D.E. Publicado em 09/11/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0019080-81.2012.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por ALESSANDRA DA SILVA, representada por sua curadora, objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez.
A r. sentença de fls. 110/112, julgou procedente o pedido inicial determinando a implantação do benefício de amparo social, não obstante rotulado como aposentadoria por invalidez.
Foi concedida a tutela antecipada, nos termos do artigo 273 do CPC, a partir da data da sentença em 15.12.2010.
Houve interposição de embargos pelo INSS, rejeitados às fls. 122.
Apelação por parte do INSS, fls. 130/133, postulando pela anulação da r. sentença, ao entendimento de violação ao artigo 460 do CPC e 5º, LV da Constituição Federal, haja vista à concessão de benefício diverso do pleiteado.
A sentença foi anulada, em decisão monocrática de fls. 156/157, por ausência de laudo social, indispensável à comprovação do estado de miserabilidade para a concessão do benefício.
Foram mantidos os efeitos da tutela antecipada concedida, até ulterior análise pelo juízo de primeiro grau.
Com o retorno dos autos à origem, o juízo singular manteve os efeitos da tutela e foi determinada a realização de estudo social.
Após a dilação probatória, foi proferida nova sentença de procedência, às fls. 188/191, condenando a autarquia previdenciária no pagamento do benefício assistencial, no valor de um salário mínimo mensal, tornando definitivos e consolidados os eleitos da liminar antecipatória ratificada. Foram adotados os critérios de atualização especificados na Lei de Benefícios e nos Provimentos expedidos no âmbito do TRF3, com juros moratórios incidentes a partir da citação. Honorários advocatícios em 10% sobre as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ.
Não houve remessa necessária, nos termos do art. 475, § 2º do CPC.
Em razões recursais de fls. 196/200, o INSS pugna pela reforma da sentença, ao fundamento da ausência do requisito necessário à concessão do benefício, referente à miserabilidade. Prequestiona a matéria.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 218/221), no sentido de desprovimento do recurso do INSS.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
"A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência), apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
Pleiteia a autora a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segunda alega, é incapaz para o trabalho e não possui condições de manter seu próprio sustento ou tê-lo provido por sua família.
O exame médico-pericial de fl. 78, realizado em 17 de agosto de 2007, concluiu que a autora possui incapacidade de comunicação e locomoção, com incapacidade total e permanente para o trabalho.
O impedimento de longo prazo restou devidamente preenchido, e não foi objeto do recurso.
No entanto, a Autarquia Previdenciária pugnou pela reforma da sentença posto que não comprovada a hipossuficiência econômica.
O estudo social realizado em 21 de novembro de 2013, (fls. 167/169), informou que os componentes do grupo familiar são: "Alessandra da Silva, (requerente,) nascida em 17.07.1974, 39 anos; Salete Soares da Silva, genitora, 68 anos. Residem em imóvel de alvenaria, cedido, composto por 03 cômodos, consistente em 01 quarto, 01 cozinha e 01 banheiro.
Os móveis que guarnecem a residência são: 01 fogão, 01 geladeira, 01 guarda roupa de solteiro, 01 cama de casal, 01 tv de 21 polegadas, 01 armário de cozinha, 01 tanquinho elétrico. Não possuem veículo.
As despesas são: R$ 70,00 com água; R$ 112,00 com energia elétrica; R$ 45,00 com gás, R$ 280,00 com farmácia R$ 550,00 com supermercado; R$ 150,00 com vestuário, roupa de cama e banho.
Quanto à situação socioeconômica da família: Alessandra reside somente com a mãe que continua com o estado civil de casada, mas que na realidade está separada há 20 anos (sic). A mãe é aposentada com o valor de um salário mínimo e tem gasto expressivo com compra de fraldas descartáveis e produtos de higiene pessoal para uso de Alessandra, por a mesma não ter controle de esfíncter diurno e noturno. Alessandra é totalmente dependente da mãe com relação à alimentação, higiene pessoal e outras atividades da vida diária. Necessita de cadeira de rodas para que a mãe possa a locomover."
Em complemento ao relatório social, a perita incluiu alguns dados importantes para o fim de esclarecimento da situação socioeconômica vivenciada, nos seguintes termos: "Alessandra nasceu com deficiência física e intelectual e depende totalmente da mãe para sua subsistência. A mãe recebe o valor de um salário mínimo e com este não consegue suprir todas as necessidades básicas da filha."
A renda familiar decorre dos proventos de aposentadoria auferidos pela mãe da requerente, no valor de um salário mínimo e do benefício assistencial da autora, concedido por meio da tutela antecipada no presente feito, simples razão pela qual, aliás, por se tratar do próprio direito controvertido, não pode ser considerado para fins de aferição da renda do núcleo familiar.
Os dados extraídos do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, que integram o presente voto, confirmam ser a mãe da autora, beneficiária de aposentadoria por invalidez na ordem de R$ 880,00, equivalente a um salário mínimo.
Conforme relatado, a residência da requerente é de alvenaria e composta por 3 cômodos, 01 cozinha, 01 banheiro, 01 quarto, somente este é forrado. Não há informações de existência de parentes próximos que possam auxiliar mãe e filha, as quais também não recebem renda proveniente de programas sociais.
A deficiência mental e física da autora e sua total dependência da mãe, já com idade avançada, fazem com que os problemas decorrentes, aliados a uma vida difícil e com privações, exijam cuidados e, com isto, gastos maiores para ambas e evidenciam a presença da vulnerabilidade social e da hipossuficiência econômica a justificar a concessão do benefício vindicado.
Cumpre consignar que, diante de todo o explanado, esta decisão não ofendeu qualquer dispositivo legal, não havendo razão ao prequestionamento apresentado pelo INSS.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação do INSS, mantendo íntegra a r. sentença de 1º grau de jurisdição.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 25/10/2016 19:28:40 |