D.E. Publicado em 06/03/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa oficial, à apelação do réu e ao recurso adesivo do autor, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0038105-41.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de remessa oficial, de apelação e recurso adesivo em ação de conhecimento, que tem por objeto condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
O MM. Juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando a autarquia a conceder o benefício assistencial à autoria, no valor de um salário mínimo mensal, a contar de 07/11/2011, e pagar os valores atrasados com correção monetária e juros de mora, na forma do Art. 1º-F da Lei 9.494/97, além de honorários advocatícios de 10% sobre o valor das prestações vencidas até o trânsito em julgado da sentença.
Apela a autarquia, pleiteando o recebimento do recurso em ambos os efeitos e a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido, sustentando que a parte autora preenche o requisito da deficiência para a concessão do benefício assistencial. Caso assim não se entenda, pugna pela fixação do percentual dos honorários advocatícios em 5% sobre o valor da condenação, observado o disposto na Súmula 111 do STJ e prequestiona a matéria debatida para fins recursais.
A parte autora apresenta recurso de apelação adesivo, pleiteando a majoração dos honorários advocatícios em grau máximo, bem como a fixação da correção monetária com base no índice INPC.
Subiram os autos, com contrarrazões da autoria.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer, opinando pelo desprovimento dos recursos.
É o relatório.
VOTO
Por primeiro, quanto ao recebimento do recurso no seu duplo efeito, pacífica a jurisprudência no sentido de que a sentença que defere ou confirma a antecipação de tutela deve ser recebida apenas no efeito devolutivo. O efeito suspensivo é excepcional, justificado somente nos casos de irreversibilidade da medida. Tratando-se de benefícios previdenciários ou assistenciais, o perigo de grave lesão existe para o segurado ou necessitado, e não para o ente autárquico, haja vista o caráter alimentar das verbas.
Passo ao exame da matéria de fundo.
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in verbis:
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao primeiro requisito, o laudo médico pericial atesta que Luiz Rodrigues, nascido aos 26/10/1954, é portador de hipertensão arterial sistêmica, sem controle pressórico adequado, com complicações como hipertrofia coronariana do ventrículo esquerdo de grau discreto, esctasia da raiz da aorta e insuficiência mitral de grau discreto, concluindo o perito judicial que em virtude dessas comorbidades, o autor encontra-se incapacitado de forma parcial e temporária para o trabalho. Consignou o experto que o devido à hipertensão arterial, há restrição a qualquer tipo de esforço físico e quanto à sequela coronariana, há limitação permanente para esforço físico intenso (fls. 91/94).
Em que pese a conclusão do laudo pericial, extrai-se dos autos que o autor completou 62 anos de idade, não concluiu o ensino fundamental e que trabalhava como lavrador quando sua saúde permitia e os contratos de trabalho anotados no CNIS comprovam que o autor laborou para vários empregadores, desde 1978 até 2001, em serviços braçais (fls. 63/64), atividade para o qual está incapacidade permanentemente, segundo o perito judicial.
Desta feita, em virtude dos males que padece, as limitações físicas decorrentes da idade avançada, o baixo grau de instrução e ausência de qualificação profissional para exercer outras atividades que não demandem esforços físicos, é de se concluir pela ausência de capacidade do autor para o desempenho de qualquer outro trabalho que possa gerar renda, a fim de prover a sua manutenção.
Além disso, não é crível que o autor consiga ser inserido no competitivo mercado de trabalho frente a esse quadro.
Nesse sentido, a jurisprudência da Colenda Corte Superior:
Na mesma esteira, dispõe a Súmula 48 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), in verbis:
Destarte, o conjunto probatório comprova que o autor preenche o requisito da deficiência para a concessão do benefício assistencial, à luz do Art. 20, § 2º da Lei 8.742/93.
Por fim, cabe frisar que o Art. 21 do mesmo diploma legal assegura à Autarquia o direito à revisão periódica do benefício, a cada dois anos, a fim de aferir a persistência das condições que autorizaram a sua concessão.
Por sua vez, foi comprovado que a parte autora não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Não há entidade familiar para os efeitos do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93, porquanto o autor Luiz Rodrigues, nascido aos 26/10/1954, é divorciado e vive só.
A averiguação social constatou que o autor reside em imóvel cedido por um irmão da igreja, localizado em rua não asfaltada, composto por três cômodos pequenos, sendo um quarto, cozinha e banheiro, sem reboco nas paredes e piso cimentado, guarnecidos com poucos móveis.
Não há renda familiar e autor sobrevive com a ajuda prestada pelo Sr. Waldomiro, que frequenta a mesma igreja, pois segundo referiu o autor, não tem condições de laborar por ser hipertenso e ter sido diagnosticado com anemia profunda há poucos dias, que acarretava muito cansaço e o impedia de levantar peso e fazer movimentos repetitivos.
Concluiu a Assistente Social que o autor estava incapacitado para sua atual função e que não tinha condições físicas de promover seu próprio sustento e manutenção (fls. 97/105).
Destarte, o conjunto probatório comprova que o autor encontra-se em situação de vulnerabilidade e risco social, de modo que preenchidos os requisitos legais, faz jus à percepção do benefício de prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, nos termos do caput, do Art. 20, da Lei 8.742/93.
O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo apresentado em 07/11/2011 (fl. 41), em conformidade com o entendimento assente no c. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Reconhecido o direito ao benefício assistencial, desde o requerimento administrativo, com reavaliação no prazo legal, passo a dispor sobre os consectários incidentes sobre as parcelas vencidas e a sucumbência.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e, no que couber, observando-se o decidido pelo e. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme entendimento consolidado na c. 3ª Seção desta Corte (AL em EI nº 0001940-31.2002.4.03.610). A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº 17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício concedido, na forma do Art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
Por derradeiro, quanto ao prequestionamento da matéria para fins recursais, não há falar-se em afronta a dispositivos legais e constitucionais, porquanto o recurso foi analisado em todos os seus aspectos.
Independentemente do trânsito em julgado desta decisão, determino seja enviado e-mail ao INSS, instruído com os documentos da parte autora, em cumprimento ao Provimento Conjunto nº 69/2006, alterado pelo Provimento Conjunto nº 71/2006, ambos da Corregedoria Regional da Justiça Federal da Terceira Região e da Coordenadoria dos Juizados Especiais Federais da Terceira Região, a fim de que se adotem as providências cabíveis à imediata concessão do benefício especificado, conforme os dados do tópico síntese do julgado abaixo transcrito.
Tópico síntese do julgado:
a) nome do beneficiário: Luiz Rodrigues;
b) benefício: benefício assistencial (LOAS);
c) renda mensal: RMI - um salário mínimo;
d) DIB: 07/11/2011 - data do requerimento administrativo;
e) número do benefício: indicação do INSS.
Por todo o exposto, dou parcial provimento à remessa oficial, à apelação do réu e ao recurso adesivo do autor para adequar os honorários advocatícios, nos termos em que explicitado.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
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