
D.E. Publicado em 27/09/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar, e, no mérito, negar provimento à apelação interposta pela parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0013881-78.2012.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Cuida-se de ação, na qual a parte autora pleiteia à concessão do benefício assistencial de prestação continuada.
Processado o feito, foi sentenciado. Contudo a sentença foi anulada, tendo em vista a ausência da necessária intervenção do Ministério Público em primeira instância.
Com a descida dos autos, foi dado vista ao Ministério Público, que opinou pela realização de novo estudo.
Realizado novo estudo, as partes se manifestaram, assim como o parquet, sendo prolatada nova sentença de improcedência.
Inconformada, a parte autora apela. Sustenta a insuficiência de renda. Alega que a renda do marido deve ser excluída do cálculo da renda per capita familiar nos termos do parágrafo único do artigo 34 do estatuto do idoso. Prequestiona a matéria.
O INSS não apresentou contrarrazões.
O DD. Órgão do Ministério Público Federal sugere a extinção do processo sem julgamento de mérito, tendo em vista a não comprovação do requerimento administrativo. Caso não seja esse o entendimento, manifesta-se pelo não provimento da apelação.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Rejeito a preliminar de falta de interesse de agir.
Nos exatos termos do RE 631240, julgado pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, o feito não pode ser extinto.
Eis a ementa do referido precedente:
In casu, verifica-se a hipótese referida no item 6, "ii", do decisum acima referido, de modo que está patenteado interesse de agir.
A Autarquia Previdenciária ao contestar o feito, adentrou no mérito da medida, tornando evidente a existência de resistência à pretensão formulada pela parte autora.
No mérito, discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67 (sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03).
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93, estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n. 8.742/93 -, passou a ser considerada aquela com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Assim, ratificou-se o entendimento consolidado nesta Corte de que o rol previsto no artigo 4º do Decreto n. 3.298/99 (regulamentar da Lei n. 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência) não era exaustivo; portanto, constatado que os males sofridos pelo postulante impedem sua inserção social, restará preenchido um dos requisitos exigidos para a percepção do benefício.
Já o critério do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com educação. Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Logo, a presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova, conforme precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 435.871, 5ª Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT., Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
O próprio Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas assistenciais voltados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per capita de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional de Acesso à Alimentação).
Em conclusão, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
No caso vertente, a parte autora requereu o benefício assistencial por ser idosa. Nascida em 13/02/1943, na data do ajuizamento da ação (20/02/2009) contava 66 anos.
Quanto ao requisito da miserabilidade, colhe-se dos estudos sociais que a parte autora reside com seu marido, em casa própria.
A renda familiar é constituída da aposentadoria por tempo de contribuição percebida por seu cônjuge, no valor atualizado de R$ 992,84, referentes a julho de 2016, conforme consulta às informações do CNIS/DATAPREV.
É inaplicável analogicamente à hipótese o disposto no parágrafo único do artigo 34 da Lei n. 10.741/2003, pois o benefício recebido pelo cônjuge da parte autora possui valor superior ao do salário mínimo vigente (R$ 880,00).
Logo, a renda per capita excede à metade do valor do salário mínimo.
Residem em casa própria, composta de cinco cômodos, os quais são guarnecidos por mobiliário em bom estado de limpeza e conservação, capazes de atender às necessidades do casal.
Possuem linha telefônica e carro UNO, ano 2010.
Ainda consoante o laudo, a autora recebe ajuda das filhas com alimentação, medicamentos e médicos.
Enfim, a despeito dos problemas de saúde informados (autora: (hipertensão arterial, labirintite, tireoide, acido úrico, pré-diabete, e marido: próstata e pé quebrado), a realidade econômica apurada neste processo é diversa daquela experimentada por quem sobrevive em situação de miserabilidade.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
Entendo, assim, que não restou patenteada a miserabilidade necessária à concessão do benefício assistencial.
Irretorquível, pois, a r. sentença apelada.
Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispostos constitucionais.
Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar, e, no mérito, nego provimento à apelação interposta pela parte autora, mantendo a sentença recorrida tal como lançada.
Fica mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados pelo MMº Juízo a quo, mas suspensa a exigibilidade, segundo a regra do artigo 98, § 3º, do mesmo código, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita. Considerando que a apelação foi interposta antes da vigência do Novo CPC, não incide ao presente caso a regra de seu artigo 85, § 1º, que determina a majoração dos honorários de advogado em instância recursal.
Dê-se ciência desta decisão ao DD. Órgão do Ministério Público Federal.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado
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Data e Hora: | 14/09/2016 12:47:28 |