D.E. Publicado em 04/11/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, anular a sentença e julgar improcedente o pedido, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0008009-43.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta em ação ajuizada contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando o reconhecimento à renúncia de seu benefício e a concessão de novo benefício de aposentadoria mais vantajoso.
A r. sentença monocrática de fls. 65/70 julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI do Código de Processo Civil, ante a ausência de prévio requerimento administrativo do benefício.
Em razões recursais de fls. 75/90, requer a parte autora a reforma da sentença, com a consequente concessão da renúncia ao atual benefício que será substituído por outro mais vantajoso.
Devidamente processado o recurso, subiram a esta instância para decisão.
É o sucinto relato.
VOTO
O inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal privilegia o princípio do acesso à ordem jurídica justa, segundo o qual "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
Acerca da matéria o extinto Tribunal Federal de Recursos editou a Súmula nº 213, do seguinte teor: "O exaurimento da via administrativa não é condição para a propositura de ação de natureza previdenciária".
Esta Corte, ao tratar do tema, especificamente em relação às demandas de natureza previdenciária, firmou entendimento no sentido de que o prévio exaurimento da via administrativa não é condição de ajuizamento da ação (Súmula nº 09).
A bem da verdade, a orientação acima aduzida não exclui o âmbito administrativo, uma vez que o comando constitucional sujeita a atividade jurisdicional à existência de lesão ou ameaça a direito. Ora, se não houve sequer o pedido administrativo, não restou aperfeiçoada a lide, vale dizer, não existe uma pretensão resistida que justifique a tutela jurisdicional, e, via de consequência, não há interesse em agir, uma das condições necessárias à propositura da ação.
De outro lado, o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS dispõe do prazo de 45 dias para implantar o benefício requerido administrativamente, devidamente instruído com a documentação necessária, a teor do disposto no art. 41, § 6º, da Lei nº 8.213/91.
Nesse passo, a lesão ou ameaça a direito caracteriza-se com a renitência da Autarquia Previdenciária em implantar o benefício a quem de direito, na esfera administrativa, seja negando-lhe sua concessão ou não apreciando o respectivo pedido no prazo legal, o que já legitimaria a atuação do Poder Judiciário, assim, como a mera imposição de óbices à protocolização do requerimento, devidamente comprovada. Daí não se exigir o prévio exaurimento da via administrativa.
Todavia, in casu, há de se salientar o posicionamento do STF, em Recurso Extraordinário com Repercussão Geral de n° 631.240/MG, que dispõe não prevalecer a exigência de prévio requerimento administrativo quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado, sendo esta a situação dos autos, haja vista referir-se o pleito à "desaposentação", hipótese sabidamente rechaçada pelo o INSS.
Assim, trago a lume o recente julgamento do STF, sob regime de Repercussão Geral, que se pronunciou quanto à matéria, inclusive modulando os efeitos da decisão:
Por outro lado, o § 3º do art. 515 do Código de Processo Civil, acrescentado pela Lei n.º 10.352, de 26 de dezembro de 2001, possibilita a esta Corte, nos casos de extinção do processo sem apreciação do mérito, dirimir de pronto a lide, desde que a mesma verse sobre questão exclusivamente de direito ou esteja em condições de imediato julgamento, o que "veio atender aos reclamos da sociedade em geral pela simplificação e celeridade do processo, dando primazia ao julgamento final de mérito das causas expostas ao Poder Judiciário, pelo que não há qualquer ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição, princípio constitucional inferido apenas implicitamente e que pode ser melhor definido pela lei, em atenção também aos demais princípios constitucionais de amplo acesso à Justiça." (AC nº 1999.61.17.000222-3, TRF 3ª Região, Rel. Juiz Souza Ribeiro, Segunda Turma, un., DJU 09.10.2002, p. 408).
Sendo assim, passo à análise do pedido de desaposentação.
A Constituição Federal, em seu art. 194, dispõe, in verbis:
O mesmo dispositivo constitucional em questão cuida da irredutibilidade e da manutenção do valor real dos benefícios (art. 194, IV), da mesma forma que traz, em seu inciso V, o princípio da capacidade contributiva. Isso, no entanto, não significa que se possa buscar, através da desaposentação, o aproveitamento da prolongada participação no custeio para a majoração da renda corretamente estabelecida na data da concessão.
O segurado fez a sua escolha por uma renda menor, proporcional ao tempo trabalhado, renunciando à aposentadoria integral que se daria com alguns anos de trabalho a mais, caso houvesse postergado o exercício do direito à contraprestação. Logo, o direito à renúncia já fora exercido ao tempo da aposentação.
Tais princípios constitucionais também não induzem ao raciocínio de que a simples manutenção da capacidade contributiva, após ter-se valido do direito em questão, poderia garantir ao segurado situação mais vantajosa do que aquela verificada ao tempo em que se aposentou.
Vale dizer que, a pretexto de estar renunciando a uma aposentadoria, o beneficiário, em verdade, a ela se mantém apegado e o que propõe é a revisão da renda mensal de um benefício já regularmente concedido, fora dos casos previstos em lei.
Há quem defenda que as normas constitucionais ou infraconstitucionais não ofereceram restrição à renúncia à aposentadoria concedida e que se lei não a impede acaba por permiti-la.
Note-se, em primeiro lugar, que aqui não se está a tratar de mera renúncia, mas do aproveitamento do tempo considerado na concessão de um benefício, já implantado e mantido pelo sistema previdenciário, na implantação de um outro economicamente mais viável ao contribuinte, para o que seria necessário somar períodos não existentes ao tempo do ato concessor.
Em segundo lugar, essa assertiva não se sustenta, pois a Lei de Benefícios, conquanto não tenha disposto expressamente acerca da renúncia à aposentadoria, estabeleceu que as contribuições vertidas após o ato de concessão não seriam consideradas em nenhuma hipótese.
Confira-se, a propósito, o disposto no § 2º do art. 18, da Lei 8.213/91, in verbis:
A contribuição individual dos segurados que integram a Seguridade Social, conforme decorre do nosso ordenamento jurídico, não se destina somente e a qualquer custo à satisfação dos interesses particulares, especialmente se desprovidos de amparo legal. Nunca é demais lembrar que o financiamento aos benefícios geridos pela Seguridade Social decorre do princípio da solidariedade social estabelecido no art. 195 da CF/88. Dessa forma, toda a sociedade, de forma direta e indireta, contribui para o sistema.
Nossos legisladores consagraram a cooperação mútua para a busca da satisfação de todos os cidadãos e é dessa estrutura jurídica influenciadora do Direito da Seguridade, que o pretendente à desaposentação tenta se desviar pedindo o retorno de tudo o que oferecera aos cofres previdenciários após dele se tornar beneficiário, unicamente em proveito próprio.
A desaposentação proposta pelo autor representa uma forma de fazer prevalecer o seu interesse individual em detrimento do interesse da coletividade, descurando-se do dever cívico, moral e jurídico de participar da garantia dos direitos sociais e, inclusive, da manutenção da dignidade da pessoa humana que se encontre em situação menos favorável que a sua.
Essa interdependência entre os indivíduos e o coletivo decorre dos princípios constitucionais, razão pela qual, na interpretação das normas pertinentes à concessão de um benefício, a garantia da proteção social ganha maior relevância que o aspecto econômico propriamente dito.
Destaque-se, portanto, que não há correlação entre parcelas pagas e benefício auferido, dado o já mencionado caráter solidário da seguridade social.
Corroborando esse pensamento, colaciono os julgados que seguem:
De outra parte, o Mestre José Afonso da Silva, em seu parecer jurídico elaborado por ocasião da PEC 67/2003 (aprovada como Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003), ofereceu à questão relativa à situação jurídica definitivamente constituída, proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público - CONAMP e pela Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, a seguinte resposta:
"Retomo aqui algumas considerações sobre direito adquirido e direito exercido ou situação jurídica definitivamente constituída, expendidas no parecer ora em complementação. Ou seja, se o direito subjetivo não foi exercido, vindo lei ou emenda constitucional nova, ele se transforma em direito adquirido, porque já incorporado no patrimônio do titular. Se, porém, o direito subjetivo já foi exercido, foi devidamente prestado, tornou-se situação jurídica definitivamente constituída (direito satisfeito, direito realizado, extinguiu-se a relação jurídica que o fundamentava). Exemplo, quem tinha o direito de aposentar-se, aposentou-se, seu direito foi exercido, consumou-se; lei nova ou emenda constitucional nova não tem o poder de desfazer o direito assim exercido; não pode desaposentar o aposentado nem os efeitos jurídicos dela, só porque estabeleceu regras diferentes para a aposentadoria. Aqui o direito subjetivo recebeu consagração definitiva por meio de um ato do Poder Público, gerando uma situação jurídica mais forte do que o direito adquirido, porque se dá o encontro entre o direito subjetivo, direito já incorporado no patrimônio do titular, e um ato jurídico do Poder Público que o consagra em definitivo, ato jurídico esse que, expedido regularmente, consolida definitivamente a situação jurídica subjetiva de vantagem no patrimônio do titular com a força inderrogável do ato jurídico perfeito e acabado.
9. Vale dizer, o direito subjetivo já exercido não é direito meramente adquirido, porque passa a ser uma situação jurídica subjetiva definitivamente constituída, em que se conjugam o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, transmudando-se, portanto, em novo tipo de relação jurídica, que não pode desfazer-se nem ser simplesmente modificada em qualquer de seus elementos. Em princípio, até mesmo o poder constituinte originário, que pode afastar a incidência do direito adquirido em caso determinado, não pode atingir os direitos já exercidos, consolidados, consumados, definitivamente constituídos, porque seria uma violência. Assim, por exemplo, se se tem o direito subjetivo de casar-se, casou-se, exerceu-se o direito, consumou-se a situação jurídica subjetiva; não se colocará mais essa situação à vista da superveniência de nova lei sobre o casamento, como certamente se colocaria no caso de o casamento já estar marcado, com proclamas lavrados, afixados e devidamente publicado etc. O mesmo se dá com a aposentadoria, como foi exemplificado acima".
Segundo as lições transcritas, uma vez consumado o ato, sua reversão somente pode ser feita nas hipóteses previstas pelo ordenamento, tais como erro, dolo, fraude, coação, etc.
Vale lembrar que o Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/99) prevê hipótese única de desistência da aposentadoria, conforme tratado no seu art. 181-B, o qual dispõe nos seguintes termos:
"Art. 181-B As aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela previdência social, na forma deste Regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis.
Parágrafo único. O segurado pode desistir do seu pedido de aposentadoria desde que manifeste essa intenção e requeira o arquivamento definitivo do pedido antes do recebimento do primeiro pagamento do benefício, ou de sacar o respectivo Fundo de Garantia".
A aposentadoria é um direito patrimonial e, portanto, disponível. Não obstante, as prestações previdenciárias recolhidas após a sua concessão não dão direito a qualquer benefício, exceto ao salário família e à reabilitação profissional, em face do § 2º do art. 18, da Lei 8.213/91, conforme já exposto e, dessa forma, não podem ser consideradas no recálculo da renda em manutenção.
Não se desconhece que a questão tem sido bastante controvertida em nossos Tribunais, inclusive no âmbito desta Corte. Mesmo dentre os precedentes registrados que acolhem a pretensão de desaposentação, há divergência acerca da necessidade ou não de se restituir os proventos recebidos até então.
Pela desnecessidade de devolução dos valores recebidos estabeleceu-se o entendimento perante o Superior Tribunal de Justiça (5ª Turma, REsp 1113682, Rel. Min. Napoleão Nunes, DJE 26.04.2010, p. 152; 6ª Turma, REsp 692.628/DF, Rel. Min. Nilson Naves, DJU 5.9.2005).
No Supremo Tribunal Federal, ainda que com decisão favorável do Ministro Relator Marco Aurélio, pende de definição o RE 381367.
Firmo posicionamento no sentido da impossibilidade do recálculo da renda mensal de uma aposentadoria já concedida, através da conversão de um benefício em outro, cujo direito tenha se aperfeiçoado em data posterior ao primeiro efetivamente exercido, inclusive porque, o aresto da mesma Suprema Corte que abaixo colaciono, ampara a tese que adoto, pois anota que nem mesmo diante de uma lei nova mais favorável o ato jurídico perfeito se abala. Confira-se:
"Recurso Extraordinário. Previdência Social. Aposentadoria Especial. Lei 6.887/80. Inaplicação de Lei nova as situações pretéritas.
- conversão de aposentadoria por tempo de serviço em aposentadoria especial. Impossibilidade, por afronta a garantia constitucional do ato jurídico perfeito.
- Precedentes.
- Recurso extraordinário conhecido e provido".
(RE 135.692/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJU, I, 22.09.1995, p. 30.598).
Confiram-se, a propósito, precedentes das Turmas integrantes desta Seção Especializada:
Dessa forma, inviável o acolhimento da pretensão esposada pela parte autora, a qual isento do pagamento dos ônus da sucumbência, em razão de ser beneficiária da gratuidade de justiça.
Deixo de aplicar o artigo 85 do CPC/2015, considerando que o recurso fora interposto na vigência do Código de Processo Civil anterior.
Ante o exposto, dou provimento à apelação e anulo a r. sentença recorrida. Presentes os requisitos do art. 1.013, §3º, do Código de Processo Civil, julgo improcedente o pedido, na forma acima fundamentada.
GILBERTO JORDAN
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 17/10/2016 19:44:47 |