D.E. Publicado em 25/08/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0017312-81.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação em ação de conhecimento, com pedido de tutela antecipada, que tem por objeto condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o que tem por objeto condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
O MM. Juízo a quo julgou improcedente o pedido, condenando a autoria no pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em R$1.000,00, suspendendo a execução dessas verbas em razão do deferimento da justiça gratuita.
Apela a autora, pleiteando, em preliminar, a anulação da sentença, por cerceamento de defesa, vez que dispensou a oitiva das testemunhas e indeferiu o pedido para realização de perícia por ortopedista. No mérito, sustenta em apertada síntese, que preenche os requisitos legais para a concessão do benefício assistencial.
Subiram os autos, sem contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer.
É o relatório.
VOTO
Por primeiro, não há que se falar em cerceamento de defesa se o Juízo sentenciante entendeu suficientes os elementos contidos no laudo pericial apresentado para formar o seu convencimento.
Nesse sentido, confira-se o entendimento das Turmas que integram a 3ª Seção da Corte:
Passo ao exame da matéria de fundo.
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in verbis:
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao primeiro requisito, o laudo médico pericial atesta que Maria Aparecida da Costa, nascida aos 23/07/1958, é portadora de Diabetes melitus insulinodependente e pequenas alterações degenerativas na coluna, concluindo o experto que as moléstias identificadas não impedem a autora para realizar as tarefas do lar, inexistindo incapacidade laboral (fls. 94/98).
Em que pese a conclusão do laudo médico pericial, cabe frisar que o julgador não está adstrito apenas à prova técnica para formar a sua convicção, pois a efetiva ausência de aptidão do beneficiário para o trabalho decorre de suas condições pessoais, tais como faixa etária, habilidades, grau de instrução e limitações físicas.
Extrai-se dos autos que a autora completará 58 anos de idade em breve, não concluiu o ensino fundamental e não possui qualificação profissional para exercer atividades que não sejam de natureza braçal.
Embora o experto tenha concluído pela ausência de incapacidade, ao responder o quesito nº 02 formulado pela autora, acerca dos sintomas das moléstias que a acometem, afirma que "Por vezes pode apresentar fraqueza muscular, astenia e sonolência." (fl. 96) e os laudos dos exames de RX da coluna cervical e lombo sacra anexados aos autos, confirmam que é portadora de "Discopatia C5-C6 com osteofitos marginal reacional", "escoliose lombar a esquerda, espondilose lombar, discopatia L4-L5, Mega-apófise transversa de L5. Sacralizada bilateralmente, placa de ateroma na aorta abdominal" (fls. 34/25), evidenciando a incapacidade da autora para o trabalho.
Desta feita, em virtude dos males que padece, as limitações físicas decorrentes da idade avançada, o baixo grau de instrução e ausência de qualificação profissional para exercer outras atividades que não demandem esforços físicos, é de se concluir pela ausência de capacidade da autora para o desempenho de qualquer outro trabalho que possa gerar renda, a fim de prover a sua manutenção.
Além disso, não é crível que a autora consiga ser inserida no competitivo mercado de trabalho frente a esse quadro.
Nesse sentido, a jurisprudência da Colenda Corte Superior:
Na mesma esteira é o entendimento da Súmula nº 47 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao dispor sobre o benefício previdenciário fundado na incapacidade parcial do segurado. Confira-se:
Destarte, o conjunto probatório comprova que a autora preenche o requisito da deficiência para a concessão do benefício assistencial, à luz do Art. 20, § 2º da Lei 8.742/93.
Por fim, cabe frisar que o Art. 21 da Lei 8.742/93 assegura à Autarquia o direito à revisão periódica do benefício, a cada dois anos, a fim de aferir a persistência das condições que autorizaram a sua concessão.
Por sua vez, foi comprovado que a parte autora não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Para os efeitos do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93, o núcleo familiar é constituído pela autora Maria Aparecida da Costa, nascida aos 23/07/1958, divorciada e seu companheiro Jonas Meireles, nascido aos 17/05/1961, separado, funcionário público municipal, no cargo de Pedreiro.
Reside sob o mesmo teto, a neta Andressa Cristina dos Santos, 17 anos de idade, solteira, que embora não integre o núcleo familiar da autora, por certo acaba onerando ainda mais despesas domésticas, eis que está desempregada e não aufere renda.
A averiguação social constatou que a família reside em imóvel de madeira, que está em processo de usucapião, composto por dois dormitórios, sala, cozinha e banheiro, guarnecidos com mobiliário básico.
A renda familiar era oriunda dos proventos do companheiro, tendo sido apresentado o seu holerite referente ao mês de maio/2015, com valor bruto de R$935,38, descontos de R$708,11 e líquido recebido de R$227,17. A autora esclareceu que os descontos eram provenientes de dois empréstimos consignados no valor de R$319,20, e de R$311,76 referentes às faltas do companheiro no trabalho, devido ao uso abusivo e frequente de álcool, e que o mesmo não aceitava fazer tratamento para a sua doença.
A família ainda contava com o valor de R$79,00 repassados pelo Programa Bolsa Família, todavia, mesmo com esse aporte a renda não era suficiente para custear as despesas essenciais e uma filha ajudava esporadicamente com gêneros alimentícios, todavia ela morava em outra cidade e estava grávida do terceiro filho.
A autora relatou que tinha mais cinco filhos, com famílias constituídas, que não possuíam condições de prestar auxílio financeiro aos pais.
Pontuou, ainda, que fazia uso de insulina humana duas vezes por dia e também de lancetas - tiras de reagentes para teste de diabetes, além de outros medicamentos de uso diário, asseverando que alguns medicamentos e as lancetas precisavam ser adquiridos com recursos próprios, quando estavam em falta na rede pública.
Concluiu a Assistente Social que a concessão do benefício auxiliaria a autora em suas necessidades básicas e essenciais, propiciando uma melhor qualidade de vida (fls. 85/87).
Os extratos do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS Cidadão juntados aos autos pela Autarquia, contendo os históricos das remunerações auferidas pelo companheiro da autora, Jonas Meireles, dão conta que sua renda é variável, em torno de R$870,00, todavia em alguns meses do ano de 2015 seus proventos não atingiram, sequer, o valor de um salário mínimo (fls. 112/116).
Destarte, o conjunto probatório demonstra não só a situação de penúria em que vive a autora, sem renda e sem condições de exercer atividade laborativa para garantir o seu próprio sustento, mais ainda, que o auxílio prestado por seu companheiro não tem sido suficiente para suprir as suas necessidades vitais, de modo que comprovados os requisitos legais, faz jus à percepção do benefício de prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, nos termos do caput, do Art. 20, da Lei 8.742/93.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo apresentado em 29/01/2015 (fls. 26/27), em conformidade com o entendimento assente no c. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Reconhecido o direito ao benefício assistencial, desde o requerimento administrativo, com reavaliação no prazo legal, passo a dispor sobre os consectários incidentes sobre as parcelas vencidas e a sucumbência.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e, no que couber, observando-se o decidido pelo e. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme entendimento consolidado na c. 3ª Seção desta Corte (AL em EI nº 0001940-31.2002.4.03.610). A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº 17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício concedido, na forma do Art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
Independentemente do trânsito em julgado desta decisão, determino seja enviado e-mail ao INSS, instruído com os documentos da parte autora, em cumprimento ao Provimento Conjunto nº 69/2006, alterado pelo Provimento Conjunto nº 71/2006, ambos da Corregedoria Regional da Justiça Federal da Terceira Região e da Coordenadoria dos Juizados Especiais Federais da Terceira Região, a fim de que se adotem as providências cabíveis à imediata concessão do benefício especificado, conforme os dados do tópico síntese do julgado abaixo transcrito.
Tópico síntese do julgado:
a) Maria Aparecida da Costa;
b) benefício: benefício assistencial (LOAS);
c) renda mensal: RMI - um salário mínimo;
d) DIB: 29/01/2015 - data do requerimento administrativo;
e) número do benefício: indicação do INSS.
Por todo o exposto, dou parcial provimento à apelação.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 16/08/2016 18:12:43 |