Experimente agora!
VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTROLE ADMINISTRATIVO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. FRAUDE NA CONCESSÃO. DEVOLUÇÃO DEVID...

Data da publicação: 15/07/2020, 01:36:45

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTROLE ADMINISTRATIVO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. FRAUDE NA CONCESSÃO. DEVOLUÇÃO DEVIDA. ARTIGOS 115, II, DA LEI 8.213/91 E 876 DO CÓDIGO CIVIL. DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO AFASTADAS. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. PEDIDO IMPROCEDENTE. APELAÇÃO IMPROVIDA. - O impetrante propôs o presente mandamus em face do Gerente Executivo do INSS em Santo André/SP, visando à obtenção de ordem de manutenção do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição NB 42/070.147.307-0), com DIB em 12/11/1982. Alega que, após o prazo decadencial de revisão, o INSS iniciou procedimento de revisão administrativa em razão da possibilidade de fraude na concessão, tendo culminado na cessação do benefício em 27/5/1997 em razão da não comprovação do vínculo com a empresa CASA MADEIRA R. NOGUEIRA (02/5/1951 a 30/6/1955) e do cômputo indevido do período trabalhado na empresa GENERAL ELETRIC S/A (27/5/1955 a 5/10/1956). Aduz que, passados treze anos da cessação do benefício, a autoridade impetrada iniciou a cobrança dos valores recebidos no período de 12/11/1982 a 31/7/1997, no valor de R$ 125.562,20. - A Administração Pública tem o dever de fiscalização dos seus atos administrativos, pois goza de prerrogativas, entre as quais o controle administrativo, sendo dado rever os atos de seus próprios órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade, bem como revogando os atos cuja conveniência e oportunidade não mais subsista. - Trata-se do poder de autotutela administrativo, enunciado nas Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal, tendo como fundamento os princípios constitucionais da legalidade e supremacia do interesse público, desde que obedecidos os regramentos constitucionais do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV, da CF), além da Lei nº 9.784/99, aplicável à espécie. - O INSS apurou a existência de irregularidade na concessão, tendo sido, a servidora responsável pelo ato fraudulento, demitida a bem do serviço público. - Quando patenteado o pagamento a maior de benefício, o direito de a Administração obter a devolução dos valores é inexorável, ainda que tivessem sido recebidos de boa-fé, à luz do disposto no artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91. - O direito positivo veda o enriquecimento ilícito (ou enriquecimento sem causa ou locupletamento). O Código Civil estabelece, em seu artigo 876, que, tratando-se de pagamento indevido, "Todo aquele que recebeu o que não era devido fica obrigado a restituir". Além disso, deve ser levado em conta o princípio geral do direito, positivado como regra no atual Código Civil, consistente na proibição do enriquecimento ilícito. Assim reza o artigo 884 do Código Civil: "Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido." - Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, em recurso repetitivo, consolidou o entendimento de que, em casos de cassação de tutela antecipada, a lei determina a devolução dos valores recebidos, ainda que se trate de verba alimentar e ainda que o beneficiário aja de boa-fé: REsp 995852 / RS, RECURSO ESPECIAL, 2007/0242527-4, Relator(a) Ministro GURGEL DE FARIA, Órgão Julgador, T5 - QUINTA TURMA, Data do Julgamento, 25/08/2015, Data da Publicação/Fonte, DJe 11/09/2015. - Não se pode simplesmente ignorar as circunstâncias absolutamente suspeitas que envolvem a concessão do benefício, tendo sido a autora a beneficiária direta da ilegalidade. No caso tratado neste feito, o impetrante recebeu prestações do benefício de forma fraudulenta, consoante minuciosamente esclarecido pelo INSS nas informações de f. 36/41. Houve, como lá se viu, o cômputo fraudulento dos vínculos do impetrante com a empresa CASA MADEIRA R. NOGUEIRA (02/5/1951 a 30/6/1955) e do cômputo indevido do período trabalhado na empresa GENERAL ELETRIC S/A (27/5/1955 a 5/10/1956). Subtraídos tais períodos, o impetrante não faria jus à aposentadoria por tempo de contribuição que lhe foi concedida. - A despeito da participação da servidora do INSS, demitida a bem do serviço público, evidentemente foi o próprio segurado quem se beneficiou da falsidade, devendo restituir os valores ao INSS. - De qualquer forma, nem o artigo 884 do Código Civil, nem o artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91 exigem - para a devolução do indevido - comprovação de dolo do beneficiado, ou mesmo condenação como coautor no processo criminal. - O dolo resta evidenciado, à medida que cai por terra a alegação de que a responsabilidade pelo ato fraudulento foi exclusivamente de terceira pessoa. Inconcebível, no caso, que a servidora tenha cometido o delito simplesmente para "agradar" o impetrante, restando notório, pelas máximas de experiência, que este obteve proveito ilícito, de alguma forma arranjado com a servidora demitida. Não se trata, como quer o impetrante, de "meras suposições", não sendo lícito ao julgador ignorar a dinâmica dos fatos sociais. - Caberá ao impetrante, querendo, ressarcir-se junto ao agente criminoso porquanto, à luz do direito, o ente público deve ser indenizado por quem se beneficiou da fraude. - Quanto às alegações de prescrição e decadência, igualmente não prosperam. A regra do artigo 103-A da Lei nº 8213/91 - norma especial em relação ao Decreto nº 20.910/32 - afasta a decadência do direito de revisão da Administração Pública, no caso de existência de má-fé. - Inaplicável limitação temporal de 5 (cinco) anos estampada na regra do artigo 207 do Decreto nº 89.312/84, porquanto, tratando-se de relação jurídica continuativa, a agressão ao patrimônio público não se resumiu ao ato de concessão, tendo se estendido até a data em que foi cessado. À nitidez, tal regra não deve incidir no caso de benefícios concedidos fraudulentamente, sob pena de agressão aos próprios princípios constitucionais da moralidade administrativa, da legalidade, da impessoalidade e da eficiência (artigo 37, caput, da Constituição Federal). No tocante à alegada prescrição intercorrente, igualmente não pode ser acolhida a pretensão recursal de aplicação da regra do artigo 1º, § 1º, da Lei nº 9.873/99. Afinal, se não se aplica à espécie o prazo prescricional (vide supra), não há falar-se em prescrição intercorrente. - Deve prevalecer no caso a regra do artigo 37, § 5º, da Constituição Federal, que tem a seguinte redação: "§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento." Ao ressalvar as ações de ressarcimento, o Texto Magno veda a interpretação pretendida pelo impetrante, de aplicar a prescrição por simetria. - Apelação improvida. (TRF 3ª Região, NONA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 357573 - 0005425-50.2014.4.03.6126, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL GILBERTO JORDAN, julgado em 24/01/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/02/2018 )


Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 09/02/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005425-50.2014.4.03.6126/SP
2014.61.26.005425-2/SP
RELATOR:Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias
APELANTE:JOSE DE LIMA DOS SANTOS
ADVOGADO:SP195284 FABIO FREDERICO DE FREITAS TERTULIANO e outro(a)
APELADO(A):Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG.:00054255020144036126 2 Vr SANTO ANDRE/SP

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTROLE ADMINISTRATIVO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. FRAUDE NA CONCESSÃO. DEVOLUÇÃO DEVIDA. ARTIGOS 115, II, DA LEI 8.213/91 E 876 DO CÓDIGO CIVIL. DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO AFASTADAS. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. PEDIDO IMPROCEDENTE. APELAÇÃO IMPROVIDA.
- O impetrante propôs o presente mandamus em face do Gerente Executivo do INSS em Santo André/SP, visando à obtenção de ordem de manutenção do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição NB 42/070.147.307-0), com DIB em 12/11/1982. Alega que, após o prazo decadencial de revisão, o INSS iniciou procedimento de revisão administrativa em razão da possibilidade de fraude na concessão, tendo culminado na cessação do benefício em 27/5/1997 em razão da não comprovação do vínculo com a empresa CASA MADEIRA R. NOGUEIRA (02/5/1951 a 30/6/1955) e do cômputo indevido do período trabalhado na empresa GENERAL ELETRIC S/A (27/5/1955 a 5/10/1956). Aduz que, passados treze anos da cessação do benefício, a autoridade impetrada iniciou a cobrança dos valores recebidos no período de 12/11/1982 a 31/7/1997, no valor de R$ 125.562,20.
- A Administração Pública tem o dever de fiscalização dos seus atos administrativos, pois goza de prerrogativas, entre as quais o controle administrativo, sendo dado rever os atos de seus próprios órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade, bem como revogando os atos cuja conveniência e oportunidade não mais subsista.
- Trata-se do poder de autotutela administrativo, enunciado nas Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal, tendo como fundamento os princípios constitucionais da legalidade e supremacia do interesse público, desde que obedecidos os regramentos constitucionais do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV, da CF), além da Lei nº 9.784/99, aplicável à espécie.
- O INSS apurou a existência de irregularidade na concessão, tendo sido, a servidora responsável pelo ato fraudulento, demitida a bem do serviço público.
- Quando patenteado o pagamento a maior de benefício, o direito de a Administração obter a devolução dos valores é inexorável, ainda que tivessem sido recebidos de boa-fé, à luz do disposto no artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.
- O direito positivo veda o enriquecimento ilícito (ou enriquecimento sem causa ou locupletamento). O Código Civil estabelece, em seu artigo 876, que, tratando-se de pagamento indevido, "Todo aquele que recebeu o que não era devido fica obrigado a restituir". Além disso, deve ser levado em conta o princípio geral do direito, positivado como regra no atual Código Civil, consistente na proibição do enriquecimento ilícito. Assim reza o artigo 884 do Código Civil: "Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido."
- Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, em recurso repetitivo, consolidou o entendimento de que, em casos de cassação de tutela antecipada, a lei determina a devolução dos valores recebidos, ainda que se trate de verba alimentar e ainda que o beneficiário aja de boa-fé: REsp 995852 / RS, RECURSO ESPECIAL, 2007/0242527-4, Relator(a) Ministro GURGEL DE FARIA, Órgão Julgador, T5 - QUINTA TURMA, Data do Julgamento, 25/08/2015, Data da Publicação/Fonte, DJe 11/09/2015.
- Não se pode simplesmente ignorar as circunstâncias absolutamente suspeitas que envolvem a concessão do benefício, tendo sido a autora a beneficiária direta da ilegalidade. No caso tratado neste feito, o impetrante recebeu prestações do benefício de forma fraudulenta, consoante minuciosamente esclarecido pelo INSS nas informações de f. 36/41. Houve, como lá se viu, o cômputo fraudulento dos vínculos do impetrante com a empresa CASA MADEIRA R. NOGUEIRA (02/5/1951 a 30/6/1955) e do cômputo indevido do período trabalhado na empresa GENERAL ELETRIC S/A (27/5/1955 a 5/10/1956). Subtraídos tais períodos, o impetrante não faria jus à aposentadoria por tempo de contribuição que lhe foi concedida.
- A despeito da participação da servidora do INSS, demitida a bem do serviço público, evidentemente foi o próprio segurado quem se beneficiou da falsidade, devendo restituir os valores ao INSS.
- De qualquer forma, nem o artigo 884 do Código Civil, nem o artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91 exigem - para a devolução do indevido - comprovação de dolo do beneficiado, ou mesmo condenação como coautor no processo criminal.
- O dolo resta evidenciado, à medida que cai por terra a alegação de que a responsabilidade pelo ato fraudulento foi exclusivamente de terceira pessoa. Inconcebível, no caso, que a servidora tenha cometido o delito simplesmente para "agradar" o impetrante, restando notório, pelas máximas de experiência, que este obteve proveito ilícito, de alguma forma arranjado com a servidora demitida. Não se trata, como quer o impetrante, de "meras suposições", não sendo lícito ao julgador ignorar a dinâmica dos fatos sociais.
- Caberá ao impetrante, querendo, ressarcir-se junto ao agente criminoso porquanto, à luz do direito, o ente público deve ser indenizado por quem se beneficiou da fraude.
- Quanto às alegações de prescrição e decadência, igualmente não prosperam. A regra do artigo 103-A da Lei nº 8213/91 - norma especial em relação ao Decreto nº 20.910/32 - afasta a decadência do direito de revisão da Administração Pública, no caso de existência de má-fé.
- Inaplicável limitação temporal de 5 (cinco) anos estampada na regra do artigo 207 do Decreto nº 89.312/84, porquanto, tratando-se de relação jurídica continuativa, a agressão ao patrimônio público não se resumiu ao ato de concessão, tendo se estendido até a data em que foi cessado. À nitidez, tal regra não deve incidir no caso de benefícios concedidos fraudulentamente, sob pena de agressão aos próprios princípios constitucionais da moralidade administrativa, da legalidade, da impessoalidade e da eficiência (artigo 37, caput, da Constituição Federal).
No tocante à alegada prescrição intercorrente, igualmente não pode ser acolhida a pretensão recursal de aplicação da regra do artigo 1º, § 1º, da Lei nº 9.873/99. Afinal, se não se aplica à espécie o prazo prescricional (vide supra), não há falar-se em prescrição intercorrente.
- Deve prevalecer no caso a regra do artigo 37, § 5º, da Constituição Federal, que tem a seguinte redação: "§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento." Ao ressalvar as ações de ressarcimento, o Texto Magno veda a interpretação pretendida pelo impetrante, de aplicar a prescrição por simetria.
- Apelação improvida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 24 de janeiro de 2018.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): RODRIGO ZACHARIAS:10173
Nº de Série do Certificado: 11A21709124EAE41
Data e Hora: 02/02/2018 18:46:15



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005425-50.2014.4.03.6126/SP
2014.61.26.005425-2/SP
RELATORA:Desembargadora Federal DALDICE SANTANA
APELANTE:JOSE DE LIMA DOS SANTOS
ADVOGADO:SP195284 FABIO FREDERICO DE FREITAS TERTULIANO e outro(a)
APELADO(A):Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG.:00054255020144036126 2 Vr SANTO ANDRE/SP

VOTO-VISTA

Em sessão de julgamento realizada em 27 de novembro de 2017, o Excelentíssimo Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias proferiu voto negando provimento à apelação da parte autora.

Trata-se de recurso de apelação, em sede de mandado de segurança, interposto em face de sentença, que denegou o pedido formulado pela segurada, que objetivava a manutenção do benefício previdenciário NB 42/070.147.307-0, com DIB em 12/11/82, bem como fosse determinado ao INSS que se abstivesse de realizar a cobrança de valores por ela recebidos.

Pedi vista dos autos para melhor inteirar-me da questão do ressarcimento de valores, ou melhor, para verificar se tratava de hipótese de erro administrativo nominada pelo e. Superior Tribunal de Justiça como "Tema Repetitivo n. 979".

Após análise dos autos, constato que o caso vertente não se enquadra na hipótese acima mencionada.

Pelo exposto, acompanho o voto do e. Relator integralmente.

É como voto.



GILBERTO JORDAN
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): GILBERTO RODRIGUES JORDAN:10076
Nº de Série do Certificado: 10A51701306C8C59
Data e Hora: 31/01/2018 17:44:00



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005425-50.2014.4.03.6126/SP
2014.61.26.005425-2/SP
RELATOR:Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias
APELANTE:JOSE DE LIMA DOS SANTOS
ADVOGADO:SP195284 FABIO FREDERICO DE FREITAS TERTULIANO e outro(a)
APELADO(A):Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG.:00054255020144036126 2 Vr SANTO ANDRE/SP

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Trata-se de apelação interposta pela parte autora em face da r. sentença que julgou improcedente o pedido.

Em razões de recurso, pugna pela reforma do julgado alegando que: a) a parte autora recebeu a aposentadoria de boa-fé e por isso não pode ser obrigada a ressarcir o erário; b) decadência do direito à revisão pela Administração Pública; c) irrepetibilidade das verbas alimentares; d) prescrição intercorrente administrativa; e) prescrição das prestações cobradas.

Contrarrazões não apresentadas.

Manifestou-se o Ministério Público Federal pelo prosseguimento do feito, sem sua intervenção.

Subiram os autos a esta egrégia Corte.

É o relatório.


VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço dos recurso, porquanto presentes os requisitos legais.

A r. sentença merece ser integralmente mantida pelas razões que passo a expor.

O impetrante propôs o presente mandamus em face do Gerente Executivo do INSS em Santo André/SP, visando à obtenção de ordem de manutenção do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição NB 42/070.147.307-0), com DIB em 12/11/1982.

Alega que, após o prazo decadencial de revisão, o INSS iniciou procedimento de revisão administrativa em razão da possibilidade de fraude na concessão, tendo culminado na cessação do benefício em 27/5/1997 em razão da não comprovação do vínculo com a empresa CASA MADEIRA R. NOGUEIRA (02/5/1951 a 30/6/1955) e do cômputo indevido do período trabalhado na empresa GENERAL ELETRIC S/A (27/5/1955 a 5/10/1956).

Aduz que, passados treze anos da cessação do benefício, a autoridade impetrada iniciou a cobrança dos valores recebidos no período de 12/11/1982 a 31/7/1997, no valor de R$ 125.562,20.

Frisa que apresentou defesa administrativa, mas a Equipe de Cobrança Administrativa da GEXSTA considerou que as alegações apresentadas não prosperavam, em decisão proferida em 07/7/2014 e enviada ao impetrante em 03/7/2014.

Registre-se que o INSS, ao apurar a existência de irregularidade na concessão, constatou participação de servidora responsável pela concessão, demitida a bem do serviço público.

Dito isso, já pode ser adiantado que as alegações do impetrante não devem medrar.

A Administração Pública tem o dever de fiscalização dos seus atos administrativos, pois goza de prerrogativas, entre as quais o controle administrativo, sendo dado rever os atos de seus próprios órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade, bem como revogando os atos cuja conveniência e oportunidade não mais subsista.

Trata-se do poder de autotutela administrativo, enunciado nas Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal, tendo como fundamento os princípios constitucionais da legalidade e supremacia do interesse público, desde que obedecidos os regramentos constitucionais do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV, da CF), além da Lei nº 9.784/99, aplicável à espécie.

A Administração pode rever seus atos. Ao final das contas, a teor da Súmula 473 do E. STF "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos a apreciação judicial".

Por um lado, quando patenteado o pagamento a maior de benefício, o direito de a Administração obter a devolução dos valores é inexorável, ainda que tivessem sido recebidos de boa-fé, à luz do disposto no artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.

Trata-se de norma cogente, que obriga o administrador a agir, sob pena de responsabilidade.

A lei normatizou a hipótese fática controvertida nestes autos e já trouxe as consequências para tanto, de modo que não cabe ao juiz fazer tabula rasa do direito positivo.

Trata-se de caso de enriquecimento ilícito (ou enriquecimento sem causa ou locupletamento).

O Código Civil estabelece, em seu artigo 876, que, tratando-se de pagamento indevido, "Todo aquele que recebeu o que não era devido fica obrigado a restituir".

Além disso, deve ser levado em conta o princípio geral do direito, positivado como regra no atual Código Civil, consistente na proibição do enriquecimento ilícito.

Assim reza o artigo 884 do Código Civil:

"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido."

Segundo César Fiuza, em texto intitulado "O princípio do enriquecimento sem causa e seu regramento dogmático", publicado no site arcos.gov.br, esses são os requisitos para a sua configuração:

"1º) Diminuição patrimonial do lesado.

2º) Aumento patrimonial do beneficiado sem causa jurídica que o justifique. A falta de causa se equipara à causa que deixa de existir. Se, num primeiro momento, houve causa justa, mas esta deixou de existir, o caso será de enriquecimento indevido. O enriquecimento pode ser por aumento patrimonial, mas também por outras razões, tais como, poupar despesas, deixar de se empobrecer etc., tanto nas obrigações de dar, quanto nas de fazer e de não fazer.

3º) Relação de causalidade entre o enriquecimento de um e o empobrecimento de outro. Esteja claro, que as palavras "enriquecimento" e "empobrecimento" são usadas, aqui, em sentido figurado, ou seja, por enriquecimento entenda-se o aumento patrimonial, ainda que diminuto; por empobrecimento entenda-se a diminuição patrimonial, mesmo que ínfima.

4º) Dispensa-se o elemento subjetivo para a caracterização do enriquecimento ilícito. Pode ocorrer de um indivíduo se enriquecer sem causa legítima, ainda sem o saber. É o caso da pessoa que, por engano, efetua um depósito na conta bancária errada. O titular da conta está se enriquecendo, mesmo que não o saiba. Evidentemente, os efeitos do enriquecimento ocorrido de boa-fé, não poderão ultrapassar, por exemplo, a restituição do indevidamente auferido, sem direito a indenização."

Como se vê do item quarto do parágrafo anterior, dispensa-se o elemento subjetivo (ou seja, a presença de má-fé) para a caracterização do enriquecimento ilícito e do surgimento do dever de restituir a quantia recebida.

Para além, não há previsão de norma (regra ou princípio) no direito positivo brasileiro determinando que, por se tratar de verba alimentar, o benefício é irrepetível.

A construção jurisprudencial, que resultou no entendimento da irrepetibilidade das rendas recebidas a título de benefício previdenciário, por constituírem verba alimentar, pode incorrer em negativa de vigência à norma do artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.

E as regras acima citadas, previstas na lei e regulamentadas no Decreto nº 3.048/99, não afrontam a Constituição Federal. Logo, são válidas e eficazes.

Há inúmeros precedentes no sentido da necessidade de devolução dos valores indevidamente recebidos da seguridade social, inclusive oriundos do Superior Tribunal de Justiça.

Trata-se do REsp 1.384.418/SC, de relatoria do ministro Herman Benjamin. "Não é suficiente, pois, que a verba seja alimentar, mas que o titular do direito o tenha recebido com boa-fé objetiva, que consiste na presunção da definitividade do pagamento", ponderou o relator.

Em outro precedente do Superior Tribunal de Justiça (REsp 988.171), o ministro Napoleão Nunes Maia Filho elucidou a questão da seguinte forma: "embora possibilite a fruição imediata do direito material, a tutela não perde a sua característica de provimento provisório e precário, daí porque a sua futura revogação acarreta a restituição dos valores recebidos em decorrência dela".

Enfim, em vários casos de pagamento indevido, há precedentes de tribunais federais no sentido da necessidade de devolução.

Nesse diapasão, mutatis mutandis:

PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS EM RAZÃO DE ACUMULAÇÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIOS APURADA EM SEDE ADMINISTRATIVA. DESCONTO. POSSIBILIDADE LEGAL (ART. 115 DA LEI 8213/91 E ART. 154 DO DEC. 3048/99). I - Em suas relações com os segurados ou beneficiários, o INSS, na condição de autarquia, pratica atos administrativos subordinados à lei, os quais estão sempre sujeitos à revisão, como manifestação do seu poder/dever de reexame com vistas à proteção do interesse público, no qual se enquadra a Previdência Social. II - Constatado o pagamento de benefício a maior decorrente de cumulação indevida de benefícios, resta evidente que, o ressarcimento dos valores indevidamente pagos, não está eivado de qualquer ilegalidade (artigo 115, inciso II da Lei 8213/91 e artigo 154, parágrafo 3º do Decreto 3048/99). III - Se por um lado não há má-fé do segurado, por outro não é razoável que este se beneficie de uma eventual falha administrativa com prejuízos para a Previdência. IV - Agravo provido para, em novo julgamento, negar provimento ao agravo de instrumento (AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO 490039, NONA TURMA, Fonte: e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/06/2013, Relator: JUIZ CONVOCADO LEONARDO SAFI).

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO (CPC, ART. 557, § 1º). AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DOS BENEFÍCIOS DE AUXÍLIO-ACIDENTE E APOSENTADORIA. AUSÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO. VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CARÁTER ALIMENTAR E BOA-FÉ. DESNECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 115 DA LEI Nº 8.213/91 ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE QUANTO AOS VALORES RECEBIDOS NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E À SÚMULA VINCULANTE Nº 10. PRECEDENTES. 1. O agravo previsto no art. 557, §1º, do Código de Processo Civil tem o propósito de submeter ao órgão colegiado o controle da extensão dos poderes do relator, bem como a legalidade da decisão monocrática proferida, não se prestando à rediscussão da matéria já decidida. 2. É indevida a cumulação de aposentadoria e auxílio-acidente quando um destes benefícios previdenciários foi concedido após 11 de novembro de 1997, data da vigência da Medida Provisória nº 1.596-14, na esteira do decidido pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Recurso Especial 1.296.673/MG (Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamin, j. 22.08.2012, v.u., DJe 03.09.2012), submetido à sistemática dos recursos representativos da controvérsia (CPC, art. 543-C). Conclusão que não representa ofensa ao direito adquirido (CF, art. 5º, XXXVI). 3. Indevida a devolução dos valores recebidos pelo autor a título de cumulação dos benefícios de auxílio-acidente e aposentadoria, pois tais verbas possuem natureza alimentar e foram recebidas de boa-fé, por força de decisão judicial antecipatória dos efeitos da tutela. Ressalva, entretanto, quanto aos valores recebidos no âmbito administrativo, sobre os quais incide a regra prevista no art. 115 da Lei nº 8.213/91. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 4. Isso não conduz à necessária declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei nº 8.213/91. Ausência de violação ao art. 97 da Constituição Federal e à Súmula Vinculante nº 10. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. 5. Mantida a decisão agravada, eis que inexistente ilegalidade ou abuso de poder e porque seus fundamentos estão em consonância com a jurisprudência pertinente à matéria. 6. Agravos a que se nega provimento (APELAÇÃO CÍVEL 1789514, NONA TURMA, Fonte: e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/05/2013, Relator: JUIZ CONVOCADO SOUZA RIBEIRO).

PREVIDENCIÁRIO - RECEBIMENTO INDEVIDO DE BENEFÍCIO - DESCONTOS/RESTITUIÇÃO AO INSS - POSSIBILIDADE - APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL, TIDA POR INTERPOSTA, PROVIDAS. 1. Apesar do caráter alimentar dos benefícios previdenciários, os valores das parcelas recebidas indevidamente devem ser restituídos ao INSS. 2. No caso, a parte autora não possuía a titularidade do benefício, apenas e tão-somente, na qualidade de curadora, detinha a obrigação de zelar pelo bem estar de sua curatelada, cujo falecimento fez cessar o benefício. A inexistência de razões legítimas para que a parte autora considerasse o benefício como seu não pode ser acobertada pelo princípio da boa fé, que remete aos princípios éticos, os quais proíbem as pessoas se apropriarem de coisa alheias. 3. Legítimo o desconto efetivado, uma vez que não há justificativas aptas a amparar o fato de a parte autora receber, como próprio, o benefício de outrem depois do óbito de quem ele era devido (curatelada). 4. O princípio da boa-fé não pode sobrepor a vedação das pessoas de apropriarem-se do patrimônio alheio, ainda que os valores envolvidos possuam fins alimentares (AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1304791 Processo: 0001980-93.2005.4.03.6108 UF: SP Órgão Julgador: NONA TURMA Data do Julgamento: 05/12/2011 Fonte: TRF3 CJ1 DATA:09/01/2012 Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL DALDICE SANTANA).

PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS A MAIOR. DESCONTO NO BENEFICIO PREVIDENCIÁRIO. POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA NOTIFICAÇÃO. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. REFORMA DA SENTENÇA. - Confissão da parte autora do recebimento em duplicidade de quantia paga a título de cumprimento do artigo 201, parágrafo 2º, da Constituição Federal. - O fato de a Constituição Federal garantir o recebimento do valor de, pelo menos, um salário mínimo mensal, não pode ser desvirtuado, a ponto de se garantir que, recebida quantia a mais, o desconto do pagamento indevido não poder ocorrer, por tal garantia. Não é essa, também, a interpretação a ser dada aos princípios, seja o de garantia de um salário mínimo, seja da irredutibilidade do valor do benefício. Recebida quantia a maior, nada obsta o desconto posterior, desde que devidamente comprovada tal hipótese. - Garantido o direito do recebimento do salário mínimo, pode-se proceder a desconto temporário, destinado a regularizar uma pendência detectada. - Não há necessidade, por parte do ente público, de se ajuizar a ação de repetição de indébito ou de notificar aquele que recebeu a maior. Detectado o erro no pagamento, de imediato, a autarquia, dotada do poder de rever seus atos, pode proceder à reavaliação. Tanto que pode, a qualquer momento, proceder à revisão administrativa dos benefícios previdenciários. - Proibição de enriquecimento ilícito, seja do INSS, seja do beneficiário. Iterativos precedentes jurisprudenciais. - Apelação e remessa oficial, tida por interposta, providas, para julgar improcedente o pedido. Não há que se falar em condenação em honorários advocatícios e custas processuais, tendo em vista que a parte autora é beneficiária da assistência judiciária gratuita, seguindo orientação adotada pelo STF (AC - APELAÇÃO CÍVEL - 635737 Processo: 2000.03.99.060997-0 UF: SP Órgão Julgador: NONA TURMA Data do Julgamento: 15/06/2009 Fonte: DJF3 CJ1 DATA:01/07/2009 PÁGINA: 825 Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL MARISA SANTOS).

A Justiça, a propósito, avançou na análise das questões relativas à repetibilidade de prestações previdenciárias.

Com efeito, quanto aos casos de revogação da tutela antecipada, há inúmeros precedentes na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que abordaram a questão.

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, uniformizou o entendimento quanto à necessidade de devolução, consoante se observa da análise da seguinte ementa:

PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. REVOGAÇÃO. RESTITUIÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR RECEBIDA DE BOA-FÉ PELA PARTE SEGURADA. REPETIBILIDADE. A Primeira Seção, em 12.6.2013, por maioria, ao julgar o Resp 1.384.418/SC, uniformizou o entendimento no sentido de que é dever do titular de direito patrimonial devolver valores recebidos por força de tutela antecipada posteriormente revogada. Nesse caso, o INSS poderá fazer o desconto em folha de até dez por cento da remuneração dos benefícios previdenciários recebidos pelo segurado, até a satisfação do crédito. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes. Recurso (EDcl no AgRg no AREsp 321432 / DF, EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL, 2013/0092073-0, Relator(a) Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, Data do Julgamento, 05/12/2013, Data da Publicação/Fonte, DJe 16/12/2013, RDDP vol. 132 p. 136)

Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento submetido ao regime de repetitivo, consolidou o entendimento de que, em casos de cassação de tutela antecipada, a lei determina a devolução dos valores recebidos, ainda que se trate de verba alimentar e ainda que o beneficiário aja de boa-fé:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REJULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL DETERMINADO PELO STF. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE CASSADA. POSSIBILIDADE. MATÉRIA DECIDIDA EM RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. 1. Rejulgamento do feito determinado pelo Supremo Tribunal Federal, ante o reconhecimento de violação ao art. 97 da Constituição Federal e à Súmula Vinculante 10 do STF. 2. A Primeira Seção desta Corte, no julgamento do Resp 1.401.560/MT, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, pacificou o entendimento de que é possível a restituição de valores percebidos a título de benefício previdenciário, em virtude de decisão judicial precária posteriormente revogada, independentemente da natureza alimentar da verba e da boa-fé do segurado. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido (REsp 995852 / RS, RECURSO ESPECIAL, 2007/0242527-4, Relator(a) Ministro GURGEL DE FARIA, Órgão Julgador, T5 - QUINTA TURMA, Data do Julgamento, 25/08/2015, Data da Publicação/Fonte, DJe 11/09/2015).

Sendo assim, não se pode simplesmente ignorar as circunstâncias absolutamente suspeitas que envolvem a concessão do benefício, tendo sido a autora a beneficiária direta da ilegalidade.

Em suma, no caso tratado neste feito, a parte autora recebeu prestações do benefício de forma fraudulenta, consoante minuciosamente esclarecido pelo INSS nas informações de f. 36/41.

Houve, como lá se viu, o cômputo fraudulento dos vínculos do impetrante com a empresa CASA MADEIRA R. NOGUEIRA (02/5/1951 a 30/6/1955) e do cômputo indevido do período trabalhado na empresa GENERAL ELETRIC S/A (27/5/1955 a 5/10/1956).

Subtraídos tais períodos, o impetrante não faria jus à aposentadoria por tempo de contribuição que lhe foi concedida.

A despeito da participação da servidora MARIA DOS PRAZERES MARINHO, demitida a bem do serviço público, evidentemente foi o próprio segurado quem se beneficiou da falsidade, devendo restituir os valores ao INSS.

De qualquer forma, como explicado acima, nem o artigo 884 do Código Civil, nem o artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91 exigem - para a devolução do indevido - comprovação de dolo do beneficiado, ou mesmo condenação como coautor no processo criminal.

Nada obstante, o dolo resta evidenciado, à medida que cai por terra a alegação de que a responsabilidade pelo ato fraudulento foi exclusivamente de terceira pessoa. Inconcebível, no caso, que a servidora tenha cometido o delito simplesmente para "agradar" o impetrante, restando notório, pelas máximas de experiência, que este obteve proveito ilícito, de alguma forma arranjado com a servidora demitida.

Não se trata, como quer o impetrante, de "meras suposições", não sendo lícito ao julgador ignorar a dinâmica dos fatos sociais.

Caberá ao autor, querendo, ressarcir-se junto ao agente criminoso porquanto, à luz do direito, o ente público deve ser indenizado por quem se beneficiou da fraude.

Ou seja, poderá eventualmente o impetrante, assim querendo, ingressar com ação regressiva em face de quem cuidou de sua documentação, mas não se exime do dever de devolver as prestações indevidas.

Quanto às alegações de prescrição e decadência, igualmente não prosperam.

A regra do artigo 103-A da Lei nº 8213/91 - norma especial em relação ao Decreto nº 20.910/32 - afasta a decadência do direito de revisão da Administração Pública, no caso de existência de má-fé. Não há falar-se em prescrição no caso, mas em decadência, essa que não se verificou.

No mais, inaplicável limitação temporal de 5 (cinco) anos estampada na regra do artigo 207 do Decreto nº 89.312/84, porquanto, tratando-se de relação jurídica continuativa, a agressão ao patrimônio público não se resumiu ao ato de concessão, tendo se estendido até a data em que foi cessado.

À nitidez, tal regra não deve incidir no caso de benefícios concedidos fraudulentamente, sob pena de agressão aos próprios princípios constitucionais da moralidade administrativa, da legalidade, da impessoalidade e da eficiência (artigo 37, caput, da Constituição Federal).

No tocante à alegada prescrição intercorrente, igualmente não pode ser acolhida a pretensão recursal de aplicação da regra do artigo 1º, § 1º, da Lei nº 9.873/99. Ora! Se não se aplica à espécie o prazo prescricional (vide supra), não há falar-se em prescrição intercorrente.

De todo modo, deve prevalecer no caso a regra do artigo 37, § 5º, da Constituição Federal, que tem a seguinte redação: "§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento."

Ao ressalvar as ações de ressarcimento, o Texto Magno veda a interpretação pretendida pelo impetrante, de aplicar a prescrição por simetria.

Uma vez patenteado o dolo do agente, beneficiário de aposentadoria concedida fraudulentamente, não há falar-se em prescrição das prestações.

Em derradeiro, observo que o presente caso não se enquadra na hipótese de erro administrativo cadastrada pelo Superior Tribunal de Justiça como "TEMA REPETITIVO N. 979" - (Ofício n. 479/2017- NUGEP, de 17/8/2017).

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO.

É como voto.


Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): RODRIGO ZACHARIAS:10173
Nº de Série do Certificado: 11A21709124EAE41
Data e Hora: 29/11/2017 15:16:36



O Prev já ajudou mais de 140 mil advogados em todo o Brasil.Faça cálculos ilimitados e utilize quantas petições quiser!

Experimente agora