D.E. Publicado em 07/12/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa oficial, negar provimento à apelação do réu e dar parcial provimento ao recurso adesivo do autor, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0019451-06.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de remessa oficial, de apelação e recurso adesivo em ação de conhecimento, com pedido de tutela antecipada, ajuizada em 07/05/2014, que tem por objeto condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
O MM. Juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando o réu a conceder o benefício assistencial à autoria, no valor de um salário mínimo mensal, desde a data do requerimento administrativo (19/02/2014), pagar os valores atrasados acrescidos de correção monetária e juros de mora, nos termos do Art.1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/09, e honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação, observada a Súmula 111 do STJ. Tutela antecipada deferida, para determinar a imediata implantação do benefício.
Apela o réu, pleiteando o recebimento do recurso em ambos os efeitos. Quanto ao mérito, sustenta que a parte autora não preenche os requisitos legais para a concessão do benefício assistencial. Subsidiariamente, requer a fixação do termo inicial do benefício na data da citação.
A seu turno, a parte autora interpôs recurso adesivo, pleiteando a majoração do percentual dos honorários advocatícios.
Subiram os autos, com contrarrazões.
O Ministério Público Federal requereu a conversão do julgamento em diligência, para a complementação do estudo social, cujo pedido foi deferido.
Os autos baixaram ao Juízo de origem e após a complementação da prova técnica, retornaram a esta Corte.
Em novo pronunciamento, opinou o Parquet pelo desprovimento da apelação do réu, deixando de se manifestar acerca do recurso da autoria, por não vislumbrar interesse público a justificar a sua intervenção.
É o relatório.
VOTO
Por primeiro, quanto ao recebimento do recurso no seu duplo efeito, pacífica a jurisprudência no sentido de que a sentença que defere ou confirma a antecipação de tutela deve ser recebida apenas no efeito devolutivo. O efeito suspensivo é excepcional, justificado somente nos casos de irreversibilidade da medida. Tratando-se de benefícios previdenciários ou assistenciais, o perigo de grave lesão existe para o segurado ou necessitado, e não para o ente autárquico, haja vista o caráter alimentar das verbas.
Passo ao exame da matéria de fundo.
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis:
No julgamento da ADI 1.232-1/DF, em 27.08.1998, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora igualmente reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por concluir que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida (presunção iuris et iure), sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.
Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, em 28.10.2009, sob o regime do Art. 543-C do CPC, a Terceira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do e. STF, por compreender que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo", consoante a ementa que ora colaciono:
Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência daquela Corte. Confiram-se: AgRg no Ag 1394664/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 03/05/2012; AgRg no Ag 1394595/SP, Relator Ministro Og Fernandes, 6ª Turma, DJe 09/05/2012; AgRg no Ag 1425746/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 19/12/2011; AgRg no Ag 1394683/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJe 01/12/2011; AgRg no REsp 1247868/RS, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 1265039/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 28/09/2011; AgRg no REsp 1229103/PR, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), 5ª Turma, DJe 03/05/2011; AgRg no Ag 1164852/RS, Relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 5ª Turma, DJe 16/11/2010.
Observa-se que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Mesmo no e. STF, que havia firmado entendimento diverso, a posição findou por ser revista recentemente, em 18.04.2013, no julgamento do RE 567985/MT, pelo sistema da repercussão geral, bem como na apreciação da Reclamação (RCL) 4374, ocasião em que a Suprema Corte, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/1993.
Nestes termos:
Naquela mesma ocasião, julgou-se ainda o RE 580.963/PR, também submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou igualmente inconstitucional o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
A ementa restou assim redigida:
Bem explicado, trata-se, em ambos os casos, de inconstitucionalidade parcial por omissão.
No que se refere ao § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, considerou-se, segundo o Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "era insuficiente para cumprir integralmente o comando constitucional do art. 203, V, Constituição da República", por não contemplar outras hipóteses caracterizadoras da absoluta incapacidade de manutenção do idoso ou o deficiente físico.
Com relação ao Art. 34, Parágrafo único, da Lei 10.741/03, a omissão decorre da violação ao princípio da isonomia, por se afastar do cálculo da renda per capita familiar apenas o benefício assistencial já concedido a outro membro da família, excluindo-se do mesmo tratamento o deficiente também titular de benefício assistencial, bem como o idoso titular de benefício previdenciário de valor mínimo.
Nesse quadro, com base na orientação da Corte Suprema, forçoso concluir que se deve dar interpretação extensiva ao § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Assim, em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
No mesmo sentido, é a jurisprudência uniformizada pela Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia, sob o Tema nº 640, in verbis:
Estabelecidas essas premissas, resta analisar se a parte autora implementa os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Cabe relembrar que o benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao primeiro requisito, o laudo médico pericial atesta que Vanderleia de Souza Morais, nascida aos 10/04/1971, é portadora de patologia arterial de caráter obstrutivo, concluindo a experta que a periciada encontra-se incapacitada de forma total e temporária para o trabalho, fixando o termo inicial da incapacidade a partir da cirurgia realizada no de 2012 (fls. 109/113).
Em que pese a irresignação da Autarquia, a Lei 8.742/93 que rege o benefício assistencial, dispõe em seu Art. 20, § 2º, que para efeito de concessão da benesse, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com seus pares.
A farta documentação médica juntada aos autos dá conta que a autora está em seguimento na UNICAMP desde 2012, por oclusão arterial crônica, foi submetida a enxerto aorto bifemoral para revascularização dos membros inferiores em 2012, em janeiro 2014 evoluiu com oclusão arterial aguda dos membros inferiores (oclusão do enxerto), foi submetida a trombolise intra-arterial" (fls. 22) e que ela permanece em acompanhamento ambulatoria e em uso contínuo de medicamentos, sem previsão de alta ambulatorial, confome relatório médico expedido em 02/06/2015 (fls. 187/188), evidenciando que a autora possui impedimentos de longo prazo e que preenche o requisito subjetivo para usufruir do benefício assistencial.
Impende destacar que a Súmula 48 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), dispõe que "A incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada."
Nesse sentido, a jurisprudência da Colenda Corte Superior:
Por fim, cabe frisar que o Art. 21 do mesmo diploma legal assegura à Autarquia o direito à revisão periódica do benefício, a cada dois anos, a fim de aferir a persistência das condições que autorizaram a sua concessão.
Por sua vez, foi comprovado que o autor não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Para os efeitos do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93, o núcleo familiar é constituído pela autora Vanderleia de Souza Morais, nascida aos 10/04/1971 e seu companheiro Antonio André Cardoso, nascido aos 15/08/1956, diarista.
O estudo social realizado em 14/07/2013 e complementado em 17/11/2016, conforme laudos juntados às fls. 76/78 e 237/256, dá conta que a autora reside em uma casa cedida por seu sogro, localizada no Sítio Santo Onofre, composta por um quarto, sala, cozinha e banheiro, guarnecida com móveis simples e desgastados pelo uso.
Segundo consta do último relatório, o sítio foi adquirido por usucapião e além da casa cedida à autora, há outras três que são ocupadas por seu sogro e familiares e no local criam algumas aves e duas cabeças de gado, com finalidade de subsistência familiar.
A renda familiar totalizava R$1.180,00, e era proveniente do benefício assistencial concedido à autora por força de tutela (R$880,00), e do trabalho informal do seu companheiro, que realizava limpeza em chácaras e/ou terrenos, auferindo R$70,00 por dia e em torno de R$300,00 por mês, vez que conseguia trabalho uma vez na semana.
Foram informadas despesas com alimentação, energia elétrica, gás e medicamentos, no montante de R$1.027,00.
Extrai-se do conjunto probatório que as despesas essenciais da autora estão sendo custeadas com o valor do benefício assistencial que lhe foi antecipado por força de tutela, pois a renda advinda do trabalho informal do seu companheiro não é suficiente para a manutenção do casal, além de ser variável e incerta.
Ademais, como cediço, o critério da renda per capita do núcleo familiar não é o único a ser utilizado para se comprovar a condição de miserabilidade do idoso ou do deficiente que pleiteia o benefício.
No caso em exame, analisando o conjunto probatório, é de se reconhecer que a autora encontra-se em situação de vulnerabilidade e risco social.
Destarte, o conjunto probatório demonstra que a autora preenche os requisitos legais para usufruir do benefício de prestação continuada, correspondente a 1 (um) salário mínimo, nos termos do caput, do Art. 20, da Lei 8.742/93.
O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo apresentado em 19/02/2014 (fls. 16/20), em conformidade com o entendimento assente no c. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Reconhecido o direito ao benefício assistencial, desde a data do requerimento administrativo, com reavaliação no prazo legal, passo a dispor sobre os consectários incidentes sobre as parcelas vencidas e a sucumbência.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observando-se a aplicação do IPCA-E conforme decisão do e. STF, em regime de julgamento de recursos repetitivos no RE 870947, e o decidido também por aquela Corte quando do julgamento da questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em 19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431, com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº 17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício concedido, na forma do Art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
Ante o exposto, dou parcial provimento à remessa oficial para adequar os consectários, nego provimento à apelação do réu e dou parcial provimento ao recurso adesivo da autoria para adequar os honorários advocatícios.
É o voto.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 28/11/2017 18:01:23 |