D.E. Publicado em 07/12/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000093-20.2015.4.03.6336/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de ação pelo rito ordinário proposta por ABILIO ESTEVES DOS SANTOS, em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, em que se objetiva o restabelecimento do benefício assistencial previsto no artigo 203 da Constituição Federal e artigo 20 da Lei 8.742/1993 (Loas).
Tutela antecipada concedida às fls. 19/20.
Estudo Social às fls. 40/44.
Contestação às fls. 50/54.
O pedido foi julgado procedente, condenando-se o INSS a restabelecer o benefício assistencial a partir de 01.10.2014, data da cessação, corrigido monetariamente, bem como a arcar com honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ. Ademais, foi declarada a inexigibilidade da cobrança administrativa dos valores supostamente recebidos indevidamente pela parte autora. Foi concedida a tutela antecipada (fls. 194/207).
Sentença não submetida ao reexame necessário.
O INSS apelou pugnando pela reforma da r. sentença, alegando não estarem preenchidos os requisitos necessários à concessão do benefício. Subsidiariamente, requer a autorização para cobrança administrativa dos valores relativos ao período em que a parte autora trabalhou e recebeu salários (01.10.2010 a 18.05.2011) (fls. 221/225).
Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal opinou pelo parcial provimento da apelação, para reconhecer o dever da parte autora de restituir ao INSS os valores indevidamente recebidos durante o período em que se encontrava exercendo atividade remunerada, observando-se o limite mensal de desconto de 10% da renda mensal do benefício (fls. 240/248).
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família:
Até a regulamentação do citado dispositivo constitucional, ocorrida com a edição da Lei 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), a proteção ao deficiente e ao idoso hipossuficientes era objeto da Lei 6.179/1974, a qual instituiu o benefício denominado "amparo previdenciário" destinado a pessoas maiores de 70 (setenta) anos ou inválidas, consistente no pagamento mensal de renda vitalícia equivalente à metade do salário mínimo vigente no país. A partir do advento da Constituição de 1988, o valor do benefício foi elevado para 1 (um) salário mínimo, à vista do disposto no art. 139, § 2º, da Lei 8.231/1991.
A renda mensal vitalícia em referência foi extinta pelo art. 40 da Lei 8.742/1993, sendo estabelecido em seu lugar o benefício assistencial de prestação continuada previsto no art. 20 do mesmo diploma legal.
Atualmente, a disciplina legal do instituto encontra-se formatada pelas Leis 9.720/1998 12.435/2011, 12.470/2011 e 13.146/2015, as quais promoveram alterações substanciais nos arts. 20 e 21 da Lei Orgânica da Assistência Social.
No tocante aos beneficiários, dispõe o art. 20 da Lei 8.231/1991:
Em relação ao idoso, cumpre registrar que originariamente o dispositivo em análise estabelecia a idade mínima de 70 (setenta) anos como requisito para a obtenção do benefício, sendo estabelecida, ao mesmo tempo, regra de transição no art. 38 do mesmo estatuto legal, pela qual o critério etário deveria ser reduzido gradativamente, passando a 67 (sessenta e sete) anos contados 24 (vinte e quatro) meses e 65 (sessenta e cinco) anos em 48 (quarenta e oito) meses, respectivamente. Contudo, a Lei 9.720/1998, objeto de conversão da Medida Provisória 1599-50/1998, fixou a idade limite em 67 (sessenta e sete) anos a partir de 1º de janeiro de 1998.
Com o advento do Estatuto do Idoso, mediante a edição da Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003, acabou-se por eleger a idade de 65 (sessenta e cinco) anos como critério etário para a percepção do benefício assistencial, nos seguintes termos:
Finalmente, a Lei 12.435/2011 promoveu a atualização do art. 20 da Lei 8.742/1993, prevendo a idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos, e, de outro lado, revogou o art. 38, na redação dada pela Lei 9.720/1998.
Assim, a pessoa maior de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, a partir do início da vigência do Estatuto do Idoso, desde que exposta à situação de hipossuficiência material, pode ser amparada pela Seguridade Social por meio do benefício assistencial de prestação continuada.
No que concerne à pessoa com deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social evidenciam tendência evolutiva na consideração da sua conceituação legal. Originariamente, a deficiência encontrava-se relacionada à incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Posteriormente, a Lei 12.435/2011 incluiu no dispositivo em análise a definição contida no art. 1º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 30.03.2007, incorporada ao ordenamento jurídico interno pelo Decreto n. 6.949/2009, de acordo com a qual:
Entretanto, ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. Note-se que a jurisprudência já vinha suavizando a interpretação sobre o alcance da aludida incapacidade, como se extrai da seguinte decisão:
A propósito do tema, confira-se ainda o teor da Súmula n. 29 da Turma Nacional de Uniformização - TNU dos Juizados Especiais:
Em compasso com a evolução interpretativa promovida pela jurisprudência, a Lei 12.470/2011 abandonou o parâmetro consubstanciado na incapacidade para a vida independente e para o trabalho, preservando a definição consagrada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a qual explicitou a definição legal de pessoa com deficiência:
Ademais, cumpre assinalar que o § 10, do mesmo dispositivo, incluído pela Lei 12.470/2011, considera por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No tocante à situação socioeconômica do beneficiário, consta do § 3º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, com a redação dada pela Lei 12.435/2001:
Inicialmente, o dispositivo em referência teve a constitucionalidade afirmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado na ADIn nº 1.232-1 (Rel. Min. Ilmar Galvão, por redistribuição, DJU, 26 maio 1995, p. 15154). Entretanto, a pretexto da ocorrência de processo de inconstitucionalização oriundo de alterações de ordem fática (políticas, econômicas e sociais) e jurídica (estabelecimento de novos patamares normativos para concessão de benefícios assistenciais em geral), o Supremo Tribunal Federal reviu o anterior posicionamento, declarando a inconstitucionalidade parcial do dispositivo, sem pronúncia de nulidade, em julgado assim ementado:
Consequentemente, foi rechaçada a aferição da miserabilidade unicamente pelo critério objetivo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, passando-se a admitir o exame das reais condições sociais e econômicas do postulante ao benefício, como denota a seguinte decisão:
É importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça já admitia outros meios de prova para aferir a hipossuficiência do postulante ao amparo assistencial, além do montante da renda per capita, reputando a fração estabelecida no § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 como parâmetro abaixo do qual a miserabilidade deve ser presumida de forma absoluta. Nesse sentido, a seguinte decisão prolatada em sede de recurso especial representativo de controvérsia:
No mesmo sentido tem se orientado a jurisprudência desta Corte:
Atualmente encontra-se superada a discussão em torno da renda per capita familiar como único parâmetro de medida do critério socioeconômico, pois, com a inclusão pela Lei 13.146/2015 do § 11 no art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, passou a constar previsão legal expressa autorizando a utilização de outros elementos probatórios para a verificação da miserabilidade e do contexto de vulnerabilidade do grupo familiar exigidos para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada.
Cumpre, então, examinar o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício pleiteado no caso vertente.
Compulsando os autos e em consulta ao CNIS/PLENUS verifica-se que o autor recebeu o benefício assistencial no período de 28.08.2006 a 01.10.2014, com pagamento até a competência 08.2014. À fl. 84 consta ofício do INSS, datado de 28.02.2014, informando que foi identificado que estavam superadas as condições de renda que deram início ao benefício, em razão de recebimento de benefício previdenciário pela esposa e de exercício de atividade laborativa em determinado período, estipulando-se prazo de 10 dias para apresentação de defesa e provas. O INSS entendeu pela insuficiência das alegações da parte autora - esgotando-se a via recursal administrativa -, determinando a cessação do benefício e comunicando a existência do valor de R$ 44.507,58 - atualizado até 16.09.2014 - recebido indevidamente a partir de 24.03.2009 (cf. fls. 117 e 156).
Tem-se que a parte autora contava com a idade de 65 anos quando da concessão administrativa do benefício assistencial, e de 73 anos quando de sua cessação, bem como quando do ajuizamento da ação (cf. doc. de fl. 11), preenchendo assim o requisito etário legal.
No tocante à demonstração da miserabilidade, o Estudo Social produzido indica que o núcleo familiar é integrado pela parte postulante e sua esposa. À época (06/2015) foi informado que a renda mensal constituía em um salário mínimo recebido pela esposa do autor a título de aposentadoria por idade, concedida judicialmente com DIB em 24.01.2003, além do recebimento esporádico de cesta básica da igreja evangélica que frequentam. Consta, ainda, que o autor tem 16 (dezesseis) filhos, dentre os quais apenas o filho Marcos ajudava com as despesas enquanto integrava o mesmo núcleo familiar, o que cessou quando se casou e foi morar na Argentina. Alega que todos os filhos enfrentam dificuldades financeiras, de modo que não prestam nenhum auxílio. Relata, também, que ele e sua esposa apresentam problemas de saúde, fazendo uso de medicamentos. Consta que o imóvel em que residem é próprio, contando com 4 (quatro) cômodos na construção do fundo e um "sobrado" na frente com 2 (dois) cômodos e uma cozinha. Afirma a assistente social que "a construção da frente encontra-se inacabada e deteriorada. As paredes no reboque, piso no concreto, cobertura com telhas sem forro, pia da cozinha sem gabinete, vidros e portas quebrados. O portão encontra-se quebrado e enferrujado, amarrado com arame". As despesas básicas mensais somavam o valor de R$ 732,11, havendo também dívidas relativas ao não pagamento de IPTU.
Considerando que o benefício de aposentadoria por idade recebido pela esposa é equivalente a 1 (um) salário mínimo, deve ser excluído do cômputo da renda familiar, que será, portanto, zero.
Por outro lado, em consulta aos sistemas CNIS/PLENUS consta que o autor de fato trabalhou entre 10/2010 e 05/2011, totalizando um período de 8 (oito) meses, com remuneração superior ao salário mínimo vigente à época. O autor alegou no Estudo Social que acreditava estar recebendo aposentadoria por idade - ao invés de benefício assistencial -, de modo que não vislumbrou impedimento ao exercício da atividade laborativa. Relata, ainda, que o retorno ao trabalho agravou seu estado de saúde, razão pela qual deixou o emprego.
No entanto, por ter superado a idade mínima necessária, o fato de o autor estar trabalhando é irrelevante, haja vista tal situação não ser excepcionalizada pela legislação, desde que preenchido o requisito da hipossuficiência econômica - o que não ocorreu no presente caso.
Assim, conquanto a economia doméstica não fosse de fartura, a renda auferida durante o período de 10/2010 a 05/2011 se mostrou adequada ao suprimento das necessidades essenciais do núcleo familiar.
Nesse sentido, de rigor o acolhimento dos termos do parecer do D. Procurador Regional da República em relação à devolução dos valores recebidos indevidamente pelo autor no referido intervalo, porquanto a despeito da presunção da boa-fé, houve omissão em comunicar ao INSS sobre a mudança de suas condições financeiras.
Note-se que o art. 115, II e parágrafo único, da Lei 8.213/91 e o § 3º do artigo 154 do Decreto nº 3048/99 preveem apenas que os descontos não poderão ser superiores a 30% do valor do benefício, ou seja, fixa tão somente o valor máximo, não determinando que o abatimento seja efetuado obrigatoriamente neste patamar.
De tal modo, por força do caráter alimentar do benefício e de sua natureza assistencial, bem como considerando tratar-se de pessoa de idade avançada e afastada das atividades profissionais, mostra-se desarrazoada a fixação do desconto no valor máximo. Nesse sentido, os descontos deverão observar o limite mensal de 10% (dez por cento) da renda mensal do benefício.
Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, para determinar a devolução dos valores recebidos indevidamente pelo autor no período de 01/10/2010 a 18/05/2011, observado o desconto máximo de 10% da renda mensal do benefício.
É COMO VOTO.
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 28/11/2017 17:52:38 |