
D.E. Publicado em 29/09/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010195-39.2016.4.03.9999/MS
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação em ação de conhecimento, ajuizada em 05/07/2011, que tem por objeto o condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente, estrangeira, nacionalidade paraguaia.
MM. Juízo a quo, fundamentado na conclusão do laudo médico pericial, julgou improcedente o pedido, deixando de condenar a autoria no pagamento das verbas de sucumbência, vez que beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Inconformada, apela a parte autora, pleiteando a reforma da r. sentença, sustentando em suma, que preenche os requisitos legais para a concessão do benefício assistencial.
Em sede de contrarrazões, sustenta a autarquia que a autora não preenche o requisito da deficiência para a concessão da benesse, bem como assevera que o estrangeiro não naturalizado, residente no Brasil, não tem direito ao benefício assistencial, como no caso da autora.
Subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso interposto.
É o relatório.
VOTO
Por primeiro, cabe destacar que o entendimento assente nesta Corte é no sentido de que a condição de estrangeiro não impede a concessão do benefício assistencial ao idoso ou deficiente, em razão do disposto no Art. 5º da Constituição Federal, que assegura ao estrangeiro residente no país o gozo dos direitos e garantias individuais em igualdade de condição com o nacional.
Nesse sentido, confira-se o entendimento das Turmas que integram a 3ª Seção da Corte:
Passo ao exame da matéria de fundo.
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in verbis:
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao primeiro requisito, o laudo médico pericial atesta que a autora Mariana Aquino, nascida aos 03/06/1952, é portadora de artrose inicial em falanges distais de quase todos os quirodáctilos, que sugere doença reumática autoimune e degenerativa de grau leve e também apresenta deformação de anatomia do punho direito em decorrência de fratura cubital recente, ocorrida há dois anos, concluindo a experta que não há incapacidade laboral (fl. 109).
Em que pese a conclusão do laudo médico pericial, cabe frisar que o julgador não está adstrito apenas à prova técnica para formar a sua convicção, pois a efetiva ausência de aptidão do beneficiário para o trabalho decorre de suas condições pessoais, tais como faixa etária, habilidades, grau de instrução e limitações físicas.
Extrai-se dos autos que a autora já completou 64 anos de idade, e na audiência de instrução e julgamento declarou que laborava como lavadeira, passadeira e faxineira informalmente, até quando caiu e quebrou o braço e ficou impedida de trabalhar. Tais fatos foram corroborados pelos depoimentos das testemunhas (fls. 73/75).
De outro norte, os documentos médicos juntados aos autos, sendo o mais recente expedido em 06/02/2015, atesta que a autora está impossibilitada de trabalha e realizar esforços físicos, por ser portadora de Diabetes Mellitus tipo II, Artrose da Coluna Vertebral, Artrite Reumatóide, com deformidade dos ossos e articulações (fl. 144).
Desta feita, em virtude dos males que padece, as limitações físicas decorrentes da idade avançada, o baixo grau de instrução e ausência de qualificação profissional para exercer outras atividades que não demandem esforços físicos, é de se concluir pela ausência de capacidade da autora para o desempenho de qualquer outro trabalho que possa gerar renda, a fim de prover a sua manutenção.
Além disso, não é crível que a autora consiga ser inserida no competitivo mercado de trabalho frente a esse quadro.
Nesse sentido, a jurisprudência da Colenda Corte Superior:
Destarte, o conjunto probatório comprova que a autora preenche o requisito da deficiência para a concessão do benefício assistencial, à luz do Art. 20, § 2º da Lei 8.742/93.
Por fim, cabe frisar que o Art. 21 da Lei 8.742/93 assegura à Autarquia o direito à revisão periódica do benefício, a cada dois anos, a fim de aferir a persistência das condições que autorizaram a sua concessão.
Por sua vez, foi comprovado que a parte autora não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Para os efeitos do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93, o núcleo familiar é constituído pela autora Mariana Aquino, nascida aos 03/06/1952, solteira, sem renda e os netos que estão sob sua guarda, Suzane Recalde Zarza (09 anos), Welinton Recalde (08 anos), Mirela Recalde (02 anos) e Brenda Mikaely Recalde dos Santos (03 anos).
A averiguação social constatou que a autora reside em imóvel inacabado, construído em terreno doado pela municipalidade, cuja varanda é utilizada como cozinha.
A renda familiar consistia em R$164,00 repassados pelo Programa Bolsa Família, acrescida de R$50,00 da pensão alimentícia da neta Suzane, todavia, esse valor não era pago regularmente.
A autora referiu que embora houvesse determinação judicial, o pai de Brenda não pagava pensão alimentícia e até já havia sido preso devido a esse fato.
Concluiu a Assistente Social que as condições socioeconômicas da eram insuficientes para suprir as suas necessidades básicas e a dos seus netos (fls. 91/92).
Impende elucidar que em seu depoimento, a autora declarou que tinha dez filhos que constituíram família e que eles não tinham condições de prestar-lhe auxílio financeiro; que seu marido "foi embora há muito tempo"; que a mãe das crianças trabalhava num frigorífico, mas com o seu fechamento, precisou ir embora e ainda não havia conseguido emprego; que o pai das crianças tem prestado ajuda (R$50,00), porém tem outra família; que ficou impedida de trabalhar após quebrar o braço e que tem recebido "sacolão da prefeitura" para sobreviver (fl. 73).
Destarte, o conjunto probatório demonstra não só a situação de penúria em que vive a autora, sem renda e sem condições de exercer atividade laborativa para garantir o seu próprio sustento, mais ainda, que não possui nenhum familiar que possa ampará-la e sendo assim, comprovados os requisitos, faz jus à percepção faz jus à percepção do benefício de prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, nos termos do caput, do Art. 20, da Lei 8.742/93.
O termo inicial do benefício, na ausência de prévio requerimento administrativo, deve ser fixado na data da citação da autarquia, formalizada em 19/08/2011 (fl. 35), em conformidade com o entendimento assente no c. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Reconhecido o direito ao benefício assistencial, desde a data da citação, com reavaliação no prazo legal, passo a dispor sobre os consectários incidentes sobre as parcelas vencidas e a sucumbência.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e, no que couber, observando-se o decidido pelo e. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme entendimento consolidado na c. 3ª Seção desta Corte (AL em EI nº 0001940-31.2002.4.03.610). A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº 17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício concedido, na forma do Art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
Nas ações em trâmite na Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, como é o caso dos autos, não há, na atualidade, previsão de isenção de custas para o INSS na norma local. Ao revés, atualmente vige a Lei Estadual/MS 3.779, de 11.11.2009, que prevê expressamente o pagamento de custas pelo INSS.
Independentemente do trânsito em julgado desta decisão, determino seja enviado e-mail ao INSS, instruído com os documentos da parte autora, em cumprimento ao Provimento Conjunto nº 69/2006, alterado pelo Provimento Conjunto nº 71/2006, ambos da Corregedoria Regional da Justiça Federal da Terceira Região e da Coordenadoria dos Juizados Especiais Federais da Terceira Região, a fim de que se adotem as providências cabíveis à imediata concessão do benefício especificado, conforme os dados do tópico síntese do julgado abaixo transcrito.
Tópico síntese do julgado:
a) nome do beneficiário: Mariana Aquino;
b) benefício: benefício assistencial (LOAS);
c) renda mensal: RMI - um salário mínimo;
d) DIB: 19/08/2011 - data da citação;
e) número do benefício: indicação do INSS.
Por todo o exposto, dou parcial provimento à apelação.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 20/09/2016 18:26:13 |