D.E. Publicado em 16/08/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar; conhecer dos recursos, negar provimento à apelação do INSS e dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0014418-98.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Trata-se de ação de conhecimento proposta contra o INSS, na qual a parte autora busca o enquadramento de atividade especial, com vistas à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, desde a DER.
A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer o exercício da atividade especial em relação aos períodos de 19/9/1983 a 4/7/1984 e de 1º/9/2007 a 14/4/2011, e fixar a sucumbência recíproca.
Inconformada, a parte autora interpôs apelação, na qual assevera, preliminarmente, a ocorrência do cerceamento ao direito de produção de prova; na questão de fundo, exora a reforma do julgado para reconhecer todos os períodos especiais vindicados e conceder a aposentadoria por tempo de contribuição.
Não resignada, a autarquia também interpôs apelação, na qual aduz, em síntese, que a parte autora não logrou comprovar o labor especial em contenda.
Sem contrarrazões, os autos subiram a esta Egrégia Corte.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço das apelações, porquanto presentes os requisitos de admissibilidade.
Ademais, compulsados os autos, não visualizo o alegado cerceamento de defesa, pois a causa encontra-se suficientemente instruída com formulários e laudo à prova da atividade insalutífera.
Com efeito, cabe ao magistrado, em caso de dúvida fundada, o deferimento de prova pericial para confrontação do material reunido à exordial, o que não convém ao caso.
Ressalte-se, a propósito, não se prestar à comprovação do alegado direito a prova testemunhal, visto que a constatação da existência de agentes nocivos a caracterizar a natureza especial da atividade laborativa opera-se por meio de prova eminentemente documental (técnica).
Dessa forma, rejeito a matéria preliminar.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento e da conversão de período especial em comum
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a seguinte redação:
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/98, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/80.
Nesse sentido, reporto-me à jurisprudência firmada pelo Colendo STJ:
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n. 9.032/95, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB-40 ou DSS-8030), para atestar a existência das condições prejudiciais.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente agressivo seja o ruído, sempre houve necessidade da apresentação de laudo pericial, independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos n. 83.080/79 e n. 53.831/64 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n. 2.172/97.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º do Decreto n. 4.882/2003, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/99).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art. 543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/98 (convertida na Lei n. 9.732/98), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o C. Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
No caso em tela, quanto ao intervalo de 19/9/1983 a 4/7/1984, a parte autora logrou demonstrar, via CTPS, formulário e laudo técnico, (i) o exercício da profissão de prensista, cujo fato permite o reconhecimento de sua natureza especial pelo enquadramento profissional, nos termos do código 2.5.2 do anexo do Decreto n. 83.080/79; (ii) a exposição habitual e permanente a ruído superior aos limites de tolerância previstos na legislação em comento.
Especificamente ao interregno de 28/10/1985 a 11/12/1985, consta Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP e laudo técnico, os quais indicam a exposição habitual e permanente a ruído superior aos limites de tolerância previstos na norma em comento.
Quanto ao período requerido como especial, de 1º/5/1986 a 28/2/1989, depreende-se do formulário apresentado o exercício da função de "motorista de caminhão", situação que permite o enquadramento até 5/3/1997, nos termos dos códigos 2.4.4 do anexo do Decreto n. 53.831/64 e 2.4.2 do anexo do Decreto n. 83.080/79 (TRF 3ª R; AC n. 2001.03.99.041797-0/SP; 9ª Turma; Rel. Des. Federal Marisa Santos; julgado em 24/11/2008; DJU 11/02/2009, p. 1304 e TRF3, 10ª Turma, AC n. 00005929820004039999, Relator Desembargador Federal Sérgio Nascimento, DJU 16.11.2005).
Já em relação ao intervalo enquadrado como especial, de 1º/9/2007 a 14/4/2011, há Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP e Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA, que indica a exposição, de modo habitual e permanente, da parte autora a agentes químicos (hidrocarbonetos, tais como: gasolina, álcool e óleo diesel), situação que autoriza o enquadramento nos códigos 1.2.11 do anexo do Decreto n. 53.831/64, 1.2.10 do anexo do Decreto n. 83.080/79 e 1.0.17 do Decreto n. 3.048/99.
Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a hidrocarbonetos não requerem análise quantitativa e sim qualitativa.
Nesse diapasão, é a iterativa jurisprudência das cortes federais do País (g.n.):
Insta registrar, ainda, que em recente decisão exarada nos autos n. 5004737-08.2012.4.04.7108, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) firmou a tese de que a análise do caráter degradante do ofício em decorrência da exposição a agentes químicos previstos no Anexo XIII da NR 15, como os hidrocarbonetos aromáticos, é qualitativa e não se sujeita a limites de tolerância, independentemente do período de prestação do labor (cf. notícia veiculada em 27/7/2016 extraída do site do Conselho da Justiça Federal - http://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2016-1/julho/analise-da-exposicao-de-trabalhador-a-agentes-quimicos-deve-ser-qualitativa-e-nao-sujeita-a-limites-de-tolerancia).
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas no PPP, concluo que, na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
Por outro lado, é descabida a pretensão de contagem excepcional do labor rural nos interregnos de 1º/3/1971 a 30/9/1971, de 1º/1/1972 a 31/1/1972, de 15/4/1981 a 21/6/1981 e de 1º/3/1989 a 31/1/1991, na função de trabalhador agropecuário.
Não se ignora a penosidade do trabalho rural, cuja árdua jornada começa desde muito cedo, contudo, a legislação não o contempla entre as atividades prejudiciais à saúde e passível de contagem diferenciada do tempo de serviço.
Com efeito, para o enquadramento na situação prevista no código 2.2.1 (trabalhadores na agropecuária) do anexo do Decreto n. 53.831/64, a jurisprudência prevê a necessidade de comprovação da efetiva exposição habitual aos possíveis agentes agressivos à saúde e do exercício conjugado na agricultura e pecuária, situação não visualizada.
A simples sujeição às intempéries da natureza (sol, chuva, frio, calor, poeira etc.), como sói ocorrer nesse meio, é insuficiente a caracterizar a lida no campo como insalubre ou penosa.
Confira-se (g.n.):
Cabe ressaltar que os laudos judiciais produzidos no curso da instrução (fls. 259/262, e 288/296) não se mostram apto a atestar as condições prejudiciais do obreiro, pois realizados com base em similaridade das empresas trabalhadas pela parte autora, desprezando suas especificidades.
Nesse sentido, trago o seguinte precedente (g. n.):
Assim, entendo que o mourejo rural em comento não deve ser enquadrado como especial.
Além disso, no que tange ao período de 1º/5/1985 a 25/10/1985, depreende-se do PPP juntado (fs. 194/197) que a parte autora desenvolvia a atividade de trabalhador agropecuário no setor fabricação de ração da empresa "José Flávio Neto" e o relato genérico de exposição a ruído, o qual não tem o condão de promover o enquadramento requerido.
Ressalte-se que em relação ao agente agressivo ruído, o grau de exposição deve necessariamente ser aferido por meio de perícia técnica escorreita, subscrita por profissional legalmente habilitado, circunstância não verificada.
Colaciono, a respeito, os arestos abaixo transcritos (g.n.):
Ademais, ao que ressai do PPP coligido aos autos (fl. 64), a parte autora ocupou a função de "técnico agricultura PL" durante o interregno controverso de 8/8/1991 a 26/11/1997, cujas atribuições consistiam em "... executa suas atividades nas Granjas de Integrados, Orientando os Donos e Funcionários no trato de aves, lavagem e desinfecção de bebedouros e aviários, limpeza e desinfecção geral, vacinas. Limpezas de teias nos aviários, verificava trato, pedido de ração, levava produto químicos e vacinas no veículo, e depois entregava para seu supervisor um relatório de visita" (sic).
Não obstante alusão a fatores de risco biológicos, como vírus, bactérias, fungos, etc., não vislumbro a possibilidade de reconhecimento da atividade como deletéria à saúde.
Ora, de acordo com o anexo ao Decreto n. 83.080/79, para caracterização do elemento biológico, haveria a parte autora de executar "trabalhos permanentes em contato com produtos de animais infectados, carnes, vísceras, glândulas, sangue, ossos e materiais infecto-contagiantes", atividades típicas dos profissionais da saúde como médicos, veterinários, enfermeiros, técnicos de laboratório, dentistas e biologistas, situação não constatada nestes autos.
Nessa esteira, colhe-se a seguinte jurisprudência (g. n.):
Da mesma forma, apesar de o PPP juntado revelar a exposição a agentes químicos em razão do processo de limpeza, pela análise das atividades desenvolvidas pelo autor, não se colhem a habitualidade e permanência necessárias ao enquadramento alegado.
Assim, entendo não ter sido evidenciada a insalubridade asseverada durante esses períodos, de modo que devem ser considerados como tempo comum.
Em síntese, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades executadas nos interregnos de 19/9/1983 a 4/7/1984, de 28/10/1985 a 11/12/1985, de 1º/5/1986 a 28/2/1989, e de 1º/9/2007 a 14/4/2011.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria por tempo de serviço estava prevista no art. 202 da Constituição Federal, assim redigido:
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/91:
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional n. 20, de 15/12/1998, a aposentadoria por tempo de serviço foi extinta. Todavia, restou a observância ao direito adquirido ou às regras transitórias estabelecidas para aqueles que estavam em atividade e ainda não preenchiam os requisitos a concessão do benefício.
Em substituição à aposentadoria por tempo de serviço instituiu-se a aposentadoria por tempo de contribuição, a qual pressupõe a comprovação de 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem, e 30 (trinta) anos, se mulher, além do cumprimento do período de carência.
No caso dos autos, no entanto, a parte autora não tem direito a aposentadoria por tempo de contribuição, pois, não obstante o reconhecimento de parte dos períodos requeridos, não se faz presente o requisito temporal na data da EC n. 20/98, consoante o artigo 52 da Lei n. 8.213/91, e também na data do requerimento administrativo e nem no ajuizamento da ação, nos termos do artigo 201, § 7º, inciso I, da Constituição Federal, com a redação dada pela EC n. 20/98.
Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar, conheço dos recursos; nego provimento à apelação do INSS e dou parcial provimento à apelação da parte autora para, nos termos da fundamentação: também enquadrar como atividade especial os interstícios de 28/10/1985 a 11/12/1985 e de 1º/5/1986 a 28/2/1989. Mantida, no mais, a r. decisão a quo.
É o voto.
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Data e Hora: | 01/08/2017 17:06:36 |