D.E. Publicado em 16/07/2015 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, julgar procedente o pedido formulado na ação rescisória e, em novo julgamento, julgar procedente o pedido formulado na ação subjacente, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Relator para o acórdão
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0015567-03.2010.4.03.0000/SP
VOTO-VISTA
Deonisio Luciano ajuizou a presente ação rescisória, com fulcro no artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil, visando a desconstituição de sentença prolatada pelo Juízo da 2ª Vara Federal de Marília/SP, que julgou improcedente pedido que objetivava a concessão de benefício de prestação continuada (art. 203, inciso V, da Constituição da República), sob o fundamento de que a renda per capita apurado entre os integrantes do núcleo familiar do ora autor era superior ao patamar determinado pelo §3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93.
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Therezinha Cazerta, em seu brilhante voto de fls. 198/201, houve por bem julgar improcedente o pedido formulado na presente demanda, aduzindo que a r. decisão rescindenda, ao delinear a composição de núcleo familiar, para efeito de aferição da renda per capita, mediante a inclusão dos ganhos obtidos pelo cunhado e pelo sobrinho do autor, optou por uma dentre as interpretações possíveis do §1º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93, em sua redação anterior às alterações promovidas pela Lei n. 12.435/2011, concluindo, assim, tratar-se de matéria controversa, a ensejar o óbice da Súmula n. 343 do Supremo Tribunal Federal. Reforça seu entendimento, indicando precedente desta Seção que reconheceu a existência de posicionamentos divergentes quanto à composição do núcleo familiar (AR. n. 2008.03.00.024136-0; Rel. Desembargador Federal Fausto de Sanctis; j. 27.11.2014; DE 05.02.2015)
Pedi vista dos autos apenas para melhor reflexão quanto à possibilidade da abertura da via rescisória com base no fundamento indicado pelo ora autor.
Com efeito, a i. Relatora faz menção expressa a julgado desta Seção, no qual há o reconhecimento de interpretação controvertida acerca do alcance do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, que dispõe sobre a composição do núcleo familiar. Desta forma, a r. decisão rescindenda, ao incluir as rendas auferidas pelo cunhado e pelo sobrinho para efeito de aferição da renda per capita, teria, a rigor, adotado interpretação plausível, na medida em que o preceito legal em debate não teria o condão de esgotar todas as possibilidades de composição do núcleo familiar.
De fato, é incontestável a existência de posicionamentos divergentes no tocante à composição do núcleo familiar, todavia, no caso vertente, verifica-se, de forma categórica, a ocorrência de núcleos familiares diversos, sendo o primeiro constituído tão somente pelo autor e o outro por sua irmã, seu cunhado e seus sobrinhos. Na verdade, não obstante a possibilidade de admissão de arranjos familiares que não se limitem ao rol estipulado pelo art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, é certo que aqueles que albergam irmã ou irmão casados, com os respectivos cônjuges e filhos, não podem constituir um único núcleo familiar. Nesse sentido, confira-se a jurisprudência:
Esta Seção já se pronunciou também sobre caso análogo, como se pode ver da seguinte ementa:
Em síntese, malgrado seja plausível a interpretação no sentido de admitir parentes que não estejam expressamente previstos no art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93 c/c o art. 16 da Lei n. 8.213/91, para efeito de composição do núcleo familiar, penso que, no caso vertente, a r. decisão rescindenda afrontou o indigitado preceito legal, pois é incontroverso o entendimento segundo o qual o irmão ou a irmã do requerente, com respectivos cônjuges e filhos, constituem núcleo familiar diverso, não podendo ser computados eventuais rendimentos percebidos por estes.
Ademais, cabe destacar que a r. decisão rescindenda considerou tão somente a renda mensal per capita familiar superior a ¼ do salário mínimo para concluir pela inexistência de miserabilidade, sem levar em conta outros elementos probatórios constantes dos autos, sendo que, na data de sua prolação (28.10.2009), o e. STJ julgava recurso repetitivo representativo de controvérsia (RESP n. 1.112.557/MG; j. 28.10.2009), estabelecendo que "...A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo...".
Destarte, configura-se a ocorrência da hipótese prevista no inciso V do art. 485 do CPC, a autorizar a abertura da via rescisória.
DO JUÍZO RESCISORIUM
Objetiva o autor a concessão de benefício de prestação continuada, com fundamento no art. 20 da Lei n. 8.742/93, alegando ser portador de surdo-mudez desde o nascimento, não tendo meios de prover seu próprio sustento ou tê-lo provido por sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência, constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência, limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo 186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de "pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação atualizada:
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a seguinte redação:
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e 'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada, seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho, ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, o laudo médico de fls. 121/124, realizado em 14.09.2009, atestou que o autor apresenta deficiência auditiva bilateral, que teria se iniciado na infância. Assinala, outrossim, que houve "...Perda auditiva neurossensorial de grau profundo bilateral..." , apresentando incapacidade parcial e permanente para o exercício de atividade laborativa. Consigna, por fim, que o autor "...não é alfabetizado, nunca realizou nenhum tipo de atividade laboral, situações que determinam desvantagens e que o impossibilita de pleitear uma vaga no mercado de trabalho..."
Com fundamento na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que se incorporou no ordenamento jurídico com status constitucional, e em face do disposto no art. 462 do CPC, que impinge ao julgador considerar fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito ocorrido posteriormente ao ajuizamento da ação (no caso, da ação subjacente), é de se reconhecer a deficiência do autor, tendo em vista que possui impedimentos de longo prazo de natureza física. Notadamente, tal condição obstruiu sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Há que se reconhecer, portanto, que a parte autora fará jus ao benefício assistencial, caso preencha o requisito socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras pessoas'.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão que recebeu a seguinte ementa:
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão, após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 - PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de " inconstitucionalização ". Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, foi dado cumprimento ao "mandado de constatação" em 16.04.2009 (fls. 66/72), em que se averiguou que o núcleo familiar do autor era formado por ele, sua irmã, seu cunhado e dois sobrinhos, contudo, conforme explanado anteriormente, a irmã, o cunhado e os sobrinhos formam núcleo familiar diverso, não podendo as rendas auferidas por estes serem consideradas para efeito de aferição da renda mensal per capita familiar. Por sua vez, o autor não possuí qualquer renda. Importante salientar que não obstante a casa pertencente à irmã esteja guarnecida de muitos móveis e eletrodomésticos (fls. 108), é de se notar que o autor reside sozinho em edícula construída nos fundos, ou seja, não vive sob o mesmo teto com a irmã, o cunhado e os sobrinhos, não desfrutando do conforto da edificação principal.
Por derradeiro, ante a comprovação de que o autor era portador de deficiência e que não possuí meios para prover sua manutenção ou tê-la provida por sua família, é de rigor a concessão do benefício de prestação continuada, na forma prevista no art. 20 da Lei n. 8.742/93.
O termo inicial do benefício deve ser fixado a partir da data de entrada do requerimento administrativo (06.11.2007; fl. 16), momento no qual a autarquia previdenciária tomou ciência da pretensão deduzida em Juízo. Não há falar-se em prescrição, tendo em vista que entre a data do indeferimento do pedido administrativo (14.11.2007; fl. 16) e a data do ajuizamento da ação subjacente (17.03.2009; fl. 24).
Cumpre, ainda, explicitar os critérios de cálculo de correção monetária e dos juros de mora.
Os juros de mora e a correção monetária deverão observar o disposto na Lei nº 11.960/09 (STF, Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 870.947, 16.04.2015, Rel. Min. Luiz Fux).
A base de cálculo dos honorários advocatícios corresponde às prestações vencidas até a data do presente julgamento, de acordo com o entendimento desta 3ª Seção, fixando-se o percentual em 15%, nos termos do art. 20, §4º, do CPC.
DO DISPOSITIVO DA RESCISÓRIA
Diante do exposto, divirjo, data vênia, da i. Relatora, e julgo procedente o pedido deduzido na presente ação rescisória para rescindir a r. sentença proferida nos autos n. 2009.61.11.001450-2, que tramitou na 2ª Vara Federal de Marília/SP, com base no art. 485, inciso V, do Código de Processo Civil e, no juízo rescisorium, julgo procedente o pedido do autor na ação subjacente, para condenar o INSS a conceder-lhe o benefício de prestação continuada, no valor de um salário mínimo, a contar da data de entrada do requerimento administrativo (06.11.2007). As verbas acessórias serão calculadas na forma retro explicitada. Honorários advocatícios arbitrados em 15% sobre o valor das prestações vencidas até a data do presente julgamento.
Determino que independentemente do trânsito em julgado, expeça-se e-mail ao INSS, instruído com os devidos documentos da parte autora DEONISIO LUCIANO, a fim de serem adotadas as providências cabíveis para que seja o BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA implantado de imediato, com data de início - DIB em 06.11.2007, no valor de um salário mínimo, tendo em vista o "caput" do artigo 461 do CPC.
É como voto.
SERGIO NASCIMENTO
Relator para o acórdão
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0015567-03.2010.4.03.0000/SP
RELATÓRIO
A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (Relatora). Rescisória proposta em 19.5.2010 com fundamento no inciso V do artigo 485 do Código de Processo Civil, objetivando desconstituir julgado transitado em 10.12.2009 (fl. 143, verso) que reconheceu improcedente pedido de concessão de benefício assistencial a pessoa alegadamente deficiente, nos termos seguintes (fl. 141):
Sustenta-se que a decisão rescindenda "violou a letra disposta no Art. 230 da CF, Art. 20 da Lei nº 8.742/93 e Art. 16 da Lei nº 8.213/91", na medida em que o núcleo familiar não pode ser considerado tal como disposto na sentença, em que incluídos na composição irmã, cunhado e dois sobrinhos, cediço, conforme aduzido, que "o autor mora sozinho em residência apartada aos fundos do terreno ao qual sua irmã mora à frente".
Requer-se a "a procedência da presente ação rescisória, para determinar a rescisão da r. sentença de fls. 116/119, do processo nº 2009.61.11.001450-2 da E. 2ª Vara Federal de Marília-SP, reconhecendo o preenchimento dos requisitos autorizadores para concessão do benefício de Amparo Assistencial pleiteado, e assim, sua consequente concessão e implantação, bem como o recebimento de todo o período desde a data do requerimento (06/11/2007)".
Deferidos, à fl. 149, os benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos do artigo 4º da Lei nº 1.060/50, dispensando-se o requerente do depósito a que alude o inciso II do artigo 488 do Código de Processo Civil.
Contestação às fls. 156/165, alegando-se, preliminarmente, a carência do direito de ação e a incidência do óbice da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal, e, no mérito, pugnado pela improcedência do pedido.
Instado a se pronunciar sobre a resposta (fl. 167), o autor redargüiu às fls. 169/175, reiterando os termos de sua pretensão.
Encaminhado julgamento conforme o estado do processo, in verbis (fl. 178):
A Procuradoria Regional da República opinou "pela improcedência da ação" (fls. 182/189).
É o relatório.
À revisão.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0015567-03.2010.4.03.0000/SP
VOTO
A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (Relatora). A aventada existência de carência do direito de ação, "porque, como se depreende da leitura da peça inicial, o Autor, a pretexto de ocorrência de violação a literal disposição de lei, pretende, apenas, a rediscussão do quadro fático-probatório produzido na lide subjacente", bem como a "incidência dos termos da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal" (fl. 158), exigem, de fato, o exame minucioso dos argumentos expendidos inicialmente, dizendo respeito, na verdade, ao mérito do pedido, confundindo-se com o iudicium rescindens propriamente dito, razão pela qual serão com ele analisadas.
Para a maciça doutrina processual, violar literal disposição de lei significa desbordar por inteiro do texto e do contexto legal, importando flagrante desrespeito à lei, em ter a sentença de mérito sido proferida com extremo disparate, completamente desarrazoada.
José Frederico Marques refere-se a "afronta a sentido unívoco e incontroverso do texto legal" (Manual de Direito Processual Civil, vol. III, Bookseller, 1ª edição, p. 304). Vicente Greco Filho, a seu turno, leciona que "a violação de lei para ensejar a rescisória deve ser frontal e induvidosa" (Direito Processual Civil Brasileiro, 2º vol., Saraiva, 5ª edição, p. 385). Também Ada Pellegrini Grinover (obra citada), ao afirmar que a violação do direito em tese, para sustentar a demanda rescisória, há de ser clara e insofismável.
Ainda, a respeito, a anotação de THEOTONIO NEGRÃO (Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, Saraiva, 38ª edição, pp. 567-568), ilustrando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto:
Constata-se também o fato de o dispositivo resguardar não apenas a literalidade da norma, mas seu sentido, sua finalidade, muitas vezes alcançados mediante métodos de interpretação (Sérgio Rizzi, Ação Rescisória, São Paulo, RT, 1979, p. 105-107).
José Carlos Barbosa Moreira, criticando a expressão "literal disposição de lei", pondera: "O ordenamento jurídico evidentemente não se exaure naquilo que a letra da lei revela à primeira vista. Nem é menos grave o erro do julgar na solução da quaestio iuris quando afronte norma que integra o ordenamento sem constar literalmente de texto algum" (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, Rio de Janeiro, Forense, 11ª edição, 2003, p. 130).
Igualmente, Flávio Luiz Yarshell: "Tratando-se de error in iudicando ainda paira incerteza acerca da interpretação que se deve dar ao dispositivo legal. Quando este fala em violação a 'literal' disposição de lei, em primeiro lugar, há que se entender que está, aí, reafirmando o caráter excepcional da ação rescisória, que não se presta simplesmente a corrigir injustiça da decisão, tampouco se revelando simples abertura de uma nova instância recursal, ainda que de direito. Contudo, exigir-se que a rescisória caiba dentro de tais estreitos limites não significa dizer que a interpretação que se deva dar ao dispositivo violado seja literal, porque isso, para além dos limites desse excepcional remédio, significaria um empobrecimento do próprio sistema, entendido apenas pelo sentido literal de suas palavras. Daí por que é correto concluir que a lei, nessa hipótese, exige que tenham sido frontal e diretamente violados o sentido e o propósito da norma" (Ação Rescisória: juízos rescindente e rescisório, São Paulo, Malheiros, 2005, p. 323).
Conclui-se ser inadmissível a desconstituição do julgado com base em mera injustiça, em interpretações controvertidas, embora fundadas. A rescisória não se confunde com nova instância recursal. Exige-se mais, que o posicionamento adotado desborde do razoável, que agrida a literalidade ou o propósito da norma.
Não é o que se verifica in casu, em que a pretensão de se obter a revisão do decreto de improcedência do pleito de concessão de benefício assistencial, especificamente no que concerne à forma como delineada a composição do núcleo familiar, para efeito de aferição da renda per capita, questionando-se a interpretação conferida pela sentença ao § 1º do artigo 20 da Lei 8.742/93, em sua redação anterior às alterações promovidas pela Lei 12.435/2011, esbarra justamente na impossibilidade de utilização da presente demanda fora de seus trilhos legais, porquanto recurso com prazo alargado de 2 (dois) anos a rescisória não é, sobretudo quando à matéria posta em debate recai o óbice da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual "não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais".
Assim decidiu este colegiado em hipótese análoga à destes autos, em julgado assim resumido:
De valia, a propósito, a menção quer aos fundamentos declinados no voto do Relator para solução do agravo submetido à Seção, quer à argumentação desenvolvida por ocasião da decisão monocrática proferida, pronunciados pelo Desembargador Federal Fausto de Sanctis nos moldes abaixo:
No mesmo sentido, embora menos recentemente: Agravo Regimental na Ação Rescisória 2011.03.00.030196-2, rel. Desembargadora Federal Marianina Galante, j. em 8.3.2012, Diário Eletrônico de 19.3.2012.
Mesmo que assim não fosse, ou seja, ainda que se entendesse possível adentrar no exame acerca da alegada violação, também nesse caso não resultaria em melhor sorte à parte autora.
O reconhecimento de eventual afronta ao artigo 20, § 1º, da Lei 8.742/93, não seria o bastante à desconstituição do julgado, por subsistir o ponto em que decidido ausente também o pressuposto legal necessário à concessão do benefício assistencial correspondente à demonstração da condição de pessoa deficiente, aspecto aqui nem sequer abordado, circunstancia a resultar, portanto, na inviabilidade do presente feito, pois, afinal, "Quando a decisão rescindenda tem dois fundamentos, a rescisória só poderá vingar se for procedente em relação a ambos (STJ-2ª Seção, AR 75, Min. Barros Monteiro, j. 27.9.89, DJU 20.11.89; RTJ 83/674, RJTJESP 43/272, JTA 112/301)" (Theotonio Negrão, obra citada, 46ª edição, p. 623).
Dito isso, julgo improcedente o pedido de rescisão formulado na presente demanda.
Sem condenação em verba honorária, à vista da assistência judiciária gratuita deferida nos autos.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
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