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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS E MATERIAIS. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INSS. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. EMPRÉSTIMO. ...

Data da publicação: 09/07/2020, 20:33:51

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS E MATERIAIS. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INSS. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. EMPRÉSTIMO. DESCONTO INDEVIDO EM CONTA BANCÁRIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. O regime legal aplicável ao desconto, em proventos previdenciários, de valores de empréstimo consignado contratado por segurado da Previdência Social, encontra-se previsto no artigo 6º da Lei 10.820/2003. 2. Segundo tal legislação, cabe ao segurado contratar o empréstimo na instituição financeira de sua escolha e autorizar a retenção, pelo INSS, do valor devido na parcela mensal do respectivo benefício previdenciário (caput). O INSS deve fixar regras de funcionamento do sistema, incluindo todas as verificações necessárias (§ 1º e incisos), sendo responsável, especificamente, conforme o § 2º do artigo 6º da Lei 10.820/2003, pela "I - retenção dos valores autorizados pelo beneficiário e repasse à instituição consignatária nas operações de desconto, não cabendo à autarquia responsabilidade solidária pelos débitos contratados pelo segurado; e II - manutenção dos pagamentos do titular do benefício na mesma instituição financeira enquanto houver saldo devedor nas operações em que for autorizada a retenção, não cabendo à autarquia responsabilidade solidária pelos débitos contratados pelo segurado". 3. Embora não seja o INSS responsável solidário pelo pagamento do empréstimo contratado em si (responsabilidade contratual), a responsabilidade da autarquia pela retenção e repasse de valores dos proventos do segurado, para o pagamento de tais dívidas às instituições financeiras, envolve, por evidente, a de conferência da regularidade da operação, objetivando evitar fraudes, até porque é atribuição legal da autarquia, não apenas executar as rotinas próprias, mas ainda instituir as normas de operacionalidade e funcionalidade do sistema, conforme previsto nos incisos do § 1º do artigo 6º da Lei 10.820/2003, sendo que eventual falha ou falta do serviço pode gerar responsabilidade extracontratual por danos causados. 4. Estando legalmente previstas as suas atribuições, o fato de o INSS não se desincumbir, adequadamente, de suas responsabilidades, ao simplesmente reter e repassar valores informados pelo DATAPREV, sem a cautela no sentido de conferir, com rigor, os dados do segurado e da operação, para evitar situações de fraude (como decorre, por exemplo, da contratação por segurado residente em São Paulo de operação de empréstimo na Bahia ou no Amazonas) não o exime de responder pelos danos decorrentes da lesão praticada contra o segurado. 5. Caso em que o autor é segurado do INSS desde 19/10/1998, titular de aposentadoria por tempo de contribuição 42/128.017.101-1, tendo sido vítima de retenções e descontos indevidos no valor de seu benefício, por fraude na contratação de empréstimos consignados em instituições financeiras distintas daquela em que recebe os proventos e situadas em outros Estados da Federação (Bahia e Amazonas). Tais contratações teriam sido feitas em abril e outubro de 2006, porém do histórico do autor não constam operações anteriores de tal espécie. 6. As circunstâncias, envolvendo tais operações, revelam que houve, de fato, conduta causal do INSS, suficiente à imputação de responsabilidade por danos causados, na medida em que as operações, além de contratadas em bancos distintos e agências situadas em outros Estados, foram realizadas com uso de RG e CPF diferentes dos que pertencem ao autor, constando, ainda, que na segunda operação, houve saque de dinheiro por pessoa residente em Manaus, em situação tipicamente suspeita, a exigir cautela e cuidado especial da autarquia, antes de ser promovida a retenção e repasse de valores do benefício previdenciário do autor a tais instituições financeiras. 7. O dano material sofrido consistiu no valor do benefício, retido e repassado indevidamente para pagamento dos empréstimos consignados, que não foram efetivamente contratados pelo segurado, remanescendo, após pagamentos voluntários do dano, de forma integral ou parcial, o saldo a ser ressarcido de R$ 414,04, a que foram condenados Banco Cruzeiro do Sul e INSS, solidariamente, o que se encontra em conformidade com a responsabilidade atribuível a cada um dos réus, diante das condutas praticadas e do bem jurídico a ser protegido, pois resta claro dos autos que foi a ação conjunta e indissociável dos réus, em termos de causalidade concreta, ainda que inexistente dolo ou predisposição para causar o dano, que propiciou o resultado lesivo, sofrido pelo autor. 8. O dano moral restou igualmente configurado, diante da prova, de que a retenção e o desconto de parcela do benefício previdenciário não geraram mero desconforto ou aborrecimento, mas concreta lesão moral, com perturbação grave de ordem emocional, tratando-se, ademais, de segurado idoso, que se viu envolvido em situação preocupante, geradora de privação patrimonial imediata, criada pela conduta dos réus. 9. É firme a orientação, extraída de julgados da Turma, no sentido de que: "O que gera dano indenizável, apurável em ação autônoma, é a conduta administrativa particularmente gravosa, que revele aspecto jurídico ou de fato, capaz de especialmente lesar o administrado, como no exemplo de erro grosseiro e grave, revelando prestação de serviço de tal modo deficiente e oneroso ao administrado, que descaracterize o exercício normal da função administrativa, em que é possível interpretar a legislação, em divergência com o interesse do segurado sem existir, apenas por isto, dano a ser ressarcido (...)" (AC 00083498220094036102, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, e-DJF3 17/02/2012). 10. Em casos que tais, a jurisprudência regional não apenas reconhece o dano moral, como quantifica a indenização em valor compatível com o fixado, no caso dos autos, pela sentença que, portanto, deve ser confirmada, igualmente, neste aspecto. 11. Portanto, nos limites da devolução, deve ser mantida a condenação do INSS ao pagamento solidário dos valores de R$ 414,04, relativos aos danos materiais suportados, e R$ 3.000,00, referentes aos danos morais sofridos, com correção monetária desta última, a partir do arbitramento, nos termos da Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça ("A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento"), mantida, no mais, a sentença apelada. 12. Agravo inominado desprovido. (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1819935 - 0003191-02.2007.4.03.6107, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, julgado em 25/06/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/07/2015 )


Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 03/07/2015
AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003191-02.2007.4.03.6107/SP
2007.61.07.003191-1/SP
RELATOR:Desembargador Federal CARLOS MUTA
AGRAVANTE:Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO:TIAGO BRIGITE e outro
:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
AGRAVADA:DECISÃO DE FOLHAS
INTERESSADO(A):ANDRE LUIZ SOLER
ADVOGADO:SP109845 VERA LUCIA ANDRADE e outro
INTERESSADO(A):BANCO BMG S/A
ADVOGADO:SP143966 MARCELO SANTOS OLIVEIRA e outro
INTERESSADO(A):BANCO CRUZEIRO DO SUL S/A
ADVOGADO:SP128341 NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES e outro
No. ORIG.:00031910220074036107 2 Vr ARACATUBA/SP

EMENTA

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS E MATERIAIS. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INSS. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. EMPRÉSTIMO. DESCONTO INDEVIDO EM CONTA BANCÁRIA. RECURSO DESPROVIDO.
1. O regime legal aplicável ao desconto, em proventos previdenciários, de valores de empréstimo consignado contratado por segurado da Previdência Social, encontra-se previsto no artigo 6º da Lei 10.820/2003.
2. Segundo tal legislação, cabe ao segurado contratar o empréstimo na instituição financeira de sua escolha e autorizar a retenção, pelo INSS, do valor devido na parcela mensal do respectivo benefício previdenciário (caput). O INSS deve fixar regras de funcionamento do sistema, incluindo todas as verificações necessárias (§ 1º e incisos), sendo responsável, especificamente, conforme o § 2º do artigo 6º da Lei 10.820/2003, pela "I - retenção dos valores autorizados pelo beneficiário e repasse à instituição consignatária nas operações de desconto, não cabendo à autarquia responsabilidade solidária pelos débitos contratados pelo segurado; e II - manutenção dos pagamentos do titular do benefício na mesma instituição financeira enquanto houver saldo devedor nas operações em que for autorizada a retenção, não cabendo à autarquia responsabilidade solidária pelos débitos contratados pelo segurado".
3. Embora não seja o INSS responsável solidário pelo pagamento do empréstimo contratado em si (responsabilidade contratual), a responsabilidade da autarquia pela retenção e repasse de valores dos proventos do segurado, para o pagamento de tais dívidas às instituições financeiras, envolve, por evidente, a de conferência da regularidade da operação, objetivando evitar fraudes, até porque é atribuição legal da autarquia, não apenas executar as rotinas próprias, mas ainda instituir as normas de operacionalidade e funcionalidade do sistema, conforme previsto nos incisos do § 1º do artigo 6º da Lei 10.820/2003, sendo que eventual falha ou falta do serviço pode gerar responsabilidade extracontratual por danos causados.
4. Estando legalmente previstas as suas atribuições, o fato de o INSS não se desincumbir, adequadamente, de suas responsabilidades, ao simplesmente reter e repassar valores informados pelo DATAPREV, sem a cautela no sentido de conferir, com rigor, os dados do segurado e da operação, para evitar situações de fraude (como decorre, por exemplo, da contratação por segurado residente em São Paulo de operação de empréstimo na Bahia ou no Amazonas) não o exime de responder pelos danos decorrentes da lesão praticada contra o segurado.
5. Caso em que o autor é segurado do INSS desde 19/10/1998, titular de aposentadoria por tempo de contribuição 42/128.017.101-1, tendo sido vítima de retenções e descontos indevidos no valor de seu benefício, por fraude na contratação de empréstimos consignados em instituições financeiras distintas daquela em que recebe os proventos e situadas em outros Estados da Federação (Bahia e Amazonas). Tais contratações teriam sido feitas em abril e outubro de 2006, porém do histórico do autor não constam operações anteriores de tal espécie.
6. As circunstâncias, envolvendo tais operações, revelam que houve, de fato, conduta causal do INSS, suficiente à imputação de responsabilidade por danos causados, na medida em que as operações, além de contratadas em bancos distintos e agências situadas em outros Estados, foram realizadas com uso de RG e CPF diferentes dos que pertencem ao autor, constando, ainda, que na segunda operação, houve saque de dinheiro por pessoa residente em Manaus, em situação tipicamente suspeita, a exigir cautela e cuidado especial da autarquia, antes de ser promovida a retenção e repasse de valores do benefício previdenciário do autor a tais instituições financeiras.
7. O dano material sofrido consistiu no valor do benefício, retido e repassado indevidamente para pagamento dos empréstimos consignados, que não foram efetivamente contratados pelo segurado, remanescendo, após pagamentos voluntários do dano, de forma integral ou parcial, o saldo a ser ressarcido de R$ 414,04, a que foram condenados Banco Cruzeiro do Sul e INSS, solidariamente, o que se encontra em conformidade com a responsabilidade atribuível a cada um dos réus, diante das condutas praticadas e do bem jurídico a ser protegido, pois resta claro dos autos que foi a ação conjunta e indissociável dos réus, em termos de causalidade concreta, ainda que inexistente dolo ou predisposição para causar o dano, que propiciou o resultado lesivo, sofrido pelo autor.
8. O dano moral restou igualmente configurado, diante da prova, de que a retenção e o desconto de parcela do benefício previdenciário não geraram mero desconforto ou aborrecimento, mas concreta lesão moral, com perturbação grave de ordem emocional, tratando-se, ademais, de segurado idoso, que se viu envolvido em situação preocupante, geradora de privação patrimonial imediata, criada pela conduta dos réus.
9. É firme a orientação, extraída de julgados da Turma, no sentido de que: "O que gera dano indenizável, apurável em ação autônoma, é a conduta administrativa particularmente gravosa, que revele aspecto jurídico ou de fato, capaz de especialmente lesar o administrado, como no exemplo de erro grosseiro e grave, revelando prestação de serviço de tal modo deficiente e oneroso ao administrado, que descaracterize o exercício normal da função administrativa, em que é possível interpretar a legislação, em divergência com o interesse do segurado sem existir, apenas por isto, dano a ser ressarcido (...)" (AC 00083498220094036102, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, e-DJF3 17/02/2012).
10. Em casos que tais, a jurisprudência regional não apenas reconhece o dano moral, como quantifica a indenização em valor compatível com o fixado, no caso dos autos, pela sentença que, portanto, deve ser confirmada, igualmente, neste aspecto.
11. Portanto, nos limites da devolução, deve ser mantida a condenação do INSS ao pagamento solidário dos valores de R$ 414,04, relativos aos danos materiais suportados, e R$ 3.000,00, referentes aos danos morais sofridos, com correção monetária desta última, a partir do arbitramento, nos termos da Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça ("A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento"), mantida, no mais, a sentença apelada.
12. Agravo inominado desprovido.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo inominado, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 25 de junho de 2015.
CARLOS MUTA
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): Luis Carlos Hiroki Muta:10039
Nº de Série do Certificado: 5BD3327A204D3E701DAEDAF5DD19C8FF
Data e Hora: 25/06/2015 15:51:41



AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003191-02.2007.4.03.6107/SP
2007.61.07.003191-1/SP
RELATOR:Desembargador Federal CARLOS MUTA
AGRAVANTE:Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO:TIAGO BRIGITE e outro
:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
AGRAVADA:DECISÃO DE FOLHAS
INTERESSADO(A):ANDRE LUIZ SOLER
ADVOGADO:SP109845 VERA LUCIA ANDRADE e outro
INTERESSADO(A):BANCO BMG S/A
ADVOGADO:SP143966 MARCELO SANTOS OLIVEIRA e outro
INTERESSADO(A):BANCO CRUZEIRO DO SUL S/A
ADVOGADO:SP128341 NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES e outro
No. ORIG.:00031910220074036107 2 Vr ARACATUBA/SP

RELATÓRIO

Trata-se de agravo inominado em parcial provimento à apelação em ação de indenização por danos morais e materiais, visando à condenação do BANCO BGM S/A, na pessoa do Sr. José Eustáquio de Carvalho Lopes e/ou Sr. Herbert de Oliveira, BANCO CRUZEIRO DO SUL, e INSS, ao pagamento do equivalente a 100 vezes o valor do benefício (para cada réu), com acréscimo de juros de mora e multa de R$100,00 por dia de atraso no cumprimento da condenação, por ter ocorrido "desconto indevido em conta bancária" do valor de R$ 433,83, em abril/2006, e "pagamento a menor" de benefício previdenciário, em novembro/2006 (diferença de R$ 414,17), o que causou sofrimento, dor e sentimento de tristeza, frustração, rejeição e angústia.


Alegou-se, em suma: (1) ilegitimidade passiva, pois a responsabilidade pelo empréstimo é dos bancos, que assumem os riscos do contrato, e detém o controle das operações, sendo o INSS apenas órgão de repasse de valores objeto do convênio (Leis 10.820/2003 e 10.953/04); (2) houve violação ao art. 97, CF; e (3) ausência de comprovação de nexo causal em relação à autarquia, vez que seus agentes agiram dentro da estrita legalidade, cabendo à instituição financeira ressarcir os danos morais causados ao autor.


Apresento o feito em Mesa.


É o relatório.



CARLOS MUTA
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): Luis Carlos Hiroki Muta:10039
Nº de Série do Certificado: 5BD3327A204D3E701DAEDAF5DD19C8FF
Data e Hora: 25/06/2015 15:51:44



AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003191-02.2007.4.03.6107/SP
2007.61.07.003191-1/SP
RELATOR:Desembargador Federal CARLOS MUTA
AGRAVANTE:Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO:TIAGO BRIGITE e outro
:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
AGRAVADA:DECISÃO DE FOLHAS
INTERESSADO(A):ANDRE LUIZ SOLER
ADVOGADO:SP109845 VERA LUCIA ANDRADE e outro
INTERESSADO(A):BANCO BMG S/A
ADVOGADO:SP143966 MARCELO SANTOS OLIVEIRA e outro
INTERESSADO(A):BANCO CRUZEIRO DO SUL S/A
ADVOGADO:SP128341 NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES e outro
No. ORIG.:00031910220074036107 2 Vr ARACATUBA/SP

VOTO

Senhores Desembargadores, consta da decisão agravada (f. 262/7):


"Trata-se de apelação em ação de indenização por danos morais e materiais, visando à condenação do BANCO BGM S/A, na pessoa do Sr. José Eustáquio de Carvalho Lopes e/ou Sr. Herbert de Oliveira, BANCO CRUZEIRO DO SUL, e INSS, ao pagamento do equivalente a 100 vezes o valor do benefício (para cada réu), com acréscimo de juros de mora e multa de R$100,00 por dia de atraso no cumprimento da condenação, por ter ocorrido "desconto indevido em conta bancária" do valor de R$ 433,83, em abril/2006, e "pagamento a menor" de benefício previdenciário, em novembro/2006 (diferença de R$ 414,17), o que causou sofrimento, dor e sentimento de tristeza, frustração, rejeição e angústia.
Alegou o autor, que é aposentado do INSS, recebendo o benefício através do Banco do Estado de São Paulo, agência de Birigui/SP, e foi vítima de duas "fraudes". Na primeira, em abril/2006, constatou, no extrato bancário, o desconto de R$ 433,83, referente à parcela de empréstimo consignado, que não contratou. Em consulta ao site do Ministério da Previdência Social, identificou que o empréstimo tinha sido realizado pelo Banco BMG na Bahia e, através de contato telefônico, foi informado que o "beneficiário do empréstimo" possuía o mesmo nome do "beneficiário do INSS", mas com RG e CPF diferentes, além de que o Banco BGM enviou correspondência, afirmando que recebeu ofício do INSS sobre a inexistência de solicitação de empréstimo e que, diante da reclamação, foram apurados indícios de fraude. Na segunda, em novembro/2006, houve pagamento a menor do benefício, com diferença de R$ 414,17, tendo sido obtido informação, através de ligação a número fornecido pela agência local do INSS, de que "a pessoa que retirou o dinheiro reside na cidade de Manaus, à Rua Nova Esperança, 38". Diante das fraudes, sua conta bancária ficou com saldo negativo, causando dissabores (artigo 5º, V e X, CF), sendo devida indenização por danos materiais e morais.
Foram concedidos os benefícios da Justiça Gratuita.
A sentença condenou: (1) solidariamente, o INSS e Banco Cruzeiro do Sul S/A a pagar a quantia de R$ 414,04, por danos materiais suportados; e (2) todos os corréus, solidariamente, ao pagamento de R$ 3.000,00, relativos a danos morais sofridos pelo autor; com correção monetária até o efetivo pagamento e juros a partir da citação, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal; restando fixada a sucumbência recíproca.
Apelou o INSS, pelo reconhecimento de ilegitimidade passiva para extinção do processo sem exame do mérito (artigo 267, VI, CPC) ou, quando menos, pela improcedência ou sua condenação apenas de forma "subsidiária" e não "solidária", alegando: (1) preliminarmente, que os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do RGPS (Regime Geral da Previdência Social) poderão autorizar diretamente a contratação de empréstimos com instituição financeira repassadora da renda mensal (Leis 10.820/2003 e 10.953/2004; Decretos 3.048/1999 e 5.180/2004; e Instrução Normativa INSS/DC 110/2004), sendo que o INSS somente passa a ter conhecimento da operação efetuada após envio das informações da instituição financeira à DATAPREV, por meio eletrônico, assim a responsabilidade pela devolução de valores consignados indevidamente é apenas da instituição concessora do empréstimo, que detém a "autorização" do titular do benefício, firmada para a contratação do empréstimo, e deve guardá-la pelo prazo de 5 anos, a contar da data do término do empréstimo, de forma que não há negligência do INSS configurada, nem nexo causal a justificar a sua responsabilidade, sendo que o ato normativo interno IN-INSS/DC 121/2005 estabelece, no artigo 1º, §4º, que "a instituição financeira é a responsável pela guarda dos documentos", razão pela qual deve ser, pelo menos, desmembrada a obrigação imputada na presente ação, vez que inexistente a sua responsabilidade, devendo ser considerado que a consignação em pagamento, na folha do segurado ou pensionista, decorre exclusivamente de relação jurídica subjacente à relação existente entre o autor e o INSS; ou (2) no mérito, em observância ao princípio da eventualidade, pela improcedência, diante da falta de comprovação do autor de que não foi ele quem efetuou o empréstimo em questão (artigo 333, I, CPC).
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
DECIDO.
A hipótese comporta julgamento na forma do artigo 557 do Código de Processo Civil.
Com efeito, consta da sentença apelada (f. 221/224-v.):
"ANDRÉ LUIZ SOLER, com qualificação na inicial, propôs a presente ação em face do INSS, do BANCO BMG S/A e do BANCO CRUZEIRO DO SUL S/A objetivando a condenação dos requeridos à reparação dos danos materiais e morais que supostamente lhes foram impostos pela atuação desidiosa dos réus.
Para tanto, aduz que lhe foi debitado, indevidamente, o valor de R$ 433,83 (quatrocentos e trinta e três reais e oitenta e três centavos) e de R$ 414,87 (quatrocentos e catorze reais e oitenta e sete centavos), relativos a empréstimos consignados fraudulentamente pactuados com os demandados.
Com a petição inicial, juntou procuração e documentos.
O Banco BMG S/A, devidamente citado, ofereceu contestação (fls. 43/65), alegando, como matéria preliminar, a incompetência absoluta da Justiça Federal para a apreciação dos pedidos. No mérito, pugna pela improcedência da ação.
Juntou documentos (fls. 66/88).
Já o INSS, também citado na forma da lei, apresentou a sua peça defensiva às fls. 89/103, levantando a preliminar de ilegitimidade passiva "ad causam", o que atrairia a demanda para a Justiça Estadual. No mérito, pleiteia a improcedência da demanda.
Por fim, o Banco Cruzeiro do Sul S/A, legalmente citado, ofereceu contestação às fls. 133/144, na qual rechaça os pedidos veiculados pelo autor, requerendo a improcedência da lide e juntou documentos.
Houve tentativa de realização de acordo que restou infrutífera (fls. 191/192).
Vieram os autos conclusos para sentença.
É o relatório do necessário.
Aprecio as preliminares argüidas pelas rés.
Não acolho a preliminar de incompetência absoluta sustentada pelo réu Banco BMG S/A, tendo em conta que a pretensão do autor foi dirigida não só contra ele, mas também em desfavor do INSS, que é uma autarquia que compõe a Administração Indireta da União, o que ativa a competência da Justiça Federal para a apreciação da matéria, por conta da redação do art. 109, I, da Constituição Federal.
Em relação à preliminar de ilegitimidade passiva do INSS, tal tese confunde-se com o mérito e com ele será examinado.
Assim, afastadas as preliminares e não havendo mais questões processuais a sanar, passo ao exame do mérito, nos termos do art. 330, I, do CPC, vez que presentes os pressupostos processuais e as condições da ação.
A) Dos danos materiais
Informa o autor que foi vítima de uma fraude, pois, quando conferia o extrato do seu benefício, em abril de 2006, deparou-se, primeiramente, com um desconto no valor de R$ 433,83 (quatrocentos e trinta e três reais e oitenta e três centavos), relativo a um contrato de mútuo vinculado aos seus proventos (empréstimo consignado) no valor de R$ 9.342,69 (nove mil e trezentos e quarenta e dois reais e sessenta e nove centavos), divididos em 36 (trinta e seis parcelas), contraído com o Banco BMG S/A.
Relata, ainda, que foi efetivada uma nova retenção, desta vez no importe de R$ R$ 414,87 (quatrocentos e catorze reais e oitenta e sete centavos), por conta de outro mútuo, desta vez indevidamente celebrado com o Banco Cruzeiro do Sul S/A, no valor de R$ 9.100,43 (nove mil e cem reais e quarenta e três centavos), divididos em 36 (trinta e seis) parcelas mensais e sucessivas.
Alegam as instituições financeiras que já procederam ao pagamento das quantias indevidamente retidas do autor, inclusive cancelando os contratos que deram azo às dívidas.
Entretanto, pela documentação acostada aos autos, noto que apenas o réu Banco BMG S/A restituiu totalmente o que devido ao segurado (fls. 87/88), mas o correu Banco Cruzeiro do Sul S/A, apesar de ter informado que expediu uma ordem de pagamento no valor de R$ 828,14 (oitocentos e vinte e oito reais e catorze centavos), documentou somente o pagamento de R$ 414,04 (quatrocentos e catorze reais e quatro centavos) às fls. 173.
Conforme revelado pelo INSS às fls. 210/211, o Banco Cruzeiro do Sul S/A, com base no contrato nº 430561644, reteve, nos meses de outubro e novembro do ano de 2006, a quantia de R$ 828,14 (oitocentos e vinte e oito reais e catorze centavos) do segurado, a título de verba consignada, mas devolveu-lhe a metade disto, ou seja, R$ 414,04 (quatrocentos e catorze reais e quatro centavos) às fls. 173.
Ora, nas lides regidas pelo Código de Defesa do Consumidor, o art. 6º, VIII deste diploma franqueia ao juiz a inversão do ônus da prova, caso detecte que o consumidor seja hipossuficiente ou exista plausibilidade fática nas suas alegações.
No caso em tela, há notória hipossuficiência do autor para com a ré, tendo em conta a pujança econômica que as instituições financeiras apresentam frente às demais pessoas físicas do país, especialmente os segurados da Previdência Social, que se encontram em situação de manifesto desequilíbrio econômico, jurídico e social quando se confrontam com os detentores do poder - no caso, o econômico.
Na espécie, o ônus da prova deve ser invertido para imputar ao réu a obrigação de coligir aos autos a documentação necessária para solapar o direito subjetivo do autor, fato que não se consumou, ante o teor dos arts. 333, II, do CPC e 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor.
No que concerne à responsabilidade civil do INSS, é cristalino na jurisprudência que apesar de a autarquia não participar da pactuação do ajuste, a sua responsabilidade civil é objetiva, a teor do art 37 6º da Constituição Federal, principalmente por ser de sua incumbência a fiscalização dos dados pessoais do segurado, tais como o número do seu CPF, do seu RG e da sua assinatura.
A propósito, confira-se, verbis:
Ementa: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS PATRIMONIAIS. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO INSS REJEITADA. SEGURADO DO INSS. DESCONTOS INDEVIDOS EM FOLHA DE PAGAMENTO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA E DO BANCO CONTRATADO. 1. Discute-se o direito do autor, segurado da Previdência Social, de obstar os descontos que vêm sendo feitos pelo INSS em sua folha de pagamento, os quais se baseiam em contrato de empréstimo assinado com o BANCO SCHAHIN, e de receber os valores que foram indevidamente descontados com juros e correção monetária. Argumenta o postulante nunca ter assinado qualquer contrato com a mencionada instituição, sendo ilegais os descontos efetivados na sua folha de pagamento. 2. Na hipótese de um segurado da Previdência Social pleitear um empréstimo consignado, além dos termos da Lei nº 10820/2003, a relação contratual em foco deverá também ser regida pelos ditames da Instrução Normativa INSS/PRES nº 28, de 16 de maio de 2008, que revogou a Instrução Normativa INSS/DC nº 121, de 01 de julho de 2005, esta última em vigor ao tempo do empréstimo questionado nos presentes autos. 3. Consoante estabelecido no art. 1º, I, da IN nº 121/2005, somente será viável essa consignação quando lastreada em convênio firmado entre o INSS e a instituição financeira. Por sua vez, o art. 11, I, desta IN estabelece que "as informações necessárias à consecução das operações poderão ser obtidas pelos beneficiários, diretamente no site do Ministério da Previdência Social (ww.mps.gov.br), na opção serviços/estrados de pagamentos". 4. Totalmente descabida se mostra a alegação da autarquia ré de que não possui em seu poder qualquer documento relativo a tal operação, porquanto é inconcebível que uma instituição do porte da Previdência Social venha a determinar descontos em contracheques de seus beneficiários sem conferir a veracidade das informações apresentadas pelo banco interessado, inclusive a assinatura do contratante, e, portanto, se coincidem com aquelas constantes dos seus bancos de dados. Tal atitude tem por fim resguardar possíveis fraudes e não agindo dessa forma o INSS assume a responsabilidade por eventuais prejuízos causados aos seus segurados. Preliminar de ilegitimidade passiva "ad causam" do INSS rejeitada. 5. A responsabilidade pela restituição dos valores indevidamente descontados do autor compete não só ao INSS, mas também ao banco autorizado por convênio para celebrar os contratos de empréstimo e financiamento. O primeiro por ter o dever de verificar as informações que lhe são repassadas pela instituição financeira e o segundo pelo fato de ter celebrado, diretamente, o contrato com o particular. Trata-se, portanto, de responsabilidade solidária. 6. Nem o instituto previdenciário nem o Banco Schahin se desincumbiram do dever de provar a existência do contrato de empréstimo celebrado com o autor, inobstante tenham sido intimados para tal. Desta forma, não existindo nos autos sequer indício de prova material do referido contrato, há que se admitir como verdadeiros os fatos articulados pelo promovente. 7. No tocante aos juros de mora, após a entrada em vigor da Lei nº 11960/2009 deverão ser calculados conforme as disposições da indigitada lei, incluindo os juros de mora e a correção monetária. Preliminar rejeitada. Apelação e remessa obrigatória parcialmente providas.(TRF5 - Processo AC 200780000003554 - AC - Apelação Civel - 462471 - Relator(a)Desembargador Federal José Maria Lucena - Órgão julgador: Primeira Turma - Fonte: DJE - Data::24/11/2010 - Página::222 - Decisão: UNÂNIME).
Desse modo, tanto o INSS quanto o correu Banco Cruzeiro do Sul S/A contribuíram para a efetivação do prejuízo jurídico carreado ao autor, sendo solidariamente responsáveis pela sua reparação, consoante os arts. 942, parágrafo único do atual Código Civil e 7º, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor.
Não é o caso, todavia, de se aplicar a dobra prevista no art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que não houve má-fé dos réus na concessão e na disponibilização do numerário a favor do terceiro beneficiário - este sim laborou de forma nada ética.
B) Dos danos morais.
Pretende a parte autora a reparação dos danos morais que a retenção indevida dos descontos consignados lhe ocasionou.
Com razão o demandante.
Com efeito, o dano moral, segundo a doutrina pátria, representa uma ofensa à dignidade da pessoa humana, veiculada por intermédio de uma lesão a um direito da personalidade.
Na hipótese dos autos, observo que foram entabulados dois contratos de mútuo, respectivamente de R$ 9.342,69 (nove mil e trezentos e quarenta e dois reais e sessenta e nove centavos) e de R$ 9.100,43 (nove mil e cem reais e quarenta e três centavos), todos comprovadamente falsos, ou seja, em nenhum momento o autor manifestou a sua aquiescência de contraí-los.
Essa situação só veio à baila porque todos os réus, à sua maneira, agiram com incúria na verificação dos dados do autor, concedendo os empréstimos a um terceiro que se valeu das facilidades que o mercado de crédito consignado proporciona.
Além disso, é importante destacar que esse tipo de infortúnio gera um forte abalo na esfera subjetiva das pessoas, que vêem parte da sua remuneração mutilada por empréstimos artificiais e contraídos à revelia, fato que comumente se repete desde o advento desse tipo de operação.
A responsabilidade civil das instituições financeiras é objetiva e deflui do próprio exercício das suas atividades primárias (teoria do risco-proveito). Na mesma linha, a autarquia previdenciária também responde objetivamente pela prática de atos comissivos que gerem prejuízos a terceiros, nos termos do art. 37 6º da nossa Carta Política.
A exemplo do que ocorreu em relação à reparação dos danos patrimoniais, os réus - desta vez todos - são solidariamente responsáveis pelo ressarcimento dos danos morais infligidos ao autor, considerando-se que a somatória da participação isolada de cada um possibilitou a eclosão do evento lesivo, incidindo o comando dos já aludidos arts. 942, parágrafo único do atual Código Civil e 7º, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor.
No que tange ao valor a ser arbitrado ao dano moral, entendo que a quantia pretendida pelo autor (cem vezes o valor do seu salário de benefício) destoa do que fixado pela jurisprudência pátria em situações bem mais graves do que a tratada neste processo.
Nessa quadra, sopesados o grau de reprovação social do comportamento dos réus e a intensidade da lesão emocional sofrida pela vítima, a quantia reparatória que reputo justa é de R$ 3.000,00 (três mil reais), pois o objetivo da fixação deste "quantun" indenizatório é apenas o de proporcionar uma pequena alegria àquele que sofreu um gravame que destoa dos aborrecimentos naturais da vida cotidiana.
Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, extinguindo o processo com julgamento do mérito, nos termos do art. 269, I, do CPC, para: a) CONDENAR, solidariamente, os correus INSS e o Banco Cruzeiro do Sul S/A a pagar ao autor a quantia de R$ 414,04 (quatrocentos e catorze reais e quatro centavos), relativos aos danos materiais suportados pela parte autora; b) CONDENAR, solidariamente, todos os correus, ao pagamento do montante de R$ 3.000,00 (três mil reais) concernentes aos danos morais sofridos pelo autor; com correção monetária até a data do efetivo pagamento e juros a partir da citação, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
Tratando-se de sucumbência recíproca, cada parte arcará com os honorários advocatícios do seu patrono."
Como se observa, a sentença encontra-se devidamente motivada, e não merece reparo substancial.
A preliminar de ilegitimidade passiva, arguida pelo INSS, envolve a discussão do próprio mérito, pelo que cabe a sua apreciação como tal.
A propósito, verifica-se que o regime legal aplicável ao desconto, em proventos previdenciários, de valores de empréstimo consignado contratado por segurado da Previdência Social, encontra-se previsto no artigo 6º da Lei 10.820/2003.
Segundo tal legislação, cabe ao segurado contratar o empréstimo na instituição financeira de sua escolha e autorizar a retenção, pelo INSS, do valor devido na parcela mensal do respectivo benefício previdenciário (caput). O INSS deve fixar regras de funcionamento do sistema, incluindo todas as verificações necessárias (§ 1º e incisos), sendo responsável, especificamente, conforme o § 2º do artigo 6º da Lei 10.820/2003, pela "I - retenção dos valores autorizados pelo beneficiário e repasse à instituição consignatária nas operações de desconto, não cabendo à autarquia responsabilidade solidária pelos débitos contratados pelo segurado; e II - manutenção dos pagamentos do titular do benefício na mesma instituição financeira enquanto houver saldo devedor nas operações em que for autorizada a retenção, não cabendo à autarquia responsabilidade solidária pelos débitos contratados pelo segurado".
Embora não seja o INSS responsável solidário pelo pagamento do empréstimo contratado em si (responsabilidade contratual), a responsabilidade da autarquia pela retenção e repasse de valores dos proventos do segurado, para o pagamento de tais dívidas às instituições financeiras, envolve, por evidente, a de conferência da regularidade da operação, objetivando evitar fraudes, até porque é atribuição legal da autarquia, não apenas executar as rotinas próprias, mas ainda instituir as normas de operacionalidade e funcionalidade do sistema, conforme previsto nos incisos do § 1º do artigo 6º da Lei 10.820/2003, sendo que eventual falha ou falta do serviço pode gerar responsabilidade extracontratual por danos causados.
Estando legalmente previstas as suas atribuições, o fato de o INSS não se desincumbir, adequadamente, de suas responsabilidades, ao simplesmente reter e repassar valores informados pelo DATAPREV, sem a cautela no sentido de conferir, com rigor, os dados do segurado e da operação, para evitar situações de fraude (como decorre, por exemplo, da contratação por segurado residente em São Paulo de operação de empréstimo na Bahia ou no Amazonas) não o exime de responder pelos danos decorrentes da lesão praticada contra o segurado.
Cabe destacar, neste sentido, o que já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
AGRESP 1.369.669, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJE 12/09/2013: "ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO FRAUDULENTO. INDENIZAÇÃO. LEGITIMIDADE E RESPONSABILIDADE DO INSS. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. O INSS é responsável pelo repasse às instituições financeiras das parcelas descontadas dos proventos de aposentadoria por força de contratação de empréstimo consignado, ainda que o banco contratado seja diverso daquele em que o aposentado recebe o benefício. 2. O Tribunal de origem, com arrimo no conjunto probatório dos autos, consignou que a autarquia previdenciária não procedeu de forma diligente, a fim de se certificar sobre a existência da fraude, de maneira que restou caracterizada a responsabilidade do INSS pela produção do evento danoso. A alteração dessa conclusão, tal como colocada a questão nas razões recursais, demandaria, necessariamente, novo exame dos elementos fáticos constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental a que se nega provimento."
RESP 1.213.288, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJE 01/07/2013: "ADMINISTRATIVO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO FRAUDULENTO. DESCONTOS INDEVIDOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS CONFIGURADA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DEMONSTRADA. DANOS MORAIS. VALOR. SÚMULA 07/STJ. JUROS DE MORA. ART. 1º-F DA LEI 9.494/97. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. TERMO INICIAL. SÚMULA 54/STJ. 1. A Corte de origem dirimiu a controvérsia de forma clara e fundamentada, embora de maneira desfavorável à pretensão do recorrente. Não é possível se falar, assim, em maltrato ao art. 535, II, do Código de Processo Civil. 2. Nos termos do art. 6º da Lei 10.820/03, nas hipóteses em que o empréstimo não tenha sido realizado no mesmo banco em que o aposentado recebe o benefício, cabe ao INSS a responsabilidade por reter os valores autorizados por ele e repassar à instituição financeira credora. Ora, se lhe cabe reter e repassar os valores autorizados, é de responsabilidade do INSS verificar se houve a efetiva autorização. Reconhecida, assim, a legitimidade do INSS para responder aos termos da demanda. 3. Consignado no aresto recorrido que o ente público agiu com desídia na análise dos documentos, o que resultou em dano para o autor, fica caracterizada a responsabilidade civil do Estado. (...)"
No caso, o autor é segurado do INSS desde 19/10/1998, titular de aposentadoria por tempo de contribuição 42/128.017.101-1 (f. 210), tendo sido vítima de retenções e descontos indevidos no valor de seu benefício, por fraude na contratação de empréstimos consignados em instituições financeiras distintas daquela em que recebe os proventos e situadas em outros Estados da Federação (Bahia e Amazonas). Tais contratações teriam sido feitas em abril e outubro de 2006 (f. 212), porém do histórico do autor não constam operações anteriores de tal espécie.
As circunstâncias, envolvendo tais operações, revelam que houve, de fato, conduta causal do INSS, suficiente à imputação de responsabilidade por danos causados, na medida em que as operações, além de contratadas em bancos distintos e agências situadas em outros Estados, foram realizadas com uso de RG e CPF diferentes dos que pertencem ao autor, constando, ainda, que na segunda operação, houve saque de dinheiro por pessoa residente em Manaus, em situação tipicamente suspeita, a exigir cautela e cuidado especial da autarquia, antes de ser promovida a retenção e repasse de valores do benefício previdenciário do autor a tais instituições financeiras.
O dano material sofrido consistiu no valor do benefício, retido e repassado indevidamente para pagamento dos empréstimos consignados, que não foram efetivamente contratados pelo segurado, remanescendo, após pagamentos voluntários do dano, de forma integral ou parcial, o saldo a ser ressarcido de R$ 414,04, a que foram condenados Banco Cruzeiro do Sul e INSS, solidariamente, o que se encontra em conformidade com a responsabilidade atribuível a cada um dos réus, diante das condutas praticadas e do bem jurídico a ser protegido, pois resta claro dos autos que foi a ação conjunta e indissociável dos réus, em termos de causalidade concreta, ainda que inexistente dolo ou predisposição para causar o dano, que propiciou o resultado lesivo, sofrido pelo autor.
O dano moral restou igualmente configurado, diante da prova, de que a retenção e o desconto de parcela do benefício previdenciário não geraram mero desconforto ou aborrecimento, mas concreta lesão moral, com perturbação grave de ordem emocional, tratando-se, ademais, de segurado idoso, que se viu envolvido em situação preocupante, geradora de privação patrimonial imediata, criada pela conduta dos réus.
É firme s orientação, extraída de julgados da Turma, no sentido de que: "O que gera dano indenizável, apurável em ação autônoma, é a conduta administrativa particularmente gravosa, que revele aspecto jurídico ou de fato, capaz de especialmente lesar o administrado, como no exemplo de erro grosseiro e grave, revelando prestação de serviço de tal modo deficiente e oneroso ao administrado, que descaracterize o exercício normal da função administrativa, em que é possível interpretar a legislação, em divergência com o interesse do segurado sem existir, apenas por isto, dano a ser ressarcido (...)" (AC 00083498220094036102, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, e-DJF3 17/02/2012).
Em casos que tais, a jurisprudência regional não apenas reconhece o dano moral, como quantifica a indenização em valor compatível com o fixado, no caso dos autos, pela sentença que, portanto, deve ser confirmada, igualmente, neste aspecto.
A propósito:
AC 200551030016261, Rel. Des. Fed. MARCUS ABRAHAM, E-DJF2R 10/09/2014: "RESPONSABILIDADE CIVIL. DÉBITO CONSIGNADO. PRÁTICA FRAUDULENTA. DESCONTO INDEVIDO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. ENTIDADE BANCÁRIA E INSS. DANO MORAL. 1. A hipótese é de ação declaratória de inexistência de dívida c/c indenização por danos morais, objetivando a exclusão em seu benefício previdenciário de descontos referentes à empréstimos consignados que alega não ter realizado, bem como a declaração da inexistência das referidas dívidas, oriunda dos contratos tomados por terceiro em nome do Autor para com os Réus e a condenação solidária dos Réus em compensar o Autor, com quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a título de danos morais. 2. Trata-se de apelações interpostas pelo BANCO BMG S/A e pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em face de sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão autoral, nos termos do art. 269, I, do CPC, para declarar inexistente a dívida atribuída ao Autor e condenar os Réus, de forma solidária, à compensar o Autor, por danos morais, na quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 3. O dano moral tem a função de definir o valor adequado a compensar o sofrimento, a dor, a angústia, o abalo, a tristeza experimentada pela parte ofendida. É justamente por conta do seu caráter subjetivo que se mostra extremamente complexa sua quantificação, devendo os magistrados, no momento da fixação do montante, se pautar por critérios de razoabilidade e moderação. 4. Na presente demanda, a fixação do quantum indenizatório em razão de danos morais deverá priorizar sua função pedagógica, de modo a desestimular o ofensor, a obstar a propagação da conduta ilícita. É sabido que as entidades bancárias vêm trazendo reiteradamente danos à sua clientela, razão pela qual a reparação tem de ser apta a servir de medida educativa, de modo a coibir concretamente sua repetição. 5. O Juízo a quo proferiu a r. sentença no mesmo sentido da jurisprudência de nossos Tribunais, já tendo inclusive o Eg. STJ se manifestado no sentido de entender como razoável o arbitramento da quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) à título de danos morais, em casos similares, razão pela qual deverá ser adotada. Precedentes: TRF2, Processo n° 200551020068756, Rel. Desembargador Federal GUILHERME COUTO DE CASTRO, SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, Julgado em 13/04/2009, DJ 22/04/2009; TRF2, Processo n° 200851010263533, Rel. Juíza Federal Convocada CARMEN SILVIA LIMA DE ARRUDA, SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, julgado em 24/06/2013, DJ em 08/07/2013; e REsp n° 1.066.287/PB, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/09/2008, DJe 30/09/2008. 6. Recursos não providos. Sentença mantida."
Portanto, nos limites da devolução, deve ser mantida a condenação do INSS ao pagamento solidário dos valores de R$ 414,04, relativos aos danos materiais suportados, e R$ 3.000,00, referentes aos danos morais sofridos, com correção monetária desta última, a partir do arbitramento, nos termos da Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça ("A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento"), mantida, no mais, a sentença apelada.
Ante o exposto, com esteio no artigo 557 do Código de Processo Civil, dou parcial provimento à apelação para reformar a sentença, nos termos supracitados."


Como se observa, a decisão agravada foi fartamente motivada, com exame de aspectos fáticos do caso concreto e aplicação da legislação específica e jurisprudência consolidada, sendo que o agravo inominado apenas reiterou o que havia sido antes deduzido, e já enfrentado e vencido no julgamento monocrático, não restando, portanto, espaço para a reforma postulada.


Cumpre apenas acrescentar não ter havido violação ao artigo 97, CF, pois não se declarou a inconstitucionalidade do artigo 6º, § 2º, Lei 10.820/03, ou se afastou sua incidência, mas tão somente restou consignada a responsabilidade do INSS pela retenção e repasse de valores dos benefícios previdenciários para instituições financeiras, em razão de contrato lavrado entre essas e os segurados, além da obrigação legal de instituir normas de operacionalidade e funcionalidade do sistema (§ 1º do referido artigo), como, no caso, a conferência da regularidade da operação, a fim de evitar fraudes, sendo que eventual falha ou falta do serviço pode gerar responsabilidade extracontratual pelos danos causados ao autor.


Ante o exposto, nego provimento ao agravo inominado.


CARLOS MUTA
Desembargador Federal


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