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PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 20, §1º, DA LEI N. 8. 742/93. COMPOSIÇÃO DO NÚCLEO FAMILIAR. IRMÃ ...

Data da publicação: 09/07/2020, 20:34:09

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 20, §1º, DA LEI N. 8.742/93. COMPOSIÇÃO DO NÚCLEO FAMILIAR. IRMÃ DO AUTOR, CUNHADO E SOBRINHO. NÚCLEOS FAMILIARES DIVERSOS. INTERPRETAÇÃO INCONTROVERSA. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO DE LEI. OCORRÊNCIA. INCAPACIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. I - É incontestável a existência de posicionamentos divergentes no tocante à composição do núcleo familiar, todavia, no caso vertente, verifica-se, de forma categórica, a ocorrência de núcleos familiares diversos, sendo o primeiro constituído tão somente pelo autor e o outro por sua irmã, seu cunhado e seus sobrinhos. Na verdade, não obstante a possibilidade de admissão de arranjos familiares que não se limitem ao rol estipulado pelo art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, é certo que aqueles que albergam irmã ou irmão casados, com os respectivos cônjuges e filhos, não podem constituir um único núcleo familiar. II - Malgrado seja plausível a interpretação no sentido de admitir parentes que não estejam expressamente previstos no art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93 c/c o art. 16 da Lei n. 8.213/91, para efeito de composição do núcleo familiar, no caso vertente, a r. decisão rescindenda afrontou o indigitado preceito legal, pois é incontroverso o entendimento segundo o qual o irmão ou a irmã do requerente, com respectivos cônjuges e filhos, constituem núcleo familiar diverso, não podendo ser computados eventuais rendimentos percebidos por estes. III - O conceito de 'deficiência' atualmente albergado (art. 20, §2º, da Lei n. 8.742/93, com redação alterada pela Lei n. 12.470/2011) é mais extenso do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade. IV - O laudo médico acostado aos autos, realizado em 14.09.2009, atestou que o autor apresenta deficiência auditiva bilateral, que teria se iniciado na infância. Assinala, outrossim, que houve "...Perda auditiva neurossensorial de grau profundo bilateral..." , apresentando incapacidade parcial e permanente para o exercício de atividade laborativa. Consigna, por fim, que o autor "...não é alfabetizado, nunca realizou nenhum tipo de atividade laboral, situações que determinam desvantagens e que o impossibilita de pleitear uma vaga no mercado de trabalho..." V - Com fundamento na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que se incorporou no ordenamento jurídico com status constitucional, e em face do disposto no art. 462 do CPC, que impinge ao julgador considerar fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito ocorrido posteriormente ao ajuizamento da ação (no caso, da ação subjacente), é de se reconhecer a deficiência do autor, tendo em vista que possui impedimentos de longo prazo de natureza física. Notadamente, tal condição obstruiu sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. VI - O §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11. VII - No âmbito da Reclamação 4374 - PE, julgada em 18.04.2013, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de " inconstitucionalização ". Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar. VIII - É de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial. IX - No caso dos autos, foi dado cumprimento ao "mandado de constatação" em 16.04.2009, em que se averiguou que o núcleo familiar do autor era formado por ele, sua irmã, seu cunhado e dois sobrinhos, contudo, conforme explanado anteriormente, a irmã, o cunhado e os sobrinhos formam núcleo familiar diverso, não podendo as rendas auferidas por estes serem consideradas para efeito de aferição da renda mensal per capita familiar. Por sua vez, o autor não possuí qualquer renda. Importante salientar que não obstante a casa pertencente à irmã esteja guarnecida de muitos móveis e eletrodomésticos, é de se notar que o autor reside sozinho em edícula construída nos fundos, ou seja, não vive sob o mesmo teto com a irmã, o cunhado e os sobrinhos, não desfrutando do conforto da edificação principal. X - Comprovado que o autor era portador de deficiência, bem como não possuía meios para prover sua manutenção ou tê-la provida por sua família, faz jus a concessão do benefício assistencial. XI - O termo inicial do benefício deve ser fixado a partir da data de entrada do requerimento administrativo (06.11.2007), momento no qual a autarquia previdenciária tomou ciência da pretensão deduzida em Juízo. Não há falar-se em prescrição, tendo em vista que entre a data do indeferimento do pedido administrativo (14.11.2007) e a data do ajuizamento da ação subjacente (17.03.2009). XII - Os juros de mora e a correção monetária deverão observar o disposto na Lei nº 11.960/09 (STF, Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 870.947, 16.04.2015, Rel. Min. Luiz Fux). XIII - A base de cálculo dos honorários advocatícios corresponde às prestações vencidas até a data do presente julgamento, de acordo com o entendimento desta 3ª Seção, fixando-se o percentual em 15%, nos termos do art. 20, §4º, do CPC. XIV - Ação rescisória cujo pedido se julga procedente. Ação subjacente cujo pedido se julga procedente (TRF 3ª Região, TERCEIRA SEÇÃO, EI - EMBARGOS INFRINGENTES - 7433 - 0015567-03.2010.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL THEREZINHA CAZERTA, julgado em 25/06/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/07/2015 )


Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 16/07/2015
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0015567-03.2010.4.03.0000/SP
2010.03.00.015567-9/SP
RELATORA:Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA
REL. ACÓRDÃO:Desembargador Federal Relator SERGIO NASCIMENTO
AUTOR(A):DEONISIO LUCIANO
ADVOGADO:SP122801 OTAVIO AUGUSTO CUSTODIO DE LIMA
RÉU/RÉ:Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG.:2009.61.11.001450-2 2 Vr MARILIA/SP

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 20, §1º, DA LEI N. 8.742/93. COMPOSIÇÃO DO NÚCLEO FAMILIAR. IRMÃ DO AUTOR, CUNHADO E SOBRINHO. NÚCLEOS FAMILIARES DIVERSOS. INTERPRETAÇÃO INCONTROVERSA. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO DE LEI. OCORRÊNCIA. INCAPACIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I - É incontestável a existência de posicionamentos divergentes no tocante à composição do núcleo familiar, todavia, no caso vertente, verifica-se, de forma categórica, a ocorrência de núcleos familiares diversos, sendo o primeiro constituído tão somente pelo autor e o outro por sua irmã, seu cunhado e seus sobrinhos. Na verdade, não obstante a possibilidade de admissão de arranjos familiares que não se limitem ao rol estipulado pelo art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, é certo que aqueles que albergam irmã ou irmão casados, com os respectivos cônjuges e filhos, não podem constituir um único núcleo familiar.
II - Malgrado seja plausível a interpretação no sentido de admitir parentes que não estejam expressamente previstos no art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93 c/c o art. 16 da Lei n. 8.213/91, para efeito de composição do núcleo familiar, no caso vertente, a r. decisão rescindenda afrontou o indigitado preceito legal, pois é incontroverso o entendimento segundo o qual o irmão ou a irmã do requerente, com respectivos cônjuges e filhos, constituem núcleo familiar diverso, não podendo ser computados eventuais rendimentos percebidos por estes.
III - O conceito de 'deficiência' atualmente albergado (art. 20, §2º, da Lei n. 8.742/93, com redação alterada pela Lei n. 12.470/2011) é mais extenso do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.
IV - O laudo médico acostado aos autos, realizado em 14.09.2009, atestou que o autor apresenta deficiência auditiva bilateral, que teria se iniciado na infância. Assinala, outrossim, que houve "...Perda auditiva neurossensorial de grau profundo bilateral..." , apresentando incapacidade parcial e permanente para o exercício de atividade laborativa. Consigna, por fim, que o autor "...não é alfabetizado, nunca realizou nenhum tipo de atividade laboral, situações que determinam desvantagens e que o impossibilita de pleitear uma vaga no mercado de trabalho..."
V - Com fundamento na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que se incorporou no ordenamento jurídico com status constitucional, e em face do disposto no art. 462 do CPC, que impinge ao julgador considerar fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito ocorrido posteriormente ao ajuizamento da ação (no caso, da ação subjacente), é de se reconhecer a deficiência do autor, tendo em vista que possui impedimentos de longo prazo de natureza física. Notadamente, tal condição obstruiu sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
VI - O §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11.
VII - No âmbito da Reclamação 4374 - PE, julgada em 18.04.2013, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de " inconstitucionalização ". Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar.
VIII - É de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
IX - No caso dos autos, foi dado cumprimento ao "mandado de constatação" em 16.04.2009, em que se averiguou que o núcleo familiar do autor era formado por ele, sua irmã, seu cunhado e dois sobrinhos, contudo, conforme explanado anteriormente, a irmã, o cunhado e os sobrinhos formam núcleo familiar diverso, não podendo as rendas auferidas por estes serem consideradas para efeito de aferição da renda mensal per capita familiar. Por sua vez, o autor não possuí qualquer renda. Importante salientar que não obstante a casa pertencente à irmã esteja guarnecida de muitos móveis e eletrodomésticos, é de se notar que o autor reside sozinho em edícula construída nos fundos, ou seja, não vive sob o mesmo teto com a irmã, o cunhado e os sobrinhos, não desfrutando do conforto da edificação principal.
X - Comprovado que o autor era portador de deficiência, bem como não possuía meios para prover sua manutenção ou tê-la provida por sua família, faz jus a concessão do benefício assistencial.
XI - O termo inicial do benefício deve ser fixado a partir da data de entrada do requerimento administrativo (06.11.2007), momento no qual a autarquia previdenciária tomou ciência da pretensão deduzida em Juízo. Não há falar-se em prescrição, tendo em vista que entre a data do indeferimento do pedido administrativo (14.11.2007) e a data do ajuizamento da ação subjacente (17.03.2009).
XII - Os juros de mora e a correção monetária deverão observar o disposto na Lei nº 11.960/09 (STF, Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 870.947, 16.04.2015, Rel. Min. Luiz Fux).
XIII - A base de cálculo dos honorários advocatícios corresponde às prestações vencidas até a data do presente julgamento, de acordo com o entendimento desta 3ª Seção, fixando-se o percentual em 15%, nos termos do art. 20, §4º, do CPC.
XIV - Ação rescisória cujo pedido se julga procedente. Ação subjacente cujo pedido se julga procedente


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, julgar procedente o pedido formulado na ação rescisória e, em novo julgamento, julgar procedente o pedido formulado na ação subjacente, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 25 de junho de 2015.
SERGIO NASCIMENTO
Relator para o acórdão


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): SERGIO DO NASCIMENTO:10045
Nº de Série do Certificado: 3814E6544590B25A
Data e Hora: 07/07/2015 15:35:37



AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0015567-03.2010.4.03.0000/SP
2010.03.00.015567-9/SP
RELATORA:Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA
REL. ACÓRDÃO:Desembargador Federal Relator SERGIO NASCIMENTO
AUTOR(A):DEONISIO LUCIANO
ADVOGADO:SP122801 OTAVIO AUGUSTO CUSTODIO DE LIMA
RÉU/RÉ:Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG.:2009.61.11.001450-2 2 Vr MARILIA/SP

VOTO-VISTA

Deonisio Luciano ajuizou a presente ação rescisória, com fulcro no artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil, visando a desconstituição de sentença prolatada pelo Juízo da 2ª Vara Federal de Marília/SP, que julgou improcedente pedido que objetivava a concessão de benefício de prestação continuada (art. 203, inciso V, da Constituição da República), sob o fundamento de que a renda per capita apurado entre os integrantes do núcleo familiar do ora autor era superior ao patamar determinado pelo §3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93.


A Exma. Sra. Desembargadora Federal Therezinha Cazerta, em seu brilhante voto de fls. 198/201, houve por bem julgar improcedente o pedido formulado na presente demanda, aduzindo que a r. decisão rescindenda, ao delinear a composição de núcleo familiar, para efeito de aferição da renda per capita, mediante a inclusão dos ganhos obtidos pelo cunhado e pelo sobrinho do autor, optou por uma dentre as interpretações possíveis do §1º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93, em sua redação anterior às alterações promovidas pela Lei n. 12.435/2011, concluindo, assim, tratar-se de matéria controversa, a ensejar o óbice da Súmula n. 343 do Supremo Tribunal Federal. Reforça seu entendimento, indicando precedente desta Seção que reconheceu a existência de posicionamentos divergentes quanto à composição do núcleo familiar (AR. n. 2008.03.00.024136-0; Rel. Desembargador Federal Fausto de Sanctis; j. 27.11.2014; DE 05.02.2015)


Pedi vista dos autos apenas para melhor reflexão quanto à possibilidade da abertura da via rescisória com base no fundamento indicado pelo ora autor.


Com efeito, a i. Relatora faz menção expressa a julgado desta Seção, no qual há o reconhecimento de interpretação controvertida acerca do alcance do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, que dispõe sobre a composição do núcleo familiar. Desta forma, a r. decisão rescindenda, ao incluir as rendas auferidas pelo cunhado e pelo sobrinho para efeito de aferição da renda per capita, teria, a rigor, adotado interpretação plausível, na medida em que o preceito legal em debate não teria o condão de esgotar todas as possibilidades de composição do núcleo familiar.


De fato, é incontestável a existência de posicionamentos divergentes no tocante à composição do núcleo familiar, todavia, no caso vertente, verifica-se, de forma categórica, a ocorrência de núcleos familiares diversos, sendo o primeiro constituído tão somente pelo autor e o outro por sua irmã, seu cunhado e seus sobrinhos. Na verdade, não obstante a possibilidade de admissão de arranjos familiares que não se limitem ao rol estipulado pelo art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, é certo que aqueles que albergam irmã ou irmão casados, com os respectivos cônjuges e filhos, não podem constituir um único núcleo familiar. Nesse sentido, confira-se a jurisprudência:


PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RENDA MENSAL PER CAPITA. CONCEITO DE FAMÍLIA. ART. 20, §1º, DA LEI Nº 8.742/93, ALTERADO PELA LEI Nº 12.435/2011. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
Depreende-se do disposto no art. 20,§1º, da Lei nº 8.742/93, alterado pela Lei nº 12.435/2011, que o irmão do requerente portador de necessidades especiais, que tem seu próprio núcleo familiar (isto é, esposa e filhos), não tem o dever legal de manter-lhe a subsistência. Assim, seus rendimentos, ainda que viva sob o mesmo teto do requerente do benefício, não devem ser considerados para fins de apuração da hipossuficiência econômica a autorizar a concessão de benefício assistencial.
Recurso especial provido.
(STJ; RESP 201100771317; 6ª Turma; Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura; j. 06.12.2012; DJE 13.12.2012).

Esta Seção já se pronunciou também sobre caso análogo, como se pode ver da seguinte ementa:


PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. AUSÊNCIA DO VOTO VENCIDO. PRELIMINAR REJEITADA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 20 DA LEI N. 8.742/93. MISERABILIDADE CARACTERIZADA. RECURSO PROVIDO.
(...)
4. Segundo o estudo social, a parte autora, sem renda, reside com sua irmã (curadora), cunhado e três sobrinhos em uma Chácara, cujas despesas de água, luz e IPTU são pagas pelo proprietário.
5. É importante destacar que a irmã, assim como cunhado e sobrinhos, formam núcleo familiar diverso, por não estarem no rol dos parentes que compõem a família, para fins de apuração da renda per capita, estabelecido no artigo 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, com redação vigente à época da prolação do julgado (30.11.2009).
(...)
7. Conclui-se, desse modo, não ser possível considerar os rendimentos auferidos por sua irmã, cunhado e sobrinhos, para fins de verificar a condição econômica da parte autora.
(....)
(TRF-3ª Região; EI 00159984720094039999; 3ª Seção; Rel. Des. Fed. Daldice Santana; j. 14.08.2014; e-DJF3 26.08.2014)

Em síntese, malgrado seja plausível a interpretação no sentido de admitir parentes que não estejam expressamente previstos no art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93 c/c o art. 16 da Lei n. 8.213/91, para efeito de composição do núcleo familiar, penso que, no caso vertente, a r. decisão rescindenda afrontou o indigitado preceito legal, pois é incontroverso o entendimento segundo o qual o irmão ou a irmã do requerente, com respectivos cônjuges e filhos, constituem núcleo familiar diverso, não podendo ser computados eventuais rendimentos percebidos por estes.


Ademais, cabe destacar que a r. decisão rescindenda considerou tão somente a renda mensal per capita familiar superior a ¼ do salário mínimo para concluir pela inexistência de miserabilidade, sem levar em conta outros elementos probatórios constantes dos autos, sendo que, na data de sua prolação (28.10.2009), o e. STJ julgava recurso repetitivo representativo de controvérsia (RESP n. 1.112.557/MG; j. 28.10.2009), estabelecendo que "...A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo...".


Destarte, configura-se a ocorrência da hipótese prevista no inciso V do art. 485 do CPC, a autorizar a abertura da via rescisória.


DO JUÍZO RESCISORIUM


Objetiva o autor a concessão de benefício de prestação continuada, com fundamento no art. 20 da Lei n. 8.742/93, alegando ser portador de surdo-mudez desde o nascimento, não tendo meios de prover seu próprio sustento ou tê-lo provido por sua família.


Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:


Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.

Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho.


Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência, constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência, limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.


Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo 186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status normativo equivalente ao das emendas constitucionais.


A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:


Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.

Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de "pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação atualizada:


Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011).

Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.


Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a seguinte redação:


Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o período de revisão previsto no caput do art. 21.

Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e 'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada, seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho, ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.


Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, o laudo médico de fls. 121/124, realizado em 14.09.2009, atestou que o autor apresenta deficiência auditiva bilateral, que teria se iniciado na infância. Assinala, outrossim, que houve "...Perda auditiva neurossensorial de grau profundo bilateral..." , apresentando incapacidade parcial e permanente para o exercício de atividade laborativa. Consigna, por fim, que o autor "...não é alfabetizado, nunca realizou nenhum tipo de atividade laboral, situações que determinam desvantagens e que o impossibilita de pleitear uma vaga no mercado de trabalho..."


Com fundamento na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que se incorporou no ordenamento jurídico com status constitucional, e em face do disposto no art. 462 do CPC, que impinge ao julgador considerar fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito ocorrido posteriormente ao ajuizamento da ação (no caso, da ação subjacente), é de se reconhecer a deficiência do autor, tendo em vista que possui impedimentos de longo prazo de natureza física. Notadamente, tal condição obstruiu sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.


Há que se reconhecer, portanto, que a parte autora fará jus ao benefício assistencial, caso preencha o requisito socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras pessoas'.


No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima transcrita.


A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão que recebeu a seguinte ementa:


CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
(STF. ADI 1.234-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 01.06.01).

Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).


O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão, após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 - PE, julgada em 18.04.2013.


Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de " inconstitucionalização ". Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:


Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição.
(...)
4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
(...)
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.
6. Reclamação constitucional julgada improcedente.
(Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).

Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.


No caso dos autos, foi dado cumprimento ao "mandado de constatação" em 16.04.2009 (fls. 66/72), em que se averiguou que o núcleo familiar do autor era formado por ele, sua irmã, seu cunhado e dois sobrinhos, contudo, conforme explanado anteriormente, a irmã, o cunhado e os sobrinhos formam núcleo familiar diverso, não podendo as rendas auferidas por estes serem consideradas para efeito de aferição da renda mensal per capita familiar. Por sua vez, o autor não possuí qualquer renda. Importante salientar que não obstante a casa pertencente à irmã esteja guarnecida de muitos móveis e eletrodomésticos (fls. 108), é de se notar que o autor reside sozinho em edícula construída nos fundos, ou seja, não vive sob o mesmo teto com a irmã, o cunhado e os sobrinhos, não desfrutando do conforto da edificação principal.


Por derradeiro, ante a comprovação de que o autor era portador de deficiência e que não possuí meios para prover sua manutenção ou tê-la provida por sua família, é de rigor a concessão do benefício de prestação continuada, na forma prevista no art. 20 da Lei n. 8.742/93.


O termo inicial do benefício deve ser fixado a partir da data de entrada do requerimento administrativo (06.11.2007; fl. 16), momento no qual a autarquia previdenciária tomou ciência da pretensão deduzida em Juízo. Não há falar-se em prescrição, tendo em vista que entre a data do indeferimento do pedido administrativo (14.11.2007; fl. 16) e a data do ajuizamento da ação subjacente (17.03.2009; fl. 24).


Cumpre, ainda, explicitar os critérios de cálculo de correção monetária e dos juros de mora.


Os juros de mora e a correção monetária deverão observar o disposto na Lei nº 11.960/09 (STF, Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 870.947, 16.04.2015, Rel. Min. Luiz Fux).


A base de cálculo dos honorários advocatícios corresponde às prestações vencidas até a data do presente julgamento, de acordo com o entendimento desta 3ª Seção, fixando-se o percentual em 15%, nos termos do art. 20, §4º, do CPC.


DO DISPOSITIVO DA RESCISÓRIA


Diante do exposto, divirjo, data vênia, da i. Relatora, e julgo procedente o pedido deduzido na presente ação rescisória para rescindir a r. sentença proferida nos autos n. 2009.61.11.001450-2, que tramitou na 2ª Vara Federal de Marília/SP, com base no art. 485, inciso V, do Código de Processo Civil e, no juízo rescisorium, julgo procedente o pedido do autor na ação subjacente, para condenar o INSS a conceder-lhe o benefício de prestação continuada, no valor de um salário mínimo, a contar da data de entrada do requerimento administrativo (06.11.2007). As verbas acessórias serão calculadas na forma retro explicitada. Honorários advocatícios arbitrados em 15% sobre o valor das prestações vencidas até a data do presente julgamento.


Determino que independentemente do trânsito em julgado, expeça-se e-mail ao INSS, instruído com os devidos documentos da parte autora DEONISIO LUCIANO, a fim de serem adotadas as providências cabíveis para que seja o BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA implantado de imediato, com data de início - DIB em 06.11.2007, no valor de um salário mínimo, tendo em vista o "caput" do artigo 461 do CPC.


É como voto.


SERGIO NASCIMENTO
Relator para o acórdão


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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0015567-03.2010.4.03.0000/SP
2010.03.00.015567-9/SP
RELATORA:Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA
AUTOR(A):DEONISIO LUCIANO
ADVOGADO:SP122801 OTAVIO AUGUSTO CUSTODIO DE LIMA
RÉU/RÉ:Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG.:2009.61.11.001450-2 2 Vr MARILIA/SP

RELATÓRIO

A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (Relatora). Rescisória proposta em 19.5.2010 com fundamento no inciso V do artigo 485 do Código de Processo Civil, objetivando desconstituir julgado transitado em 10.12.2009 (fl. 143, verso) que reconheceu improcedente pedido de concessão de benefício assistencial a pessoa alegadamente deficiente, nos termos seguintes (fl. 141):


"No caso em tela, não se encontra comprovado que o(a) autor(a) preencheu os requisitos legais a concessão do benefício pleiteado.
O(A) autor(a) nasceu no dia 15/07/1972 (fls. 23) e estava com 36 anos quando a presente ação foi distribuída, em 17/03/2009, sendo necessária, nos termos do artigo 20, § 6º, da Lei nº 8.742/93, a prova pericial médica.
O perito nomeado por este Juízo atestou que a parte autora é portadora de 'deficiência auditiva bilateral' e reconheceu que não há total incapacidade laborativa, pois concluiu que há 'incapacidade parcial'.
Não preenchido um dos requisitos, pois para o efeito da legislação de regência, 'a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independentemente e para o trabalho' (Lei nº 8.742/93, artigo 20, § 2º).
Quanto ao requisito miserabilidade, o núcleo familiar do(a) autor(a), de acordo com o Auto de Constatação incluso, compõe-se de 5 pessoas:
o(a) autor(a);
sua irmã, Sra. Maria Neide da Silva Garcia, com 50 anos de idade, não aufere renda;
seu cunhado, Sr. Alberto Padilha Garcia, com 56 anos de idade, aposentado, recebe R$ 465,00 mensais;
seu sobrinho, Valmir da Silva Garcia, com 22 anos de idade, trabalha em uma borracharia, recebe R$ 500,00 mensais;
seu sobrinho, Carlos Alberto da Silva Garcia, com 17 anos de idade, estudante, não aufere renda.
Assim sendo, verifica-se que a renda da família do(a) autor(a) é de aproximadamente R$ 965,00 (novecentos e sessenta e cinco reais) ou seja, a renda per capita é de R$ 193,00 (cento e noventa e três reais), correspondente a 41,50% do salário mínimo atual (R$ 465,00) e, portanto, muito superior àquela determinada pelo § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93."

Sustenta-se que a decisão rescindenda "violou a letra disposta no Art. 230 da CF, Art. 20 da Lei nº 8.742/93 e Art. 16 da Lei nº 8.213/91", na medida em que o núcleo familiar não pode ser considerado tal como disposto na sentença, em que incluídos na composição irmã, cunhado e dois sobrinhos, cediço, conforme aduzido, que "o autor mora sozinho em residência apartada aos fundos do terreno ao qual sua irmã mora à frente".

Requer-se a "a procedência da presente ação rescisória, para determinar a rescisão da r. sentença de fls. 116/119, do processo nº 2009.61.11.001450-2 da E. 2ª Vara Federal de Marília-SP, reconhecendo o preenchimento dos requisitos autorizadores para concessão do benefício de Amparo Assistencial pleiteado, e assim, sua consequente concessão e implantação, bem como o recebimento de todo o período desde a data do requerimento (06/11/2007)".

Deferidos, à fl. 149, os benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos do artigo 4º da Lei nº 1.060/50, dispensando-se o requerente do depósito a que alude o inciso II do artigo 488 do Código de Processo Civil.

Contestação às fls. 156/165, alegando-se, preliminarmente, a carência do direito de ação e a incidência do óbice da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal, e, no mérito, pugnado pela improcedência do pedido.

Instado a se pronunciar sobre a resposta (fl. 167), o autor redargüiu às fls. 169/175, reiterando os termos de sua pretensão.

Encaminhado julgamento conforme o estado do processo, in verbis (fl. 178):


"Vistos.
Ação rescisória em que se alega a existência de violação a literal disposição de lei, nos termos do artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil.
Porque unicamente de direito a questão, é caso de julgamento antecipado da lide, sendo despicienda a produção de outras provas (artigo 491, parte final, c/c artigo 330, inciso I, ambos do CPC).
Nos autos, os elementos necessários ao exame da ação rescisória, dispensável a abertura de vista às partes para razões finais.
Ao Ministério Público Federal.
Intimem-se.
São Paulo, 13 de outubro de 2010."

A Procuradoria Regional da República opinou "pela improcedência da ação" (fls. 182/189).

É o relatório.

À revisão.


THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora


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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0015567-03.2010.4.03.0000/SP
2010.03.00.015567-9/SP
RELATORA:Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA
AUTOR(A):DEONISIO LUCIANO
ADVOGADO:SP122801 OTAVIO AUGUSTO CUSTODIO DE LIMA
RÉU/RÉ:Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG.:2009.61.11.001450-2 2 Vr MARILIA/SP

VOTO

A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (Relatora). A aventada existência de carência do direito de ação, "porque, como se depreende da leitura da peça inicial, o Autor, a pretexto de ocorrência de violação a literal disposição de lei, pretende, apenas, a rediscussão do quadro fático-probatório produzido na lide subjacente", bem como a "incidência dos termos da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal" (fl. 158), exigem, de fato, o exame minucioso dos argumentos expendidos inicialmente, dizendo respeito, na verdade, ao mérito do pedido, confundindo-se com o iudicium rescindens propriamente dito, razão pela qual serão com ele analisadas.

Para a maciça doutrina processual, violar literal disposição de lei significa desbordar por inteiro do texto e do contexto legal, importando flagrante desrespeito à lei, em ter a sentença de mérito sido proferida com extremo disparate, completamente desarrazoada.

José Frederico Marques refere-se a "afronta a sentido unívoco e incontroverso do texto legal" (Manual de Direito Processual Civil, vol. III, Bookseller, 1ª edição, p. 304). Vicente Greco Filho, a seu turno, leciona que "a violação de lei para ensejar a rescisória deve ser frontal e induvidosa" (Direito Processual Civil Brasileiro, 2º vol., Saraiva, 5ª edição, p. 385). Também Ada Pellegrini Grinover (obra citada), ao afirmar que a violação do direito em tese, para sustentar a demanda rescisória, há de ser clara e insofismável.

Ainda, a respeito, a anotação de THEOTONIO NEGRÃO (Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, Saraiva, 38ª edição, pp. 567-568), ilustrando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto:


"Art. 485: 20. 'Para ser julgado procedente, o pedido rescindendo deduzido em ação rescisória fulcrada no inc. V do art. 485 do CPC depende, necessariamente, da existência de violação, pelo v. acórdão rescindendo, a literal disposição de lei. A afronta deve ser direta - contra a literalidade da norma jurídica - e não deduzível a partir de interpretações possíveis, restritivas ou extensivas, ou mesmo integração analógica' (STJ-2ª Seção, AR 720-PR-EI, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 9.10.02, rejeitaram os embs., v.u., DJU 17.2.03, p. 214).
'Para que a ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC prospere, é necessário que a interpretação dada pelo 'decisum' rescindendo seja de tal modo aberrante que viole o dispositivo legal em sua literalidade. Se, ao contrário, o acórdão rescindendo elege uma dentre as interpretações cabíveis, ainda que não seja a melhor, a ação rescisória não merece vingar, sob pena de tornar-se recurso ordinário com prazo de interposição de dois anos' (RSTJ 93/416). No mesmo sentido: RT 634/93.
'Ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei. Justifica-se o 'judicium rescindens', em casos dessa ordem, somente quando a lei tida por ofendida o foi em sua literalidade, conforme, aliás, a expressão do art. 485-V do CPC. Não o é ofendida, porém, dessa forma, quando o acórdão rescindendo, dentre as interpretações cabíveis, elege uma delas e a interpretação eleita não destoa da literalidade do texto de lei' (RSTJ 40/17). No mesmo sentido: STJ-RT 733/154."

Constata-se também o fato de o dispositivo resguardar não apenas a literalidade da norma, mas seu sentido, sua finalidade, muitas vezes alcançados mediante métodos de interpretação (Sérgio Rizzi, Ação Rescisória, São Paulo, RT, 1979, p. 105-107).

José Carlos Barbosa Moreira, criticando a expressão "literal disposição de lei", pondera: "O ordenamento jurídico evidentemente não se exaure naquilo que a letra da lei revela à primeira vista. Nem é menos grave o erro do julgar na solução da quaestio iuris quando afronte norma que integra o ordenamento sem constar literalmente de texto algum" (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, Rio de Janeiro, Forense, 11ª edição, 2003, p. 130).

Igualmente, Flávio Luiz Yarshell: "Tratando-se de error in iudicando ainda paira incerteza acerca da interpretação que se deve dar ao dispositivo legal. Quando este fala em violação a 'literal' disposição de lei, em primeiro lugar, há que se entender que está, aí, reafirmando o caráter excepcional da ação rescisória, que não se presta simplesmente a corrigir injustiça da decisão, tampouco se revelando simples abertura de uma nova instância recursal, ainda que de direito. Contudo, exigir-se que a rescisória caiba dentro de tais estreitos limites não significa dizer que a interpretação que se deva dar ao dispositivo violado seja literal, porque isso, para além dos limites desse excepcional remédio, significaria um empobrecimento do próprio sistema, entendido apenas pelo sentido literal de suas palavras. Daí por que é correto concluir que a lei, nessa hipótese, exige que tenham sido frontal e diretamente violados o sentido e o propósito da norma" (Ação Rescisória: juízos rescindente e rescisório, São Paulo, Malheiros, 2005, p. 323).

Conclui-se ser inadmissível a desconstituição do julgado com base em mera injustiça, em interpretações controvertidas, embora fundadas. A rescisória não se confunde com nova instância recursal. Exige-se mais, que o posicionamento adotado desborde do razoável, que agrida a literalidade ou o propósito da norma.

Não é o que se verifica in casu, em que a pretensão de se obter a revisão do decreto de improcedência do pleito de concessão de benefício assistencial, especificamente no que concerne à forma como delineada a composição do núcleo familiar, para efeito de aferição da renda per capita, questionando-se a interpretação conferida pela sentença ao § 1º do artigo 20 da Lei 8.742/93, em sua redação anterior às alterações promovidas pela Lei 12.435/2011, esbarra justamente na impossibilidade de utilização da presente demanda fora de seus trilhos legais, porquanto recurso com prazo alargado de 2 (dois) anos a rescisória não é, sobretudo quando à matéria posta em debate recai o óbice da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual "não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais".

Assim decidiu este colegiado em hipótese análoga à destes autos, em julgado assim resumido:


"EMENTA
AÇÃO RESCISÓRIA. LOAS. MISERABILIDADE. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. INEXISTÊNCIA. AGRAVO LEGAL. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 34 DA LEI N.º 10.741/2003. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 20, §§ 1º E 3º, DA LEI N.º 8.742/1993. INOBSERVÂNCIA À DECISÃO PROFERIDA NA ADIN 1.232. NÃO OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DA SÚMULA VINCULANTE N.º 10 DO STJ. AGRAVO PARCIALMENTE CONHECIDO. NEGADO PROVIMENTO À PARTE CONHECIDA.
1 - Não conhecido do agravo quanto à alegação de inaplicabilidade do artigo 34, parágrafo único, da Lei n.º 10.741/2003, já que tal dispositivo em nenhum momento foi invocado, quer pela decisão agravada, quer pelo acórdão rescindendo.
2 - O critério de miserabilidade não foi aferido apenas a partir de critérios estritamente matemáticos, de forma que a indicação de um valor específico para a totalidade da renda auferida pela família não teria o condão de impor conclusão diferente daquela encontrada pelo acórdão objurgado.
3 - Existência de posicionamentos divergentes quanto à composição do núcleo familiar, havendo quem considere que o conceito de família previsto no artigo 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/1993 (com a redação dada pela Lei n.º 9.720/1998) não era o único a ser considerado para a concessão dos benefícios assistenciais. A matéria foi objeto de Pedido de Uniformização de Jurisprudência perante a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais nos autos n.º 2005.70.95.004847-1, julgado em 01.12.2006. No sentido da decisão rescindenda é o Enunciado n.º 51, aprovado no III Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais, realizado em outubro de 2006, o qual dispõe que 'o art. 20, parágrafo primeiro, da Lei 8742/93 não é exauriente para delimitar o conceito de unidade familiar'.
4 - A aferição do critério de miserabilidade, para fins de concessão de benefício assistencial, na esteira de precedentes jurisprudenciais, não está limitado ao disposto no artigo 20, § 3º da Lei n.º 8.742/1993.
5 - O Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIN 1.232, embora tenha concluído pela constitucionalidade do artigo 20, § 3º, da Lei n.º 8.472/1993, não determinou que esse fosse o único critério para a aferição da condição de miserabilidade.
6 - Na 3ª Seção desta Corte, é pacífico o entendimento de que não há violação a qualquer disposição de lei pela decisão que se pauta por outros critérios, além daquele previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n.º 8.742/1993, para a aferição do critério de miserabilidade, para fins de concessão de benefício assistencial.
7 - Não há violação ao disposto no artigo 97 da Constituição Federal ou à Súmula Vinculante n.º 10 do STF, pois a caracterização do estado de miserabilidade ou a aferição do núcleo familiar, mediante critérios outros que aqueles estampados no artigo 20, §§ 1º e 3º, da Lei n.º 8.742/1993, não implica ter havido afastamento da incidência desses dispositivos.
8 - Diante do caso concreto, é possível que o intérprete se utilize de outros vetores interpretativos para melhor caracterização do estado de penúria da família da pessoa deficiente ou idosa.
9 - O Órgão Colegiado não deve modificar a decisão do Relator, quando devidamente fundamentada e que não padeça dos vícios da ilegalidade e abuso de poder, capazes de gerar dano irreparável ou de difícil reparação.
10 - Agravo legal parcialmente conhecido e, na parte conhecida, negado provimento ao recurso.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, CONHECER PARCIALMENTE DO AGRAVO e, na parte conhecida, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
São Paulo, 27 de novembro de 2014.
Fausto De Sanctis
Desembargador Federal"
(Ação Rescisória 2008.03.00.024136-0, publicação no Diário Eletrônico de 5.2.2015)

De valia, a propósito, a menção quer aos fundamentos declinados no voto do Relator para solução do agravo submetido à Seção, quer à argumentação desenvolvida por ocasião da decisão monocrática proferida, pronunciados pelo Desembargador Federal Fausto de Sanctis nos moldes abaixo:


"No que concerne à composição do núcleo familiar, a decisão monocrática agravada consignou que à época do julgado objurgado havia posicionamentos divergentes, que consideravam que o conceito de família previsto no artigo 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/1993 (com a redação dada pela Lei n.º 9.720/1998) não era o único a ser considerado para a concessão dos benefícios assistenciais. Nesse sentido, inclusive, ficou consignado que a matéria foi objeto de Pedido de Uniformização de Jurisprudência perante a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais nos autos n.º 2005.70.95.004847-1, julgado em 01.12.2006, ou seja, na mesma época em que prolatado o acórdão rescindendo.
Na esteira da decisão rescindenda, que considerou o irmão maior de vinte e um anos, a cunhada e a sobrinha como integrantes do núcleo familiar da parte ré, é o enunciado n.º 51, aprovado no III Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais, realizado em outubro de 2006, o qual dispõe que 'o art. 20, parágrafo primeiro, da Lei 8742/93 não é exauriente para delimitar o conceito de unidade familiar'.
Dessa maneira, observa-se que a decisão rescindenda adotou uma das possíveis soluções aceitas pela jurisprudência, motivo pelo qual não restou demonstrada eventual violação a qualquer dispositivo normativo. De outra banda, havendo diversidade de interpretações possíveis acerca de matéria de índole infraconstitucional, é imperioso o reconhecimento do óbice previsto na Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal, conforme demonstrou a decisão agravada."
"... o argumento de que a decisão rescindenda afrontou o disposto no parágrafo 1º do artigo 20 da Lei n.º 8.742/1993, por ter considerado como grupo familiar, para fins de concessão do amparo social, todas as pessoas residentes no mesmo imóvel, incluindo o irmão maior de 21 (vinte e um) anos, a cunhada e a sobrinha, não merece guarida.
No que tange ao conceito de família, a redação original do dispositivo, dispunha, para fins de benefício de prestação continuada, que família deveria ser entendida como a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes.
Com o advento da Lei n.º 9.720, de 30.11.1998, aludido dispositivo foi modificado no sentido de se entender como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto, o que abarcava o cônjuge, o companheiro (a), os pais, os filhos e irmãos não emancipados de qualquer condição, menores de 21 anos ou inválidos. Essa era a redação do parágrafo 1º do artigo 20 da 8.742/1993 quando do julgamento da decisão objurgada, ocorrido em 25.04.2006.
No entanto, naquela época, a jurisprudência atinente à composição do núcleo familiar não era uníssona, tendo ensejado, inclusive, pedido de uniformização na Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, cuja ementa restou assim redigida:
EMENTA BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. MISERABILIDADE. CONCEITO LEGAL DE FAMÍLIA. APLICAÇÃO DO ART. 20 DA LEI 8.742/1993 E ART. 16 DA LEI 8.213/1991. RENDA FAMILIAR PER CAPITA INFERIOR AO LIMITE DE ¼ DE SALÁRIO MÍNIMO. Pedido de Uniformização de Jurisprudência baseado em dissídio entre o acórdão da Turma Recursal do Paraná e entendimento das Turmas Recursais de São Paulo e Ribeirão Preto, segundo o qual são considerados como integrantes da família apenas os dependentes para fins previdenciários de acordo com o art. 20, § 1º da Lei nº 8.742/1993 c.c. o art. 16 da Lei nº 8.213/1991. Avós, tios e primos, não são dependentes para efeitos previdenciários, de acordo com o art. 16 da Lei nº 8.213/1991, não fazendo parte, portanto, do conceito legal de família previsto pelo art. 20, § 1º da Lei 8.742/1993. Assim, a renda familiar é inexistente. Logo, a renda per capita familiar é zero, portanto, inferior até mesmo ao limite legal de ¼ de salário mínimo. Incidente conhecido e provido.
(TNU, PEDILEF n.º 200570950048471, Rel. Juíza Federal Renata Andrade Lotufo, DJU 01.12.2006).
Observa-se do pedido de uniformização que a decisão proferida pela Seção Judiciária do Paraná considerava como grupo familiar as pessoas que residiam no mesmo imóvel e concorriam para a manutenção da família, não se restringindo, portanto, à interpretação literal do disposto no § 1º do artigo 20 da Lei n.º 8.742/1993, ao passo que o entendimento perfilhado pelas Turmas Recursais de São Paulo e Ribeirão Preto considerava como núcleo familiar as pessoas descritas no rol do artigo 16 da Lei n.º 8.213/1993.
Para melhor compreensão, colaciono trecho do voto em que constam os dois entendimentos:
(...)
Com efeito, a Turma Recursal do Paraná fundamentou seu decisum na própria sentença, pois a confirmou pelos próprios fundamentos. Assim, entendeu a referida Turma que a renda per capita familiar ultrapassava o limite legal de ¼ de salário mínimo, ficando consignado expressamente na sentença que:
'A alegação de que alguns moradores relacionados no auto de constatação não podem integrar o grupo familiar para o fim de se computar a renda per capita não pode prevalecer. Assim como ocorre com o requisito da renda per capita, é necessária uma interpretação material dos dispositivos regentes. Nesse sentido, deve ser considerado grupo familiar as pessoas que realmente residem no mesmo imóvel, e que concorrem para a manutenção da família como um todo, não se restringindo à interpretações literais e em dissonância com o aspecto fático.'
Transcrevo, em parte o primeiro paradigma:
'A controvérsia se limita quanto ao requisito da hipossuficiência.
No que concerne à hipossuficiência, o artigo 20, parágrafo 3º, da Lei nº 8.742/03 estabeleceu o parâmetro de ¼ do salário mínimo da renda per capita para aferição da hipossuficiência. Para o cômputo deste valor, devem-se considerar as pessoas que convivam sob o mesmo teto com o autor e as condições financeiras da família.
Cabe destacar que a autora e sua genitora vivem com sua avó e que ambas dependem exclusivamente dos valores por esta percebidos a título de aposentadoria. O laudo social é claro quando da sua conclusão: "a autora e sua mãe dependem em todos os níveis e financeiro do auxílio da avó; que devido À deficiência apresentada (pela autora) a autora e sua mãe não reúnem condições de proverem a própria manutenção."
Ora, a avó da autora, segundo o dispositivo legal constante do artigo 20, § 1º da Lei n. 7.742/93, não pode ser considerada componente do grupo familiar para a composição da renda e aferição da hipossuficiência da família. A avó da autora, legalmente, para os fins de amparo assistencial, não possui obrigação de sustentar a neta deficiente e a filha, pois não consta do rol do artigo 16 da Lei n. 8.213/91, a saber:
'Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto. (Parágrafo alterado pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)'. (Grifo nosso).
A discussão acerca do assunto também ensejou, naquela oportunidade, a publicação do Enunciado n.º 51 do FONAJEF, acolhendo o entendimento de que o art. 20, parágrafo primeiro, da Lei 8742/93 não é exauriente para delimitar o conceito de unidade familiar.
Como se vê, a decisão objurgada ao considerar que o núcleo familiar era composto não só pelo ora réu, mas também por seus genitores, irmão (maior de 21 anos), cunhada e sobrinha, adotou uma das interpretações possíveis ao deslinde da causa, incidindo no caso desta rescisória o óbice da Súmula n.º 343 do Supremo Tribunal Federal."

No mesmo sentido, embora menos recentemente: Agravo Regimental na Ação Rescisória 2011.03.00.030196-2, rel. Desembargadora Federal Marianina Galante, j. em 8.3.2012, Diário Eletrônico de 19.3.2012.

Mesmo que assim não fosse, ou seja, ainda que se entendesse possível adentrar no exame acerca da alegada violação, também nesse caso não resultaria em melhor sorte à parte autora.

O reconhecimento de eventual afronta ao artigo 20, § 1º, da Lei 8.742/93, não seria o bastante à desconstituição do julgado, por subsistir o ponto em que decidido ausente também o pressuposto legal necessário à concessão do benefício assistencial correspondente à demonstração da condição de pessoa deficiente, aspecto aqui nem sequer abordado, circunstancia a resultar, portanto, na inviabilidade do presente feito, pois, afinal, "Quando a decisão rescindenda tem dois fundamentos, a rescisória só poderá vingar se for procedente em relação a ambos (STJ-2ª Seção, AR 75, Min. Barros Monteiro, j. 27.9.89, DJU 20.11.89; RTJ 83/674, RJTJESP 43/272, JTA 112/301)" (Theotonio Negrão, obra citada, 46ª edição, p. 623).

Dito isso, julgo improcedente o pedido de rescisão formulado na presente demanda.

Sem condenação em verba honorária, à vista da assistência judiciária gratuita deferida nos autos.

É o voto.


THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora


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