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PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSA. MISERABILIDADE NÃO CONFIGURADA. AUXÍLIO DA FAMÍLIA. TRÊS IRMÃOS TITULARES DE BENEFÍCIOS. REN...

Data da publicação: 15/07/2020, 02:36:46

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSA. MISERABILIDADE NÃO CONFIGURADA. AUXÍLIO DA FAMÍLIA. TRÊS IRMÃOS TITULARES DE BENEFÍCIOS. RENDA TOTAL DE QUATRO SALÁRIOS MÍNIMOS. SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. APELAÇÃO PROVIDA, RESTANDO PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO. REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA. - A remessa oficial não deve ser conhecida, por ter sido proferida a sentença na vigência do Novo CPC, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos. No caso, a toda evidência não se excede esse montante. - Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011. - A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. - Quanto ao requisito da idade avançada, restou comprovado à luz dos documentos constantes dos autos. - No que toca à hipossuficiência, consta do estudo social que a autora vive - em imóvel próprio - com três irmãos, todos eles titulares de benefícios previdenciários ou assistencial, com renda total de 4 (quatro) salários mínimos. Consta do CNIS que Iorismar e Idorival recebem benefícios de aposentadoria por idade rural de um salário mínimo. Francisco recebe aposentadoria por idade rural e pensão por morte, cada qual no valor de um salário mínimo. - Nos termos do artigo 20, § 1º, da LOAS, em princípio o irmão não integraria o núcleo familiar. Todavia, no caso concreto, a autora vive em família em situação de auxílio recíproco, pois ela cuida da saúde dos mesmos. Não há como se olvidar a realidade social e simplesmente fingir que a autora não recebe amparo da família. - O critério do artigo 20, § 3º, da LOAS não é taxativo, consoante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, devendo a hipossuficiência ser aferida caso a caso (RE n. 580963). Logo, também a regra do artigo 20, § 1º, da LOAS não pode ser considerada "taxativa". - Não há razoabilidade na interpretação que relativiza o parágrafo 3º mas não relativiza o § 1º, pois ambos disciplinam, em última análise, a questão da miserabilidade. - Mesmo com a aplicação do artigo 34, § único, do Estatuto do Idoso, a renda per capita é de 1 (um) salário mínimo. - Não cabe ao Estado substituir as pessoas em suas respectivas obrigações legais, mesmo porque os direitos sociais devem ser interpretados do ponto de vista da sociedade, não do indivíduo. - Não há dúvida de que se trata de família pobre, mas não pode ser considerado miserável para fins assistenciais. - Resta consignar que a Assistência Social, tal como regulada na Constituição Federal e na Lei nº 8.742/93, tem caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência social, previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas prestações. - Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido "Estado de bem-estar social", forjado no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, lícito é inferir que só deve ser prestada em casos de real necessidade, dentro das estritas regras do direito material, sob pena de comprometer a mesma proteção social não apenas das futuras gerações, mas também da atual. - Nesse diapasão, a proteção social baseada na solidariedade legal não tem como finalidade cobrir contingências encontradas somente na letra da lei (dever-ser) e não no mundo dos fatos (ser). Cabe, em casos que tais, à sociedade (solidariedade social) prestar na medida do possível assistência aos próximos. - Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos. Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade da 'Rerum Novarum', p. 545). - Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante. - Percebe-se, assim, que a autora, pobre embora, tem acesso aos mínimos sociais, não se encontrando em situação de vulnerabilidade social. - Remessa oficial não conhecida. - Apelação do INSS provida. - Diante da improcedência do pedido, resta prejudicado o agravo interno. (TRF 3ª Região, NONA TURMA, ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2251052 - 0020814-91.2017.4.03.9999, Rel. JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, julgado em 24/01/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/02/2018 )


Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 09/02/2018
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0020814-91.2017.4.03.9999/SP
2017.03.99.020814-8/SP
RELATOR:Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias
APELANTE:Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
APELADO(A):IONICE LUCAS GONCALVES (= ou > de 60 anos)
ADVOGADO:SP224707 CARLOS HENRIQUE MARTINELLI ROSA
REMETENTE:JUIZO DE DIREITO DA 2 VARA DE FERNANDOPOLIS SP
No. ORIG.:13.00.00131-5 2 Vr FERNANDOPOLIS/SP

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSA. MISERABILIDADE NÃO CONFIGURADA. AUXÍLIO DA FAMÍLIA. TRÊS IRMÃOS TITULARES DE BENEFÍCIOS. RENDA TOTAL DE QUATRO SALÁRIOS MÍNIMOS. SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. APELAÇÃO PROVIDA, RESTANDO PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO. REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA.
- A remessa oficial não deve ser conhecida, por ter sido proferida a sentença na vigência do Novo CPC, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos. No caso, a toda evidência não se excede esse montante.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- Quanto ao requisito da idade avançada, restou comprovado à luz dos documentos constantes dos autos.
- No que toca à hipossuficiência, consta do estudo social que a autora vive - em imóvel próprio - com três irmãos, todos eles titulares de benefícios previdenciários ou assistencial, com renda total de 4 (quatro) salários mínimos. Consta do CNIS que Iorismar e Idorival recebem benefícios de aposentadoria por idade rural de um salário mínimo. Francisco recebe aposentadoria por idade rural e pensão por morte, cada qual no valor de um salário mínimo.
- Nos termos do artigo 20, § 1º, da LOAS, em princípio o irmão não integraria o núcleo familiar. Todavia, no caso concreto, a autora vive em família em situação de auxílio recíproco, pois ela cuida da saúde dos mesmos. Não há como se olvidar a realidade social e simplesmente fingir que a autora não recebe amparo da família.
- O critério do artigo 20, § 3º, da LOAS não é taxativo, consoante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, devendo a hipossuficiência ser aferida caso a caso (RE n. 580963). Logo, também a regra do artigo 20, § 1º, da LOAS não pode ser considerada "taxativa".
- Não há razoabilidade na interpretação que relativiza o parágrafo 3º mas não relativiza o § 1º, pois ambos disciplinam, em última análise, a questão da miserabilidade.
- Mesmo com a aplicação do artigo 34, § único, do Estatuto do Idoso, a renda per capita é de 1 (um) salário mínimo.
- Não cabe ao Estado substituir as pessoas em suas respectivas obrigações legais, mesmo porque os direitos sociais devem ser interpretados do ponto de vista da sociedade, não do indivíduo.
- Não há dúvida de que se trata de família pobre, mas não pode ser considerado miserável para fins assistenciais.
- Resta consignar que a Assistência Social, tal como regulada na Constituição Federal e na Lei nº 8.742/93, tem caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência social, previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas prestações.
- Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido "Estado de bem-estar social", forjado no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, lícito é inferir que só deve ser prestada em casos de real necessidade, dentro das estritas regras do direito material, sob pena de comprometer a mesma proteção social não apenas das futuras gerações, mas também da atual.
- Nesse diapasão, a proteção social baseada na solidariedade legal não tem como finalidade cobrir contingências encontradas somente na letra da lei (dever-ser) e não no mundo dos fatos (ser). Cabe, em casos que tais, à sociedade (solidariedade social) prestar na medida do possível assistência aos próximos.
- Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos. Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade da 'Rerum Novarum', p. 545).
- Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
- Percebe-se, assim, que a autora, pobre embora, tem acesso aos mínimos sociais, não se encontrando em situação de vulnerabilidade social.
- Remessa oficial não conhecida.
- Apelação do INSS provida.
- Diante da improcedência do pedido, resta prejudicado o agravo interno.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial, conhecer da apelação e lhe dar provimento e julgar, consequentemente, prejudicado o agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 24 de janeiro de 2018.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0020814-91.2017.4.03.9999/SP
2017.03.99.020814-8/SP
RELATOR:Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias
APELANTE:Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
APELADO(A):IONICE LUCAS GONCALVES (= ou > de 60 anos)
ADVOGADO:SP224707 CARLOS HENRIQUE MARTINELLI ROSA
REMETENTE:JUIZO DE DIREITO DA 2 VARA DE FERNANDOPOLIS SP
No. ORIG.:13.00.00131-5 2 Vr FERNANDOPOLIS/SP

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Cuida-se de apelação interposta pelo INSS em face de sentença que julgou procedente o pedido de concessão do benefício de benefício assistencial, discriminando os consectários, antecipados os efeitos da tutela, submetida ao reexame necessário.

Nas razões de apelação, requer o INSS a reforma do julgado, sob o fundamento da ausência de miserabilidade.

Contrarrazões apresentadas.

Subiram os autos a esta egrégia Corte.

Manifestou-se a Procuradoria Regional da República pelo improvimento da apelação.

A tutela foi cassada por este relator.

Dessa decisão, a parte autora recorre, via agravo interno (f. 306/310).

Após vista ao INSS e nova vista ao MPF, vieram-me conclusos para julgamento.

É o relatório.


VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço dos recursos em razão da satisfação de seus requisitos.

A remessa oficial não deve ser conhecida, por ter sido proferida a sentença na vigência do Novo CPC, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos. No caso, a toda evidência não se excede esse montante.

No mérito, discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos nº 6.214/2007 e 7.617/2011.

Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.



DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE

O critério da miserabilidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com educação. Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.

Logo, a presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova, conforme precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 435.871, 5ª Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT., Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).

O próprio Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).

A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.

Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.

A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas assistenciais voltados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per capita de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional de Acesso à Alimentação).

Ressalte-se que o critério do meio salário mínimo foi estabelecido para outros benefícios diversos do amparo social. Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.

Vale dizer, não se pode tomar como "taxativo" o critério do artigo 20, § 3º, da LOAS, mesmo porque toda regra jurídica deve pautar-se na realidade fática. Entendo pessoalmente que, em todos os casos, outras circunstâncias devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do requerente também se subsume à noção de hipossuficiência, devendo ser apurado se vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, auxílio permanente de parentes ou terceiros etc.

Sendo assim, pode-se estabelecer alguns parâmetros norteadores da análise individual de cada caso, como por exemplo:

a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis;

b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo são miseráveis;

c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser miseráveis;

d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da Constituição Federal) não são miseráveis.


Vamos adiante.

Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da hipossuficiência, faz-se mister abordar o conceito de família.

O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - § 3º).

A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93, estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.



IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67 (sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03).

No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n. 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015 -, passou a ser considerada aquela com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.



CASO CONCRETO

Quanto ao requisito da idade avançada, restou comprovado à luz dos documentos constantes dos autos.

No que toca à hipossuficiência, consta do estudo social que a autora vive - em imóvel próprio - com três irmãos, todos eles titulares de benefícios previdenciários ou assistencial, com renda total de 4 (quatro) salários mínimos.

Consta do CNIS que Iorismar e Idorival recebem benefícios de aposentadoria por idade rural de um salário mínimo. Francisco recebe aposentadoria por idade rural e pensão por morte, cada qual no valor de um salário mínimo.

Nos termos do artigo 20, § 1º, da LOAS, em princípio o irmão não integraria o núcleo familiar. Todavia, no caso concreto, a autora vive em família em situação de auxílio recíproco, pois ela cuida da saúde dos mesmos.

Não há como se olvidar a realidade social e simplesmente fingir que a autora não recebe amparo da família.

Evidente que o critério do artigo 20, § 3º, da LOAS não é taxativo, consoante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, devendo a hipossuficiência ser aferida caso a caso (RE n. 580963).

Logo, também a regra do artigo 20, § 1º, da LOAS não pode ser considerada "taxativa".

Não há razoabilidade na interpretação que relativiza o parágrafo 3º mas não relativiza o § 1º, pois ambos disciplinam, em última análise, a questão da miserabilidade.

Mesmo com a aplicação do artigo 34, § único, do Estatuto do Idoso, a renda per capita é de 1 (um) salário mínimo.

Com efeito, não cabe ao Estado substituir as pessoas em suas respectivas obrigações legais, mesmo porque os direitos sociais devem ser interpretados do ponto de vista da sociedade, não do indivíduo.

Não há dúvida de que se trata de família pobre, mas não pode ser considerado miserável para fins assistenciais.

Resta consignar que a Assistência Social, tal como regulada na Constituição Federal e na Lei nº 8.742/93, tem caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência social, previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas prestações.

Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido "Estado de bem-estar social", forjado no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, lícito é inferir que só deve ser prestada em casos de real necessidade, dentro das estritas regras do direito material, sob pena de comprometer a mesma proteção social não apenas das futuras gerações, mas também da atual.

De fato, o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um) salário mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários anos.

De modo que a assistência social deve ser fornecida com critério, pois do contrário se gerarão privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de propiciar igualdade, isonomia de condições a todos.

Diga-se de passagem que a concessão indiscriminada do benefício assistencial geraria não apenas injustiça aos contribuintes da previdência social, mas incentivo para que estes parem de contribuir, ou mesmo não se filiem ou não contribuam, o que constitui situação anômala e gravíssima do ponto de vista atuarial.

Nesse diapasão, a proteção social baseada na solidariedade legal não tem como finalidade cobrir contingências encontradas somente na letra da lei (dever-ser) e não no mundo dos fatos (ser). Cabe, em casos que tais, à sociedade (solidariedade social) prestar na medida do possível assistência aos próximos.

Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos. Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade da 'Rerum Novarum', p. 545).

Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.

Percebe-se, assim, que a autora, pobre embora, tem acesso aos mínimos sociais, não se encontrando em situação de vulnerabilidade social.

Não está presente, assim, a miserabilidade exigida para o benefício.


Ante o exposto, NÃO CONHEÇO DA REMESSA OFICIAL, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, para julgar improcedente o pedido e, em decorrência, JULGO PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO da parte autora.


Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do Novo CPC. Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do referido código, por ser beneficiária da justiça gratuita.


É O VOTO.


Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): RODRIGO ZACHARIAS:10173
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Data e Hora: 26/01/2018 20:57:02



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