D.E. Publicado em 19/12/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e dar parcial provimento à remessa necessária, tida por interposta, para condenar a autarquia no pagamento de "aposentadoria especial" desde a data da citação (21/09/2011), estabelecer que sobre as parcelas vencidas incidirá correção monetária a ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, além de juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o mesmo Manual, e para reduzir a verba honorária de sucumbência, fixando-a no percentual de 10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, conforme Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça, mantidos os demais termos consagrados na r. sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001780-31.2011.4.03.6123/SP
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, em ação previdenciária ajuizada por GESIEL WAGNER QUINTANEIRA, objetivando o reconhecimento de atividade laborativa especial, com vistas à concessão de "aposentadoria especial".
A r. sentença (fls. 101/112) julgou parcialmente procedente o pedido, acolhendo a especialidade do período de 15/06/1986 a 21/09/2011, concedendo "aposentadoria especial de aeronauta" à parte autora (cumpridos 25 anos, 03 meses e 07 dias de atividade, conforme tabela de fl. 113), a partir de 14/06/2011 (quando completados, efetivamente, 25 anos de labor especial), determinando que sobre os valores atrasados incidam juros de mora e correção monetária, com observância da prescrição quinquenal das parcelas. Condenou a autarquia no pagamento de honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor apurado até a prolação da sentença, isentando-a do pagamento das custas, em virtude da gratuidade deferida nos autos (fl. 76). Por fim, concedida a tutela antecipada (comprovada a implantação da benesse em fl. 124).
A autarquia, em seu apelo (fls. 121/122), defende a completa reforma do julgado, sob argumentação, em síntese, de que a modalidade "aposentadoria especial de aeronauta", instituída pela Lei nº 3.501/58, e regulamentada pelo Decreto-Lei nº 158/67, teria sido extinta pela Emenda Constitucional nº 20/98 (ressalvado o direito adquirido), de forma que deveria ser reconhecida, in casu, a não-recepção constitucional do Decreto ou, ainda, sua revogação.
Com as contrarrazões ofertadas pela parte autora (fls. 127/131), foram os autos encaminhados a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Enfatizo que a propositura da presente demanda se verificou em 05/09/2011 (fl. 02), com a posterior citação da autarquia em 21/09/2011 (fl. 76) e a prolação da r. sentença em 30/05/2012 (fls. 112vº), sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973.
A pretensão nos autos consiste na obtenção de "aposentadoria especial" mediante o reconhecimento de especialidade laborativa desde 04/04/1986 (na condição de "aeronauta - comissário de bordo"), com o cômputo de 25 anos dedicados, exclusivamente, a tarefas insalubres, aos 04/04/2011, referindo o autor à postulação administrativa do benefício em 10/06/2011 (sob NB 155.210.405-0, fl. 23).
Verifico que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal especificamente na Lei de Benefícios.
Merece ênfase, aqui, o reconhecimento administrativo quanto ao lapso de 15/06/1986 a 28/04/1995 (fl. 85), cabendo destacar, ainda, que o interstício de 04/04/1986 a 14/06/1986 - originariamente pretendido, na exordial - não foi acolhido em sentença, nem reclamado por meio recursal (pela parte autora), de modo que remanesce a discussão, nestes autos, no tocante ao tempo de trabalho de 29/04/1995 em diante.
Da remessa necessária tida por interposta.
De acordo com o artigo 475 do CPC/73:
No caso, a r. sentença condenou o INSS a implantar, em favor da parte autora, o benefício de "aposentadoria especial". E não havendo como se apurar o valor exato da condenação, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário, nos termos do inciso I, do artigo retro mencionado, e da Súmula 490 do STJ.
Da aposentadoria especial.
A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei n. 3.807, de 26.08.1960 (Lei Orgânica da Previdência Social, LOPS). Sobreveio a Lei n. 5.890, de 08.06.1973, que revogou o artigo 31 da LOPS, e cujo artigo 9º passou regrar esse benefício. A benesse era devida ao segurado que contasse 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, de serviços para esse efeito considerados penosos, insalubres ou perigosos, por decreto do Poder Executivo.
O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a agentes nocivos.
Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria especial, sendo que o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos, enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais.
Atualmente, a aposentadoria especial encontra previsão no art. 57 da Lei nº 8.213/91, cuja redação prevê que "(...) será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)". (grifo nosso)
Logo, até a edição da Lei nº 9.032/95, era possível o reconhecimento da atividade especial: (a) com base no enquadramento na categoria profissional, desde que a atividade fosse indicada como perigosa, insalubre ou penosa nos anexos dos Decretos nº 53.831/64 ou 83.080/79 (presunção legal); ou (b) mediante comprovação da submissão do trabalhador, independentemente da atividade ou profissão, a algum dos agentes nocivos, por qualquer meio de prova, exceto para ruído e calor.
A apresentação de laudo pericial, Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP ou outro formulário equivalente, para fins de comprovação de tempo de serviço especial, somente passou a ser exigida a partir de 06.03.1997 (Decreto nº. 2.172/97), exceto para os casos de ruído e calor, em que sempre houve exigência de laudo técnico para verificação do nível de exposição do trabalhador às condições especiais.
Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, frise-se, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
O Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.6, fixou o nível mínimo em 80 dB. Por força do Quadro I do Anexo do Decreto nº 72.771/73, de 06/09/1973, esse nível foi elevado para 90 dB.
O Quadro Anexo I do Decreto nº 83.080/79, mantido pelo Decreto nº 89.312/84, considera insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 90 decibéis, de acordo com o Código 1.1.5. Essa situação foi alterada pela edição dos Decretos nºs 357, de 07/12/1991 e 611, de 21/07/1992, que incorporaram, a um só tempo, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24/01/1979, que fixou o nível mínimo de ruído em 90 dB e o Anexo do Decreto nº 53.831, de 25/03/1964, que fixava o nível mínimo de 80 dB, de modo que prevalece este, por ser mais favorável.
De 06/03/1997 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 2.172/97, e de 07/05/1999 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 3.048/99, o limite de tolerância voltou a ser fixado em 90 dB.
A partir de 19/11/2003, com a alteração ao Decreto nº 3.048/99, Anexo IV, introduzida pelo Decreto nº 4.882/03, o limite de tolerância do agente nocivo ruído caiu para 85 dB.
Observa-se que no julgamento do REsp 1398260/PR (Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014), representativo de controvérsia, o STJ reconheceu a impossibilidade de aplicação retroativa do índice de 85 dB para o período de 06/03/1997 a 18/11/2003, devendo ser aplicado o limite vigente ao tempo da prestação do labor, qual seja, 90 dB.
Assim, temos o seguinte quadro:
Importante ressaltar que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais.
Saliente-se, mais, e na esteira de entendimento deste E. TRF, "a desnecessidade de que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre, em face de inexistência de previsão legal para tanto, e desde que não haja mudanças significativas no cenário laboral" (TRF-3, APELREEX 0004079-86.2012.4.03.6109, OITAVA TURMA, Rel. Des. Fed. TANIA MARANGONI, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 15/05/2015). No mesmo sentido: TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1423903 - 0002587-92.2008.4.03.6111, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em 24/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/11/2016).
Por derradeiro, no que se refere ao uso de equipamento de proteção individual, verifica-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335/SC, em sede de repercussão geral, fixou duas teses:
Destarte, a desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
Saliente-se que, conforme declinado alhures, a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
Do caso concreto.
Note-se, como elemento profissional máximo, a CTPS da parte autora (fl. 22), descrevendo seu ciclo de tarefas, roborada pelo resultado de pesquisa ao CNIS (fls. 74/75 e 82/84).
Por mais: o Perfil Profissiográfico - PPP (fls. 24/25) fornecido pela empresa VARIG Viação Aérea Rio Grandense S/A, indicando que, no período de 29/04/1995 a 14/12/2006, a parte autora desempenhara tarefas como comissário de bordo, descrevendo o seguinte panorama, quanto à sujeição a fatores de risco: "o aeronauta, na qualidade de tripulante, trabalha a bordo de aeronaves, exposto de forma habitual e permanente, a desgaste orgânico, devido a altitudes elevadas, com atmosfera mais rarefeita e menor quantidade de oxigênio, variações da pressão atmosférica em pousos e decolagens e baixa umidade relativa do ar, sujeitos a barotraumas, hipóxia relativa constante, implicações sobre a homeostase e alterações do ritmo cardíaco, fazendo jus ao adicional de compensação orgânica".
Já os PPPs (fls. 27 e verso, e 98) fornecidos pela empresa VRG Linhas Aéreas S/A - Grupo Gol (sucessora da empresa VARIG) noticiam que, a partir de 15/12/2006 e até 04/05/2012 (considerada a emissão do PPP - fl. 98), o autor estivera exercendo a atividade de chefe de cabine (coordenadoria tripulação comercial), cujas atribuições seriam: Assegurar o cumprimento de normas e procedimentos da Empresa e da ANAC no que tange à segurança e atendimento a bordo. Exercer papel fundamental como porta-voz da empresa junto aos clientes. Efetuar e participar em (sic) atividades promocionais a bordo. Demonstrar aos passageiros os procedimentos de segurança e emergência. Contribuir para o bom entrosamento entre os demais colaboradores e prestadores de serviços, objetivando um atendimento de qualidade com respeito e profissionalismo. Servir bebidas e refeições. Controlar a entrada e saída de alimentos da aeronave. Zelar pela manutenção da limpeza da aeronave entre os vôos. A bordo da aeronave está sujeito a variações de pressão, temperatura e exposição a ruídos. Responsável pela supervisão do padrão de segurança e atendimento a bordo nas situações normais e de emergência (...). (destaques realizados por este Relator)
Com efeito, no interior de aeronaves, os comissários de bordo estão sujeitos a pressões atmosféricas anormais, assemelhadas a caixões ou câmeras hiperbáricas, assim condizente com os códigos 1.1.7 do Decreto nº 53.831/64, 1.1.6 do Decreto nº 83.080/79, 2.0.5 do Decreto nº 2.172/97 e 2.0.5 do Decreto nº 3.048/99.
Colhe-se do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, neste sentido:
(grifei)
Para além, o Resp nº 1.461.040-SC (Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, prolação em 14/05/2018, e publicação no DJe em 18/05/2018).
E o seguinte julgado, desta Corte Regional:
Logo, o conjunto probatório viabiliza o reconhecimento da especialidade, como supra descrito.
Conforme planilhas anexas, computando-se todos os intervalos laborativos da parte autora, de índole unicamente especial, constata-se que, na data do pedido administrativo (10/06/2011), totalizava 24 anos, 11 meses e 26 dias de tempo de serviço especial, muitíssimo próximo da marca dos exigidos 25 anos de dedicação exclusiva a tarefas de ordem especial, à concessão da "aposentadoria especial". Sendo assim - e em iguais moldes delineados em sentença - avança-se até a data de 14/06/2011 (apenas 04 dias a frente do pleito administrativo), de modo que cumpridos, então, os 25 anos exigidos à concessão vindicada - de aposentadoria especial, nos termos do art. 57 da Lei nº 8.213/91.
O marco inicial da benesse fica estipulado na data da citação da autarquia, aos 21/09/2011 (fl. 76), porque, consoante já explicitado, irrealizável a fixação na data da postulação administrativa.
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente - conforme, aliás, preconizava o §4º, do art. 20 do CPC/73, vigente à época do julgado recorrido - o que restará perfeitamente atendido com o percentual de 10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS e dou parcial provimento à remessa necessária, tida por interposta, para condenar a autarquia no pagamento de "aposentadoria especial" desde a data da citação (21/09/2011), estabelecer que sobre as parcelas vencidas incidirá correção monetária a ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, além de juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o mesmo Manual, e para reduzir a verba honorária de sucumbência, fixando-a no percentual de 10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, nos termos da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça, mantidos os demais termos consagrados na r. sentença.
É o voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 11/12/2018 19:07:03 |