
D.E. Publicado em 12/07/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa oficial, havida como submetida, e às apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 03/07/2018 19:10:56 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0008574-36.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de remessa oficial, havida como submetida, e de apelações em ação de conhecimento, com pedido de tutela antecipada, ajuizada em 20/06/2016, que tem por objeto condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
O MM. Juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando o réu a conceder o benefício assistencial à parte autora, desde a data do indeferimento do pedido em 28/07/2016, pagar as prestações vencidas corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação, nos termos da Súmula 111 do STJ. Tutela antecipada deferida.
Apela a parte autora, pleiteando a reforma parcial da r. sentença, a fim de que os juros de juros de mora sejam fixados à razão de 1% ao mês, bem como requer a majoração dos honorários advocatícios em 15% sobre o valor da condenação.
A seu turno, apela a autarquia, pleiteando o recebimento do recurso em ambos os efeitos. Quanto ao mérito, sustenta que a parte autora não comprovou o requisito da incapacidade para a concessão do benefício assistencial. Subsidiariamente, requer a fixação do termo inicial do benefício na data da juntada do laudo médico aos autos, que seja observado o disposto na Lei 11.960/09 no que tange aos índices da correção monetária e aos juros de mora, bem como requer a fixação dos honorários advocatícios no percentual de 5% das prestações vencidas até a sentença. Prequestiona a matéria debatida.
Subiram os autos, com contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer.
É o relatório.
VOTO
Por primeiro, quanto ao recebimento do recurso no seu duplo efeito, pacífica a jurisprudência no sentido de que a sentença que defere ou confirma a antecipação de tutela deve ser recebida apenas no efeito devolutivo. O efeito suspensivo é excepcional, justificado somente nos casos de irreversibilidade da medida. Tratando-se de benefícios previdenciários ou assistenciais, o perigo de grave lesão existe para o segurado ou necessitado, e não para o ente autárquico, haja vista o caráter alimentar das verbas.
Passo ao exame da matéria de fundo.
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in verbis:
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao primeiro requisito, o laudo médico pericial atesta que Edna Ferreira de Oliveira, nascida aos 14/10/1957, é portadora de Transtorno Afetivo Orgânico - CID10 F06 e Epilepsia - CID 10 G40, concluindo o experto pela ausência de incapacidade laboral da pericianda (fls. 105/107).
Em que pese a conclusão do laudo médico pericial, cabe frisar que o julgador não está adstrito apenas à prova técnica para formar a sua convicção, pois a efetiva ausência de aptidão do beneficiário para o trabalho decorre de suas condições pessoais, tais como faixa etária, habilidades, grau de instrução e limitações físicas.
Extrai-se dos autos que a autora completou 60 anos de idade, não concluiu o ensino fundamental, não possui qualificação profissional e que laborava como empregada doméstica informalmente quando sua saúde permitia.
Os vários documentos médicos juntados aos autos dão conta que a autora faz uso de vários medicamentos de controle especial em razão da sua doença, e que também está em tratamento psiquiátrico na rede municipal de saúde.
Desta feita, em virtude dos males que padece, as limitações físicas decorrentes da idade avançada, o baixo grau de instrução e ausência de qualificação profissional para exercer outras atividades que não demandem esforços físicos, é de se concluir pela incapacidade da autora para o desempenho de qualquer outro trabalho que possa gerar renda, a fim de prover a sua subsistência.
Além disso, não é crível que a autora consiga ser inserida no competitivo mercado de trabalho frente a esse quadro.
Nesse sentido, a jurisprudência da Colenda Corte Superior:
Ademais, impende destacar que nos termos da Súmula 48 da Turma Nacional de Uniformização - TNU "A incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada."
Destarte, o conjunto probatório comprova que a autora preenche o requisito da deficiência para a concessão do benefício assistencial, à luz do Art. 20, § 2º da Lei 8.742/93.
Por fim, cabe frisar que o Art. 21 da Lei 8.742/93 assegura à Autarquia o direito à revisão periódica do benefício, a cada dois anos, a fim de aferir a persistência das condições que autorizaram a sua concessão.
Por sua vez, foi comprovado que a parte autora não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Na visita domiciliar realizada no dia 23/11/2016, constatou a Assistente Social que a autora Edna Ferreira de Oliveira, nascida aos 14/10/1957, divorciada, desempregada, residia em imóvel sorteado pela Caixa Econômica Federal, composto por dois quartos, sala e cozinha interligadas e um banheiro.
Estava residindo temporariamente com a avó a neta Jéssica Caroline Oliveira, que segundo informado, tinha previsão de mudar-se entre janeiro e fevereiro de 2017 com seu noivo, para o imóvel que estavam construindo.
Cabe salientar que à luz do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93, a neta não integra o núcleo familiar da autora.
A renda familiar era proveniente do benefício Bolsa Família, no valor de R$80,00, e não supria as necessidades vitais da autora.
A autora referiu que a neta pagava as contas de água e energia elétrica e também contribuía com uma cesta básica doada pelo empregador, todavia, ela iria se mudar em breve e após, não poderia mais contar com a sua ajuda.
Concluiu a Assistente Social que a autora vivia em situação de vulnerabilidade social causada pela falta de renda e que após a mudança da neta, não mais conseguiria se sustentar apenas com o valor repassado pelo Bolsa Família (fls.98/100).
Conforme noticiado às fls. 126/128, restou comprovado que a neta da autora passou a residir na casa do seu sogro, de modo que a autora não mais pode contar com a sua ajuda, agravando ainda mais o seu estado de penúria, pois a única renda proveniente do Programa Bolsa Família não supre as despesas essenciais com alimentação, manutenção do lar e os medicamentos utilizados pela autora, que não estão disponibilizados na rede pública.
Destarte, analisando o conjunto probatório é de se reconhecer que a autora vive em situação de vulnerabilidade e risco social e que preenche os requisitos legais para a concessão do benefício de prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, nos termos do caput, do Art. 20, da Lei 8.742/93.
O termo inicial do benefício deve ser mantido como fixado pelo Juízo, na data do indeferimento administrativo (28/07/2016 - fl. 23), em conformidade com o entendimento assente no c. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Reconhecido o direito ao benefício assistencial, desde a data do indeferimento administrativo, com reavaliação no prazo legal, passo a dispor sobre os consectários incidentes sobre as parcelas vencidas e a sucumbência.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observando-se a aplicação do IPCA-E conforme decisão do e. STF, em regime de julgamento de recursos repetitivos no RE 870947, e o decidido também por aquela Corte quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em 19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431, com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº 17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício concedido, na forma do Art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
Por todo o exposto, dou parcial à remessa oficial, havida como submetida, e às apelações, para adequar os consectários legais e os honorários advocatícios.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 03/07/2018 19:10:52 |