D.E. Publicado em 19/02/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, fixando, de ofício, os consectários legais, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0022206-66.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de ação pelo rito ordinário proposta por JOÃO PAULO DA SILVA em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, em que se objetiva a concessão do benefício assistencial previsto no artigo 203 da Constituição Federal e artigo 20 da Lei 8.742/1993 (Loas).
Contestação às fls. 45/72.
Estudo Social às fls. 94/95.
Perícia Judicial às fls. 109/111.
O pedido foi julgado procedente, condenando-se o INSS a conceder o benefício assistencial a partir da data da juntada do Estudo Social (13/05/2016), corrigido monetariamente, bem como a arcar com honorários advocatícios, arbitrados em R$ 940,00. Foi concedida a tutela antecipada (fls. 131/133).
Sentença não submetida ao reexame necessário.
A parte autora interpôs apelação requerendo a fixação do termo inicial na data do requerimento administrativo de 03.03.2010 ou, subsidiariamente, na data da citação ou ajuizamento da ação. Requer, ainda, a majoração dos honorários advocatícios a 10% sobre o valor da condenação, observando os termos da Súmula 111 do STJ (fls. 138/150).
O INSS interpôs apelação alegando, preliminarmente, a ocorrência de coisa julgada. No mérito, afirma que não foi preenchido o requisito da miserabilidade necessário à concessão do benefício. Subsidiariamente, requer a alteração dos consectários legais (fls. 152/176).
Com contrarrazões da parte autora, os autos subiram a esta Corte.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação do INSS e pelo parcial provimento da apelação da parte autora, para reformar a r. sentença no tocante à data de início do benefício e quanto aos honorários advocatícios (fls. 214/216).
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Inicialmente passo à análise da ocorrência de coisa julgada.
Na ação anterior (360.01.2010.004733-5), ajuizada em 2010, a parte autora pleiteia a concessão do benefício assistencial, tendo em vista o indeferimento do pedido administrativo protocolizado em 03.03.2010. A ação transitou em julgado em 08.05.2014. Verifica-se, portanto, a ocorrência de coisa julgada quanto à concessão do benefício relativamente a este requerimento .
Por outro lado, nada impede que, persistindo a incapacidade ou havendo outra situação financeira, a parte autora entre com novo requerimento administrativo - o que de fato foi feito somente em 23.02.2015, alegando-se a alteração da realidade fática existente quando da ação anterior.
Nesse sentido, não obstante o benefício requerido ser o mesmo, a causa a que remete a parte autora é diversa, de modo que, havendo a possibilidade de alteração fática pelo decurso do tempo, há que ser afastada a alegada coisa julgada tão somente a partir de 23.02.2015, data do novo requerimento administrativo.
O benefício assistencial de prestação continuada (ou amparo social) deve ser prestado a quem dele necessitar, independentemente do prévio recolhimento de contribuições. Encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família:
Até a regulamentação do citado dispositivo constitucional, ocorrida com a edição da Lei 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), a proteção ao deficiente e ao idoso hipossuficientes era objeto da Lei 6.179/1974, a qual instituiu o benefício denominado "amparo previdenciário" destinado a pessoas maiores de 70 (setenta) anos ou inválidas, consistente no pagamento mensal de renda vitalícia equivalente à metade do salário mínimo vigente no país. A partir do advento da Constituição de 1988, o valor do benefício foi elevado para 1 (um) salário mínimo, à vista do disposto no art. 139, § 2º, da Lei 8.213/1991.
Atualmente, a disciplina legal do instituto encontra-se formatada pelas Leis 9.720/1998 12.435/2011, 12.470/2011 e 13.146/2015, as quais promoveram alterações substanciais nos arts. 20 e 21 da Lei Orgânica da Assistência Social.
No tocante aos beneficiários, dispõe o art. 20 da Lei 8.742/1993:
Em relação ao idoso, cumpre registrar que, originariamente, a idade mínima para a concessão do benefício era de 70 (setenta) anos, sendo depois estabelecida uma regra de transição (art. 38 do mesmo estatuto lega)l, pela qual o critério etário deveria ser reduzido gradativamente, passando a 67 (sessenta e sete) anos após 24 (vinte e quatro) meses e 65 (sessenta e cinco) anos após 48 (quarenta e oito) meses, respectivamente. Contudo, a Lei 9.720/1998, objeto de conversão da Medida Provisória 1599-51/1998, fixou a idade limite em 67 (sessenta e sete) anos a partir de 1º de janeiro de 1998.
Com o advento do Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003), acabou-se por fixar a idade de 65 (sessenta e cinco) anos como critério etário mínimo para a percepção do benefício assistencial:
Finalmente, a Lei 12.435/2011 promoveu a atualização do art. 20 da Lei 8.742/1993, prevendo a idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos, e, de outro lado, revogou o art. 38, na redação dada pela Lei 9.720/1998.
Assim, a pessoa maior de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, a partir do início da vigência do Estatuto do Idoso, desde que exposta à situação de hipossuficiência material, pode ser amparada pela Seguridade Social por meio do benefício assistencial de prestação continuada.
No que concerne à pessoa com deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social evidenciam tendência evolutiva na consideração da sua conceituação legal. Originariamente, a deficiência encontrava-se relacionada à incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Posteriormente, a Lei 12.435/2011 incluiu no dispositivo em análise a definição contida no art. 1º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 30.03.2007, incorporada ao ordenamento jurídico interno pelo Decreto n. 6.949/2009, de acordo com a qual:
Entretanto, ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. Note-se que a jurisprudência já vinha suavizando a interpretação sobre o alcance da aludida incapacidade, como se extrai da seguinte decisão:
A propósito do tema, confira-se ainda o teor da Súmula n. 29 da Turma Nacional de Uniformização - TNU dos Juizados Especiais:
Em compasso com a evolução interpretativa promovida pela jurisprudência, a Lei 12.470/2011 abandonou o parâmetro consubstanciado na incapacidade para a vida independente e para o trabalho, preservando a definição consagrada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a qual explicitou a definição legal de pessoa com deficiência:
Ademais, cumpre assinalar que o § 10, do mesmo dispositivo, incluído pela Lei 12.470/2011, considera de longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
No tocante à situação socioeconômica do beneficiário, consta do § 3º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, com a redação dada pela Lei 12.435/2001:
Inicialmente, o dispositivo em referência teve a constitucionalidade afirmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado na ADIn nº 1.232-1 (Rel. Min. Ilmar Galvão, por redistribuição, DJU, 26 maio 1995, p. 15154). Entretanto, a pretexto da ocorrência de processo de inconstitucionalização oriundo de alterações de ordem fática (políticas, econômicas e sociais) e jurídica (estabelecimento de novos patamares normativos para concessão de benefícios assistenciais em geral), o Supremo Tribunal Federal reviu o anterior posicionamento, declarando a inconstitucionalidade parcial do dispositivo, sem pronúncia de nulidade, em julgado assim ementado:
Consequentemente, foi rechaçada a aferição da miserabilidade unicamente pelo critério objetivo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, passando-se a admitir o exame das reais condições sociais e econômicas do postulante ao benefício, como denota a seguinte decisão:
É importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça já admitia outros meios de prova para aferir a hipossuficiência do postulante ao amparo assistencial, além do montante da renda per capita, reputando a fração estabelecida no § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 como parâmetro abaixo do qual a miserabilidade deve ser presumida de forma absoluta. Nesse sentido, a seguinte decisão prolatada em sede de recurso especial representativo de controvérsia:
No mesmo sentido tem se orientado a jurisprudência desta Corte:
Atualmente encontra-se superada a discussão em torno da renda per capita familiar como único parâmetro de medida do critério socioeconômico, pois, com a inclusão, pela Lei 13.146/2015, do § 11 no art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, passou a existir previsão legal expressa autorizando a utilização de outros elementos probatórios para a verificação da miserabilidade e do contexto de vulnerabilidade do grupo familiar exigidos para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada.
Cumpre, então, examinar o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício pleiteado no caso vertente.
Não houve apelação quanto à incapacidade, razão pela qual deixo de analisá-la.
No tocante à demonstração da miserabilidade, o Estudo Social produzido em 05/2016 indicava que o núcleo familiar era integrado pela parte postulante, sua mãe e sua irmã maior de idade. À época foi informado que a renda mensal consistia em R$ 880,00, proveniente da pensão recebida pela mãe. A casa em que residem é própria, composta de cinco cômodos, sem acabamento, sem forro e guarnecido com mobília velha e quebrada. Consta que as despesas básicas mensais declaradas somavam aproximadamente R$ 840,00.
Em consulta aos sistemas CNIS/PLENUS, verifico que a mãe do autor recebeu R$ 955,41, na competência 05/2016, proveniente do benefício de pensão por morte.
Dessa forma, tendo em vista a renda auferida e os gastos básicos mensais, tem-se que deve ser reconhecida a presunção de hipossuficiência, nos termos do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993.
Em razão da ocorrência de coisa julgada quanto ao requerimento administrativo de 03.03.2010, de rigor a fixação do termo inicial a partir da data do segundo requerimento administrativo (23.02.2015, fl. 30), momento em que o INSS tomou ciência da pretensão da parte autora.
A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013, do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
Com relação aos honorários advocatícios, esta Turma firmou o entendimento no sentido de que estes devem ser fixados em 15% sobre o valor das parcelas vencidas até a sentença de primeiro grau, nos termos da Súmula 111 do E. STJ. Entretanto, em conformidade com o pedido formulado pela parte autora, fixo os honorários em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a sentença de primeiro grau, nos termos da Súmula 111 do E. STJ, em respeito ao princípio da vedação à reformatio in pejus.
Diante do exposto, ACOLHO PARCIALMENTE A PRELIMINAR DO INSS, para afastar a ocorrência de coisa julgada tão somente a partir do segundo requerimento administrativo, E, NO MÉRITO, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, para fixar o termo inicial do benefício na data do segundo requerimento administrativo, fixando, de ofício, os consectários legais na forma acima explicitada.
É o voto.
NELSON PORFIRIO
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 06/02/2018 18:24:25 |