D.E. Publicado em 06/03/2017 |
EMENTA
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. IDOSO. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO POR OUTROS MEIOS. VERBAS ACESSÓRIAS. |
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer de parte do apelo do réu e, na parte conhecida, negar-lhe provimento e dar parcial provimento à remessa oficial tida por interposta, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000293-70.2013.4.03.6118/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Desembargador Sergio Nascimento (Relator):Trata-se de apelação de sentença pela qual foi julgado procedente o pedido para condenar o réu a pagar à parte autora o benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição da República, no valor mensal de um salário mínimo, a contar da data do requerimento administrativo (27.01.2012). Sobre as prestações vencidas deverá incidir correção monetária e juros de mora, consoante Lei nº 11.960/09. O réu foi condenado, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor das prestações vencidas até a sentença (Súmula nº 111 do STJ). Sem condenação em custas processuais.
À fl. 77/78, foi concedida a tutela antecipada, determinando-se a imediata implantação do benefício, tendo sido cumprida a decisão judicial, consoante dados do CNIS, anexos.
Em sua apelação, o Instituto réu pleiteia a reforma da sentença, aduzindo não estarem presentes os pressupostos necessários à concessão do benefício. Subsidiariamente, requer que a correção monetária e juros de mora sejam computados nos termos da Lei nº 11.960/09, pleiteando, ainda, a redução da verba honorária para 5% (cinco por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença.
Sem contrarrazões.
Em parecer de fl. 151/157, o i. representante do Parquet Federal opinou pelo parcial provimento da apelação do réu.
É o relatório.
SERGIO NASCIMENTO
Desembargador Federal Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000293-70.2013.4.03.6118/SP
VOTO
Da remessa oficial tida por interposta
Aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula 490 do E. STJ, que assim dispõe:
Do mérito
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da República, que dispõe:
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência, limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo 186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de "pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação atualizada:
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a seguinte redação:
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e 'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada, seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho, ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
No caso dos autos, a demandante, nascida em 06.09.1936, contava à época do ajuizamento da ação (27.02.2013) com 77 anos de idade, falecendo no curso da ação (18.10.2014 - dados anexos).
Deve, portanto, ser observado o estabelecido no art. 23, parágrafo único, do Decreto 6.214/2007, in verbis:
Assim, ainda que se trate de benefício de caráter personalíssimo, há que se reconhecer, nos termos em que definido no referido decreto regulamentador, a possibilidade de pagamento do resíduo não recebido pelo beneficiário falecido aos seus sucessores, a serem habilitados na forma da legislação pertinente.
Há que se reconhecer, dessa maneira, que a falecida autora faria jus ao benefício assistencial, caso tenha preenchido o requisito socioeconômico, haja vista ter implementado o requisito etário.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão que recebeu a seguinte ementa:
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão, após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 - PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 25.04.2013 (fl. 56/66) relatou que o núcleo familiar da autora era composto por ela (77 anos de idade, do lar) e seu marido (83 anos de idade, aposentado por tempo de serviço, renda de R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais) e sua filha (32 anos de idade, desempregada). Residiam em imóvel próprio, com móveis em regular estado de conservação.
Portanto, resta comprovado que a autora era idosa e que não possuia meios para prover sua manutenção ou tê-la provida por sua família, fazendo jus à concessão do benefício assistencial.
O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo, em 27.01.2012 (fl. 19), conforme sólido entendimento jurisprudencial nesse sentido, incidindo até o óbito da autora (18.10.2014), devendo ser compensadas as parcelas pagas a título de antecipação de tutela, quando da liquidação da sentença. Não há prescrição de parcelas vencidas, ante o ajuizamento da ação em 27.02.2013.
Os juros de mora e a correção monetária deverão observar o disposto na Lei nº 11.960/09 (STF, Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 870.947, 16.04.2015, Rel. Min. Luiz Fux). Não conheço do recurso no que tange à matéria, vez que a r. sentença recorrida dispôs no mesmo sentido da pretensão do réu.
Honorários advocatícios mantidos em 10% (dez por cento) sobre as prestações vencidas, consideradas, todavia, entre o termo inicial do benefício e o óbito da autora, eis que anterior à prolação da sentença, a teor do disposto no Enunciado 7 das diretrizes para aplicação do Novo CPC aos processos em trâmite, elaboradas pelo STJ na sessão plenária de 09.03.2016.
As parcelas pagas a título de antecipação de tutela deverão ser compensadas quando da liquidação da sentença.
Diante do exposto, não conheço de parte do apelo do réu e, na parte conhecida, nego-lhe provimento e dou parcial provimento à remessa oficial tida por interposta para fixar o termo final do benefício de amparo social, bem como dos honorários advocatícios na data do óbito da autora (18.10.2014).
Destaco, ainda, que a regularização da habilitação dos herdeiros necessários deverá ser procedida perante a primeira instância, em obediência ao princípio da economia e celeridade processuais.
É como voto.
SERGIO NASCIMENTO
Desembargador Federal Relator
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Data e Hora: | 21/02/2017 16:57:31 |