D.E. Publicado em 30/04/2015 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, em sede de juízo de retratação, dar provimento aos embargos de declaração para sanar a omissão apontada, mantendo, no entanto, o dispositivo do V. acórdão embargado, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal Relator
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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0005679-98.2001.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de ação ajuizada em 15/6/98 por Fabiana Aparecida Magalhães Lemos em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando a concessão do benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quo julgou procedente o pedido, concedendo o benefício requerido a partir do requerimento administrativo (fls. 78). "As prestações em atraso deverão ser pagas de uma só vez e corrigidas monetariamente. Juros de mora a partir da citação" (fls. 139). Os honorários advocatícios foram arbitrados em 10% sobre o valor da condenação, nos termos da Súmula nº 111 do C. STJ, sendo a autarquia condenada ao pagamento das despesas processuais comprovadas e isenta do pagamento das custas.
Inconformada, apelou a autarquia, reiterando, preliminarmente, as razões do agravo retido. No mérito, requer a reforma integral do decisum. Caso não seja esse o entendimento, pleiteia que o termo inicial do benefício se dê a partir da perícia médica ou da citação, a exclusão da verba honorária ou a sua redução para 5% sobre o valor da causa, bem como seja explicitado que o benefício não tem caráter vitalício.
Com contrarrazões, e submetida a sentença ao duplo grau obrigatório, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal a fls. 161/171, opinando pelo não provimento do recurso.
A Segunda Turma, em sessão de 7/8/01, por unanimidade, negou provimento ao agravo retido e deu parcial provimento à apelação e à remessa oficial para fixar a correção monetária nos termos do art. 41 da Lei nº 8.213/91 e legislação posterior.
A autarquia opôs embargos de declaração contra o V. acórdão, aduzindo que o "aresto recorrido foi obscuro ao entender comprovada a condição de necessitado, pois restou comprovado nos autos a renda mensal per capita superior a ¼ do salário mínimo" (fls. 184). A Segunda Turma desta E. Corte, por unanimidade, rejeitou o recurso.
O INSS interpôs Recurso Extraordinário e Recurso Especial contra o V. acórdão, o qual somente o primeiro foi admitido.
O C. STF, sob fundamento da constitucionalidade do §3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, conheceu parcialmente do Recurso Extraordinário, dando-lhe provimento, determinando "a remessa dos autos ao juízo a quo, a fim de que decida como entender de direito, observados os requisitos legais exigidos para a concessão do benefício" (fls. 239).
A Oitava Turma, por unanimidade, acolheu os embargos de declaração do INSS, emprestando-lhes efeitos infringentes para julgar improcedente o pedido.
O Ministério Público Federal interpôs Recurso Extraordinário contra o V. acórdão (fls. 247/251vº).
A E. Vice-Presidência desta Corte, com fundamento no art. 543-B, §3º e 543-C, §7º, inc. II, do CPC, determinou a devolução dos autos a esta Oitava Turma para realização do juízo de retratação ou manutenção do acórdão recorrido, tendo em vista os julgados dos Colendos Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.
É o breve relatório.
À mesa.
VOTO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Inicialmente, quadra ressaltar que os presentes autos retornaram da E. Vice-Presidência a fim de que fosse reexaminada a questão da miserabilidade, para fins de concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal, regulamentado pela Lei nº 8.742 de 7/12/1993.
O Plenário do C. Supremo Tribunal Federal, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. |
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. |
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. |
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo'. |
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. |
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. |
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. |
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. |
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. |
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. |
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. |
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). |
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. |
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento." |
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar Mendes, j. em 18/4/13) |
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. |
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. |
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. |
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001). |
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e economicamente vulnerável. |
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. |
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar. |
7. Recurso Especial provido." |
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09, v.u., DJ 20/11/09) |
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve ser analisada pelo magistrado, em cada caso concreto, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, entendo que, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu a E. Terceira Seção desta Corte, conforme ementa abaixo transcrita, in verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR. |
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora. |
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo. |
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e faz uso diário de medicamentos. |
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários, além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte autora, para o cálculo da renda mensal per capita. |
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91. |
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o rol dos beneficiários descritos na legislação. |
VII - Embargos infringentes não providos." |
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de 05/10/04) |
Passo à análise do caso concreto.
In casu, o requisito da miserabilidade encontra-se demonstrado no presente feito. O estudo social (elaborado em 15/12/99, data em que o salário mínimo era de R$136,00) demonstra que a parte autora reside com sua genitora, de 43 anos, sua avó, de 81 anos, suas 2 tias, de 49 e 41 anos e seus primos, de 17 e 11 anos. O grupo familiar reside em casa alugada, composta por 4 cômodos, em razoáveis condições de conservação. "A requerente não recebe pensão alimentícia do pai A renda familiar mensal totaliza R$488,00, sendo R$80,00 da remuneração de sua genitora como passadeira, R$136,00 do salário de sua tia Zilda como empregada doméstica, R$136,00 oriundos da remuneração de sua tia Fátima como costureira e R$136,00 provenientes da aposentadoria de sua avó. "Na família há 3 pessoas com problemas de saúde e dependem de tratamento médico e fazem uso de medicação diária, sendo que gastam aproximadamente R$160,00 mês. Tem gastos com aluguel de R$160,00" (fls. 121).
Dessa forma, ficou comprovada a alegada miserabilidade da parte autora.
Quadra ressaltar que, no presente caso, foi levado em consideração todo o conjunto probatório apresentado nos autos, não se restringindo ao critério da renda mensal per capita.
Passo, então, à análise da incapacidade.
Afirmou o esculápio encarregado do exame que a parte autora - com 8 anos à época do ajuizamento da ação (18/5/98) - apresenta neuropatia cerebral e arritmia cerebral, concluindo que a mesma encontra-se total e permanentemente incapacitada para o trabalho (fls. 65/69 e 115).
Dessa forma, preenchidos os requisitos exigidos em lei, a parte autora faz jus à concessão do benefício assistencial.
Cumpre ressaltar que o benefício deve ser revisto a cada dois anos, haja vista a expressa disposição legal prevista no art. 21 da Lei nº 8.742/93.
Outrossim, importante deixar consignado que eventuais pagamentos das diferenças pleiteadas já realizadas pela autarquia na esfera administrativa deverão ser deduzidas na fase da execução do julgado.
Ressalto, ainda, ser vedada a acumulação do benefício assistencial de prestação continuada com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica, nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93, devendo ser deduzidos na fase de execução do julgado os pagamentos feitos pela autarquia na esfera administrativa.
Ante o exposto, e com fundamento nos arts. 543-B, §3º e 543-C, §7º, inc. II, do CPC, em sede de juízo de retratação, dou provimento aos embargos de declaração para sanar a omissão apontada, mantendo, no entanto, o dispositivo do V. acórdão embargado. Retornem os autos à E. Vice-Presidência desta Corte.
É o meu voto.
Newton De Lucca
Desembargador Federal Relator
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | NEWTON DE LUCCA:10031 |
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Data e Hora: | 13/04/2015 17:36:31 |